terça-feira, 26 de agosto de 2014

DVD: Gimme Shelter [2000]



Existem alguns filmes relacionados com artistas do rock que são clássicos indispensáveis na prateleira de DVDs dos apreciadores da Sétima Arte. The Song Remains the Same (Led Zeppelin), The Last Waltz (The Band), Ziggy Stardust and The Spiders from Mars (David Bowie), Woodstock e, mais recentemente, Beyond the Lighted Stage (Rush) e No Direction Home (Bob Dylan) se tornaram figurinhas estreladas nas coleções de vídeos do mundo a fora, e são fortes exemplos de como o cinema pode ser um belo aliado para o artista, seja destacando apresentações ao vivo (os três primeiros), seja com um documentário sobre a carreira do (os dois últimos).
Porém, há um filme entre todos os demais que se sobressai no quesito importância. Trata-se de Gimme Shelter, lançado originalmente pelos ingleses do Rolling Stones em 1970, e que recebeu uma edição digital em 2000 com alguns complementos muito interessantes para quem gosta de conhecer a história da música.

Stones, vivendo um dia de loucura em Altamont

O filme foi dirigido por Albert Maysels e Charlotte Zwerin, e conta com a colaboração de Stanley Goldstein, além dos novatos camera-men George Lucas (Star Wars) e Martin Scorcese (The Last Waltz, No Direction Home, entre outros), mas as filmagens de Lucas não foram usadas, já que sua câmera foi danificada durante o último show dos Stones na América.

Através de pouco mais de uma hora e meia, o telespectador depara-se com a cobertura da turnê americana que Mick Jagger (vocais), Bill Wyman (baixo), Keith Richards (guitarras), Mick Taylor (guitarras) e Charlie Watts (bateria) fez em 1969, partindo de Nova Iorque e culminando com uma apresentação gratuita em San Francisco, no início de dezembro daquele ano.

Durante a primeira metade do filme, o que temos são cenas da chegada dos Stones nos Estados Unidos, filmagens da produção do próprio filme, com citações inclusive ao pós-show de encerramento, vídeos da sessão de fotos para a capa do álbum Get Yer Ya-Ya's Out (gravado ao vivo nesa turnê, e lançado em 1970), a mixagem de "Wild Horses" e trechos da apresentação do grupo em Nova Iorque, no Madison Square Garden, interpretando clássicos como "Jumping Jack Flash", tendo Jagger com sua famosa cartola em homenagem a bandeira americana, "(I Can't Get No) Satisfaction", "Love in Vain", "Honky Tonk Women", "Street Fighting Man", "You Gotta Move" e "Brown Sugar", essas duas como canções de fundo em imagens do grupo pelos Estados Unidos.

Outro ponto que chama a atenção nessa primeira metade é uma breve apresentação de Ike & Tina Turner, na qual a vocalista simula uma masturbação com o microfone durante "I've Been Loving You Too Long", como se o mesmo fosse um membro masculino, além de um grande close nas partes íntimas da vocalista, que apesar de não ser mostrada explicitamente, fica em evidência na telona devido a curtíssima saia que a mesma está usando. E claro, a fantástica interpretação vocal de Tina é de arrepiar.

Jagger anunciando show gratuito nos Estados Unidos

Entrevistas de Jagger falando sobre o show final surgem na tela, mostrando o mesmo sempre simpático e de bom-humor, e também com Richards, e aqui é anunciado pela primeira vez que o grupo irá fazer um show de encerramento gratuito em San Francisco. O empresário Mel Belli aparece pela primeira vez, e assim começa uma longa e difícil sessão de discussão de como e onde ocorrerá o tal show, isso dias antes do mesmo ocorrer. 

Planejado originalmente para ocorrer na Golden Gate de San Francisco, na Califórnia, o show quase não ocorreu por conta de que ninguém queria arriscar-se com um evento de tamanho porte, por conta do fracasso financeiro que havia sido Woodstock meses antes.

Stones em Altamont

A segunda ideia foi realizar o espetáculo no Sears Point Raceway (hoje Sonoma Raceway), local onde inclusive o palco chegou a ser montado, só que problemas de segurança impediram a realização por lá. O empresário Dick Carter acaba oferecendo o seu autódromo de Altamont, responsabilizando-se por organizar o local para receber em torno de cinco a vinte mil pessoas em troca de publicidade e promoção do local. Um dia antes da apresentação, apesar de todos os problemas apresentados pelo local, principalmente a falta de estacionamento apropriado, Altamont é confirmado para o local do show.

Até aí, tudo parece ocorrer bem, mas é nas imagens de produção que, pelas reações de Jagger e Watts com uma entrevista feita com um Hells Angel para uma rádio local americana, percebemos que nem tudo foi flores na turnê. Os Hells Angels eram um grupo de motoqueiros mal-encarados que foram contratados para serem os seguranças do último show dos Stones na América, e para muitos os responsáveis também pelos lamentáveis fatos que ocorreram no mesmo, e que começam a aparecer na segunda metade de Gimme Shelter.

É quando o filme realmente começa, com uma mobilização incrível dos americanos atravessando o país para acompanhar o show do grupo na parte oeste do país, tendo ao fundo um anuncio apavorado de Frank Terry, na rádio KRFC, falando da mobilização dos fãs que atravessavam o país sob a madrugada gelada apenas para ver os Stones, enquanto outros foram a Sears Point com caminhões, vans e carros para auxiliar na desmontagem do equipamento, levando tudo para Altamont (distante aproximadamente 120 km de Sears Point) e ajudando na organização do palco e do festival no novo local.

Visão de Jagger na chegada a Altamont

Os fãs começaram a chegar ainda pela noite, fazendo fogueiras e esquentando com álcool e drogas, e tudo é filmado no meio do rebuliço, mostrando cada detalhe de forma exclusiva. O mais impressionante é a sequência de vinte segundos, filmada em alta velocidade dentro de um helicóptero, mostrando a longa fila de carros estacionados muito antes do autódromo, e a incrível quantidade de pessoas que se aglomeraram no local para assistir ao show. Estima-se que mais de trezentas mil pessoas estiveram presentes no dia 06 de dezembro de 1969 em Altamont.

