quinta-feira, 31 de maio de 2012

Maravilhas do Mundo Prog: Rita Lee - Superfície do Planeta [1972]



Quando o ano de 1972 começou, poucos imaginariam que ele terminaria de forma tão confusa e rancorosa para o grupo brasileiro Mutantes. Afinal, o quinteto paulista estava no auge da sua carreira, consolidados como principal banda do rock nacional e tendo na liderança um ícone chamado Rita Lee (voz, teclados, theremim, percussão, flauta).

Rita era o centro das atenções em um grupo jovem mas experiente, trazendo Arnaldo Baptista (teclados, vocais), Sérgio Dias (guitarra, sitar, vocais), Liminha (baixo) e Dinho Leme (bateria), e dois anos antes, por insistência da gravadora Polydor, havia tentado uma carreira solo com o álbum Build Up, que fez relativo sucesso por causa da canção "Sucesso, Aqui Vou Eu". Mas, mesmo com o Mutantes mandando na cena brasileira, as coisas internamente não estavam nada bem.

Tudo por que o relacionamento do casal Rita e Arnaldo estava indo de mal a pior, junto com as brigas para ver qual direção o som do grupo deveria seguir. Sérgio, Arnaldo, Liminha e Dinho defendiam a adoção do rock progressivo, enquanto Rita insistia em querer manter o tradicional som da Tropicália que havia revelado o grupo.
Rita Lee em 1972. Futuro incerto ao lado do Mutantes
A solução encontrada pela Polydor foi acalmar os ânimos do quinteto, lançando assim um disco sob o nome Mutantes e outro sob o nome de Rita Lee. Desta forma, poderiam fazer o que bem entendessem em cada um dos álbuns, sem gerar atritos e discussões, e principalmente, mantendo a união entre os membros. 

Na prática, não foi assim que funcionou. Enquanto o disco do Mutantes, o espetacular Mutantes e Seus Cometas no País dos Bauretz, mergulhava de cabeça no progressivo, destacando a suíte faixa-título, mas traz momentos Ritanianos como "Todo Mundo Pastou" e "Rua Augusta", o disco de Rita Lee virou praticamente um disco solo de Arnaldo e Sérgio, que meteram a mão literalmente na obra, fazendo desse mesmo um filho muito bem abonado do disco do grupo maior.
Rita Lee, preparando-se para sair do Mutantes
Hoje É o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida é um dos verdadeiros achados na música nacional. Em suas dez faixas, as habilidades musicais de Rita, Arnaldo, Sérgio, Liminha e Dinho são colocadas à prova, e raras são as canções onde o progressivo não aparece com ênfase. Apesar de Rita tentar de tudo que é jeito mostrar que o disco é seu, trazendo letras engraçadas e fazendo as vocalizações que marcaram sua fase inicial, a participação do Mutantes como grupo de apoio modifica totalmente o ar do disco, tornando-o muito mais atraente.

"Vamos Tratar da Saúde", "Beija-Me Amor", "Amor Branco e Preto", "De Novo Aqui Meu Bom José" e "Tiroleite" são as faixas mais próximas do que Rita Lee sugeriu para seu disco, relembrando a fase inicial do Mutantes, ainda como trio, mas sempre com pitadas progressivas, as quais viram um verdadeiro caminhão quando ouvimos a faixa-título, "Teimosia", "Tapupukitipa" e "Fique Comigo", nas quais o baixo de Liminha duela forte com os teclados de Arnaldo e a guitarra ácida de Serginho.

Arnaldo Baptista em 1972
Porém, é na maravilhosa faixa de encerramento de Hoje É o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida que Rita e os Mutantes se superam. "Superfície do Planeta" é uma obra perfeita, na qual Serginho, responsável por comandar os dramáticos vocais da canção, joga para fora qualquer bom senso de interpretação, com gritos rasgados e alucinantes que servem apenas para enaltecer ainda mais o seu talento.

Nossa maravilha começa com barulhos de vento, trazendo as variações de acordes da guitarra que acompanham o sussuro vocal de Rita, explodindo nos acordes de órgão, com o baixo e os pratos marcando o tempo para Serginho gritar forte. A segunda estrofe é feita com os sussuros de Rita, tendo Arnaldo avisando: "Preste atenção na letra!", e trazendo mais gritos de Serginho, chegando no refrão, onde um pequeno tema da guitarra surge sob os gritos.

Barulhos de tiros apresentam a complicada escala de baixo, repetida pela guitarra, e assim, começa a batalha feroz entre baixo e guitarra, um engolindo o outro através de diversas repetições do mesmo tema, voltando então para o início sussurrado da canção. Barulhos de discos voadores repetem então a segunda estrofe da letra, com Serginho gritando como nunca, e assim, "Superfície do Planeta" encerra-se com as lindas notas da guitarra acompanhadas pela imponente marcação do órgão, baixo e bateria, enquanto diversos efeitos são adicionados na voz de Sérgio.

Para complementar, um tímido Arnaldo nos pergunta, entre barulhos de disco voador, corda quebrando e tiros, a frase "Você entendeu?", uma sacanagem direta para a intrincação musical que é Hoje É o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida, e principalmente, "Superfície do Planeta".
Sérgio Dias e sua Sitar. Início de uma era progressiva
Ainda em 1972, o Mutantes lançou a maravilhosa "Mande Um Abraço Pra Velha". No mesmo ano, Rita saiu do grupo para seguir uma carreira com altos e baixos, primeiro ao lado do Tutti Frutti e depois com o marido Roberto de Carvalho, virando a Rainha do Rock nacional e mostrando aos brasileiros suas intimidades com Roberto detrás de quatro paredes.

