quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Keith Relf e o Armageddon

 
Um dos maiores gênios da música britânica e que é pouco reconhecido entre os ditos "conhecedores de música" é o vocalista Keith Relf. Keith nasceu no ano de 1943, e aos 19 anos se uniu a Eric Clapton (guitarra), Jim McCarty (guitarra), Chris Dreja (baixo) e Paul Samwell Smith (bateria) para formar aquela que seria a maior banda da década de 60, os Yardbirds (digo maior por que os Yardbirds foram o único grupo que conheço a revelar três grandes guitarristas do nível de Eric Clapton, Jeff Beck e Jimmy Page). Os Yardbirds fizeram muito sucesso, principalmente após a entrada de Beck, mas a banda acabou em 1968, sendo que Jimmy Page seguiu como New Yardbirds e o resto da história até minha vó conhece.

Após sair dos Yarbirds, Relf decidiu que a vida louca que estava levando em seu antigo grupo não era exatamente o que ele queria seguir dali em diante (os Yardbirds acabaram, entre outros fatores, pelo abuso de álcool dos integrantes e também por consumir muito mais do que ganhavam, sendo que a banda passou a "viajar" muito nas músicas, fugindo do estilo inicial, que era basicamente aquele rhythm and blues tradicional). Nesse ponto, levou junto Jim McCarthy, que era o último baterista dos Yardbirds, formando o duo Together, que não durou muito tempo. 
Steamhammer

Com sua irmã, Jane Relf (vocais), mais McCarthy, Louis Cennamo (baixo) e John Hawken (piano), Relf assumiu seu lado guitarrista e formou a Renaissance (mesma banda que posteriormente viria a se tornar mundialmente conhecida com a vocalista Annie Haslam nos vocais). No Renaissance a idéia de Relf era simples: unir a música clássica com alguns elementos de rock (ou seja, progressivo na veia), permitindo, dessa forma, fazer com que Relf abrisse seu leque de experimentações sem ser comparado ao rock cru dos anos 60, afinal a evolução faz parte da vida de todo músico. O Renaissance de Relf durou até o segundo disco. Brigas internas fizeram com que apenas um integrante (o violonista Michael Dunfrod, que acabou entrando no segundo álbum da banda) seguisse com o nome Renaissance, e o resto da história minha vó não conhece, mas conto em alguns meses. 

Os demais integrantes (menos Keith) formariam a Illusion anos depois, e Keith ficou na berlinda. Desiludido com a música, isolou-se do mundo, mas em 1974 uma luz surgiu no fim do túnel. A última cartada podia ser dada. Anos antes (1972), Keith havia participado como convidado da banda de blues rock Steamhammer, onde tocava seu ex-colega de Renaissance Louis Cennamo. Na Steamhammer estava o guitarrista Martin Pugh e, ainda em 1972, a banda terminou devido a morte de seu baterista, Michael Bradley. Com isso, Pugh e Cennamo estavam na berlinda juntos, e decidiram mudar-se para Los Angeles, exatamente a cidade onde Relf vivia. 

Em 74, os três decidiram voltar a tocar juntos, e convidaram nada mais nada menos que o ex-baterista da Captain Beyond, Bobby Caldwell, para fechar aquele que foi considerado "o super-grupo" dos anos 70, o Armageddon. A proposta era simples: muito hard rock e muito peso nas canções. Keith podia soltar seu lado "progressivo" utilizando sua gaita de boca, e o resto da banda mandaria ver em longos solos e improvisações.
A banda começou a ensaiar e em seguida lançou um dos melhores discos de hard rock de todos os tempos, o auto-intitulado Armageddon. O álbum abre com a paulada "Buzzard". A guitarra de Pugh entra com tudo nos ouvidos, acompanhado pela cozinha de Cennamo e Caldwell. Relf entra com os vocais totalmente diferente de suas bandas anteriores, esganiçando o que pode sua garganta enquanto a pauleira rola solta. Com muitos solos e variações, a música passa rápida, mesmo durando quase nove minutos, terminando com um solo de gaita irônico de Keith, como que dizendo "esqueçam o que eu fiz, isso não é mais o que eu farei, ouçam o que tenho para dar agora". Uma ótima composição que serve muito para empolgar aquele que nunca ouviu o grupo.

A segunda faixa é a bela "Silver Tightrope", uma das mais lindas músicas que já ouvi. A guitarra dedilhada de Pugh da espaço para Keith cantar de forma totalmente livre, como se estivesse viajando por um paraíso de fadas, duendes, dragões e outros artefatos medievais. Uma linda canção que termina com os quatro integrantes entoando, como um coral de igreja, a frase "ooooooooooohhhhh, silver tightrope", enquanto Pugh estraçalha a guitarra o que pode em mais um solo memorável. Quando você menos percebe, os 18 minutos do lado A passaram e você já está delirando e curtido no vinho que Relf e os demais preparam para você.

Vêm o lado B com a rápida "Paths and Planes and Future Gains". O baixão de Cennamo lembra muito Mel Schacher em seus bons tempos. Uma boa dose de hard rock para levantar a gurizada novamente. "Last Stand Before" vêm com seus 8 minutos de um rock and roll simples, bem anos 60, mas com um peso incomum para que soe dessa forma. A bateria de Caldwell está mais precisa do que nunca nessa faixa, bem como as vocalizações dos integrantes, o que mostra que a banda estava bem afiada. 