Hippies fumando e vendendo drogas, algumas viagens alucinógenas de alguns seres, partos, organização do palco pelos empresários dos Stones e os Hells Angels com suas Harley Davidson, tudo parece correr bem, chegando a apresentação do Flying Burrito Brothers (antes deles, Santana havia se apresentado). Aqui começam os verdadeiros problemas. Durante "Six Days on the Road", o filme mostra que os Hells Angels começam a usar seu poder de seguranças, e agressivamente, barram e espantam os fãs da beira do palco, principalmente os mais "fora de si". Tacos de sinuca e bastões de beisebol são as "armas" para controlar os fãs, e a medida que o tempo passa, uma certa aflição parece surgir do palco e do ambiente, deixando aflito até mesmo quem está confortavelmente assistindo em sua casa.

Pancadaria no show do Jefferson Airplane

Durante a apresentação do Jefferson Airplane, a coisa piora. Durante "The Other Side of This Life", o pau quebra na frente do palco, e mesmo com os pedidos de Grace Slick para o pessoal se acalmar, o tempo fecha. Os Hells Angels agridem covardemente os fãs, e acabam acertando Marty Balin, que pulou no meio dos fãs para tentar acabar com a briga. O show do Jefferson Airplane é interrompido, e enquanto isso, bos bastidores, os Stones não sabem de nada que está acontecendo. Socos, pontapés e gritos são vistos e ouvidos por todo lado, e um impressionado Mike Shrieve (baterista de Santana) comenta com os assustados Phil Lesh e Jerry Garcia (ambos do Grateful Dead) que jamais tinha visto nada igual.
Mais Hells Angels chegam para "proteger" os Stones, durante a apresentação de Crosby, Stills, Nash & Young (não aparece no filme) e o show principal começa. A qualidade de áudio e vídeo é muito boa, com as imagens sendo coloridas e dando para ouvir claramente as brigas e discussões, e com as legendas em português, fica ainda mais fácil entender o que está acontecendo. 

Hell Angel enojado pela presença de Jagger

O que ninguém consegue explicar é o motivo das brigas, que continuam durante o show dos Stones, principalmente durante a segunda música da noite, "Sympathy for the Devil" (a primeira, "Jumping Jack Flash", não está no filme), quando além do pau comer solto na plateia, um dos Hells Angels olha com cara de nojo para a dança de Jagger no palco.

Gritos, pancadaria e muita violência aparecem nas imagens, e Jagger clama por paz. Não adianta, os Hells Angels estão com tudo, inclusive um usando uma cabeça de raposa em sua cabeça. O quebra-pau é geral, e alguns segundos após Jagger conseguir acalmar todos, eles continuam tocando "Sympathy for the Devil". Uma gorda maluca, totalmente nua, arrasta-se entre a multidão, e quando parece que tudo acalmou, o pau pega de novo.

Jagger conversando com o “Cabeça de Raposa” sobre a pancadaria,
enquanto Richards desespera-se (à direita)

Jagger pergunta: "Por que estamos brigando", enquanto um membro da plateia é arrastado ferido pelo palco. As imagens chocam, e os Stones insistem para que a briga pare, se não, não haverá show. 

Alguns minutos para tudo acalmar, e o baile segue, agora com "Under My Thumb", e após focar em um Hells Angels doidão em cima do palco, retirado pelo mesmo colega que ficou encarando Jagger durante "Sympahty for the Devil" com muito "carinho", chegamos ao final da apresentação, quando Meredith Hunter, de dezoito anos, é assassinado com três facadas pelas costas por um dos Hells Angels, Alan Passaro, após sacar uma arma em direção à um membro da plateia, tentando invadir o palco para chegar mais perto de Jagger.

O assassinato de Meredith Hunter por Passaro

A cena foi captada pela lente da câmera de Baird Bryant muito claramente, e depois do estrago, temos Jagger assistindo ao vídeo no exato momento da morte de Hunter, com as imagens em câmera lenta mostrando a arma na mão de Hunter e um Hells Angels esfaqueando-o por trás.
Voltamos para Altamont, com os paramédicos atendendo Hunter, mas nada podia ser feito, ele já havia sido declarado morto, enquanto sua namorada chora desesperadamente.

A reveladora cara de Jagger sobre Altamont

Retornamos então para a sala de produção do filme, com Jagger abandonando-a com uma cara que mostra toda sua tristeza e inconformidade com o que aconteceu, encerrando com as pessoas saindo de Altamont sob o som de "Gimme Shelter".

Nos extras, temos cenas excluídas da versão original, que é a mixagem de "Little Queenie", a apresentação de "Little Queenie", "Oh Carol" e "Prodigal Son" no Madison Square Garden, e cenas dos bastidores de Jagger com Ike e Tina Turner, na qual Jagger ensina uma interessante versão de "Brown Sugar" para a dupla. Há ainda comentários de Albert Maysles, Charlotte Zwerin e Stanley Goldstein, os trailers de promoção dos três lançamentos (1971, 1991 e 2000) e ainda uma transmissão da Rádio KSAN um dia depois do ocorrido em Altamont, com Hells Angels, fãs e envolvidos ligando para a rádio e dando sua versão do ocorrido.

No total, quatro pessoas morreram em Altamont, mas somente Hunter por brigas (um foi por afogamento e dois em um acidente de carro). Para muitos, esse show foi o símbolo do fim da geração hippie, o que eu discordo, já que o Festival da Ilha de Wight ainda manteve a chama acesa por mais algum tempo.

