terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Os Sete Pecados do Rock Nacional - Parte I: A IRA (Ira! - Psicoacústica [1988])



Em parceria com o blog Consultoria do Rock, o Baú do Mairon a partir dessa semana começa uma série de reportagens sobre os revolucionários anos do rock nacional no final da década de 80 e início da década de 90. Nos próximos três meses, quinzenalmente iremos apresentar aqueles que o autor considera Os Sete Pecados do Rock Nacional. A ideia de "pecado" é associado aos pecados capitais: Ira, Gula, Preguiça, Cobiça, Vaidade, Avareza e Luxúria. Todos esses pecados acabaram levando à problemas internos para o grupo/artista que o lançou, marcando a carreira do mesmo para a eternidade dentro do rock brasileiro. 

Assim, sete discos irão representar os Sete Pecados Capitais citados acima, porém através dos Sete Pecados do Rock Nacional, começando justamente pela IRA, o pecado feito pelo grupo que carrega isto em seu nome. Vamos aos textos ...


Em 1985, o Brasil (mais especificamente o Rio de Janeiro) recebeu a primeira edição do Rock in Rio. O evento foi saudado por todos os amantes de rock, heavy metal e pop no país, permitindo que muitos jovens pudessem assistir aos seus ídolos internacionais pela primeira vez, como era o caso do Iron Maiden, AC/DC, Scorpions, Yes, ou até mesmo matar as saudades do Queen, que havia passado por aqui em 1981. O Rock in Rio também propiciou o surgimento de diversos novos talentos do rock naciona. Kid Abelha e os Áboboras Selvagens, Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho, Blitz, entre outros, apresentavam para o Brasil o novo rock do país, que acabou sendo batizado de BRock, e que estava longe do progressivo que dominou a década de 70 através de gigantes como Mutantes, O Terço, Som Nosso de Cada Dia, entre outros. 

No ano seguinte, o estouro do grupo R. P. M., capiteneado pelo vocalista Paulo Ricardo, e levado pelo enorme sucesso de vendas do LP Rádio Pirata Ao Vivo (mais de dois milhões e meio de cópias vendidas em toda sua história, uma marca praticamente inalcançável até hoje), mostrava que o rock nacional estava se consolidando cada vez mais. Além disso, Titãs, com Cabeça Dinossauro, e Legião Urbana, com Dois, ambos lançados também em 1986, fizeram daquele ano o melhor da indústria fonográfica ligada ao rock brasileiro, conquistando espaço na mídia e em lugares antes restritos a artistas da elite da música, como o programa do Chacrinha na Rede Globo e o programa do Fausto Silva (hoje Faustão) na TV Bandeirantes. 

Esse sucesso do rock nacional permitiu que muitos meninos e meninas fundassem sua própria banda. No embalo das vendas, grupos como Ira!, Camisa de Vênus, Os Eles, Heróis da Resistência, Replicantes, Inocentes, Ultraje a Rigor, Hojerizah, Capital Inicial, Engenheiros do Hawaii, Nenhum de Nós, entre outros, passaram a eclodir em todo o país (apesar de já terem uma certa estrada percorrida), deixando um ou dois sucessos para a posteridade, e claro, seu nome entre os mais vendidos. 

Porém, como muita coisa no país, a febre do rock nacional nos anos 80 começou a perder força logo em 1987. Não que as vendas estivessem diminuindo, mas sim, o ego inflado de seus membros, que se sentiam mais importantes que os grupos internacionais. 


O festival que abriu espaço para a Revolução do rock nacional,
e a criação dos Sete Pecados que irão ser tratados nessa série


A segunda edição do festival Hollywood Rock, realizada em 1988 em São Paulo e no Rio de Janeiro, foi a amostra perfeita da desunião do rock nacional. Enquanto o cast internacional trazia Pretenders, Supertramp, Simple Minds, UB40, Simply Red e Duran Duran, o cast nacional teve shows espalhados entre Ira!, Titãs, Paralamas do Sucesso, Ultraje a Rigor, Marina e Lulu Santos. 

Foi exatamente esse evento que culminou com o início de uma das maiores revoluções já vistas na história do rock, que digo sem medo, teve proporções internacionais. Através de uma completa revolta contra o sistema, alguns grupos brasileiros passaram a lançar discos que em nada lembravam o que eles haviam registrado até então, discos esses que foram recebidos com um choque tão grande pela imprensa e pelos fãs que quase foram tratados como pecaminosos, por não seguirem a linha correta esperada do rock nacional. 


No total, no período entre 1988 e 1994, sete discos do rock nacional simbolizaram a revolução que a música precisava ter naquele período aqui no Brasil, e são esses sete discos que serão apresentados nessa série de matérias, batizadas como Os Sete Pecados do Rock Nacional, onde cada disco será associado à um dos Pecados Capitais da Igreja. 

O primeiro a cometer um pecado foi justamente um grupo que carrega um destes pecados em seu nome, o grupo Ira!. Os paulistas haviam sido convocados para ser a primeira banda a se apresentar na segunda edição do Hollywood Rock, e o resultado foi desastroso. 

Estando no auge do sucesso, graças ao grande número de vendas do álbum Vivendo e Não Aprendendo (lançado também em 1986, e que vendeu 200 mil cópias em menos de um ano), carregado por canções clássicas como “Envelheço na Cidade”, “”Gritos na Multidão”, “Pobre Paulista” e principalmente, “Flores em Você”, a qual foi tema na novela global O Outro, Nasi (vocais), Edgar Scandurra (guitarras, vocais), André Jung (bateria) e Ricardo Gaspa (baixo, vocais) estavam, como diria anos depois o próprio Scandurra, sentindo-se grandes, e aproveitaram para colocar para fora toda sua indignação com o festival e como eram tratados os músicos brasileiros. 

Em plena conferência de imprensa, o Ira! reconheceu se rebelar, e diante de toda a imprensa reunida, e dos embasbacados organizadores do festival, denunciaram que os artistas brasileiros não recebiam cachê para se apresentar, além de ter um tratamento muito inferior ao destinado às estrelas internacionais. 


Nasi (agachado), André Jung, Edgar Scandurra e Ricardo Gaspa

Apesar da realidade divulgada pelo Ira!, o grupo ficou sozinho na manifestação, já que os demais grupos não se importaram com a situação, vendo a chance do festival como uma forma de ampliar e conquistar mais fama e prestígio. A popularidade que o Ira! havia conquistado tinha ido por água abaixo, e para piorar, sofreram sabotagem durante sua apresentação no evento, com diversas falhas de som e a interrupção de seu show pela produção do Hollywood Rock Festival antes do horário planejado, enquanto o público gritava insanamente o nome do grupo. 

Putos da vida, o Ira! despediu-se mediocremente do cenário de festivais nacionais para sempre, virando o patinho feio do rock nacional, sendo chamados de rebeldes sem causa e principalmente de ingênuos, principalmente depois que foi revelado o que Scandurra havia feito no camarim, destruindo tudo o que encontrou pela frente, além de quase atingir a guitarra em um dos promotores do evento. Para piorar, o Titãs, grupo que entrou no palco logo depois do Ira!, cativou tanto ao público quanto a imprensa, graças aos sucessos do mais recente (na época) disco do grupo, Jesus Não Tem Dentes No País dos Banguelas (1987), e claro, aproveitando ainda a crista da onda do insuperável Cabeça Dinossauro

O choque foi tamanho para o Ira! que o quarteto por pouco não se separou. Nasi passou a ouvir novos gêneros, como o hip hop e rap, e acabou se apaixonando por Run DMC e Grandmaster Flash, chegando a produzir discos do estilo para artistas como Thaíde & DJ Hum, O Credo, Fábrica Fagus, e outros, além de passar horas do dia assistindo ao filme O Bandido da Luz Vermelha, lançado em 1968 por Rogério Sganzerla. Nasi levou para seu novo mundo  André Jung, que também ficou fascinado pela levada do som do hip hop. Ambos acabaram produzindo o LP Hip-Hop: Cultura de Rua (1988), contando com a participação de artistas como Thaíde & DJ Hum, MC Jack, O Credo e Código 13. 