Finalmente, a épica "Basking in the White of the Midnight Sun" encerra o lado B. Com seus quase 15 minutos, a faixa é dividida em 4 partes: "Warning Comin' On", "Basking in the White of the Midnight Sun", "Brother Ego" e "Basking in the White of the Midnight Sun (Reprise)". A primeira parte é uma paulada, com uma levada bem rápida e com Keith novamente cantando como nunca. A segunda já é mais cadenciada, lembrando bastante as demais bandas de hard rock da mesma época, como Bang, May Blitz e Moxy. Já a terceira é a mais "viajandona", onde Caldwell mostra por que ele era um dos maiores bateristas de hard rock que já haviam pisado na terra. Finalmente, temos uma reprise da segunda parte, que encerra o álbum de forma nostálgica. Eu, na primeira vez que ouvi esse disco, não aguentei e, quando terminou o lado B, coloquei a agulha no lado A novamente para ouvir a bolacha. Simplesmente o álbum inteiro é uma paulada, mesmo com uma linda balada de oito minutos.



O interessante é que a Armageddon não era só festa, pelo contrário. Apesar de a banda mostrar-se super entrosada no LP, por trás das cortinas a pauleira também rolava solta, mas entre os integrantes, afinal um se achava com direitos (e poderes) maiores que os outros, o que fez com que o grupo fizesse apenas dois shows durante toda a sua curta carreira. Mesmo assim, o álbum "Armageddon" foi aclamado por fãs e críticos, obtendo muito sucesso, principalmente na Europa.


Com a decepção gerada pelo fracasso pessoal no Armageddon e também com vários problemas de saúde devido ao abuso de drogas, Keith acabou afastando-se de vez da música, passando a compor apenas para outros músicos. Exatamente quando estava em casa escrevendo uma canção para ele mesmo gravar, Keith levou um choque de sua guitarra que acabou levando sua vida. Infelizmente uma carreira brilhante se acabava para um gênio quando este tinha apenas 33 anos (!).


Cennamo seguiu carreira como baixista, fundando a Illusion ao lado de seus ex-companheiros de Renaissance. Caldwell voltou para a Captain Beyond, mas essa acabou não atingindo o mesmo sucesso de seus dois primeiros álbuns. Pugh afastou-se da música por algum tempo, limitando-se somente a participações esporádicas em álbuns de cantores como Daniel Jones e Geoff Thorpe.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Os três primeiros álbuns do Queen

 
Com a passagem de Queen + Paul Rodgers pelo Brasil, constatei algo que já vinha há tempos matutando: os três primeiros álbuns da banda são praticamente excluídos das apresentações do grupo. Claro, após "A Night at the Opera" o Queen se tornou uma banda muito popular (graças às belas canções "Bohemian Rhapsody" e "Love of My Life"), mas perdeu a sua essência inicial, que estava presente principalmente nos dois primeiros discos, "Queen" e "Queen II".

 
"Queen" foi lançado em 1973 através da Trident Studios, e mostrava que a banda vinha com uma forte influência de Led Zeppelin e Uriah Heep. O destaque maior, claro, ficava com os vocais de Freddie Mercury e a guitarra de Brian May (tá, todo mundo sabe a formação do Queen e como a banda surgiu, mas para quem nunca ouviu falar no grupo, o Queen foi formado em 1971 quando o Smile, formado por Roger Taylor - bateria, John Deacon - baixo e Brian May - guitarra aceitou a idéia de um tal Frederick Bulsara - Freddie Mercury - de que ele seria melhor cantor do que o vocalista que a banda tinha, formando assim o Queen). 

De cara, o álbum trás uma das (se não a mais) conhecida música dessa fase do grupo, "Keep Yourself Alive". A introdução de Brian May é um daqueles riffs no estilo de "Smoke on the Water". A pegada forte e a marcação da guitarra de May durante toda a canção levam para o refrão, o qual todo fã do Queen canta como se fosse o refrão de "Radio Ga Ga". Porém, "Keep Yourself Alive" destoa, e muito, das demais músicas do álbum. 

A próxima canção, "Doing All Right", já mostra o que os garotos britânicos eram capazes de fazer. Uma bonita balada com uma bela introdução de violão nos trás uma das melhores composições do grupo. A música alterna seções lentas e mais harmoniosas com partes mais pesadas, como o solo de Brian May. São interessantes também as intervenções de piano feitas por May (posteriormente, Mercury assumiria esse posto). As viagens de intercalação nessa faixa mostram que o Queen vinha para beirar um progessivo, mas trabalhando bastante na parte pesada das músicas, como se fosse uma banda de metal. 

Na faixa seguinte temos a primeira canção composta por Mercury (as duas primeiras foram escritas por Brian May no tempo do Smile), "Great King Rat". Essa faixa é um dos melhores exemplos do que o Queen fazia em seus primeiros anos. Com uma pegada super hard rock, a banda desenvolve uma grande canção, com um harmonioso e difícil trabalho de guitarras muito bem acessorado por Deacon e Taylor. "My Fairy King" mostra as harmonizações vocais que tornariam o grupo mundialmente famoso depois em músicas como "Bohemian Rhapsody" e "Somebody to Love" de forma mais clara, encerrando, e muito bem, o lado A.