Capa e contra-capa de Gimme Shelter

O fato é que Gimme Shelter é de uma honestidade inquestionável de um dos maiores grupos de rock com seus fãs. Seria muito fácil para os Stones terem filmado tudo e engavetado o projeto, mas o fato de assumirem a responsabilidade, e lançar o filme com todas as cenas polêmicas, tornou o mesmo um mito, e graças a era digital, podemos ter essa preciosidade em casa por um preço acessível, e assistir inacreditáveis momentos que marcaram a carreira de dois dos principais nomes do rock 'n' roll mundial. Só vendo para crer que tudo isso e muito mais aconteceu em apenas um único show.

domingo, 24 de agosto de 2014

Marco Antonio Araujo


Na década de 70, a Música Popular Brasileira tinha como principal fonte de pensadores não o Rio de Janeiro, e tão pouco a pauliceia desvarada, mas sim, o jeitinho manso, comendo pelas beiradas, dos músicos mineiros. O Clube da Esquina de Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes e Toninho Horta fez a segunda revolução da música nacional (a primeira realizada em 1967-68 com a união dos baianos Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa com os paulistas Rita Lee, Sergio Dias e Arnaldo Baptista), transformando o rock lisérgico da Tropicália em um som mais profundo, ampliando os horizontes da Música Popular Brasileira principalmente ao usar de instrumentos acústicos para fazer rock.

O álbum Clube da Esquina (1972) é talvez o maior representante dessa geração, que durante boa parte dos anos 70 foi sinônimo de sucesso em nosso país. Aquele álbum gerou inúmeras consequências e filhos, dentre eles Marco Antônio Araujo.

Marco Antônio começou a desenvolver seus estudos musicais na década de 60, chegando a fazer parte do grupo Vox Populi (que depois transformou-se no Som Imaginário), e durante o início dos anos 70, viveu na Inglaterra, voltando para o Brasil onde aperfeiçoou sua técnica musical, principalmente no violão clássico e no violoncelo. O início de sua carreira como músico foi criando trilhas sonoras para filmes, teatro e balé - no balé ele conheceu sua esposa, Déa Marcia de Souza - e fez parte da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, tocando violoncelo, e onde conseguiu angariar fundos para a realização de seu sonho: a construção de um estúdio próprio de gravação.

O Strawberry Fields Forever foi fundado em 1979, mesmo ano que Marco Antônio passou a ser acompanhado pelo grupo Mantra, formado por Eduardo Delgado (flauta, percussão), Ivan Correa (baixo, futuro Sagrado Coração da Terra), Antonio Viola (violoncelo), Mario Castelo (bateria), Philip Doyle (flugelhorn),  e o irmão Alexandre Araújo (guitarras).

Marco Antônio revelou-se ao mundo através de quatro álbuns essenciais para aprendermos sobre a rock progressivo nacional, deste que foi um dos maiores músicos/compositores que nosso país já viu e ouviu. Como forma de homenagear seus 65 anos, segue uma breve análise sobre sua discografia.

A estreia com o audacioso Influências

A estreia para o Brasil foi batizada Influências, um disco bastante audacioso, a começar pela ótima levada da faixa-título, com seu tema central feito pelo violão elétrico acompanhado por um um naipe de metais formado por Edmundo Maciel e Edson Maciel (trombone) e Amilton Pereira e Mauricio Silva (trompete), e ainda a essencial participação de Eduardo e Alexandre, os principais músicos por detrás das peças criadas por Marco Antônio. 


O talento e genialidade como compositor ficam para as duas suítes do lado B: "Panorâmica", com sua introdução misturando flauta, harmônicos e uma maluca escala de baixo, remetem-nos aos viajantes tempos de Lark's Tongues in Aspic (King Crimson), e transformando-se em uma linda peça com solos alternados de guitarra e flauta, alternando entre momentos pesadíssimos e outros essencialmente leves; "Folk Song", uma suíte dividida em duas partes distintas, a primeira com sons de pássaros, vocalizações e a steel guitar de Alexandre fazendo suas intervenções sobre o dedilhado hipnótico do violão, e a segunda mais popular, alegre e com guitarra, violão, flauta, baixo e bateria trabalhando como se fossem um único instrumento. 

"Cantares" é a canção que considero ideal para ser apresentado ao mineiro, com um incrível arranjo musical para violão, flauta, guitarra e violoncelo. Marco Antônio ainda dá um espetáculo a parte dedilhando seu violão em "Bailado" e "Abertura n° 2", que lembram bastante o Recordando o Vale das Maçãs em sua segunda geração, nos anos 90, sendo que na última, o solo de Eduardo - acompanhado apenas por barulhos percussivos e o dedilhado do violão - é para encharcar os lenços com lágrimas. 

A versão em CD trouxe dois bônus: "Entr'Act I & II", uma tensa peça levada apenas pelo complicado dedilhado de violão clássico e uma insana flauta,  e "Floydiana II", destacando Max Magalhães na introdução, feita com o piano, dessa faixa que é a sequência de um dos grandes sucessos do músico, registrado em seu segundo LP. A ordem das canções também foi alterada em relação a um dos grandes álbuns de estreia do rock progressivo nacional.

O maduro Quando a Sorte Te Solta Um Cisne Na Noite
Entre 04 e 10 de outubro de 1982, Marco Antonio (agora sem o acento, por motivo que desconheço) e o grupo Mantra entraram nos estúdios para a gravação do segundo álbum, Quando a Sorte Te Solta Um Cisne Na Noite, lançado ainda em 1982, o qual é bem mais maduro e belo do que seu antecessor. 

Nele, está contido o maior sucesso da carreira do mineiro, "Floydiana", com a participação de Max Magalhães ao piano e também Sérgio Gomes nas trompas, sendo a versão aqui registrada praticamente idêntica a "Floydiana 2", que entrou no CD de Influências, com sua levada mezzo caipira, mezzo clássica, destacando a imponente sessão com os metais e o lindo solo de flauta feito por Eduardo. 