Edgar e sua cara de poucos amigos com os gostos de Nasi
Edgar ficou irado. Roqueiro desde nascença, não conseguia admitir que seus principais colegas estavam indo para outro lado. E pior, ele mesmo sentia-se diferente com relação ao rock, gostando da ideia de ouvir novos sons, e buscando criatividade principalmente na música eletrônica de Brian Eno. 

Avessos às críticas, Jung, Nasi, Scandurra e Gaspa trancaram-se nos estúdios, e decidiram criar um disco onde não tinham que mostrar nada para ninguém, apenas para eles mesmo que ainda era possível fazer algo que gostassem. A raiva do quarteto (principalmente de Nasi e Scandurra) com relação à imprensa e ao modo como foram tratados no Hollywood Rock, fez com que decidissem se auto-produzir, contando apenas com uma breve participação do produtor português Paulo Junqueiro. 


Livres para agir como quisessem, eles despejaram toda sua raiva em um disco fantástico, ao mesmo tempo que cometeram um pecado sacrilégico: a ira. Surgia assim um dos melhores discos da história do rock nacional, e com certeza, para este que vos escreve, o melhor disco lançado no Brasil desde 1980 até meados da década passada. 

Lançado em maio de 1988, Psicoacústica já havia começado a ser gravado em novembro de 1987, mas foi depois do festival Hollywood Rock que ele tomou forma, e virou o que muitos hoje chamam de visionário, ousado, criativo e até mesmo, maldito e suicida. Nas oito longas faixas do LP, anticomercial total (todas as faixas tem mais de três minutos, e a maioria beira os cinco minutos, por isso serem considerado longas, já que as canções de sucesso na época dificilmente alcançavam os três minutos de duração), nada que se quer lembrasse o que o Ira! havia feito no seu álbum de estreia três anos antes (o bom Mudança de Comportamento), e tão pouco o sucesso intenso de Vivendo e Não Aprendendo

Misturando psicodelia com hip hop, rap, reggae, mod, heavy metal e outros gêneros menos relevantes no álbum, Psicoacústica é um disco de difícil assimilação nas primeiras audições, e que em 1988, só poderia ter se tornado o que se tornou: um verdadeiro fracasso comercial. Mas, depois de uma audição atenta, é impossível não saborear cada segundo de um disco seminal, que virou anos depois o mais aclamado e cultuado disco da banda, entrando em tudo quanto é lista de Melhores Discos da História do Rock Nacional feitas a partir do final da década de 90 em diante. 


Foto promocional de Psicoacústica, com os integrantes usando
o óculos-3D que vinha encartado no LP

O disco abre com a agressiva bateria introduzindo “Rubro Zorro”, trazendo o riff rasgado de Edgar junto com o baixo. A pesada introdução da canção em nada lembra o que o Ira! Havia feito antes. O ritmo surge, trazendo o sampler do filme O Bandido da Luz Vermelha (inspiração para a letra da canção), e os vocais de Nasi, agora em um ritmo mais próximo ao que o Ira! havia feito principalmente em seu primeiro disco, apesar da clara diferença na mixagem da bateria. O tranquilo ritmo da canção avança até o solo de Edgar, sem muitas firulas, entremeados por falas de Nasi. A letra é repetida, e agora, a guitarra de Scandurra se faz mais presente, como uma espécie de The Edge para as canções do U2, fazendo dedilhados, notas rasgadas e viajantes, enquanto Nasi solta palavras completamente aleatórias, que levam ao final dessa primeira e diferente canção com o barulho ensurdecedor d ebaixo, bateria e muits guitarras. 

Manhãs de Domingo” surge com os teclados de Scandurra, sugerindo uma missa na igreja, até que um sustain de guitarra apresenta o pesado riff da canção, fazendo a melodia ao lado de um teclado fantasmagórico. O baixo cavalgante de Gaspa passa a acompanha os vocais de Nasi, e é incrível a performance de Jung nessa canção, detonando os pratos e socando a caixa como nunca. Scandurra e Nasi dividem os vocais a partir de então, e a paulada de guitarras e teclados fantasmagóricos nos remetem aos anos de psicodelia da década de 60. A canção diminui o ritmo, e então, vozes sobrepostas contam a chegada do personagem principal em sua casa, depois de uma noite de orgias e loucuras, exatamente na hora do almoço. A letra é repetida sobre o ritmo inicial, enaltecendo a presença marcante de Scandurra, com uma performance que eu considero a melhor da sua carreira. O ritmo lento, somente com a marcação do prato e das cordas abafadas, retorna, para então, Jung detonar abateria, enquanto vocalizações de Scandurra acompanham as vozes de Nasi cantando o nome da canção, além da guitarra e baixo enlouquecidos ao fundo. 

O riff de guitarras sobrepostas, com efeitos e tudo mais, apresenta a sombria marcação de baixo e bateria em “Poder, Sorriso e Fama”, onde novamente a guitarra de Scandurra está muito assombrosa. Nasi canta quase sussurrando, e os efeitos na guitarra são assustadores. É difícil explicar o que ele faz com o instrumento. Acompanhado pelo pesado ritmo de Jung e Gaspa, Edgar delira em notas rasgadas, agudas e com muito efeito. Ambos cantam o refrão, que nada mais é do que o nome da canção, e a guitarra agora nos envia para os primeiros discos do Mutantes, onde Sérgio Dias (guitarrista do grupo) carregava de lisergia as canções que Rita e Arnaldo cantavam. A alucinante sessão final, com muitas guitarras sobrepondo a voz de Nasi e Scandurra, são o ponto de êxtase da faixa, que encerra-se com a repetição do refrão, entre os timbres fantasmagóricos de Scandurra. 

O lado A encerra-se com “Receita Para Se Fazer Um Herói”, uma espécie de balada sessentista, que começa com um ritmo simples de guitarra, baixo e bateria acompanhando as mudanças de acorde do órgão tocado por Roberto Firmino. Nasi passa a dar a receita para se fazer um herói, acompanhado por um ritmo muito singelo, em um reggae a la The Clash (uma das principais influências do grupo desde seu surgimento em 1981), que permeia toda a canção, a menos da pesada sessão central que leva ao debochado final da letra dizendo que o herói “serve-se morto!”. O estranho solo de Scandurra surge apenas como uma ponte central, seguido pela sessão central e repetição de toda a letra, agora com Scandurra adicionando ritmos de instrumentos como a craviola e o banjo, levando ao majestoso solo de metais feito por Don Harris (trompete), para então, o reggae clashiano levar ao final da canção, com pequenas vocalizações e destaque para o órgão. 


Capa interna, vinil e óculos de Psicoacústica

O lado B abre com o baixo de “Pegue Essa Arma”, outra inspirada pelo filme O Bandido da Luz Vermelha, envolto por percussões e intervenções da guitarra fantasmagórica de Scandurra, a qual faz a canção crescer, explodindo no pesado riff da mesma, lembrando filmes de James Bond. Nasi canta sussurrando, enquanto no fundo, baixo, bateria e guitarra fazem uma batalha para ver quem aparece mais. Não tem como não destacar a bela participação de Gaspa nessa canção, sendo o responsável pelo ritmo da mesma. Mais samplers do filme de Sganzerla são ouvidos, enquanto Gaspa puxa o ritmo para Edgar delirar na guitarra, batendo nas cordas de um jeito totalmente estranho, lembrando novamente o U2, mas agora aos momentos de improviso que o grupo fazia no auge da sua carreira. Depois de Nasi incitar o ouvinte a “pegar sua arma”, o estranho solo de Scandurra, com notas engasgadas, toma conta das caixas de som, crescendo em um orgístico ritmo, para Nasi voltar à letra, concluindo com o refrão, onde as intervenções vocais de Scandurra dão mais corpo à canção. 