O Mutantes seguiu peregrinando pelo progressivo por mais alguns anos, vendendo poucos discos, mas sendo reconhecido como a maior banda de rock do país, inclusive tendo a oportunidade de divulgar o rock progressivo Made in Brasil na Europa. Um ótimo exemplo de que em nosso país, música de qualidade era feita por jovens que tinham além de talento e criatividade, capacidade emocional para compor maravilhas como "Superfície do Planeta".

terça-feira, 29 de maio de 2012

War Room: Metallica - Beyond Magnetic [2011]





Por Daniel Sicchierolli (Publicado originalmente no blog Consultoria do Rock)
Convidados: Fernando Bueno (FB), Leonardo Castro (LC), Mairon Machado (MM) e Micael Machado (Mica)

Caros leitores, mais uma edição do War Room. Nesse episódio, ouviremos juntos o mais recente lançamento do Metallica, o EP Beyond Magnetic, onde a banda coloca a disposição do público músicas não utilizadas no Death Magnetic, lançado em 2008. O Metallica, por si só, já é uma banda polêmica pois lança albuns que não são uma unanimidade e, de certo modo, fogem do passado que os consagrou. Prontos para mais um War Room?

1. Hate Train 

Mica: U-hulll! "Blitzkrieg"! Começo matador! 

MM: Porrada animalesca essa entrada, melhor que todo o Death Magnetic

LC: Belo riff!!! Muito "Blitzkrieg" mesmo! 

Mica: Como que deixaram essa de fora do Death Magnetic

DS: Começo pesado, beirando um punk rock. É bom ver a banda com energia, mas a bateria não é mais a mesma... Sem contar que não simpatizo nem um pouco com o novo baixista. Hetfield cantando bem rasgado, mas tambem mostrando sinais da idade. Esse meio modernoso, lembrando os anos ruins da banda, estragam a musica. Eles estão se esforçando, mas longe do que foram e ao vivo então, perdem totalmente a energia. Boa música, nada mais, não entraria numa coletânea da banda se eu estivesse escolhendo as músicas. 

LC: Bem legal essa música, entraria facil no Death Magnetic. O riff é bem NWOBHM, e a levada da música vai bem na linha de outras músicas do disco, como "Cyanide" e "Judas Kiss". Bem melhor que coisas como "Unforgiven III" ou "The Day That Never Comes".

FB: Eu sempre conecto o Death Magnetic ao ... And Justice For All, mas essa música tem uma introdução que lembra as coisas do disco preto. A introdução é legal, mas quando vai entrar a música parece que muda o andamento e fica estranho, mas as coisas se ajustam depois. O solo é muito bom, apesar de curto. E isso é curioso já que a música não é curta. 

Mica: Peso como há tempos não ouvia, bem NWOBHM mesmo. Nem a parte lenta no meio conseguiu estragar. Uma das melhores deles nos últimos tempos. Não entendo como ficou de fora do (bom disco) Death Magnetic

DS: Solo? Que é isso?? Barulho sem sentido. Esse cara é muito ruim. Salve o Mustaine! 

MM: Baita faixa. Eu sou simpatizante do Death Magnetic, gosto bastante do disco, mas essa canção me surpreendeu pelo peso e pela quebradeira. Impressionante o Kirk Hammett como está tocando cada vez mais. Hetfield e Lars é que não são mais os mesmos, mas de qualquer forma, poderia ter entrado facilmente no álbum original, pena que ficou de fora, e aind abem que fomos apresentados a esse petardo agora 

Mica: "The Day That Never Comes" é uma das melhores do disco! Sacanagem falar mal dela! 

FB: Essa é animal mesmo Micael.

2. Just a Bullet Away

LC: Muito ... And Justice for All esse riff. "Shortest Straw" total! Mas achei meio insossa, um ... And Justice for All requentado, e dá pra entender por que ficou de fora. 

Mica: Concordo. Até o Lars tá bem na parte dele! Eu tô curtindo pacas aqui ... air guitar rolando solto! 

LC: Não é ruim, mas nao se destacaria no disco... mas é melhor que "Unforgiven III", o que não é merito nenhum.

DS: Bom começo, pesado e o vocal entra e sim, boa música. Não me lembra a fase antiga, mas tenho certeza que se só fizessem música assim, não teria metade dos fãs de "FM" que gostam das baladas e músicas mais acessiveis. 

MM: Outra boa faixa, mas compreesível de ter ficado de fora do Death Magnetic, até por que é bem similar as demais canções. Essa virada no centro da canção, trazendo o solo do Hammett, me remete direto ao ... And Justice for All. EP rendendo bem aqui, curtindo bastante 

DS: Que é isso? Pararam para fazer algo lento? Não combina em nada com a banda! Solo infantil e simples, só para quem tá começando. 

FB: Riff bem thrash. Abafado, pesado. Mas essa música já não tem a mesma qualidade que "Hate Train", apesar de ter passagens interessantes. As estrofes são boas, mas falta uma melodia mais marcante. Depois da parada parece outra música. Aliás, acho que poderiam ter feito uma outra com essa parte. Gostei desse solo antes da parada. 

LC: A música, apesar de boa, é um tanto genérica, pouco memorável, o que justifica sua não inclusão. O interlúdio melódico do solo ficou meio deslocado do resto da música... 

FB: Antes não, depois...rs 

3. Hell and Back

Mica: Essa parte com vocais já é mais Load/Reload

LC: Sim, ia falar isso. O começo foi bem Black Album, mas essa levada mais melódica/melancólica é bem Load.