Marco Antonio cresce como compositor, e pelo menos três faixas são representativas desse salto musical, sendo uma delas "Adagio", uma arrepiante canção com a flauta sendo o principal instrumento, acompanhado sublimemente por piano, violão e violoncelo, este tocado por Antonio Maria Viola. Viola também é responsável pelos preciosos solos da faixa-título, a qual é dedica para ele, e que é uma balada excepcional somente com o violão de Marco Antonio e o piano de Max Magalhães acompanhando os lindos improvisos do violoncelo. 

Grupo Mantra

É nesse álbum que está aquela que considero a melhor canção de Marco Antonio junto do Mantra, a épica "Pop Music", pérola na qual Marco Antônio apresenta-se não somente com o violão Ovation, mas também tocando percussão e um raro instrumento fabricado exclusivamente para ele, a Viola Grávida. Ouvir os dez minutos dessa sonzeira é simplesmente penetrar no paraíso, com todas suas intrincadas variações, os duelos insanos de flauta e guitarra, a inqualificável performance de Marco ao violão, e a pegada forte de Ivan e Castelo tornam esta um dos pilares da música progressiva brasileira, e de dificílima reprodução, mostrando toda a capacidade de Marco Antonio como compositor. 

Uma pena que poucas pessoas deram valor a essa preciosidade nos anos 80. Ainda temos "Alegria", canção que nos remete aos sons nordestinos, levada pelo agitado violão de Marco Antonio e recheado de duelos de flauta e guitarra. 

A versão em CD trouxe três bônus: "Ilustrações", triste e bela peça clássica com o flugelhorn solando sobre o acompanhamento de um quarteto de cordas, "Cavaleiro – trilha Balé Cantares", maluca peça composta na década de 70 para uma apresentação do grupo Corpo, de Belo Horizonte, tendo Marco Antonio dando um show à parte no violão clássico, além de encarnar Jimmy Page ao tocar violão com o arco de violino, e "Sonata para cello e violão", peça clássica que deveria ser apresentada pelos professores de música aos seus alunos, tamanha complexidade da mesma, e um bom exemplo do talento de Marco Antônio não só como compositor, mas como violonista.

Apesar de bem recebido pela crítica, Marco Antonio sabia que podia fazer mais, e assim, largou Minas Gerais rumo ao Rio de Janeiro, onde registrou seu mais audacioso álbum.

O trabalho mais inspirado da carreira de Marco Antonio Araujo
Gravado em janeiro de 1983 nos estúdios Link Comunicações, na cidade maravilhosa, Entre um silêncio e Outro conta com direção musical de Jaques Morelenbaum, responsável pelo violoncelo nas duas suítes que ocupam o LP que é dedicado à professora de Marco Antonio, Esther Scliar, sendo um disco inesquecível e bastante diferente dos seus antecessores. Não há participação do grupo Mantra, apenas uma quarteto de câmara formada por violão, violoncelo (Morelenbaum e Márcio Mallard) e flauta (Paulo Guimarães). 

São apenas duas longas suítes, uma mais encantadora que a outra. "Fantasia n° 2 - Romance", suíte dividida em seis partes - "Prelúdio", "Scherzo", "Interlúdio", "Ária", "Divertimento" e "Coda" - que ocupa o Lado A do vinil, é uma incrível peça musical, emocionalmente forte, com o dolorido violoncelo de Márcio sendo o principal instrumento em solos comoventes, seja sozinho ou acompanhado pelo fantástico arranjo do violão clássico de Marco Antonio, que aqui disputa sua carreira com monstros do violão brasileiro como Turíbio Santos, Elomar e Daniel Wolff de igual para igual não somente na arte de tocar violão, mas também de compor peças clássicas.  

Capa interna de Entre Um Silêncio e Outro

Já "Fantasia n° 3 - Folhas Mortas" conta apenas com o trio Paulo, Jaques e Marco Antonio. Nesta, Marco Antonio é sem dúvidas o grande destaque, com uma performance soberba durante as quatro partes da canção, dividas em "Prelúdio" (somente com violão clássico), "Brincadeira" (solo de flauta), "Só" (solo de violoncelo) e "Trio" (unindo os três instrumentos). A formação clássica abrilhanta-se como uma lua cheia, encantando os ouvidos que ficam extasiados com a audição de um disco perfeito, que talvez seja o que melhor mostra as qualidades de Marco Antônio também como músico. Os que não são acostumados com a música de câmara irão detestar, mas os apreciadores dessa arte irão deliciar-se com talvez o melhor disco do estilo lançado em nosso país, e fácil (para mim) o melhor do mineiro. 

A versão em CD veio com os bônus "Abertura I", peça clássica que lembra composições medievais, tendo como adendo uma virtuosística sessão feita pelo violão, e as versões acústicas para "Abertura II" e "Cantares", ambas originalmente gravadas em Influências, e que casou muito bem na ideia do álbum, com o violoncelo fazendo as linhas da guitarra, e contando ainda com a participação de um pequeno naipe de metais, durante a primeira, e a flauta brilhando ainda mais, fazendo os solos de guitarra da versão original, enquanto o violoncelo emula o solo de baixo, fora que Marco Antônio parece ter evoluído centenas de anos no violão.

Em 1984, é lançada a excelente coletânea Animal Racional, trazendo canções dos dois primeiros álbuns de Marco Antonio, e que vendeu relativamente bem no país, elevando o nome do mineiro entre os apreciadores de música, e angariando cada vez mais elogios de uma mídia que ainda fechava seus ouvidos para o talento do músico e compositor.

O último álbum de Marco Antonio Araujo

Para Lucas, lançado em 1984, o grupo Mantra retorna, adicionando os sintetizadores de José Marcos Teixeira e com um novo baterista, Lincoln Cheib (futuro Sagrado Coração da Terra), além dos já conhecidos Alexandre Araújo (guitarras), Eduardo Delgado (flauta), Ivan Correa (baixo), Max Magaçhães (piano) e Jaques Morelenbaum (violoncelo), e com esse time nasce o álbum clássico de Marco Antonio, que virou referência para uma geração de músicos brasileiros na década de 80, e ainda influencia muitos nomes nos dias de hoje. 