Um sintetizador puxa o pesado riff de “Farto de Rock’n’Roll”, um rockzão endiabrado comandado por baixo , guitarra e as batidas furiosas de Jung, responsável pelo ritmo que acompanha a voz de Edgar, detonando o rock, já que Nasi recusou-se a cantar a letra por achá-la muito agressiva. O mais interessante é que Scandurra compôs a canção justamente por não aceitar a incursão de Nasi no hip-hop, tentando dar uma espécie de “sinal” para ele, o que acabou não dando certo. O grudento riff de baixo e guitarra fica circulando toda a canção, enquanto Edgar faz vocalizações insinuantes. A parte central da canção muda o ritmo, com um riff inspirado em Led Zeppelin, voltando então ao riff inicial, onde samplers de plateia aparecem, para Scandurra escancarar com fúria que “já estou farto do rock’n’roll”. As vocalizações insinuantes voltam, assim como o riff zeppeliano, e então, scratches aparecerem no meio de percussões de samba. O hipnotizante riff da guitarra e baixo voltam para o ouvinte, que agora tenta assimilar a fúria de Nasi e Scandurra gritando o nome da canção, clamando por “outros sons, outras batidas, outras pulsações”, enquanto a guitarra faz seu solo final de uma canção magistral, rebelde, punk como nunca havia sido ouvido no Brasil. 

O pandeiro abre “Advogado do Diabo”, trazendo o vocal de Nasi cantando uma espécie de rap/hip-hop, com muitos scratches, precurssor do famoso mangue-beat que consagraria grupos como Nação Zumbi, Planet Hemp e Charlie Brown Jr. anos depois. O baixo marcante de Gaspa, os efeitos mirabolantes da guitarra, condensam-se com a percussão sinistra, surpreendendo e inovando. Nunca ninguém tinha tentado algo tão ousado, tão diferente e tão inédito. “Atire a pedra no pequeno, mas um dia você vai se queimar” virou lema para pessoas como Chico Science, fazendo de “Advogado do Diabo” o primogênito do que o Brasil iria cultuar nos anos 90, inclusive com Chico Science colocando-a no repertório da Nação Zumbi, e com o grande destaque da canção novamente para os efeitos de Scandurra em sua guitarra, para a canção encerrar-se com mais um sampler, dessa vez do presidente da LBV Paiva Netto, em uma declaração feita em uma rádio AM, até ouvirmos um tiro. 

Esse tiro nos leva aos violões e a craviola de “Mesmo Distante”, cantada por Scandurra, onde sua melodia vocal é acompanhada por scratches, o violão e muitos efeitos de guitarra. Ouvir essa música e não lembrar do álbum The Piper at the Gates of Dawn (o primeiro disco do Pink Floyd, de 1967) é piada, ou então por que não conhece o disco do Pink Floyd. As influências de Syd Barret aparecem nas desafinações vocais, nas psicodélicas inserções da guitarra, nos efeitos sonoros e principalmente, na melodia simples do violão. Uma aula de psicodelia para a geração saúde dos anos 80, e uma prova de que realmente, o Ira! Não estava nem ai para o sucesso. O impotente final, com vocalizações feitas por um coral entre todos os músicos, acompanhados pelo ritmo marcial da bateria e do violão, fecha com chave de ouro o melhor disco já lançado no país a partir da década de 80, e que causaria muitos problemas para o Ira! a partir de então. 

O álbum acabou naufragando em sua própria inovação. As vendas não passaram de 50 mil cópias (muito para uma banda iniciante, mas pouco para um grupo como o Ira!, que já havia superado as 300 mil cópias com Vivendo e Não Aprendendo). Existem vários motivos para isso, alguns lógicos e outros que inclusive levam a ligações com o coisa-ruim. 


Ira nos anos 90

Primeiro, a difícil definição de estilo, e sendo totalmente nada convencional para ser ouvido nas rádios e na TV, fez com que a gravadora WEA não conseguisse encontrar nenhuma música de trabalho para o LP. A tentativa de compacto ficou com “Pegue Essa Arma”, um fracasso total. 

Mesmo o segundo compacto, “Receita Para Se Fazer Um Herói”, acabou gerando problemas para o grupo. Quando jovem, durante o exército, Edgar conheceu a letra da canção através de um colega seu, o soldado Esteves, que acabou recebendo os créditos no vinil e exigiu uma grana preta do quarteto paultista, chegando a ameaçar o lançamento da obra. Porém, semanas depois do lançamento de Psicoacústica, uma leitora da revista Bizz enviou uma carta para a mesma, dizendo que a letra era muito semelhante à um poema do escritor português Reinaldo Edgar de Azevedo e Silva Ferreira. Esteves foi limado da edição em CD do álbum em 2001, mas até onde se sabe, nunca devolveu o dinheiro que afanou do grupo na cara dura. Para piorar, jogou uma maldição no LP, dizendo que ele não venderia nem a metade do que o grupo havia vendido até então (fato que realmente aconteceu). 

Além disso, o uso de samplers em 1988 era algo praticamente inédito no Brasil. Nasi foi direto procurar o cineasta Rogério Sganzerla para a liberação das frases de O Bandido da Luz Vermelha, que o diretor concordou prontamente, desde que pudesse dirigir um clipe do grupo. A WEA concordou, mas na última hora, Sganzerla pediu muito dinheiro para gravar o clipe, fazendo com que a gravadora desse para trás. Sganzerla então foi mais um a amaldiçoar o LP, chegando inclusive a proibir o lançamento do mesmo. 


A versão original, junto dos óculos-3D

Por fim, a capa original de Psicoacústica trazia um óculos em 3D que vinha de brinde para que os efeitos especiais da capa saltassem aos olhos do fã, a qual consistia de um anaglifo nas cores verde e vermelha, catada por colecionadores em todo o país. Como curiosidade, a versão em K7 de Psicoacústica incluiu uma canção a mais, que é a versão ao vivo de “Não Pague Pra Ver”, retirada exatamente do Hollywood Rock de 1988. 

Depois de Psicoacústica, o Ira! nunca mais conseguiu o status de grande banda do rock. As brigas internas entre Nasi e Scandurra fizeram com que o nome Ira! afundasse cada vez mais. Mesmo os fãs mais antigos não adquiriam os álbuns do grupo com afinco. O pecado da Ira contra tudo e contra todos assombrou o quarteto paulista durante anos, até que em 1999 eles conseguiram voltar novamente às paradas com o disco de covers Isso é o Amor, mas em 2008, o Ira! acabou em definitivo. Um triste fim para uma banda tão importante, que contava com um dos maiores guitarristas, músicos e produtores do país, mas que cometeu o pecado da Ira para destruir uma carreira tão promissora. 

Próximo pecado: A GULA

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Saxon - Call to Arms (LIMITED EDITION) [2011]



Por Mairon Machado (Publicado originalmente no blog Consultoria do Rock)

Dois anos após o lançamento de Into the Labirynth, eis que o Saxon lança seu décimo nono álbum de estúdio. Mantendo a sonoridade presente nos discos da década passada, Biff Byford (vocais), Paul Quinn (guitarras), Doug Scarratt (guitarras), Nibbs Carter (baixo) e Nigel Cloker (baixo) dessa vez resolveram diminuir a presença dos teclados em suas canções, aliando-se à Don Airey quando necessário, e assim, compuseram e registraram o melhor álbum do grupo desde Metalhead (1999), o qual saiu em uma versão limitada no formato duplo, pela Hellion Records.

Nele, o grupo consegue colocar peso, velocidade e elementos misturados dos anos 80 e 90 cozinhando ao mesmo, e o resultado é muito bom. Desde o início, com a paulada "Hammer of the Gods", sabemos que o que estamos ouvindo é um grande disco. Byford mostra que mesmo com o passar do tempo, ainda é um dos principais vocalistas do heavy metal, cantando sem forçar nos agudos, como tem sido nos últimos álbuns. "Back in 79" é pesada, e como o título sugere, retorna aos hardianos sons do final dos anos 70, adaptado para o ano de 2011. 