Mica: Começo bem na linha do ... And Justice For All, mais lenta que a anterior, mas um convite ao "air guitar". Um peso que o Metallica já não fazia há tempos, chega a impressionar. Muito bom. Parte lenta dá uma caída, fica mesmo meio deslocado, mas não chega a comprometer não. Depois volta a parte pesada. Curti bastante! 

MM: Kirk Hammett continua um mestre na guitarra, olha essa introdução que espetáculo de composição. Essa já é mais "Metallica fase moderna". 

DS: Kirk Hammett mestre?? Acho que você nunca escutou o Megadeth. Qualquer um do Megadeth mandou um abraço! 

MM: Daniel, eu gosto muito de Megadeth, mas o Kirk Hammett toca pacas, isso é inegável.

Mica: Concordo com o Mairon na questão da "fase moderna". Parece algo do Load/Reload, mas está legal! 

DS: Essa terceira faixa tem tudo o que eu não suporto do Metallica. Arrogância extrema numa música meia-boca e metida a "grande". Eles precisavam escutar o Master of Puppets para aprender, com eles mesmos, como se faz. CHATA! 

FB: Essa já tem um jeitão de Load/Reload. Mas das coisas mais chatas desses discos, que tem sim coisas boas. Fica o sentimento que um belo riff foi desperdiçado. 

LC: O riff inicial remete ao Black Album, mas o andamento mais lento e melancólico da música é mais na linha Load/Reload. Também não causa um impacto maior, e certamente não caberia no Death Magnetic

Mica: É legal, mas a mais fraca até aqui! Opa, velocidade!

LC: Velocidade com o freio de mão puxado.

FB: É...já sabemos porque essa não entrou em Death Magnetic

MM: Frustração idêntica Bueno. Início muito bom, mas depois, caiu nos anos 90, e daí vira um som sem gosto e sem fundamento. Moderno demais para o meu gosto. Gostei do início, e nessa, nem o solo do Hammett escapou. Barulho demais para velocidade de menos. Como disse o Bueno, entendemos por que ficou de fora 

Mica: Gostei da música, mas lembra muito as coisas os anos 90 mesmo. A mais fraca até aqui, apesar de eu ter curtido, principalmente o refrão! 

DS: Deveria ficar de fora do EP também. Porcaria. 

Mica: Aí já é exagero! 

FB: Dá para perceber que o tempo dessa música foi esticado. Poderia ter acabado faz tempo.

LC: O solo do Kirk parece do Ace Frehley.... e isso nao é um elogio, apesar de eu amar o Ace Frehley.

4. Rebel of Babylon

DS: Blem blem.... Que é isso? Estão imitando o Nirvana ou algo assim? Oito minutos assim será muito sofrimento. Para quem escreveu um disco como o Master of Puppets isso aqui é uma ofensa. Para não ser tão chato, acho que eles estão se esforçando, mas não adianta, o Lars esqueceu como se toca, o James não consegue cantar com antes, Kirk nunca fez algo que me faça acreditar que é um guitarrista que mereça o título de um dos melhores e o baixista pode até tocar, mas não gosto dele, não adianta. 

Mica: Robert Trujillo é O cara. No metallica, melhor que ele só o saudoso Cliff Burton! 

MM: Começo difícil, depois engrena. O riff é bem thrashzão, fazia horas que não ouvia algo assim na carreira do Metallica, mas é meio estranha essas variações. Ora é thrash, ora é NWOBHM, ora é punk rock anos 90. Daniel, não acredito que tu não gostas do Kirk Hammett, o cara é um animal.

FB: Novamente o começo da música lembra a fase Load/Reload. As partes mais rápidas já dá para imaginar o público no show se debatendo. Mas ela parece uma colcha de retalhos se formos analisar como um todo. 

LC: Não gostei do começo, mas o riff rápido melhorou. Música meio sem pé nem cabeça... O inicio lento é esquisito, mas a levada rápida da música é legal. Pena que o refrão seja ruim, assim como a parte quebrada depois desse. Poderiam ter feito uma música muito melhor aproveitando só a parte rápida e jogando o resto no lixo ... 

FB: A biografia do Metallica tira vários mitos. O daniel fala que o Lars desaprendeu a tocar. Mas na verdade ele nunca foi bom. Isso é citado diversas vezes no livro. 

LC: Mas pelo menos ele tentava, disfarçava... agora nem isso. Robert Trujillo toca muito, mas eu acho que visualmente ele não se encaixa no Metallica... Ele de camiseta e fazendo o passo do carangueijo no palco é meio como colocar o Flea vestindo só uma meia e um capacete de lâmpada no palco com o Judas Priest 

FB: Olha esse riff depois de cinco minutos e meio da música. Ótimo!! Novamente fica a impressão de que desperdiçaram um bom riff. 

MM: Gostei das guitarras gêmeas, e essa variação (de novo) me fez ouvir essa música com outros ouvidos. Vou ter que ouvir mais vezes, mas me chama a atenção o trabalho instrumental. De uma hora para outra, passei a gostar dela 

FB: Verdade...a música se transforma depois de um tempo. 

Mica: Vai mudando os climas, a gente vai se acostumando a ela! 

MM: Caraca, que música complicada. Tiraram da versão final por que é impossível tocar ela ao vivo. 

Mica: Eles tocam coisas mais complexas que isso ao vivo! Começo indeciso, mas, quando pega ritmo, sai da frente que é só porrada! Aí muda de novo, por quê? Tava indo tão bem! Enquanto fica na porradaria é legal, é outra que lembra demais a NWOBHM enquanto é rápida, mas a parte quebrada eu não curti muito não, assim somo a parte mais ao final, depois das percussões! Apesar das milhares de variações, curti bastante, melhor que a terceira! Merece mais audições para me acostumar melhor com ela! 