O lado B começa com os mais de seis minutos da paulada "Liar". A guitarra estridente de May dá início a uma longa introdução, seguida de uma sequência de violões acompanhados por Mercury nos vocais. A partir de então rola um rock and roll de primeira, com uma bela participação de Taylor na bateria. A balada "The Night Comes Down" diminui um pouco o ritmo, mas isso dura até "Modern Times Rock'n'Roll", que é a primeira canção em que Roger Taylor assume os vocais no grupo. A levada é bem no estilo hard rock dos anos 70, e com certeza é uma das melhores faixas cantadas por Taylor no Queen. 

"I want you ...." abre a faixa"Son And Daughter". Essa é uma das mais pesadas do Queen, com a marcação de baixo e guitarra muito similar ao material feito pelo Black Sabbath, por exemplo (talvez não seja uma comparação muito boa, mas ela sempre me vem a cabeça quando ouço essa canção).

A gospel "Jesus" vêm para encerrar o álbum, juntamente com a versão instrumental para "Seven Seas Of Rhye ... ". As reticiências no nome da canção se devem ao fato de Mercury não ter terminado a letra na época do lançamento do álbum, portanto, algo mais estava por vir.

Em 1974 saía "Queen II". Para mim esse é o melhor trabalho do Queen na fase "não-conhecida" da banda. Aqui o quarteto mostrou que evoluía tanto na parte das letras quanto também no quesito da construção musical. O álbum abre com a instrumental "Procession", uma canção somente com a guitarra de Brian May executando um solo lento, quase como uma marcha, no melhor estilo dos solos que conhecemos de May, com muitas camadas ao mesmo tempo. É incrível como as combinações de guitarras parecem que formam uma orquestra ao fundo. 

Uma bela faixa que dá sequência a introdução de teclados de "Father to Son", seguida pela marcação da banda e a entrada primoroza de Mercury. A canção se desenvolve ao estilo de "Great King Rat", com muitas variações rápidas e ficando novamente um quase metal, com um belo solo de guitarra de May. Como disse, as vocalizações dos quatro integrantes estão mais fortes nesse álbum, e "Father to Son" é uma boa faixa para se perceber o quanto o grupo estava evoluindo. Após a paulada inicial, "White Queen" amansa os ânimos da gurizada, com um belo trabalho de piano de Freddie Mercury, acompanhado do violão de May. 

O mais interessante é que a banda se dedicava, e muito, no estúdio. "White Queen", por exemplo, trás camadas e camadas de guitarra e piano que novamente fazem parecer que você está ouvindo uma orquestra ao fundo. Uma linda música para uma bela letra. "Some Day One Day" é uma daquelas canções em que Brian May vem, canta e não agrada, destoando um pouco das demais, afinal o grande vocalista da banda era Mercury (apesar de Roger Taylor ter uma bela voz), mas as canções cantadas por May não combinavam com as demais. Pule essa e vá para "The Loser in the End", cantada por Taylor, a qual segue a mesma linha de "Modern Times Rock´n´Roll", com uma pegada um pouco mais lenta, mas mesmo assim vibrante, encerrando muito bem o lado A .

A guitarra ensurdecedora de Brian May abre as portas para"Ogre Battle" no lado B, uma das melhores canções do Queen, com uma levada bem metal. "The Fairy Feller's Master Stroke" e "Nevermore" abrem espaço para os dez minutos de "The March of the Black Queen", um som "progressivo" comparado com as demais canções do Queen, e que trás uma bela participação do piano de Freddie Mercury, bem como os vocais de Roger Taylor. Finalmente, temos a versão com letra para "Seven Seas Of Rhye", que se tornou a música mais conhecida do disco. 

Um detalhe interessante sobre "Queen II" é que a capa do álbum trás a famosa imagem da banda que viria a aparecer depois no clip de "Bohemian Rhapsody", e, além disso, muito foi falado de que o trabalho era conceitual por, por exemplo, ter uma faixa chamada "White Queen" e outra chamada "Black Queen", mas, segundo os próprios músicos, isso era apenas um acaso.



No mesmo ano foi lançado "Sheer Heart Attack", que abre com a paulada "Brighton Rock". A música possui uma pequena intervenção vocal feita por Mercury, mas é totalmente construída em cima de um solo de May, mostrando a sua capacidade de tocar (e bem) com o sistema de retorno da guitarra, construido assim diversas camadas sonoras, uma atrás da outra, durante o solo. Rápida e forte, "Brighton Rock" virou um símbolo de que a música do Queen era voltada para pessoas que realmente gostavam de vários estilos musicais, mas o metal era a principal linha da banda. 

Após, temos o piano introduzindo a clássica "Killer Queen". Gravada inicialmente como um desaforo para a elite inglesa, "Killer Queen" tornou-se um sucesso sem dimensões para a banda, e isso, na minha opinião, fez com que Brian May, Freddie Mercury, John Deacon e Roger Taylor se ligassem de que era possível fazer dinheiro com a história de tocar rock and roll. O estilo cabaré de "Killer Queen" acabou virando a marca da banda nos anos 70, reaparecendo bastante nos álbuns posteriores (como em "Seaside Rendezvous" e "Good Old Fashioned Loverboy"). Enfim, é um clássico, mas que acabou levando o grupo para outros trilhos. 

Voltando ao álbum, "Tenement Fuster" é a canção interpretada por Taylor no disco. Não tão boa quanto as duas cantadas por ele anteriormente, "Tenement Fuster" possui um acompanhamento mais melódico, vindo do piano de Mercury e do baixo de Deacon. Seguem "Flick of the Wrist" e "Lily of the Valley", chegando em outra clássica, "Now I'm Here", que fecha o lado A com pompa, agora com Mercury utilizando o processo de retorno de May nos vocais.