Dedicado ao filho recém-nascido, Lucas divide-se em uma suíte fantástica e três pequenas obras-primas. A suíte é "Lembranças", que ocupa todo o lado A (algo raro para o rock nacional na década de 80) recheada de solos de flauta e guitarra, e uma pegada hardiana que dificilmente encontraremos em outra canção da carreira de Marco Antonio, entrando para a lista de Maravilhas Prog compostas pelo mineiro, e abrindo alguns minutos para ele nos impressionar com um arrepiante tremolo. 

No lado B, estão "Para Jimmy Page", intrincada homenagem ao guitarrista do Led Zeppelin, com Marco Antonio abusando das escalas e afinações diferentes que Page adorava criar, "Caipira", que apesar do nome, em nada tem do esperado "caipirismo" mineiro, mas sim uma composição na mesma linha dos dois primeiros álbuns, e a faixa título, apenas com Marco Antonio dedilhando seu violão acompanhando o solo de sintetizador. 

O CD de Lucas contém como bônus "Brincadeira", uma bonita peça feita apenas com violão clássico e flauta, mais uma vez exaltando todas as qualidades como músico e compositor de Marco Antônio, "Cavaleiro", uma canção mais intimista, feita para flauta, violão e violoncelo e sem elementos de música clássica, destacando as vocalizações acompanhando o violoncelo na segunda parte da canção, e "3rd Gymnopédie", uma dolorida e emocionante apresentação do violoncelo e da flauta acompanhados por sutis acordes de violão, infelizmente os últimos registrados pelas mãos do músico mineiro.

Marco Antonio partiu para sua primeira grande turnê brasileira, acompanhado do grupo Mantra, turnê que ocupou boa parte do ano de 1985. 



No dia 07 de janeiro de 1986, Marco Antonio iria receber o prêmio de melhor instrumentista do Brasil, concedido pela revista Veja, mas repentinamente, dias antes ele sofreu uma hemorragia cerebral, que o levou a um coma profundo e infelizmente, a sua morte, com apenas 36 anos, deixando um legado jamais esquecido por seus fãs, e que trouxe aqui para ser (re)descoberto aos que nunca souberam que o Brasil teve um guitarrista capaz de fazer frente com gigantes do rock progressivo mundial.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Maravilhas do Mundo Prog: Mandalaband - Om Mani Padme Hum



Hoje, irei apresentar o Maravilhas do Mundo Prog de um ponto de vista bastante pessoal. Afinal, há algum tempo que eu venho pleiteando apresentar essa canção, mas dificilmente encontrava material para contar a história do grupo inglês Mandalaband. Sendo assim, apresentarei a história do grupo após passar pelos minutos encantadores de "Om Mani Padme Hum", e antes, de como conheci o fantástico álbum de mesmo nome, lançado em 1975.

Dentre minhas diversas visitas em sebos do Rio de Janeiro, em um determinado dia mergulhei em um dos meus preferidos, localizado na Galeria Siqueira Campos, no coração de Copacabana e bem ao lado da estação de metrô com mesmo nome. Ali, entre diversas quinquilharias, objetos antigos, gibis entre outros, há um acervo discográfico bastante interessante, onde você consegue encontrar algumas preciosidades - usadas - com valor girando entre R$ 1,00 a R$ 150,00 reais (esse foi o valor mais caro que vi em um LP na tal loja).

A bonita contra-capa de Mandalaband

Os proprietários do local fazem a divisão dos LPs por ordem alfabética, agrupando bandas internacionais de um lado, bandas nacionais de outro, cantores internacionais em mais outro lado, cantoras internacionais noutro lado, enfim, a divisão é muito bem feita, o que torna prática a busca por especiarias. Porém, é notável o total desconhecimento dos proprietários com diversos artistas, sendo que frequentemente eu encontrava discos de grupos nacionais no meio das bandas internacionais (exemplo mais clássico: Viper). Além disco, o cuidado com os discos não é dos melhores. A maioria dos LPs estão muito sujos, e apesar de todos eles terem a capinha plástica protetora seja por fora ou por dentro, a mesma também geralmente não está no seu melhor estado.

Como existe essa facilidade para procurar discos, costumava passar algumas horas dentro do sebo, e vi o mesmo sempre recebendo lotes e lotes de vinis, que acabavam espalhados pelo chão. I! Quanta coisa boa eu achei ali de barbada. Elis Regina dos anos 60, Keith Jarrett, Bob Dylan, Charlie Mingus, ...

O lado A de Mandalaband, apenas com a Maravilha de hoje

Um desses dias, eu vasculhava os vinis em busca de algo para comprar, e me deparei com uma capa bastante danificada coitada, mas muito bela. Mal dava para se ler o nome da banda, e então fui para a contra-capa. Ali constava o nome Mandalaband, e na divisão de faixas, o lado A contendo apenas uma única canção. Fascinado que sou por suítes, fiquei alguns minutos matutando se levava o vinil para a casa ou não, principalmente por conta da capa, que estava realmente muito danificada. Quando vi o preço do bichinho (R$ 3,00), juntei a fome com a vontade de comer e arrematei o mesmo.

John Stimpson, Dave Durant, Vic Emerson, Tony Cresswell (atrás) e Ashley Mulford

Depois de algumas semanas em quarentena, coloquei o vinil para rodar, exatamente na suíte que ilustra hoje nossa série Maravilhas do Mundo Prog. Dividida em quatro movimentos, "Om Mani Padme Hum" narra a história da luta do povo do Tibet contra os chineses, bem como o desenvolvimento do budismo naquela região, e seu registro contou com a participação do London Chorale. Detalhe que toda a letra da canção é no idioma tibetano, o que torna a mesma ainda mais atraente e curiosa. Além disso, o nome da suíte é um Mantra budista de origem indiana, que foi posteriormente levada para o Tibet, e cujo significado é "Da lama nasce a flor de Lótus".