Comentários finais

DS: São músicas que realmente parecem sobras mal-acabadas. O disco Death Magnetic merece um War Room também. O Metallica atual é isso. Um apanhado de ideias mal aproveitadas e eles tentando não parecerem velhos. Ainda bem que eu que escolhi o disco, poderia ter sido pior e escutarmos o Lulu, que não passo nem perto. 

MM: Surpreendente. Gostei muito do EP. Com exceção de "Hell and Black", as demais são muito boas. A última faixa mesmo é um petardo que deve ser ouvido de novo para tentar assimilar melhor o que ali acontece. Colocaria duas das quatro faixas do EP na versão final de Death Magnetic, principalmente esta última, que se fosse melhor trabalhada, teria tudo para ser uma das melhores do grupo pós-Black Album.

FB: O EP tem apenas uma música que poderia ter entrado com certeza em Death Magnetic: "Hate Train". Um detalhe é que as quatro composições são creditadas para todo mundo. Ou seja, é mais que o Jason Newsted teve de créditos em quase 20 anos de banda ... rs. Analisando as quatro músicas como um todo, eu as compararia com a segunda metade do Death magnetic. A primeira metade dele é excelente e a segunda é mais irregular.

Mica: Eu curti o EP, pelo menos "Hate Train" merecia lugar no Death Magnetic. Mas as outras são legais. Prefiro o Metallica agora que na fase Load/Reload/St. Anger. Pelo menos musicalmente estão mais interessantes no que fazem. Um belo lançamento, que acho vem a agregar na discografia desta que é uma das melhores bandas da história do metal, apesar das várias mancadas!

LC: Em resumo, uma ótima faixa, uma boa, uma péssima e uma com boas ideias, mas mal aproveitada. Não vale a pena para o fã ocasional, mas os mais apaixonados pela banda vão querer por causa de "Hate Train". Pelo preço que o EP está sendo vendido nos EUA, U$5,00, vale o investimento, mas não mais do que isso...

MM: Eu acho essa fase atual beeeeeeem melhor que qualquer coisa entre o Black Album e o St. Anger.

FB: Acho um bom lançamento. Mas creio que só foi lançado apra disfarçar/mascarar um pouco as críticas que estavam recebendo depois do lançamento do álbum com o Lou Reed. Acho que isso poderia servir de exemplo para muita banda. Lançar as sobras de estúdios mesmo não estando totalmente satisfeitas com elas. É algo a mais para os fãs.

MM: Pode ser Fernando, pode ser.

Mica: Podem me bater, mas não acho o Lulu tão ruim assim. Mas claro que isso aqui é muito melhor! E concordo plenamente. Como fã, eu quero é música boa, não perfeição! É só não lançar tranqueira que tá tudo certo! Este EP é mais para os fãs mesmo, os quais, aliás, não vão ter muito do que reclamar!

MM: Bom senhores, obrigado por participarem de mais um War Room, e agora, aguardemos os comentários sobre mais um álbum analisado aqui no Consultoria do Rock. Abração. 

FB: Abraço galera.

Mica: Valeu, forte abraço.

LC: Obrigado pelo convite. Abraços.

DS: Abraço a todos!

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Lady Gaga - A Very Gaga Holiday [2011]


                                   
O jazz é há algum tempo um dos meus estilos musicais favoritos. John Coltrane é o deus negro que venero dentro do gênero, mas existem vários artistas que cultuo e dos quais coleciono obras, como Duke Ellington, Keith Jarret, Thelonius Monk, Buddy Rich, Count Basie, Michel Pettruciani, Wayne Shorter, os irmãos Marsalis... Enfim, uma variável e inumerável lista.

Mas o que tem isso a ver com Lady Gaga? Simples. No final do ano passado, a atual rainha do pop lançou um EP digital de Natal, disponível para download no formato MP3 e para i-tunes em geral por um preço de aproximadamente 4 dólares, intitulado A Very Gaga Holiday, e, por incrível que pareça, o disco é um belíssimo registro de jazz.

Lady Gaga aos 19 anos, morena e longe das esquisitices que marcam sua carreira

Gravado ao vivo, com Gaga acompanhada de um trio formado por  trompete, piano e bateria, A Very Gaga Holiday é um EP surpreendente, retirado de uma apresentação especial feita pela artista americana, intitulado A Very Gaga Thanksgiving, que foi ao ar no dia 24 de novembro de 2011, através da rede de televisão ABC. A ideia e direção do especial foi toda da cabeça de GaGa, o que dá mais pontos para a artista, já que o visual luxuoso e nostálgico do vídeo é muito bonito. Entre entrevistas e histórias do passado, vários convidados apareceram no tal especial, dentre eles Katie Couric, Art Smith e Tony Bennett, com quem inclusive a cantora fez um dueto. Além deste dueto, Gaga interpretou quatro canções em versão acústica do seu segundo álbum (Born This Way, lançado em 2011) e mais duas canções natalinas escolhidas por ela mesma.


O EP A Very Gaga Holiday compila quatro dessa sete canções cantadas por Gaga na noite de 24 de novembro, e em pouco mais de 14 minutos, toda a pompa, extravagância e demais acessórios que marcaram (e marcam) a carreira da cantora norte-americana caem por terra, deixando passar uma imagem bem diferente e, para os não radicais, muito boa dentro do jazz. “White Christmas”, de Irving Berlin, abre os trabalhos, primeiro com o trompete, tendo o leve acompanhamento dos brushes batendo na caixa, a marcação do chimbal e os acordes variados de piano. Gaga começa a cantar remetendo-nos aos anos 30, com uma voz rouca e totalmente diferente do que poderíamos imaginar da rainha do pop. A garganta carregada de rouquidão por vezes lembra Liza Minelli, e o clima suave da canção vai surpreendendo e envolvendo o ouvinte. 