O lado B abre com a bela "In the Lap of Gods", que acabou sendo ressuscitada na turnê "Live Magic". "Stone Cold Crazy" é a mesma gravada pelo Metallica no álbum "Garage Inc.". O último suspiro de metal da banda, uma paulada rápida bem melhor que a versão cover. 

"Dear Friends" é uma pequena balada com Freedie nos vocais e piano. Essa faixa veio anos depois a encerrar o LP "George Michael & Queen", servindo como uma despedida de Freedie para os fãs da banda. "Misfire" é uma daquelas canções alegres, que você vê nos filmes teens norte-americanos, quase como uma música caribenha. Mesmo assim, o timbre da guitarra de May aqui é forte. 

"Bring Back that Leroy Brown" é outra no estilo cabaré, que aparece mais como preenchimento do álbum. "She Makes Me (Stormtrooper in Stilettos)" vem como uma marcha, com o violão, baixo e bateria marcando o ritmo em uma mesma sequência durante toda a canção. O álbum encerra com "In the Lap of the Gods Revisited". 

A canção "Sheer Heart Attack" foi lançada somente em 1977 em "News of the World", já que na época do término das gravações do álbum de mesmo nome ela ainda não estava totalmente pronta, o que é uma pena, pois ela segue o mesmo estilo de "Stone Cold Crazy" e se encaixaria muito bem nesse disco.

Após isso, a banda se embrenhou em estúdio para a gravação daquela que é sua obra-prima, o clássico "A Night at the Opera", mas isso é assunto para outra seção neste blog. Vale muito a pena investir uns cobres e ouvir essa fase inicial do grupo, principalmente se você curte guitarras pesadas e boas hamonizações vocais, pois o Queen sempre foi capaz de agradar a todos os gêneros, desde o jazz até o pop mais rasgado. 

Infelizmente, hoje a banda sai em busca de dinheiro, mesmo contando com um excelente vocalista que é o Paul Rodgers, mas que não tem a capacidade emotiva de Freddie Mercury e muito menos o talento para embalar multidões que o mesmo tinha. Claro, as novas canções podem até ser boas, mas somente Freedie conseguia arrancar lágrimas verdadeiras do povo em "Love of My Life". Quem viu a banda em 1981 ou no Rock in Rio de 1985 e assistiu dessa vez sabe muito bem do que estou falando. Li várias críticas a respeito dos shows no Brasil, e a do Régis Tadeu foi muito próxima ao que penso. O respeito com os fãs deve ser muito maior, não podendo a banda ficar atrás do nome "Queen + Paul Rodgers". 

God Save The Queen!

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Recordando O Vale das Maçãs

                                  


Há muito tempo atrás, li uma matéria na revista Bizz (antes dessa se chamar Showbizz, ou seja, foi lá nos anos 80) que contava um pouco da história do rock progressivo pelo mundo. Em uma das seções do texto, o autor (que infelizmente não lembro o nome) citava os nomes mais incomuns para uma banda, e o de maior destaque ficou para a banda Recordando O Vale das Maçãs.

Esse nome ficou na minha cabeça por algum tempo, até que, graças a internet, consegui baixar o álbum "1978-1992", o qual trás algumas regravações do grupo para as músicas do Recordando O Vale das Maçãs (que a partir de agora identifico como RVM) feitas nos anos 70, porém sem vocais, somente instrumental. Me impressionei com a qualidade e o talento dos músicos da banda e decidi correr atrás do material original, aquele que havia sido lançado nos anos 70.

Com muita sorte (e graças a internet também), encontrei o vinil que queria em uma loja virtual, e adquiri o mesmo por um singelo preço que não vem ao caso, mas que no fim das contas saiu barato demais.

O RVM foi formado na década de 70 em Santos (SP) através dos amigos Fernando Pacheco (violões e voz), Fernando Motta (violões e percussão) e Domingos Mariotti (flauta, voz), com a idéia de tentar mostrar o som da natureza através da música. Com o passar dos anos novos músicos uniram-se ao grupo, sendo que Pacheco, Motta, Luis Aranha (violino), Moacir Amaral (flautas), Eliseu de Oliveira (teclados), Ronaldo Mesquita (baixo) e Milton Bernardes (bateria) gravaram o álbum "As Crianças da Nova Floresta", lançado em 1977, e que é disparado o melhor disco de rock progressivo brasileiro já lançado (na frente de qualquer um de O Terço, Mutantes, O Som Nosso de Cada Dia e Módulo 1000). De uma forma geral, o disco trás letras similares às do Yes, contando histórias de alegria, superação, força de vontade e também alguns momentos de misticismo, sempre passando um lado "natureza" em todas as faixas.
O disco abre com a bela "Rancho, Filhos e Mulher", uma linda canção onde as flautas de Moacir predominam sobre uma letra de esperança, de viver em um mundo de campo, paz, natureza, onde "vou encontrar a paz perfeita", mostrando que o RVM estava afim de viver o clima de paz e amor dos anos 60. A próxima, "Besteira", é um pouco mais "mitológica", e lembra muito a fase Rita Lee dos Mutantes, com muitas flautas e violões durante toda a canção. Um ritmo rápido da um tom de "festa na floresta", onde certametne, com alguns vinhos na cabeça, você irá enxergar muitos duendes pulando no seu quarto. "Olhar de Um Louco" é uma bela balada, com belas harmonizações de violão, teclados e também do violino. "Raio de Sol" (não confundir com a canção de mesmo nome do Arnaldo Baptista) fecha o lado A em grande estilo, mostrando que o RVM estava apenas mostrando as suas garras ao público, passando muito rápido, sendo que todas as suas forças ficaram guardadas para o lado B.