Ashley Mulford nos anos 80

Essa Maravilha começa com sintetizadores brotando de todos os lados da caixa de som, permeada por teclados e estranhas vocalizações, até que um breve tema de sintetizador surge, trazendo a voz grave de Dave Durant, explodindo no primeiro e grandioso solo de Ashley Mulford (guitarras), com destaque para a levada estonteante de John Stimpson (baixo) e Tony Cresswell (bateria), além das intervenções precisas dos sintetizadores de Vic Emerson. 

O The London Choir acompanha a melodia do baixo, bem como os vocais de Dave, sempre com o ritmo alucinante da bateria ao fundo, enquanto Ashley sola absurdamente em seu mundo próprio ao fundo. O crescendo imponente que o coral dá para a canção, bem como as intervenções surpreendentes dos sintetizadores, fazem você criar uma expectativa cada vez mais positiva sobre o primeiro movimento, que continua com mais um solo virtuoso de Ashley acompanhando os vocais de Dave, até que a canção muda repentinamente diminuindo o ritmo e apresentando uma bela passagem com os sintetizadores imitando uma pequena orquestra, encerrando a primeira parte com um show a parte feito pelo coral em companhia dos sintetizadores. Particularmente, todos os músicos fazem uma performance incrível, mas Tony Cresswell é um monstro na bateria, com uma pegada veloz e diversas viradas incansáveis.

Vic Emerson

A entrada do segundo movimento surge com estranhos barulhos, caindo em um momento solo de Vic ao piano, no melhor estilo de grandes nomes do instrumento como John Tout (Renaissance) ou Rick Wakeman (Yes). Seu solo é acompanhado por sintetizadores, e na sequência, Vic salta para os sinos tubulares, dando sequência para seu solo com piano acompanhado pela furiosa cozinha de baixo e bateria, em uma encantadora sessão jazzística.

O segundo movimento novamente destaca a incontrolável performance de Tony, baterista o qual eu procuro ouvir outros discos há algum tempo, mas infelizmente conheço apenas esse, e Vic explora seu piano com uma técnica exemplar. Sintetizadores modificam o andamento da canção, com um bonito solo de clavinet sendo executado sobre um andamento cadenciado de bateria e baixo, quase que como uma valsa, e com leves intervenções da guitarra que encerram esse mágico movimento, o qual é totalmente instrumental.

John Stimpson nos anos 80

A voz de Dave retorna para abrir o terceiro movimento, soltando a voz sobre as passagens de clavinet e sintetizadores que mais uma vez surgem de tudo que é lado das caixas de som, e o grande momento desse terceiro movimento é o longo duelo de guitarras e sintetizadores que está no centro dele, com baixo e bateria dividindo o espaço em batidas idênticas. O vocal quase que como barítono de Dave aparece com mais uma estrofe, encerrando o terceiro e mais curto movimento com um rápido tema feito pelo clavinete.

Por fim, um longo acorde de órgão e uma batida swingada trazem o quarto e último movimento, com a guitarra de Ashley surgindo carregada de distorção em mais um majestoso solo, repleto de marcações e viradas feitas ao mesmo tempo por piano, guitarra, baixo e bateria. As variações no andamento desse solo são de chorar, tamanha a beleza instrumental construída pelo grupo, seja com as camadas de sintetizadores ou com a virtuose extrapolada da guitarra, bem como o andamento fascinante de baixo e bateria, e então, "Om Mani Padme Hum" encerra-se com Dave e os sintetizadores dividindo espaço junto do coral, fazendo o ouvinte abrir um grande sorriso, e no meu caso, um sorriso mais que faceiro por ter acertado a mão em uma das melhores compras que já fiz.

David Rohl

Ainda temos o lado B, com mais quatro canções: "Determination", uma faixa veloz, quase hard, com um andamento extremamente complicado e um show a parte dos teclados de Vic, e Ashley detonando com o wah-wah; a calma "Song for a King", mais na linha da delicadeza de "Om Mani Padme Hum", lembrando bastante grupos como Illusion e Birth Control, a ensandecida "Roof of the World", a qual é impossível tentar seguir e entender o que Tony faz na bateria, e outro baita solo de Ashley, e o leve rock de "Lookin In", com Vic dando um showzinho particular no órgão. Aos que querem conhecer um pouco do álbum, ele está disponível em alguns sites para download, mas não posso publicar esse texto sem o vídeo raríssimo de "Roof of the World", disponibilizado por David Rohl em seu canal do youtube.

Depois de conhecermos a Maravilha de hoje, e passarmos pelo complemento do álbum Mandalaband, vale então o registro da história dessa magnífica banda, a qual começa em 1974, quando Rohl decidiu formar um grupo que pudesse divulgar seus estudos sobre o Tibet. Nascido em Stretford, Rohl desde pequeno foi um apaixonado pelas maravilhas do Egito Antigo, ao mesmo tempo que desenvolvia seus estudos de piano. Com dezessete anos, formou seu primeiro grupo, o The Sign of Life, que durou pouco mais de dois anos, até que Rohl largou a música para fazer o curso de fotografia na Manchester College of Art. Seus trabalhos o levaram a conhecer Justin Hayward, o guitarrista, vocalista e líder do Moody Blues, para quem Rohl trabalhou criando a bela arte interna do álbum A Question of Balance (1970).

A capa interna de A Question of Balance, com fotos por David Rohl.