Cartaz promocional do especial de fim de ano que gerou o EP
A Very Gaga Holiday
Gaga fala algumas palavras, comentando a respeito da a música, enquanto o trompete sola ao fundo. A cantora repete a letra, sempre com o andamento perfeito de um maravilhoso jazz, encerrando com uma bonita sessão vocal a cappella, seguida por breves notas do trompete.

Após mais alguns comentários, a vocalista pede para que a banda puxe “Orange Colored Sky”, de Milton Delugg e William Stein. A bateria chama o ritmo no prato, seguida por piano e trompete, para que Gaga mande ver em um fabuloso jazz novaiorquino, saído de alguma toca da Broadway, com mais uma interpretação surpreendente. Ouvir “Orange Coloured Sky” com a cantora e dizer que é ela quem está cantando é uma charada impossível de se decifrar. O que ela consegue mostrar de técnica e feeling em nada combina com a pessoa irreverente, de roupas e cabelos chamativos, e que consagrou-se nos últimos anos como o principal nome da música pop, tida por muitos como sucessora de Madonna. Destaque também para o trompete, essencial para dar mais charme à melhor faixa do EP.

O piano introduz a linda “Yoü and I”, uma das poucas canções de sua carreira que aprecio. No EP, “Yoü And I” ganhou uma versão toda especial, na qual Gaga abusa da emoção, e claro, o piano faz sua parte para ampliar o apelo emotivo de uma bela balada. No refrão, a vocalista solta a voz, acompanhada por um furioso solo de trompete, e com o pianista mandando ver nos acordes. Gaga segue a letra acompanhada apenas pelo piano e brincando com o grupo, voltando então para o refrão, no qual novamente solta a voz com uma técnica inimaginável, encerrando a música com um breve solo de trompete e piano.


Gaga durante o especial de fim de ano

Por fim, Gaga apresenta “The Edge of Glory”, outra balada, não tão bela quanto “Yoü And I”, na qual faz as honras da casa no piano, mandando ver em outra interpretação que em nada lembra a música que foi registrado em Born This Way, a qual você provavelmente so irá reconhecer no refrão, no qual os gritos de Gaga em “the edge” nos fazem pensar mais uma vez como uma cantora dessas pôde voltar-se tão facilmente para a música pop. 

Ainda em "The Edge of Glory", a cantora conta uma história de infância, relembrando momentos ao lado de sua avó para depois voltar a cantar. Não sei por que, e não sei de onde, mas é fato que Gaga está cantando muito nessa faixa, esbanjando sentimento e, principalmente, fugindo do convencional. Nada anormal, maravilhoso ou genial, mas diferente e muito bom. Agradeço ao meu filho, Iago Castilhos Machado, um dos maiores fãs que conheço da artista, por, em uma tarde de sábado, assistindo os costumeiros videoclipes e canções da artista, ter me surpreendido ao ouvir o EP na internet, revelando-me essa grande joia que Gaga gerou, escondida entre os sucessos marcantes do final da década passada e do início desta.

Lady Gaga: polêmica e surpreendente

Com certeza A Very Gaga Holiday não será um desses sucessos, mas é inegável que, para pessoas que gostam de jazz, é uma boa pedida para se ouvir quando se quer conhecer algo novo dentro do estilo.


Track list:


01. White Christmas
02. Orange Coloured Sky
03. Yoü and I
04. The Edge of Glory

sábado, 26 de maio de 2012

Vanilla Fudge - Parte II



Passado o estouro de Renaissance, era a vez da Europa ser conquistada pelo Vanilla Fudge. Inglaterra, Alemanha, França, Suíça e Itália foram alguns dos países que receberam o grupo, sendo que na Itália, o Vanilla Fudge ganhou o prêmio Gondola de Ouro como melhor performance vocal (no caso, "You Keep Me Hangin' On", apresentada durante um festival em Veneza).

No dia 02 de fevereiro, voltam a participar do programa de Ed Sullivan, seguido de mais participações na TV, dessa vez nos programas Beat Club e Dick Cavett Show. No dia 03 de fevereiro, é lançado o single "Shotgun", tendo no lado B a faixa "Good Good Lovin'". O melhor estava por vir. Enquanto a banda participava das apresentações na TV, começa a ser mixado o novo álbum do grupo, que foi lançado no dia 05 de fevereiro.
O maravilhoso Near the Beginning

Totalmente produzido pelo grupo, Near the Beginning é uma paulada tão grande quanto Renaissance. Nele está um dos melhores arranjos musicais da história do grupo, além de ser o único oficial da fase entre 67 e 70 trazendo algum material ao vivo, com o lado B todo dedicado à uma gravação no Shrine Auditorium de Los Angeles, com uma única canção: os poderosos 24 minutos de "Break Song".

O álbum começa com a cover de "Shotgun" (original de Jr. Walker & The All Stars), na qual Martell despeja sua fúria no wah-wah, acompanhado pelas pancadas de Appice e o embalo de Bogert e Stein. A técnica de Martell é muito mais avançada que nos primeiros álbuns, e o Vanilla Fudge está mais hardeiro do que nunca. As vozes cantam o refrão que entoa o nome da canção, deixando Stein cantar a letra da mesma. O refrão é repetido, levando ao rápido solo de wah-wah e órgão, que não aparece com tanta ênfase, voltando então para o refrão. Após, uma sessão intrincada acompanha o solo de Bogert, concluído com a barulheira infernal da bateria. Mais vocalizações e Stein aparece com um breve tema que nos remete a "Boureé" (Johann Sebastian Bach), trazendo um fantástico arranjo vocal que carrega o solo de wah-wah e nos encaminha para o final, com um vigoroso solo de Appice, no estilo chupinhado indecentemente por John Bonham meses depois em "Moby Dick". 