E é justamente quando você coloca a agulha no lado 2 que você sente o diferencial do RVM para as demais bandas. Tudo bem, "1974" é um clássico do Terço, "O A E O Z" é uma canção que caberia muito bem em qualquer disco do Yes, mas "As Crianças da Nova Floresta" está muito acima de todas as citadas. O começo suave, com a flauta e os violinos sendo introduzidos ao mesmo tempo do violão e do baixo (que merece destaque em todo o álbum), dão sequência ao estribilho de teclados que leva ao início a letra ("
quando eu penso nas voltas, que a vida, nos leva a dar ..."). O ritmo lento, com a flauta fazendo intervenções junto com a voz, é simplesmente encantador. A bateria segura de Milton marca a canção quase com uma precisão cirúrgica, enquanto a letra vai descorrendo sobre como se livrar dos problemas, vendo que outras pessoas tem problemas piores que você, que você precisa mudar algumas situações/opiniões para ser mais feliz, enfim, um quase "Close to the Edge" brasileiro. 


As harmonias vocais e dos tecados vão aumentando o ritmo da canção, até chegarmos no momento onde você "encara os problemas de frente", com um belo solo de baixo seguido por uma sequência de solos de teclado e baixo. A flauta de Domingos soa mais forte acompanhado pelo violão de 12 cordas de Pacheco, onde as verdades que precisam ser vistas são mostradas. "Olhe tudo do jeito que você quiser ver, mas antes olhe pra dentro de você, o caminho começa por aí" é o ponto mais forte da canção, que segue no mesmo ritmo, com o baixo tomando conta da canção juntamente com a letra e os acompanhamentos dos violões. Por fim, "unam-se as mãos e venham conhecer essas crianças, por que essas crianças são vocês" encerra a letra, mostrando que todos somos crianças, que temos que evoluir e não criar problemas, mas sim aprender a solucioná-los. Uma bela letra para uma bela canção, que termina com uma voz feminina angelical, que não dá pra saber se é de uma mulher ou de uma menina, mas que fecha com chave de ouro essa canção.


Como o álbum foi lançado no auge da disco music aqui no Brasil, acabou não fazendo sucesso, sendo relegado a item de colecionador. Por outro lado, mesmo na época do lançamento muitos lojistas não sabiam que a banda se tratava de uma banda de rock, colocando o LP na seção de histórias infantis (!) devido à capa do disco, com uma maçã no meio de um vale à la "Alice no País das Maravilhas".
Nos anos 80 a RVM lançou o compacto "Sorriso de Verão/Flores na Estrada", que segue a mesma linha do LP lançado quatro anos antes, agora com o baterista Lourenço Gotti, mas infelizmente a banda não atingiu o sucesso que merecia.

Ainda na década de oitenta Fernando Pacheco lançou o excelente "Himalaia", que contava com a participação de alguns músicos do RVM no lado A. Com certeza eu irei falar desse disco aqui em breve.




Nos 90 a banda voltou a fazer shows pelo Brasil e lançou "As Crianças da Nova Floresta II" (que é o álbum que citei no início dessa matéria). Foram descobertos na Europa e em 1994 os leitores da revista francesa Big Bang elegeram o álbum "As Crianças da Nova Floresta II" como o melhor álbum de progressivo daquele ano, recebendo então o convite, através da embaixada francesa, de participar do Fête de la Musique em Paris, em 1997.

Atualmente a banda faz shows em Minas Gerais, e existe a possibilidade de lançar um CD com material ao vivo em breve.

 

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O Supertramp que poucos conhecem


Tudo bem, você não aguenta um minuto de "The Logical Song", acha o sax de John Helliwell um Kenny G. melhorado, sai correndo ao ouvir a voz aguda de Roger Hodgson e pensa que "School" é mais uma música bonitinha de história de amor, mas o Supertramp um dia foi uma banda de primeira qualidade, diferente do que veio a fazer depois do lançamento do álbum "Crime of the Century", de 1974.

O grupo foi formado no ano de 1969 através de um anúncio do pianista e vocalista Rick Davies no famoso semanário inglês Melody Maker. Responderam ao anúncio diversos músicos, mas os escolhidos foram Roger Hodgson (baixo - sim, ele entrou como baixista - e vocais), Richard Palmer (guitarras - que faria sucesso como letrista do King Crimson) e Robert Millar (bateria).
 
Naquela época, a A&M Records era uma pequena gravadora londrina, e o grupo foi um dos primeiros a assinar com a mesma, lançando o fabuloso álbum Supertramp no início de 1970. O disco traz ótimas canções, mostrando a banda no estilo flower power do fim dos anos 60, mas também com uma certa tendência progressiva. 