Nibbs Carter, Nigel Glocker, Biff Byford, Doug Scarratt, Paul Quinn, 
"Surviving Against the Odds" é um rock visceral, onde Quinn mostra sua habilidade para criar riffs pegajosos, e tem tudo para se tornar uma das favoritas dos fãs, enquanto "Mists of Avalon" é uma bela canção, para mim a melhor do CD, com um excelente trabalho de guitarras e teclados, além de um refrão levanta-arena, fora os excepcionais solos de Scarratt e Quinn, seguida pela faixa-título, uma balada pesadíssima, com seu cheiro de anos 90, e uma interpretação vocal mais uma vez perfeita de Byford.

O rock-boogie de "Chasing the Bullet" destaca o baixão de Carter, sendo que em alguns momentos parece estarmos em um disco do ZZ Top, enquanto a entrada matadora de "Afterburner" nos lança diretamente ao início da carreira do Saxon, em uma paulada que também é forte candidata a melhor canção do álbum, com Byford gastando as cordas vocais no refrão que entoa o nome da canção, e Glocker mandando ver em um ritmo alucinante atrás do bumbo. Destaque para o solo de Quinn, realizado sobre o tema feito pelas guitarras gêmeas, e que é uma ótima saudação às origens da NWOBHM.

O grupo durante a turnê de Call to Arms
"When Doomsday Comes (Hibrid Theory)" lembra "Perfect Strangers" (Deep Purple), com o riff pegado de teclado e guitarra, e acaba sendo a canção mais fraca do álbum, soando oitentista demais perto das outras, quase na linha dos renegados Rock the Nations (1986) e Dynasty (1988), sofrendo uma mutação sensível nos solos de Quinn e Scarratt, onde a pegada aumenta e a canção ganha força, mas sem chamar a atenção quando do retorno da letra., ainda mais com o desconexo solo de moog.

"No Rest for the Wicked" coloca o álbum na linha, apesar do refrão bastante AOR, se salvando pelo peso absurdo das guitarras, enquanto "Ballad of the Working Man" é um boogie dançante, destacando as guitarras gêmeas no riff inicial, e mais um refrão grudento. O álbum encerra-se com uma versão orquestrada para "Call to Arms", originalmente batizada de "Call to Arms - orchestral version", similar à versão original, com a diferença justamente sendo o acompanhamento orquestral feito por Matthias Ulmer, tornando-a mais épica e atraente.

Saxon no Monsters of Rock de 1980
Mas o que mais chama a atenção nessa versão é o segundo CD, o qual resgata a apresentação do grupo no festival Monsters of Rock de 1980. Aos que tem o vinil do festival, trazendo apenas "Backs to the Wall" da apresentação dos britânicos, esse CD sacia a sede de ouvirmos o Saxon ainda no começo de carreira, quando tornou-se um dos principais nomes da NWOBHM através do essencial Wheels of Steel (1980), alavancando seu status no mesmo ano com outro grande disco, Strong Arm of the Law, lançado semanas depois dessa fantástica performance.

Contando na época com Byford, Quinn, Graham Oliver (guitarras), Pete Gill (bateria) e Steve Dawson (baixo), o grupo faz um show singular, apresentando canções que hoje são clássicos do grupo e principalmente do heavy metal, com destaque para "Motorcycle Man", "Wheels of Steel" e o estupefante encerramento com a clássica "747 (Strangers in the Night)".

Portanto, se a versão simples de Call to Arms já é um bom pedido, a versão limitada é um verdadeiro tesouro, e que certamente deverá entrar na sua lista de aquisições, caso você já não esteja curtindo os sons de um dos principais nomes do rock mundial.

Track list

CD 1

CALL TO ARMS

01. Hammer of the Gods
02. Back in 79
03. Surviving Against the Odds
04. Mists of Avalon
05. Call to Arms
06. Chasing the Bullet
07. Afterburner
08. When Doomsday Comes (Hibrid Theory)
09. No Rest for the Wicked
10. Ballad of the Working Man
11. Call to Arms - orchestral version

CD 2

SAXON LIVE AT DONINGTON 1980

01. Motorcycle Man
02. Still Fit to Boogie
03. Freeway Mad
04. Backs to the Wall
05. Wheels of Steel
06. Bap Shu Ap
07. 747 (Strangers in the Night)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Teoria da Relatividade Restrita



Revisão histórica 

No final do século XIX, o cientista escocês James Clark Maxwell (1831-1879) unificou em um mesmo objeto os fenômenos elétricos e magnéticos, que haviam começado a serem estudados a partir do século XVII, apresentando ao mundo o que ficou conhecido como suas quatro Leis do eletromagnetismo. A tabela 1 mostra essas quatro Leis.

Tabela 1: Leis de Maxwell na forma integral


Nela, chegamos a duas importantes conclusões: a primeira delas é a inexistência de um monopolo magnético, diferente da existência clara de um monopolo elétrico (a carga elétrica). A segunda e mais importante conclusão, apesar de não estar explícita nas equações acima, é de que a velocidade da luz é constante, valendo (no vácuo)
Essa velocidade constante para a luz acabaria modificando totalmente a forma de pensar dos físicos a partir de 1905. Antes disso, Maxwell (Fig. 1) ainda adicionou o conjunto completo da óptica ondulatória à suas leis. Assim, luz, eletricidade e magnetismo fundiam-se em uma única entidade física, o campo eletromagnético, o qual foi tornando-se enriquecido com o passar dos anos ao serem descobertas as ondas de rádio, os raios gama, os Raios-X, etc. 
Fig 1: O escocês James Clark Maxwell
Esse período em que viveu Maxwell é denominado Física clássica, e que serviu como base para o nascimento da Física Moderna. É exatamente nessa época que, com a Física consolidada pelo ponto de vista Newtoniano, seus estudiosos pensavam que haviam tido um sucesso completo com relação aos estudos dos fenômenos naturais, já que praticamente tudo o que se observava podia ser explicado em termos de conceitos e leis conhecidas na época. 

De certo modo, as novas observações experimentais haviam se ajustado nos lugares aparentemente dispostos para elas nas teorias válidas por mais de um século. Os físicos teóricos perceberam que a física estava em um estado estagnado, totalmente conhecido em detalhes que tinham poucas coisas interessantes, se é que existiam, para as gerações seguintes investigarem. 

Nessa época, os físicos mais ilustres declararam: 

“Todas as descobertas importantes da Física já foram feitas e grande parte da aventura em busca da algo inexplicável desapareceu; o que se espera das gerações futuras é a tarefa de aumentar a precisão das medidas das constantes físicas e as suas relações”. 

Esse ponto de vista mostrou-se totalmente equivocado e presunçoso, graças ao talento de gênios como Albert Einstein, Max Planck, Arthur Compton, Louis de Broglie, entre outros. Vamos então estudar o que Einstein fez de tão relevante. Para isso, voltamos no tempo, para encontrarmos um pequeno erro na Primeira Lei de Newton, que desencadeará todo o desenvolvimento do raciocínio necessário para chegarmos aos postulados de Einstein. 

O problema da Primeira Lei de Newton 

A primeira Lei de Newton, proposta por Isaac Newton (1642-1727) no século XVII nos diz basicamente que, se um corpo está em repouso ou em movimento retilíneo uniforme, esse corpo irá sempre permanecer no seu estado de movimento a menos que uma força atue sobre ele. Porém, não há nenhuma distinção se o corpo que está em repouso pode ser o mesmo corpo que esteja em movimento. 