A psicodelia volta à cena em "Some Velvet Morning", a qual começa com o dedilhado nervoso do órgão entre barulhos percussivos. Acordes de órgão, baixo e guitarra são marcados por batidas na caixa, para órgão e guitarra largarem o peso fazendo o tema principal, destacando o baixo carregado de distorção e claro, Appice destruindo na bateria. Stein então passa a cantar a canção, acompanhado apenas pelo dedilhado da guitarra e por intervenções sutis do órgão. A voz começa muito sussurrada, e pouco a pouco aumenta seu volume, junto com a entrada de batidas nos pratos e vocalizações. 

As vocalizações cantam a segunda parte da letra, com mais um fantástico arranjo vocal, voltando para o riff inicial, com o baixo estourando as caixas de som, e Stein segue a letra, acompanhado pelas vocalizações, e com o andamento sempre leve da mesma. Agora, as vozes e Stein dividem a letra de forma democrática, retornando então para o riff principal, mais uma repetição do refrão, tendo um espetáculo a parte das vocalizações, e encerrando com barulhos estranhíssimos, que fazem a bizarra introdução de “Where is Happiness”, na qual o órgão aparece com destaque, acompanhado pela imponente levada da bateria e do baixo. 

O órgão então comanda o riff da canção, enquanto baixo e bateria fazem a marcação intrincada que acompanha as vocalizações, responsáveis por cantar essa pérola Fudgeana. Stein canta melodicamente, assim como as vocalizações, e o destaque fica para a melodia de guitarra que é feita ao fundo da parte vocal. Após algumas estrofes, começa a agitada sessão instrumental, na qual Martell solta seus dedos em um solo veloz na escala oriental, apesar da sempre marcante ausência de técnica. Após a pauleira, o solo ganha tons melódicos, voltando para a sequência da letra, para em um crescendo fervoroso, onde a guitarra duela com bateria, baixo e órgão, e depois faz as rasgadas e emocionantes notas finais que concluem esse maravilhoso lado A do vinil. 

Vanilla Fudge ao vivo
O lado B é todo dedicado para “Break Song”, que surge com as violentas batidas da bateria e o baixão de Bogert carregado de distorção. Órgão e guitarra comandam um riff desse petardo instrumental que coloca a casa abaixo. É peso, distorção e violência para tudo que é lado de onde vem som. 

Após a introdução, começa a sequência de solos, primeiro com a guitarra de Martell em um blues totalmente embriagante, levada pelo wah-wah no mesmo jeitão de nomes como Jeff Beck e Jimmy Page. As marcações de baixo, órgão e bateria são tão violentas quanto o início da canção, e o solo se modifica de um blues para uma insana hardeira psicodélica, com Martell finalmente mostrando sua técnica, escondida nas canções em estúdio. Um solo rasgado, sujo, arrebatador e delirante, com notas rasgadíssimas e muita potência. 

O riff inicial é repetido, sempre com a sujeira e peso marcantes da canção, e Stein apresenta Martell. Appice então puxa o ritmo para o fantástico solo de Bogert. Utilizando somente os dedos (e não palheta) como os bons baixistas devem fazer, Bogert demonstra o por que de ser um cara ouvido e idolatrado por nomes como Jeff Beck. Seu solo, apesar de não ser veloz, é alternado entre escalas intrincadas, arpejos, dedilhados e trêmolos arrepiantes. Claro que a base construída por Appice ajuda a dar mais gás para o solo, mas o talento de Bogert é inegável. Escalas abafadas, arpejos, variações entre notas agudas e notas graves fazem parte de um solo que quebra a cabeça em sua segunda parte, quando Bogert pisa no pedal de distorção e arranca uivos do instrumento, fazendo bends longos (não dá para entender como as cordas não arrebentam aqui), e claro, despejando sujeira através de batidas rápidas nas cordas, deslizando os dedos sobre as mesmas e criando efeitos assustadores. 


Stein apresenta Bogert, que agradece e puxa o ritmo para uma marcação, enquanto Stein delira no órgão. Começa então o solo do tecladista, também acompanhado por Appice, mas em um ritmo mais veloz que o solo de baixo. O órgão é detonado por Stein com acordes velozes, puxadas nas notas como Jon Lord consagrou posteriormente, e escalas variadas. Stein brinca com os efeitos do hammond, e então começa a entoar a letra improvisada de um blues triste, acompanhado por baixo, guitarra e o órgão. Mais um solo de órgão, dessa vez com a levada bluesística, e Bogert apresenta Stein, encerrando o blues com um riff pesadíssimo de baixo, guitarra e órgão, do qual surge o acompanhamento furioso de Appice, destruindo a bateria para voltar ao riff inicial. 

O volume dos demais instrumentos vai diminuindo, deixando apenas o baterista para executar seu solo. Aos que não conhecem o brilhantismo de Carmine Appice, e ainda dizem que seu irmão Vinnie Appice (Black Sabbath, Dio, ...) é melhor que ele, esse solo apaga qualquer imagem negativa. O cara é um animal. Pai de bateristas como John Bonham e Ian Paice, Appice detona os dois bumbos, soca os tons ao mesmo tempo que manda ver nos pratos. Suas viradas são insanas, incompreensíveis e dificílimas de serem reproduzidas. Quando o homem inventa de socar os pratos ao mesmo tempo que agride os bumbos, sai de perto. Depois, começa a sessão rítmica na caixa, com rufadas alternando entre o centro do instrumento e as bordas, tal qual manda o figurino dos bateristas formados no jazz. Appice cria uma espécie de swing, e enlouquecidamente, rufa entre tons, bumbo e caixa. Um monstro no instrumento, com diversos braços e pernas, e que é pouco conhecido aqui no Brasil. 