O álbum começa com uma pequena vinheta chamada "Surely", e em seguida apresenta "It's a Long Road". Com uma levada bem rock and roll, tendo o órgão e a guitarra como destaques, a música vai apresentando a banda devagar para o ouvinte, contando com um solo de órgão de primeira qualidade e levando à bela balada "Aubade / And I Am Not Like Other Birds of Prey", com uma fabulosa introdução de Rick no órgão. É interessante notar que estas três canções são com Roger nos vocais. Depois de "Crime of the Century" o grupo sempre lançou discos com as faixas alternando os vocais entre Rick e Roger, até a saída do último em 1983. 

Mas, voltando ao disco, após "Aubade ... " seguem "Words Unspoken", onde temos um bom dueto de guitarra e voz, mostrando que o Supertramp sabia fazer, e bem, a parte instrumental, e "Maybe I'm a Beggar", um lamento cantado por Palmer e Hodgson com uma letra irônica. O órgão de Davies está cristalino na faixa, e é interessante ver como a banda tinha potencial suficiente para se encaixar entre os grandes nomes dos anos 70. O lado A encerra com a curta vinheta "Home Again".

A coisa esquenta no lado B, que começa com a rápida "Nothing to Show", onde os vocais são divididos entre Hodgson e Davies. O trabalho de órgão aqui é muito bom, bem como a pegada precisa da bateria de Millar e os acompanhamentos de Palmer. Uma boa faixa que poderia servir de primeira do Lado A. "Shadow Song" acalma a pauleira, dando um clima bem anos 60. 

Em seguida vem a melhor canção do trabalho, "Try Again". O início à la "It's a Beautiful Day", com uma flauta doce sendo envolvida por camadas e camadas de órgão, é acompanhado por uma sequência de versos de Hodgson que, quando você menos percebe, muda para o refrão direto. Após o estribilho a música volta ao seu início, suave e devagar, sendo que novamente o refrão intercala de forma inesperada. A partir de então temos uma longa seção instrumental, com órgão e guitarra fazendo um duelo empolgante, onde Palmer se inspira bastante nos guitarristas de jazz. A música vai aumentando o ritmo até virar um rockão com solos de guitarra bem rasgados e com a banda acompanhando em primeira linha. 

Com certeza você não encontrará nada igual nos demais discos do Supertramp. Por um instante a faixa parece que não vai acabar, só que, de forma inesperada, o som pára. Passos e barulhos são ouvidos por alguns segundos, criando o clima de tensão que a música sugere, afinal ela conta a história de alguém que comete um erro e se arrepende do que faz. Com o passar da canção temos novamente o refrão, tocado de forma bem forte e diferente da maneira que era executado antes do solo, encerrando a faixa com uma dinâmica e com a bateria estraçalhando tudo o que vem pela frente. O Supertramp só viria a fazer algo parecido com isso bem depois, em 1985, quando David Gilmour assumiu as guitarras em "Brother Were You Bound", uma pérola de 16 minutos perdida no fraco álbum de mesmo nome. 

O disco encerra com "Surely (Reprise)", onde a mesma vinheta inicial agora é executada com um belo solo de órgão que lembra muito os bons tempos de Rick Wright. Um detalhe interessante é que esse primeiro álbum foi lançado somente na Inglaterra em 1970. O resto do mundo veio a conhecer o que o Supertramp fez de bom somente em 1977.

Como a banda não fez sucesso, houve uma reformulação dos músicos, com a formação ficando com Davies, Hodgson assumindo as guitarras, Kevin Currie (bateria), Frank Farrell (baixo) e Dave Winthrop (flauta e saxofone). Com essa formação lançam Indelibly Stamped (1971). A capa da mulher nua tatuada causou uma certa polêmica, o que fez com que o nome Supertramp ficasse mais conhecido na Europa. 

O disco mantém a linha do álbum de estréia, abrindo com "Your Poppa Don't Mind", já com Davies mostrando o que podia fazer nos vocais. Essa faixa segue uma linha bem Allman Brothers, o que mostrava que o Supertramp já começava a ficar indeciso sobre qual rumo seguir. 

"Travelled"  começa com uma bela introdução de flauta e violão, em uma levada lenta, que lembra um pouco o que o grupo viria a fazer anos depois, como, por exemplo, em "The Meaning". As vocalizações à la Mamas & The Papas mostra que a banda evoluía também na parte vocal. "Rosie Had Everything Planned" é mais uma faixa bem elaborada, com um ótimo clima de violão e voz. Esse era o essencial da banda, a categoria de Hodgson em prender o ouvinte, e os trabalhos harmônicos de cada integrante eram de primeira qualidade. O baixo e o piano preparam a base para um belo solo de acordeão feito por Farrell. 

A seguir temos "Remember", onde o destaque agora fica por conta de uma das primeiras aparições do saxofone no som do Supertramp, sendo que depois este instrumento viria a ganhar um destaque maior na banda. A faixa tem uma ótima levada, com todos os instrumentos gravados no volume máximo, fazendo com que a audição soe meio distorcida no início. Mesmo assim a música é muito boa e vale a pena ser ouvida. "Forever" retorna ao clima das baladas, fechando o lado A em alto nível.


O lado B abre com a rápida "Potter", onde Withrop mostra seus dotes de vocalista de rock. Essa é outra faixa bem ao estilo sulista americano, e com certeza é uma das melhores do disco. Em seguida temos uma sequência de faixas cantadas por Davies: "Coming Home to See You", cuja introdução praticamente foi copiada na da canção "Crime of the Century", porém virando depois um country rock onde temos uma longo duelo de órgão e harmônica; a balada "Times Have Changed"; e "Friend in Need", que serve de introdução para a última faixa, "Aries", essa sim o de maior destaque entre todas.