Vejamos a seguinte situação: considere um corpo que esteja em repouso em relação a você, sem a ação de qualquer força sobre ele. Pela Primeira Lei de Newton, esse corpo irá permanecer em repouso para sempre. Mas agora, considere o mesmo corpo do ponto de vista de um segundo observador, que se move com velocidade constante em relação a você. No referencial desse segundo observador, tanto você como o corpo move-se com velocidade constante. 

Como podemos saber se você e a partícula estão em repouso, e o segundo observador em movimento com velocidade constante, ou se o segundo observador está em repouso, enquanto você e o corpo estão em movimento? 

A Primeira Lei de Newton vale para ambos os observadores, ou melhor, para ambos os referenciais, os quais são chamados de referenciais inércias. Sua definição é a seguinte: 

“Um referencial inercial é aquele no qual as Leis de Newton têm validade”. 

Como conseqüência, temos que todos os referenciais que se movem com velocidade constante em relação a outro referencial inercial são também referenciais inerciais. 

Isso gera como problema o fato de que, se tivermos dois referenciais inerciais que se movem com velocidade constante um em relação ao outro, é impossível dizer qual deles está em repouso e qual está em movimento, ou ainda, se ambos estão em movimento. 

Newton e outros cientistas do século XVII já sabiam disso, mas acabaram desdenhando o problema. Somente em 1895, os cientistas admitiram que realmente a chamada Relatividade Newtoniana não era completamente válida, e que havia a influência de um agente até então não considerado por Newton em suas Leis: a velocidade da luz. 

A experiência de Michelson-Morley 

A luz, como citado no início do texto, ganhou status de relevância a partir das equações de Maxwell. Seu comportamento era tido como o de uma onda qualquer, lembrando que a dualidade onda-partícula só foi proposta em 1926, por Louis de Broglie (1892-1987), o que foi verificado no ano seguinte por Clinton Davisson (1881-1958) e Lester Germer (1896-1971). Desta forma, como todas as ondas mecânicas, a luz necessitava de um meio material para se propagar (o som no ar, a onda no mar, ...). O meio pelo qual a luz deveria se propagar foi chamado de éter. 

Vários foram os experimentos que tentaram revelar o éter ao mundo, mas todos eles fracassaram. O mais famoso foi o realizado por Albert Michelson (1852-1931) e Edward Morley (1838-1923) em Cleveland, Estados Unidos, no ano de 1887, e que ficou conhecida como a Experiência de Michelson-Morley. 

Esse experimento consiste de um complexo e sensível sistema de reflexões da luz através de três espelhos, e consistia em comparar os intervalos de tempo que a luz levava para percorrer a mesma distância em duas situações: uma na mesma direção ao movimento da Terra em relação ao éter, e outra perpendicular à direção do movimento da Terra em relação ao éter. 

Caso fosse percebida alguma alteração, a verificação da influência do éter na velocidade de propagação da luz seria comprovada. O aparelho posteriormente recebeu o nome de interferômetro de Michelson, sendo muito utilizado para o estudo da óptica e de lasers. Porém, o que Michelson e Morley acabaram medindo nas suas diversas tentativas, foi sempre a mesma velocidade, levando então a conclusão de não existência do éter, e a proposta da contração dos corpos materiais quando em movimento por Hendrik Lorentz (1853-1928), o que ficou conhecido como contração de Lorentz, sendo esta verificada por Einstein, o responsável por solucionar o problema da Primeira Lei de Newton.
Fig. 2: Esquema ilustrativo do experimento de Michelson-Morley
Os postulados de Einstein 

No mesmo ano da publicação do seu artigo sobre o efeito fotoelétrico, Einstein enviou outro artigo à Annalen der Physik com o nome de “Eletrodinâmica dos corpos em movimento”. Nele, Einstein apresentava uma reflexão baseada em uma inquietante questão a qual não conseguia se conformar: a incompatibilidade entre o eletromagnetismo e a mecânica. 

Exemplo básico deste fato era o resultado da ação de um ímã sobre um fio condutor eletrizado. Se o ímã se desloca enquanto o corpo eletrizado permanece imóvel, cria-se um campo elétrico em torno do fio. Porém, se o ímã permanece imóvel e o corpo eletrizado se desloca, não se manifesta nenhum campo elétrico. 

Segundo Galileu Gailei (1564-1642), as duas situações são simétricas e o movimento é como se não existisse. Porém, as situações são assimétricas, pois o campo elétrico surge apenas na primeira. Se o princípio da relação entre os corpos de Galileu aplica-se de um modo geral, porque existiria uma exceção nesse caso. 

Fig. 3: Albert Eistein, brincando com a Física
No seu artigo, Einstein propôs conciliar o eletromagnetismo e a mecânica, reconsiderando a noção de tempo. Sua teoria baseia-se nos dois postulados abaixo: 

1. O Postulado da Relatividade: As leis da Física são as mesmas para os observadores em todos os referenciais inerciais. Não existe referencial inercial privilegiado. Galileu admitiu que as leis da mecânica eram as mesmas em todos os referenciais inerciais. Einstein apenas ampliou este princípio de modo a incluir todas as leis da Física, principalmente as do eletromagnetismo e da ótica. 

2. O Postulado da Velocidade da Luz: A velocidade da luz no vácuo tem o mesmo valor c em todas as direções e em todos os referenciais inerciais. 

Ele também pode ser postulado da seguinte forma: 

Na natureza existe uma velocidade limite c, que é a mesma em todas as direções e em todos os referenciais inerciais. Nenhuma partícula com massa pode atingir esta velocidade c, não importando por qual valor ou por quanto tempo seja acelerada. 

O segundo postulado gerou uma grande surpresa entre os físicos, pois do ponto de vista da mecânica Newtoniana, sabia-se perfeitamente que quando há duas ou mais velocidades vistas em dois referenciais diferentes, estas velocidades adicionavam-se ou subtraiam-se. 

Isto originou então o que foi chamado de Relatividade. Tempos depois Einstein, juntamente com o matemático Marcel Grossmann (1878-1936), criaria a Relatividade Geral, chamando a esta relatividade aqui vista por Relatividade Restrita. 

Duas consequências imediatas podem ser retiradas dos postulados de Einstein, e que serão tratados como exemplos:


* EXEMPLO 1: A DILATAÇÃO DO TEMPO 

Imagine que você está com uma pequena lanterna no vagão de um trem em movimento em relação a um amigo seu do lado de fora do vagão, na estrada. Os dois possuem um relógio cada um para medir o intervalo de tempo da propagação da luz para ir do chão ao teto do trem, onde irá refletir-se em um espelho e voltar ao local de origem. Veremos o que irá acontecer em ambos os casos, levando em conta apenas que a velocidade da luz é constante. 

Primeiramente, veremos o que você irá medir. A sua visão será o desenho abaixo. 

Fig. 4: A visão de um observador em repouso em relação ao trem

A luz parte do chão percorrendo uma linha reta até o espelho e voltando para o chão, também em linha reta. Então, você possui um relógio que irá medir o intervalo de tempo de propagação da luz do chão até o espelho. Este tempo será


onde S0 é a distância entre a fonte e o espelho e t0 é o intervalo de tempo medido. Este processo ocorre em um mesmo local e então você pode medir o intervalo de tempo entre eles com um único relógio localizado naquele local, tempo este denominado tempo próprio.

Fig. 5: visão de um observador em movimento em relação ao trem
Iremos agora analisar como seu amigo irá medir o intervalo de tempo. A sua visão do evento será a seguinte: a luz parte do chão, percorrendo uma linha reta até o espelho e voltando ao chão, porém, formando um triângulo como o da figura abaixo. Como ele vê o evento ocorrer em dois locais diferentes, ele necessitará de dois relógios sincronizados para medir o intervalo de tempo. Seu amigo então utilizará da trigonometria para descobrir este intervalo de tempo.


A solução então será

Como (v/c) < 1 para qualquer velocidade não-nula do trem, sempre teremos t > t0. Então, seu amigo irá medir um intervalo de tempo maior que você. 