A sequência final é feita com os bumbos e pratos sendo desgastados pelas mãos e pés do baterista. O ritmo veloz dos pés auxiliam Appice a socar os pratos com uma fúria dantesca, e finalmente, ele puxa o ritmo do riff inicial, para, logo após ser apresentado por Stein, Martell e Bogert surgirem arregaçando a canção com notas agudíssimas, encerrando com o barulho exorbitante de órgão, guitarra, baixo distorcido e claro, a bateria de Appice derretendo a mente dos ouvintes. 


Near the Beginning surgiu no mesmo ano de lançamentos épicos como Tommy (The Who), Volunteers (Jefferson Airplane) e Led Zeppelin (Led Zeppelin), e não perde nada para esses álbuns. A mistura de peso e esquizofrenia do Vanilla Fudge foi captada no auge de sua essência. Em 1969, o Fudge era uma das poucas bandas que ainda conseguia sobreviver e chamar a atenção com a magia da psicodleia, muito por causa das estranhas e pesadas harmonias que o grupo encaixava com perfeição. O álbum alcançou a décima sexta posição nos Estados Unidos, e na versão de relançamento, ganhou mais três bônus: "Good Good Lovin'" (edit version), "Shotgun" (single version) e "People".


No dia 07 de fevereiro, começou mais uma turnê pelos Estados Unidos, tendo como bandas de abertura Jethro Tull e Led Zeppelin. A turnê estendeu-se por março, e em abril, no dia 29, foi lançado o single de "Some Velvet Morning", com o Vanilla embarcando para sua segunda turnê pela Europa.


Mas o período de três anos juntos, tendo apenas duas semanas de férias entre eles, fez com que o cansaço e a rotina do quarteto cria-se brigas fúteis, e as indiferenças comuns para um relacionamento longo. Durante a turnê pela Itália, o quarteto decidiu que voltariam para os Estados Unidos, e lá, iriam definir o futuro da banda.


Na volta a América, são a atração principal no Chicago Kinetic Playground (06 e 07 de junho), tocando também ao lado de Joe Cocker e Buddy Miles durante o Newport '69 Festival, em San Bernadino. Finalmente, entre 27 e 29 de junho, participam do Denver Pops Festival,  e em julho lançam mais um single, "Need Love", apresentando o que viria no quinto álbum, produzido por Adrian Barber.


A maratona de shows não parava, e novamente, ao lado do Led Zeppelin, apresentam-se em Seattle durante o Seattle Pop Festival (25 a 27 de julho). É nesse festival que ocorre o famoso evento do Mud-shark, famoso através da canção de Frank Zappa. O verão de 69 começou com a gravação de comerciais para a Coca-Cola, ao lado de Jeff Beck (já que Martell estava doente). Esse comercial, junto ao fato de Bogert e Appice sentirem-se escondidos sobre as sombras de Stein e Martell, exigindo cada vez mais espaço para seus solos, levou a cozinha do Fudge a pensar na hipótese de criarem um power trio junto com Beck. Era o começo do fim do Fudge.


O Vanilla Fudge foi a atração principal da terceira noite do Palm Beach Festival, na Flórida, tendo como aberturas Johnny Winter e Janis Joplin. O show da Janis Joplin deu brecha para o Fudge aproveitar e fazer uma longa jam session com os membros do grupo que acompanhava a vocalista na época, o Full Tilt Boogie Band, com Appice e Stein dividindo o palco, tocando bateria e guitarra (respectivamente) no show da Janis Joplin. Já Martell e Bogert acessoraram a banda de Johnny Winter no órgão e no baixo, e o Fudge saiu do festival como sendo o grande nome do mesmo.


As harmonias estranhas e sinistras do Vanilla Fudge chamavam a atenção, assim como as performances, cada vez mais incendiárias. Só que os conflitos internos não sustentavam mais os pilares que apoiavam o quarteto, o que acabou refletindo na gravação do quinto álbum.

O derradeiro disco dos anos 60
Lançado no dia 25 de setembro de 1969, Rock & Roll teve produção de Adrian Barber. O álbum abre com o órgão e a marcação de bateria de “Need Love”, seguidos por baixo e guitarra imitando a melodia do órgão. O riff quebrado de bateria e guitarra surge entre vocalizações agudas, e Stein então solta sua voz, com raiva, gritando que “precisa de amor”. A cozinha formada por baixo, órgão e guitarra fazem uma barulheira do cão, e no fantástico solo de piano e guitarra já percebemos que o Vanilla veio com muito gás para esse álbum. Stein continua a letra, levando para mais um solo de órgão e guitarra, explodindo em um maravilhoso trecho onde ambos duelam por espaço entre baixo e bateria. A canção diminui o ritmo, e enquanto Appice faz diversas viradas, guitarra e órgão brigam pela atenção do ouvinte, com solos rasgados e sobrepostos, encerrando essa pérola com um magistral sequência de bends e acordes do órgão entre as violentas batidas de Appice. 

A introdução de “Lord in the Country” ameniza a pancadaria de “Need Love”, nos brindando com uma bonita faixa gospel, na qual vocalizações cantam “I felt the Lord” enquanto Stein canta a letra da canção. O arranjo simples privilegia a guitarra dedilhada de Martell, apesar da presença tímida do órgão. 