Ainda na escola de arte, Rohl teve seu primeiro contato com a música, formando o grupo Ankh, um projeto financiado pelo guitarrista e vocalista Eric Stewart (futuro 10CC). O dinheiro de Eric ajudou ao Ankh registrar suas primeiras demos, e consequentemente, um contrato com a Vertigo, que chegou a registrar as demos através de um LP, nunca lançado oficialmente. Apesar disso, Rohl tinha créditos com os produtores, e para ele foi oferecida a oportunidade da construção de um estúdio na cidade de Poynton, o qual Rohl batizou de Camel Studios, mostrando mais uma vez sua paixão pelo Egito (lembrando que Ankh significa "Sinal de Vida" em egípcio).

Foi nos estúdios Camel que nasceu a Mandalaband. A suíte "Om Mani Padme Hum" foi uma das primeiras composições que ele criou, e logo tratou de conseguir músicos para gravá-la, tornando-se a primeira demo do grupo, junto com outras composições criadas pelos demais músicos, os quais eram os já citados Dave Durant (vocais), Vic Emerson (órgão, moog e clavinete), Ashley Mulford (guitarras), John Stimpson (baixo), Tony Cresswell (bateria), e que formaram a Mandalaband. Ashely e John faziam parte do grupo Friends, e os demais vinham de pequenas bandas da Inglaterra.

Mandalaband em 1975: John Stimpson, Vic Emerson, David Rohl, Tony Cresswell e Ashley Mulford

Essa demo chegou na gravadora Chrysalis Records, que assinou com a Mandalaband.  O sexteto virou uma das grandes esperanças da gravadora, que investiu na Mandalaband, colocando-os como banda de abertura para o guitarrista Robin Trower durante sua primeira turnê como headliner pós-saída do Procol Harum. O Mandalaband tocou durante toda a perna inglesa da turnê, durante fevereiro de 1975, totalizando vinte shows com audiência média de 2 mil pessoas por apresentação, que tinha como principal destaque a apresentação na íntegra de "Om Mani Padme Hum".

Porém, nem tudo foram flores. Ashley tinha apenas dezoito anos na época, e era um assíduo consumidor de ervas capazes de expandir sua mente, vivendo no meio de uma comunidade hippie praticamente sem dinheiro nenhum. Para piorar, sua namorada engravidou, e a filha acabou nascendo no meio da turnê. Ashley teve que vender a única propriedade que tinha para poder sustentar sua filha, que era a guitarra. Só que Ashley acabou usando parte do dinheiro para experimentar mais algumas ervas, e com isso, acabou passando alguns dias detido na cadeia de Buckley Hall.

Um substituto era necessário com urgência, e conta a lenda que o músico convidado foi nada mais nada menos que Robert Fripp, que havia acabado de extinguir o King Crimson. Porém, quando Fripp deparou-se com os solos de "Om Mani Padme Hum", desistiu de participar do projeto, por considerar as mesmas extremamente difíceis. Coube então para Vic fazer as partes da guitarra nos teclados e no clavinete.

Mandala que deu origem a capa de Mandalaband, pintada por David Rohl

Ashley voltou para a banda, e as sessões de gravação de Mandalaband começaram agora sem outro membro, exatamente o líder David Rohl, que deixou a banda logo no primeiro dia de gravação, indo trabalhar em Manchester, já que a gravadora não queria a participação dele na mixagem, mas sim um produtor experiente como John Alcock, responsável depois pelos álbuns mais famosos do Thin Lizzy, Jailbreak (1976) e Johnny the Fox (1977).

Rohl acabou sendo convidado para participar da mixagem depois do álbum pronto, já que a gravadora não havia gostado do que tinha ouvido. Quando o criador da Mandalaband ouviu o mesmo, ficou também bastante insatisfeito com o resultado final, tendo que remixar tudo novamente para conseguir recriar a potência e a atmosfera da versão original de "Om Mani Padme Hum", até que Mandalaband é lançado em outubro de 1975, com uma última mixagem que novamente deixou Rohl insatisfeito. Apesar disso, a versão oficial é uma Maravilha, conforme citado acima, sendo o preferido dos fãs e inclusive tendo rodado bastante no programa BBC Radio One. A versão demo acabou saindo oficialmente anos depois, como bônus do álbum Mandalaband I, na versão em CD que saiu no final dos anos 90. 

Capa (acima) e contra-capa (abaixo) de The Eye of Wendor: Prophecies,
destacando o bonito encarte do LP.

Depois de Mandalaband, o grupo acabou, com Vic, Dave, Ashley e John formando o grupo Sad Café, junto de Ian Wilson (guitarras). Por lá, Dave ficou pouco tempo, sendo substituído por Paul Young (futuro Mike & The Mechanics). De Dave nunca mais se ouviu falar durante muito tempo. Rohl acabou indo trabalhar junto ao Indigo Sound em Manchester, onde foi o responsável pela criação da trilha sonora da primeira versão do filme O Senhor dos Anéis, a qual também nunca foi lançada, por conta de não conseguir financiamento suficiente para concluir a obra. Porém, ela acabou sendo aproveitada no segundo álbum da Mandalaband, que demorou dois anos sendo gravado, e foi batizado The Eye of Wendor: Prophecies, um álbum que tem como conceito a principal obra de J. R. R. Tolkien, e que originalmente era para ter sido lançado no formato triplo, mas acabou saindo mesmo no formato simples em maio de 1978.

No registro, Rohl contou com a participação de diversos músicos, destacando Noel Redding, Justin Hayward, Kim Turner e Eric Stewart. É difícil fazer qualquer comparação com Mandalaband, já que as canções de The Eye of Wendor: Prophecies são mais curtas, e claro, como o tema é conceitual, encaixam-se formado uma interessante história, com momentos bastante atraentes, principalmente nas exóticas variações de "The Eye of Wendor", carregada de orquestrações e fortíssima candidata a melhor canção do LP, a potência dos metais de "Ride to the City" ou a hipnotizante viagem de "Dawn of a New Day", com a inconfundível voz de Justin Haywrd, ou o piano de "Aenord's Lament", e outros inesperados, como a dançante "Florian's Song", o andamento típicamente ABBA de "Silesandre", o insano saxofone da linda "Funeral of the King" O relançamento de The Eye of Wendor: Prophecies, agora como Mandalaband II, na década de 90, trouxe como bônus versões originais de três canções do álbum: "The Eye of Wendor", "Silesandre" e "Black Riders".