A sonoridade e levada do violão de Hodgson, junto com intervenções de flauta e uma leve percussão, levam à uma sequência de improvisos de quase seis minutos, após algumas frases cantadas por Hodgson. Segundo Davies, esta canção entrou no álbum por que a banda estava com dificuldades criativas de elaborar algo, sendo que a mesma havia sido gravada um ano antes em um único take, ao vivo no estúdio, ficando da forma que ficou no vinil.


Um detalhe a ser mencionado é que a capa interna do LP trazia comentários de Davies para cada uma das faixas, tornando a música mais interessante (ou não), dependendo do comentário.

"Aries" foi o último suspiro de "o que vamos fazer daqui pra frente com o Supertramp", pois após isso, mesmo "Indelibly Stamped" sendo um ótimo disco, a banda novamente mudou de formação, agora com a dupla Davies-Hodgson sendo assistidos por Bob Benberg (bateria), John Helliwell (saxofones) e Dougie Thomson (baixo), seguindo uma linha mais comercial e que tornaria o grupo mundialmente conhecido com músicas como "Dreamer", "School", "Babaji" e "Breakfast in America".
Essa é a formação clássica da banda, que gravou álbuns como Crime of the Century (1974), Even in the Quietest Moments ...  (1977) e  ... Famous Last Words ... (1982), e que registrou obras do quilate de "Fool's Overture", "Rudy", "Two of Us" e "Don't Leave Me Now". O material subsequente desta fase merece respeito, mas ficou a sensação de que o Supertramp  poderia ter seguido outros rumos como os de "Try Again", "Nothing to Show", "Potter" e "Aries".

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Shákti: a viagem indiana de John McLaughlin

  
O guitarrista John Mclaughlin sempre foi conhecido pelo seu talento em revelar grandes músicos, e também por ser um ídolo de gênios do calibre de Eddie Van Halen, Steve Vai e até mesmo Frank Zappa. 

John estreou na carreira musical com o excelente álbum "Extrapolation" (1969), onde seu virtuosismo jazzístico, aliado à precisão de Tony Oxley na bateria e Brian Odgers no baixo, bem como o talento de John Surman nos sopros, pode ser considerado como as raízes do fusion e da world music.

Nos anos seguintes, McLaughlin lançou "Devotion" (1970) e "My Goals Beyond" (1971), seguindo a mesma linha de "Extrapolation".

Nesse meio tempo, John tentou realizar aquilo que sempre foi seu sonho: montar um grupo que misturasse jazz, rock'n'roll, blues e música clássica. O maior detalhe desta banda é que ela não deveria ser parecida com outras da época que tentavam soar da mesma forma (o que veio a ser chamado de progressivo), mas sim basear-se única e exclusivamente em longas seções dedicadas ao improviso e à harmonização das canções. 

 
Surge então em 1971 a Mahavishnu Orchestra, onde McLaughlin é apoiado nada mais nada menos por Jerry Goodman (violinos), Billy Cobham (bateria), Jan Hammer (teclados) e Rick Laird (baixo), entre outros menos conhecidos. Isto na primeira encarnação da Mahavishnu. Na segunda (1974), os músicos eram Gayle Moran nos teclados e vocais, Jean-Luc Ponty no violino, Ralphe Armstrong, no baixo e Narada Michael Walden na bateria. 

Como era esperado, a Mahavishnu se revelou uma grande banda, com excelentes músicos, mas com egos muito complicados. Mesmo assim, o grupo fez sucesso com excelentes discos como "The Inner Mountain Flame" de 1971 e "Apocalypse" de 1974.Em 1974 John reencontrou um velho amigo indiano, Lakshminarayanan Shankar (L. Shankar), o qual já tinha feito seu nome tocando com Ornette Coleman e Jimmy Garrison durante o final da década de 60. 

Em um concerto de Shankar, McLaughlin ficou extasiado com a sonoridade que vinha da percussão que acompanhava o violinista, a qual era formada somente por instrumentos indianos.A partir de então, alguns contatos foram feitos e, com poucos ensaios, Shankar e McLaughlin se uniram, formando uma das mais espetaculares bandas da década de 70, a Shakti. 

Basicamente na Shákti McLaughlin teria a oportunidade de fazer aquilo que não conseguia na Mahavishnu: tocar sem compromisso, sem seguir regras, apenas seguindo o sentimento e a própria vontade. Os outros integrantes da Shakti eram Zakir Hussain (tabla), Thetakudi Harihara Vinayakram (ghatam) e Ramnad Raghavan (mridangam), todos naturais da Índia. 

Para tocar com os músicos indianos, John encomendou com o luthier da Gibson, Abraham Wechter, um violão especial, que trazia sete cordas adicionais perpendiculares às seis cordas tradicionais do violão normal, as quais davam um som parecido com o de uma cítara.
 
Logo no primeiro lançamento, uma obra-prima. "Shakti with John McLaughlin" foi gravado ao vivo em um concerto na sala de espetáculos do Colégio South Hampton, em Nova Iorque. O lado A conta com "Joy", com um belo trabalho de Hussain, e "Lotus Feet", que viria aparecer depois na turnê de McLaughlin com Paco De Lucia e Larry Coriell. 