Por incrível que pareça, esse efeito de dilatação de tempo realmente ocorre, e não tem nada a ver com alterações mecânicas que possam ocorrer nos relógios. Isto ocorre simplesmente devido a própria natureza do tempo. 

*EXEMPLO 2: A CONTRAÇÃO DO COMPRIMENTO (CONTRAÇÃO DE LORENTZ) 

A contração do comprimento é uma consequência direta da dilatação do tempo. Vamos considerar novamente como observadores de um mesmo evento você e seu amigo. Você está dentro do trem que se movimenta em relação a uma estação onde seu amigo encontra-se em repouso em relação à mesma. Ambos pretendem medir o comprimento da estação. Seu amigo, com uma trena, determina seu comprimento Lo; é um comprimento próprio, já que ele está em repouso em relação à plataforma. Seu amigo também observa que um objeto fixo no trem percorre esse comprimento Lo num intervalo de tempo dado por t = Lo/v, onde v é a velocidade escalar do trem. Assim, Lo = vt. 

O intervalo de tempo medido por ele não é um intervalo de tempo próprio, pois os dois eventos que o definem (a passagem do objeto pelas duas extremidades da estação) ocorrem em locais diferentes e ele necessitará de dois relógios sincronizados para medir este intervalo de tempo. 

Para você, porém, é a plataforma que se move. Você vê a plataforma se aproximar e depois se afastar com a velocidade escalar v do trem e verifica que a passagem do objeto pelas duas extremidades da estação ocorre no mesmo local do seu referencial. Então, você pode cronometrar estes eventos apenas com um único relógio, de modo que o intervalo de tempo to que você mede é um intervalo de tempo próprio. Assim to = L/v. Dividindo o comprimento que você achou pelo comprimento encontrado por seu amigo, teremos


Pelo mesmo motivo da dilatação do tempo (v/c <1 para qualquer velocidade não-nula do trem) teremos que a raiz será sempre menor do que 1, fazendo com que aconteça a contração do comprimento. 

Este fato também é um efeito real e isto não nos diz que o objeto encolhe realmente ou que os átomos no corpo realmente se aproximam uns dos outros, mas sim que o comprimento de qualquer objeto é resultado de uma medida afetada pelo movimento. 

Após a divulgação dos postulados de Einstein, vários cientistas realizaram experimentos para comprová-los, o que foi verificado rapidamente. Einstein seguiu seus trabalhos voltados para vários ramos. Ele reformulou a relatividade, criando a relatividade Geral. Em 6 de novembro de 1919 foi gratificado pelos sábios britânicos da Royal Society Londrina por provar teórica e matematicamente as posições aparentes das estrelas devidas ao desvio dos raios luminosos emitidos por elas, contrariando Newton, cujo retrato ocupava lugar de honra. De um dia para outro, Einstein tornava-se o sábio mais célebre do mundo. 

A relatividade assim passou a fazer parte da Física como uma de suas principais teorias, englobando o eletromagnetismo e a mecânica.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

David Bowie - At the Beeb: The Best of BBC Sessions 68 - 72 (Limited Edition) [2000]




Por Mairon Machado (Publicado originalmente no blog Consultoria do Rock)

Colecionadores, caçadores de relíquias e admiradores de David Bowie e do rock 'n' roll em geral, essa postagem é diretamente para vocês. Afinal, a versão limitada do CD At the Beeb, em formato triplo, é simplesmente a melhor forma para que você preencha um espaço na lacuna de sua prateleira em relação ao camaleão David Bowie interpretando suas canções ao vivo.

Essa pequena caixa é na verdade a versão original do que depois se tornou conhecido como o CD duplo At the Beeb, tendo como diferencial justamente o terceiro CD, gravado ao vivo em 2000. Vamos tratar primeiro dos CDs usuais (contidos tanto no lançamento original quanto no lançamento posterior).

Neles, estão inseridas as apresentações de Bowie na BBC desde o início de sua carreira (em 1967) até seu primeiro grande momento na história da música, vestindo o personagem de Ziggy Stardust e consagrando o álbum The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders from Mars (1972).

Encarte de at the Beeb

O CD 1 narra exatamente o período de criação do personagem Ziggy Stardust, com canções da fase inicial da carreira de um Bowie ainda inseguro sobre a trajetória que seguiria. São cinco apresentações na BBC, começando pela apresentação no programa "John Peel in Top Gear", ocorrida no dia 13 de maio de 1968, na qual Bowie apresentou algumas canções desconhecidas do público em geral, que não estiveram presentes em seu álbum de estreia, David Bowie, lançado um ano antes, com exceção da linda "Silly Boy Blue", que encerra a primeira apresentação. Acompanhado da Tony Visconti Orchestra (que contava na época com nomes como Herbie Flowers no baixo, John McLaughlin na guitarra, Barry Morgan na bateria e Alan Hawkshaw), são apresentadas aos ouvintes as canções "In the Heat of the Morning", "London Bye Ta Ta", "Karma Man" e a já citada "Silly Boy Blue". O som da orquestra acompanhando a voz de Bowie mostra um artista ainda confuso entre o mod e o pop rock que assolou a Inglaterra em meados dos anos 50, mas a arrepiante performance de "Silly Boy Blue" já demonstra o talento que Bowie tinha para conquistar e encantar o ouvinte.

Junior's Eyes: John Lodge, John Cambridge, Mick Wayne, Tim Renwick e Graham Kelly

Na segunda apresentação, realizada no "Dave Lee Travis Show" do dia 20 de outubro de 1969, Bowie está acompanhado do grupo Junior's Eyes, que contava com Mick Wayne e Tim Renwick (guitarras), John Lodge (baixo) e John Cambridge (bateria). Duas canções foram extraídas desse show: a inédita "Let Me Sleep Beside You" e "Janine" (de seu segundo disco, David Bowie - 1969), na qual as primeiras mutações do camaleão Bowie começaram a dar as caras, com as inclinações para o rock de "Janine" e a tendência para seguir o folk na linha de Bob Dylan em "Let Me Sleep Beside You", sendo marcante a presença da guitarra de Wayne.

É na terceira apresentação na BBC que o bicho começa a pegar. Explorando um dos melhores discos de sua carreira, o citado David Bowie (também conhecido como Space Oddity, e, nos Estados Unidos, como Man of Words/Man of Music), o artista está ao lado do Tony Visconti Trio, formado por Tony (baixo), John Cambridge (bateria) e o primeiro grande guitarrista a acompanhar Bowie, Mick Ronson. Essa foi a primeira apresentação de Ronson ao lado do camaleão, e o registro é impecável. Bowie e o trio instrumental apresentam-se no "The Sunday Show Introduced by John Peel", gravado no dia 5 de fevereiro de 1970. Naquele dia, o quarteto estava tão inspirado que tocou por mais de uma hora, superando o tempo previsto para apresentação. Dessa forma, algumas canções foram editadas na versão que foi ao ar três dias depois, e que acaba passando para o CD a sensação de "precisamos ouvir mais".

Encarte de at the Beeb
Essa apresentação começou com Bowie sozinho no palco, acompanhado apenas de seu violão e rasgando as cordas vocais em interpretações emocionantes e totalmente dylanescas para "Amsterdam" (clássico do cantor belga Jacques Brel em parceria com Mort Shuman), após aquela voz marcante de John Peel apresentando Bowie, e "God Knows I'm Good". É de chorar com o que Bowie transmite de emoção nessas duas pérolas que nunca foram lançadas em um disco oficial do cantor.

John Peel então convida o trio instrumental para subir ao palco, iniciando uma versão preliminar de uma das obras primas de Bowie, "The Width of a Circle", presente no sensacional The Man Who Sold the World (1970). Essa é a primeira canção verdadeiramente rock feita por Bowie, com muito peso e andamentos variados, indicando o sucesso que a parceria com Ronson renderia. A canção não está na íntegra (a original tem quase nove minutos), mas mesmo assim, ouvi-la em uma versão um pouco diferente do que estamos acostumados, com a sua bela introdução ao violão e com as interessantes linhas de baixo de Visconti, é marcante, além de destacar o primeiro solo de Ronson, sem muitas firulas, mas arrepiando nesse primeiro contato com o fã de Bowie.