Nesse meio tempo, Rohl trabalhou arduamente como produtor, sendo seus principais trabalhos ao lado de Barclay James Harvest - Octoberon (1976),  Gone to Earth (1977), Live Tapes (1978), e XII (1978) - além de ser o responsável pelo surgimento do grupo Vega.

David Rohl e sua paixão pelo Egito Antigo

Nos anos 80, ele abandonou a música para voltar aos seus estudos sobre o Egito Antigo, concluindo o curso de Egiptologia em 1990, na University College London, e formando-se doutor em História Antiga na mesma Universidade em 1996. Uma das especialidades de Rohl eram as escavações, sendo que nesta área, ele trabalhou para o Instituto de Arqueologia de Londres em sítios da Síria e Egito. Rohl também trabalhou como apresentador de diversas séries de documentários sobre o Egito Antigo e escreveu diversos livros sobre o tema, ganhando o apelido de O Verdadeiro Indiana Jones.

Porém, a música sempre se fez presente na vida de Rohl. Em 2003, ele construiu seu próprio estúdio na Espanha, no alto de uma montanha na cidade de Kandovan, com uma linda vista para o mar Mediterrâneo. Por lá, entre fevereiro de 2007 e junho de 2009, ele fez o terceiro registro da Mandalaband, agora batizada Mandalaband III, trazendo a participação de Ashley Mulford novamente nas guitarras, além de Troy Donockley (Uilleann pipes, whistles, guitarras e bouzouki), Marc Atkinson (violões e voz), Jose Manuel Medina (teclados, violões e backing vocals), Sergio Garcia (violões), Kim Turner (bateria, percussão e bandolim), Craig Fletcher (baixo e backing vocals), Barbara & Briony Macanas (backing vocals), e  Woolly Wolstenholme (teclados e voz).

Retorno da Mandalaband nos anos 2000

Vale a pena ressaltar que Wooly e Turner também participaram da Mandalaband na década de 70, sendo parte dos diversos músicos que registraram The Eye of Wendor: Prophecies em 1978. Além disso, Wooly foi membro do grupo Barclay James Harvest a partir de 1978. Esse time lançou o terceiro registro, BC – Ancestors (2009), um álbum bastante voltado para a onda New Age, com pitadas fortes de rock progressivo, seguindo trabalhos de nomes como Enigma, Enya e Buddha Bar. A definição do álbum mostrada no encarte já antecipa: "Este é um álbum sem-vergonha de ser rock sinfônico, no qual pretendemos criar temas majestosos, melódicos, com toques da atmosfera e do ambiente Celta, ..., as orquestrações são complexas e ricas, com mínimas concessões para o padrão de quatro-peças de uma fórmula comum ao rock".

O álbum é conceitual, narrando os tempos antigos antes do nascimento de Cristo, contando sobre o nascimento das grandes civilizações desde o Éden, passando pelos sumérios, Assírios, babilônios, gregos, até chegar ao povo Egípcio. As canções que chamam a atenção dos ouvidos são aquelas com o trabalho de guitarra em destaque, no caso "Ancestors", "Nimrod", "Karum Kanesh" ou ainda a arrepiante orquestração do poema "Roots". No geral,  BC - Ancestors é uma grata experiência.

Último álbum da Mandalaband até o momento

Em 2010, a coletânea dupla Ressurection (2010) trouxe os dois primeiros álbuns da Mandalaband com uma nova mixagem e mais bônus. Pouco depois, quando as gravações do quarto álbum começaram a ser feitas, Wooly faleceu, em 10 de dezembro de 2010, quando suicidou-se após uma longa batalha contra problemas mentais.

AD – Sangreal é outro álbum conceitual, que chegou às lojas em junho de 2011,  totalmente dedicado à Woolly. Por suas canções, temos a história da lenda do Cálice Sagrado, com José de Arimatéia e sua sobrinha, Maria Madalena, carregando o sangue de cristo em um Cálice Sagrado de Israel para a Europa. A viagem de ambos é narrada através de quatorze faixas épicas, a maioria delas verdadeiros hinos musicais, mantendo o clima New Age de seu antecessor, e carregado nas orquestrações e corais. Os destaques ficam justamente pelo desenrolar da história, muito bem narrada, mostrando a chegada de Maria Madalena nas montanhas de Provence, a construção da primeira Igreja em nome de Jesus por José de Arimatéia, em Glastonbury, a conversão ao cristianismo de Linus, filho de Caradoc, rei de Gales e outros fatos importantes e enigmáticos se ocorreram ou não, já que musicalmente todo o álbum é bastante coeso, deixando como relevância a linda "Saracens", apimentada por magníficas linhas orientais.

A banda foi renomeada para Mandalaband IV e uma nova formação, agora com Alison Carter (backing vocals), Lynda Howard (backing vocals), Morten Vestergaard (baixo), Pablo Lato (baixo), e David Clements (baixo). Porém, a principal novidade vai para o retorno de Dave Durant ao posto de vocalista do grupo, aparecendo soberba e arrepiantemente na segunda parte de "The Kingdom of Aragon", com o mesmo vozeirão dos anos 70.

Mandalaband em 2009: Troy Donockley, Kim Turner, Jose Manuel Medina, Ashley Mulford, Barbara Macanas, Briony Macanas, Marc Atkinson, David Rohl e Simon Waggott.

A banda está atualmente em um processo de estagnação, mas provavelmente, quando menos esperar, um novo álbum trazendo as histórias de David Rohl poderá aparecer para os fãs se deleitarem, e quem sabe, uma Maraviha como "Om Mani Padme Hum".
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