Já no lado B temos a incrível "What Need Have I for This - What Need Have I for That - I Am Dancing at the Feet of My Lord - All is Bliss - All is Bliss", que, conforme seu nome, possui mais de 28 minutos de muita improvisação e sentimento. Durante toda a faixa fica claro que os músicos estão em êxtase em cima do palco, no auge da inspiração e harmonia. Os duelos de ghatam e tabla sobressaem em várias etapas. O clima indiano e a levada diabólica da música com certeza irão fazer você viajar pra outro mundo, mesmo estando no seu quarto. 

Isso era o principal da Shakti, a viagem sem fim. Mesmo contando com um guitarrista de renome, não era ele o destaque da banda, aliás o grupo não tinha um destaque. Todos se encaixavam de forma a harmonizar cada segundo da canção, tornando assim a música uma peça não só para ser ouvida, mas também absorvida como um bom vinho.
Em 1976 a Shakti lança o fabuloso "A Handful of Beauty". Logo de cara, uma inovação: os músicos introduzem a canção "La Danse Du Bonheur" com vocalizações que imitam as batidas de uma tabla. Perfeito!  Após a introdução, uma ótima sequência entre violão e violino dá início a uma levada forte, com um solo de violino rápido e eficiente. "Lady L." diminui um pouco o ritmo da faixa anterior, e traz mais um belo solo de L. Shankar. É difícil não ouvir essa música e compará-la com a versão de "Kashmir" do UnLeded

"India" talvez seja a mais bela composição do grupo, o que mostra que a Shakti havia evoluído em termos de organização, não detendo-se apenas em evoluir em cima de improvisos. A canção começa com lentos dedilhados e arpejos de John, os quais vão aumentando a cadência lentamente e servem de base para que L. Shankar delire em cima de seu violino. Um longo improviso se faz ouvir, e com certeza, o clima oriental preenche o recinto em que você estiver ouvindo essa canção. Com o passar dos 12 minutos, temos uma pequena sequência de harmônicos executadas juntamente com a percurssão e o violino fechando a canção. Simplesmente demais. 

O lado B começa com a rápida "Kriti", onde temos várias sequências em que o violão faz duelos com o violino e com a tabla. É importante destacar que Zakir Hussain está em papel de destaque em todas as faixas, executando a tabla como poucos. A faixa seguinte, "Isis", está no mesmo nível de "India". Quinze minutos de uma sequência de solos de Shankar e John, sempre intercalados por um riff principal onde ambos fazem algo típico do oriente. 

O LP termina com "Two Sisters", um lamento super lento apenas com John no acompanhamento e L. Shankar executando um solo triste, porém marcante, que deixa um gosto de quero mais para o ouvinte.
                   

Em 1977 é lançado "Natural Elements". O disco tentou abranger um lado mais comercial, não possuindo nenhuma faixa com mais de sete minutos, e com os instrumentos indianos sendo substituídos (ou melhor, superados na audição) por instrumentos mais ocidentais como cymbals, triângulos e bongôs. 

O disco começa com a rápida "Mind Ecology", onde, mesmo com os novos instrumentos, existe uma levada bem oriental. Na sequência, "Face to Face" é a mais comercial de todas. Uma música que poderia ser encaixada em qualquer disco dos anos oitenta. 

A curta "Come on Baby Dance With Me" (olhem o nome da canção!!!) dá início à bela "The Daffodil and The Eagle". Esta é a que mais se assemelha aos sons anteriores da Shakti, até por que é a maior faixa do álbum. O início lento, apenas com o violão e o violino, dá um clima bem oriental, que se alterna depois entre um ritmo mais rápido, ou não. O sincronismo de notas entre McLaughlin e Shankar é fantástico. A mistura de escalas de blues feita por John com um acompanhamento oriental da parte percussiva cria um sabor diferente para o ouvinte, dando realmente um nó na cabeça daquele que não está acostumado com inovações. Essa canção já vale o investimento do disco. 

O Lado B é mais fraco, mas mesmo assim traz momentos interessantes como as vocalizações à la "Danse ..." em "Get Down and Sruti", e também a bela "Peace Of Mind".


John resolveu voltar para a carreira solo após esse álbum, lançando o magistral "Electric Guitarist" em 1978. Depois disso, alternou bons e maus momentos em sua carreira solo, reviveu a Mahavishnu Orchestra nos anos oitenta e fez sucesso com o trio  ao lado deAl Di Meola e Paco De Lucia. Os demais integrantes da Shakti seguiram suas carreiras independentemente, com Vynaiakram sendo o primeiro músico indiano a ganhar um Grammy (isso já na década de 90).

Em 1997, John, Hussain e Vinayakaram, juntos com o músico convidado Hariprasad Chaurasia nas flautas, se reuniram para uma pequena turnê chamada "Remember Shakti", a qual ficou registrada em CD duplo com o mesmo nome. Infelizmente L. Shankar não pôde comparecer aos shows, mas certamente o clima entre os músicos remanescentes era excelente, e o destaque maior do disco fica por conta da faixa "Mukti", com seus mais de 63 minutos (!!!) de muito improviso. Essa formação ainda lançou os álbuns "The Believer" (1999) e "Saturday Night in Bombay" (2001), mas infelizmente acabaram por se separar.


De qualquer forma, a Shakti deixou seu nome registrado na história musical, não somente por ser a primeira banda a misturar sons ocidentais e orientais de uma forma totalmente improvisional, mas também por suas belíssimas composições e arranjos que ficam na cabeça por muito tempo.

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