Hermione Farthingale, David Bowie, Tony Visconti e John Hutchinson 

Na sequência, retornam para Space Oddity, apresentando as imortais "Unwashed and Somewhat Slighly Dazed", "Cygnet Committee" e "Memory of a Free Festival". Se o rock pesado era a temática de "The Width of a Circle", essas três canções são o melhor momento da fase folk do vocalista. "Unwashed and Somewaht Slightly Dazed" é um pouco amena, com apenas cinco minutos de duração, trazendo uma mistura dylanesca com temperos de The Who, na qual Bowie solta a voz. Mas é na impressionante "Cygnet Committee" que o CD 1 chega ao auge. Oito minutos e 16 segundos de uma estupenda canção, com Bowie declamando um longo poema-manifesto sobre a estabilização de novas e revolucionárias ordens em um determinado local, e diversas mudanças de andamento, ora apenas com Bowie ao violão, ora com o Tony Visconti Trio soltando o braço em um acompanhamento sombrio e tenso, chegando ao explosivo e emocionante tema final da canção, com frases arrepiantes como

I believe in the Power of Good
I Believe in the State of Love
I Will Fight For the Right to be Right
I Will Kill for the Good of the Fight for the Right to be Right

And I open my eyes to look around
And I see a child laid slain
on the ground
As a love machine lumbers through desolation rows

complementadas pela marcial sessão final, com Bowie estourando a voz através da frase "We Want to Live, I Want to Live, Live", fazem dessa sem dúvida a melhor canção do CD 1, e uma das melhores apresentações de Bowie em sua história. Uma versão editada da hippie "Memory of a Free Festival" complementa essa parte da apresentação no "The Sunday Show". Seus quatro minutos de duração são incapazes de causar o mesmo impacto de sua versão de estúdio (com mais de sete minutos), mesmo assim, temos que destacar a participação de Bowie tocando órgão.

A quarta participação de Bowie na BBC ocorre com "Wild Eyed Boy from Freecloud", outra de Space Oddity, apresentada no programa "Sounds of the 70's: Andy Ferris", em 25 de março de 1970, também ao lado do trio de Tony Visconti, mantendo a linha folk rock de canções como "Cygnet Committee" e "Unwashed and Somewaht Slightly Dazed".

Trevor Bolder, Mick Woodmansey, David Bowie e Mick Ronson

O CD 1 é complementado pela apresentação no programa "In Concert", de John Peel, uma das primeiras apresentações da recém forma Spiders from Mars, tendo Mick Ronson (guitarras), Trevor Bolder (baixo) e Mick Woodmansey (bateria). Participa também Mark Carr-Pritchard (guitarra). Cinco canções fazem parte desse show: as inéditas "Bombers" e "Looking for a Friend", a cover para "Almost Grown" (de Chuck Berry), além de "Kooks" (presente no álbum Hunky Dory, de 1971) e a cover para "It Ain't Easy", de Ron Davies (que sairia depois em The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders from Mars). Essa última, conta com as vozes de George Underwood, Dana Gillespie e Geoffrey Alexander interpretando algumas estrofes. As cinco músicas já são amostra do poderoso nível e estardalhaço que Bowie atingiria em seu quinto álbum.

Bowie e Ronson

O segundo CD possui mais cinco apresentações ocorridas na BBC, começando com o programa "Sounds of the 70s: Bob Harris", do dia 21 de setembro de 1971, através de "The Supermen" (do álbum The Man Who Sold the World) e "Eight Line Poem" (de Hunky Dory). O curioso é que, nessa apresentação, estão apenas Bowie (tocando piano e violão, além de cantar) e Ronson (tocando baixo, guitarra e vocais). Essa foi a única apresentação registrada em estéreo por Bowie na BBC.

Após essa primeira apresentação, os fãs se deliciarão com a entrada no mundo de Ziggy. O segundo show presente no CD 2 também ocorre no "Sounds of the 70s" de Bob Harris, no dia 18 de janeiro de 1972. Com The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders from Mars sendo composto e gravado no período, foi através desse programa que o mundo teve o primeiro contato com o personagem de Ziggy. Acompanhado pelo Spiders from Mars, o camaleão nos introduz ao alienígena bissexual mais famoso da história da música, através dos clássicos "Hang on to Yourself", "Ziggy Stardust", "Queen Bitch", "I'm Waiting for the Man" (cover do Velvet Underground) e "Five Years".

Encarte de at the Beeb

A terceira apresentação, agora no "Sounds of the 70s" com John Peel, ocorreu no dia 16 de maio de 1972, e é uma sequência de clássicos da história de Ziggy, passando pela cover para "White Light/White Heat" (também do Velvet Underground), "Moonage Daydream", "Hang on to Yourself", "Suffragette City" e "Ziggy Stardust", todas essenciais na coleção de qualquer amante do rock, com características que simbolizaram e gravaram o nome David Bowie para sempre entre os maiores nomes da história da música, e que estão completando 40 anos esse ano, mas ainda soando como inéditas para muitos jovens que estão tendo contato com o som do camaleão pela primeira vez. Nessa apresentação, o Spiders form Mars também contou com o pianista Nicky Graham. Como curiosidade, fica o fato de que a versão especial cometeu um erro, que acabou sendo corrigido na versão posterior. Trata-se de "Ziggy Stardust". Afinal, na edição limitada, as versões dessa canção são idênticas, sendo a mesma referente à apresentação no "Sounds of the 70s" de John Peel. Uma pena, já que eu considero a versão do "Sounds of the 70s" com Bob Harris bem melhor, com Ronson participando em algumas intervenções mais pesadas, e pequenos temas intercalados entre voz e guitarra. Enfim, a solução é ter as duas versões, que é o meu caso.

Ziggy Stardust

A penúltima apresentação presente no CD 2 ocorreu no "Johnnie Walker Lunchtime Show", no dia 22 de maio de 1972, com a mesma formação quinteto do Spiders from Mars, na qual "Starman" é a única relacionada à Ziggy Stardust. As demais canções são "Space Oddity" (do álbum homônimo), "Changes" e "Oh! You Pretty Things" (de Hunky Dory), revelando a consolidação de um imponente vocalista, passeando por suas principais canções até aquele momento e vivendo seu primeiro grande estrelato.

Encarte de at the Beeb

O CD At the Beeb encerra-se com a apresentação no "Sounds of the 70s" de Bob Harris, em 23 de maio de 1972, ao lado do formato quinteto do Spiders from Mars, com o grupo interpretando a fantástica "Andy Warhol" (de Hunky Dory), "Lady Stardust" e "Rock 'n' Roll Suicide" (ambas de The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders from Mars). O álbum que revolucionou o rock em 1972, mostrando o glam ao mundo, não está completo em At the Beeb apenas pela ausência de "Soul Love" e "Star", ou seja, nove das onze canções do LP estão inseridas no CD duplo, já valendo a aquisição da caixa tripla.

A capa de BBC Radio Theatre, London June 27 2000

Mas e o que ficou no terceiro CD? Bom, não é à toa que a versão tripla de At the Beeb é limitada: o terceiro disco é uma apresentação de Bowie no BBC Radio Theatre, em 27 de junho de 2000, batizado sutilmente de BBC Radio Theatre, London, June 27 2000. Até aí tudo bem, pois para alguns Bowie em 2000 já não era mais o mesmo. Porém, o repertório desse show (que também saiu em DVD) é de cair o queixo. Ao lado de Earl Slick (guitarra), Mark Plati (baixo, guitarras), Gail Ann Dorsey (baixo, vocais), Sterling Campbell (bateria), Mike Garson (piano, teclados), Holly Palmer (vocais, percussão) e Emm Gryner (vocais, teclados), Bowie surpreende uma plateia de apenas 250 pessoas, 130 delas escolhidas entre 10 mil candidatos que participaram de uma promoção no site oficial do artista, e que tiveram seus nomes devidamente registrados no encarte do CD. As demais, são celebridades como Boy George, Simon Le Bon, Nick Rhodes,  Russell Crowe, Bob Geldof, Meg Ryan, entre outros.

Encarte de BBC Radio Theatre, London June 27 2000  

Para essa plateia, foram tiradas do breu canções que acabaram não fazendo tanto sucesso quanto suas melodias merecem, recebendo uma nova oportunidade como verdadeiros achados da carreira do vocalista, ao lado de outras mais conhecidas. Tudo começa com a linda "Wild is the Wind", presente em Station to Station (1976), na qual, utilizando-se da soul music e do ritmo vindo da Motown, Bowie assumiu o personagem The Thin White Duke. As passagens de piano de Mike Garson, junto com as distorções e efeitos de Earl Slick, ambos companheiros de Bowie na fase pós-Ziggy, rememoram o belíssimo ao vivo David Live (1974), e os gritos insanos da plateia logo no início da canção, complementados pelo público inteiro cantando  "Don't you know, you're life itself!" mostram como uma canção que não é assim tão conhecida do público em geral, para um fã de Bowie é A CANÇÃO sempre!

Depois, um salto para 1980, com "Ashes to Ashes", principal faixa de Scary Monsters (and Super Creeps), disco que marcou mais uma mudança do camaleão, largando as experimentações eletrônicas do período que viveu na Alemanha, gerando a chamada fase Berlim, proporcionando os também fundamentais Low (1977), Heroes (1977) e Lodger (1979), bem como o ao vivo Stage (1978). O destaque nessa canção vai para as vocalizações e para a ótima participação do baixo.

A balada "Seven" traz Bowie aos anos 2000, apesar do início com violão lembrar "Rock 'n' Roll Suicide". Parceria com Reeves Gabrels,  responsável pelos principais lançamentos de Bowie nos anos 90, essa canção está presente no álbum Hours..., lançado no mesmo ano, em uma versão muito similar à original. 

Após isso, Bowie retorna aos anos 80, mostrando um pouco do que ele fez para trilhas sonoras cinematográficas, primeiramente com a dançante "This is Not America", composta ao lado de Pat Metheny para o filme "The Falcon and the Snowman" (1985), em uma versão mais quadrada do que a original, com muitas vocalizações, e depois a bonita balada oitentista "Absolute Beginners", presente na trilha do fracassado filme-homônimo, lançado em 1986. Apesar do péssimo desempenho nas bilheterias, a trilha deixou para a posteridade uma das melhores canções de Bowie pós-fase Berlim.

Para surpresa geral, a gema "Always Crashing in the Same Car", de Low, surge toda reformatada, desmantelando a base eletrônica de sua versão original, virando uma canção mais anos 80, com a inclusão dos pianos de Garson, de vocalizações cantando o nome da canção, sem os belos efeitos na guitarra e nos sintetizadores da versão original, além de não conter a batida eletrônica que ficaria famosa no mesmo ano com a clássica "Heroes".

Outra bela faixa apresentada é "Survive" (Hours...), mostrando um lado folk perdido entre as alavancadas de Slick, enquanto "Little Wonder", outra parceria com Reeves Gabrels, apresenta um pouco do que realmente foi Bowie nos anos 90. Trata-se da principal canção de Earthling (1997), talvez a mais conhecida dessa fase, aqui ganhando mais peso através do baixo e da guitarra.

Para os novos fãs, e principalmente os admiradores de Nirvana, o camaleão apresenta sua versão para "The Man Who Sold the World", do álbum homônimo, revelando para o mais fanático seguidor de Kurt Cobain e cia. por que ele é o dono e compositor dessa canção, que, com sua voz, é uma das mais perfeitas do rock.

Encarte de BBC Radio Theatre, London June 27 2000 

Voltamos então para a fase soul do vocalista, com "Fame" (Young Americans, 1975) e "Stay" (Station to Station), sendo uma amostra a mais para os fãs novos, seguida pela pérola "Hallo Spaceboy", mais uma dos anos 90, e uma das poucas que se escapam no estranho e confuso álbum Outside (1995). 

Mais anos 70 no resgate de uma pérola do excelente Diamond Dogs (1974), o divisor da fase Ziggy para a fase soul, chamada "Cracked Actor". O final do CD ocorre com a pesadíssima e moderna "I'm Afraid of Americans", de Earthling, e depois com uma emocionante versão para "Let's Dance", de Let's Dance (1983). A faixa surge com um arranjo totalmente diferente, levado por violões e um clima bastante simples, no qual Bowie derrama sua voz carismática com paixão, embriagando o ouvinte e convidando-o para dançar através do ritmo original da música, embalada pela guitarra competente e precisa de Earl Slick.

O terceiro CD faz um apanhado honesto e preciso do que ficou de fora dos dois primeiros CDs, mostrando um pouco da fase pós-Ziggy ("Cracked Actor"), soul ("Fame", "Stay" e "Wild is the Wind"), Berlin ("Always Crashing in the Same Car" e "Ashes to Ashes"), anos 80 ("Let's Dance", "This Is not America", "Absolute Begginers"), anos 90 ("I'm Afraid of Americans", "Hallo Spaceboy" e "Little Wonder") e um pouco dos anos 2000, através das canções de Hours.... Principalmente, sem se prender em canções manjadas como "China Girl", "Heroes", "Modern Love", "Starman", "Young Americans", "Station to Station" ou "Space Oddity", que, apesar de serem belíssimas, não causariam o impacto que essas "novidades" causam ao fã.

Infelizmente, Bowie abandonou os palcos e a música em 2005, em função de problemas de saúde. Seu último álbum, Reality, lançado em 2003, mostrava que o camaleão continuava incessantemente sua metamorfose, e que muito material bom ainda poderia ser produzido. David, que completou 65 anos no último domingo, não dá indícios de que voltará a cantar, restando para os fãs buscar material antigo, muitas vezes caça-níqueis de quinta categoria, o que não é o caso de At the Beeb, uma das melhores caixas com material da rádio inglesa lançados na história.
A contra-capa da caixa at the Beeb - The Best of the BBC Sessions 68 - 72
em sua versão limitada

Track list:

Disco 1:

1. In the Heat of the Morning
2. London Bye Ta Ta
3. Karma Man
4. Silly Boy Blue
5. Let Me Sleep Beside You
6. Janine
7. Amsterdam
8. God Knows I'm Good
9. The Width of a Circle
10. Unwashed and Somewhat Slightly Dazed
11. Cygnet Committee
12. Memory of a Free Festival
13. Wild Eyed Boy from Freecloud
14. Bombers
15. Looking for a Friend
16. Almost Grown
17. Kooks
18. It Ain't Easy

Disco 2:

1. The Supermen
2. Eight Line Poem
3. Hang on to Yourself
4. Ziggy Stardust
5. Queen Bitch
6. I'm Waiting for the Man
7. Five Years
8. White Light/White Heat
9. Moonage Daydream
10. Hang on to Yourself
11. Suffragette City
12. Ziggy Stardust
13. Starman
14. Space Oddity
15. Changes
16. Oh! You Pretty Things
17. Andy Warhol
18. Lady Stardust
19. Rock 'n' Roll Suicide

Disco 3:

1. Wild Is the Wind
2. Ashes to Ashes
3. Seven
4. This Is Not America
5. Absolute Beginners
5. Always Crashing in the Same Car
6. Survive
7. Little Wonder
8. The Man Who Sold the World
9. Fame
10. Stay
11. Hallo Spaceboy
12. Cracked Actor
13. I'm Afraid of Americans
14. Let's Dance
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