Stein então faz algumas vocalizações, acompanhado pelos demais colegas, enquanto Appice comanda uma espécie de boogie junto de Bogert e Stein, e Martell faz solos rasgados ao fundo, voltando ao refrão gospel cantado pelas vocalizações e por Stein, soltando a voz, para encerrar a canção com a repetição do início lento da mesma. 

“I Can’t Make it Alone” segue o ritmo ameno de sua antecessora, tendo o hamond de Stein parecedo estar em uma missa. O tecladista canta rasgando suas cordas vocais, com uma interessante participação de vocalizações durante o refrão e repetindo as últimas palavras de frases cantada s por Stein. O refrão é repetido, nos levando ao breve trecho percussivo, do qual a guitarra surge solando estridente, enquanto vocalizações cantam o nome da canção. 

Batidas nos pratos e viradas de bateria apresentam os acordes de órgão e guitarra da agitada “Street Walkin’ Woman”, cantada por Bogert e lembrando muito o estilo de cantar de Jack Bruce (Cream). Não tão pesada quanto “Need Love”, nem tão amena quanto as outras duas canções do lado A, essa canção passaria despercebida, se não fosse o ótimo refrão, no qual vocalizações e o órgão fazem a melodia que entoa seu nome, enquanto Martell sola sobre essa melodia, e fica inegável a evolução musical do guitarrista. 

A partir do solo, voltamos ao ritmo inicial, hardiano, mas diferente do que esperamos de um álbum do Vanilla Fudge, até pela baixa audição do órgão, sempre em alto volume nos álbuns anteriores. Vocalizações e a guitarra entoam uma nova melodia, que ganha velocidade para mais um solo de Martell, com Appice mandando ver no cowbell, e claro, as inigualáveis escalas de Bogert. Este segundo solo virá uma magistral sequência de duelos entre piano elétrico e guitarra, com um show a parte de Martell, empregando muitos bends e velocidade nas suas notas, encerrando o lado A com uma interessante alternância de caixas de um arpejo executado pela guitarra. 


Uma das últimas fotos do Fudge, em 1970
Metais abrem o lado B, com a triste “Church Bells of St. Martins”, trazendo o violão e a voz de Stein, além do cravo e de vocalizações que o Queen faria bastante nos seus álbuns iniciais. As vocalizações ganham corpo, trazendo a percussão que acompanha marcialmente o bonito dedilhado do violão e o grande arranjo vocal que intercala as frases cantadas por Stein. Mais vocalizações isoladas, batidas no tímpano e acordes do piano, deixam a bateria rufando, e então, chegamos ao trabalhado refrão, com metais e vocalizações fazendo alternâncias entre um tema simples da guitarra. Vozes se sobrepõem entre batidas dos sinos de uma igreja, fazendo o encerramento dessa canção um tanto quanto descartável. 

O mesmo não podemos dizer de “The Windmills of Your Mind”, mais umaatriste faixa cantada por Stein, começando com o órgão e a bateria acompanhando a voz embriagada de emoção do tecladista, nesta que talvez é sua melhor interpretação vocal no Vanilla Fudge. O órgão surge mais imponente aqui, e a partir da segunda estrofe, baixo e bateria fazem o complexo e depressivo acompanhamento, enquanto a guitarra executa um lindo tema, e Stein continua chorando ao microfone, arrancando lágrimas através de uma linda canção, com uma das letras mais belas que já li, destacando frases como “” “” “”. 

Na terceira estrofe, temos um ritmo mais definido, e é impressionante como Stein consegue soltar sua garganta, além da melodia envolvente do órgão, a guitarra destorcida e o baixo fazendo a cama para as batidas aleatórias de Appice, sugando o ouvinte para um mundo depressivo, triste, mas muito bonito, e assim, Stein recebe seu momento a capella, tendo a companhia de vocalizações, para encerrar esta que é a melhor canção de Rock & Roll. 

A tarefa de concluir esse album mediano fica por conta de mais uma balada “If You Gotta Make a Fool of Somebody”, a qual surge com o órgão, bateria e baixo, trazendo o riff da guitarra e muita percussão, e posteriormente, por muitos bends da guitarra. O andamento lento destaca a voz de Stein, cantando em um estilo gospel e diferente da faixa anterior, assim como o bonito arranjo vocal que entoa o nome da canção. Bogert canta a segunda estrofe, e a entrada da percussão dá ritmo para a mesma. Então, Bogert e Stein passa a travar um duelo de quem grita mais, e assim, o órgão dedilha suavemente as notas iniciais, trazendo guitarra, baixo e percussão para repetir o riff principal. 

Mais notas rasgadas e a balada continua, tendo Appice e suas viradas, além das vocalizações cantando o nome da canção aparecendo em primeiro plano. Stein continua a cantar, e chegamos na reta final, com o solo de Martell invadindo a privacidade do órgão e da cozinha baixo e bateria, aumentando o ritmo e concluindo com as viradas de Appice ao fundo das vocalizações cantando fortemente o nome da canção, intercaladas pelas notas rasgadas de Martell. 


O último single do Vanilla Fudge foi lançado no dia 03 de fevereiro de 1970, trazendo "Lord in the Country". No dia 14 de março, o Vanilla Fudge fez sua última apresentação no Phil Basile's Action House, e em seguida foi anunciado seu fim. Bogert e Appice partiram para fundar o Cactus, junto com Jim McCarty (guitarra) e Rusty Day (vocais, harmônica), e depois, criarem com Jeff Beck o trio Beck Bogert Appice, que durou apenas dois anos. Stein tentou manter o Fudge na ativa, trazendo o baixista Sal D'Nofrio e o baterista Jimmy Galluzi, mas essa formação durou pouco tempo, e ele seguiu carreira como músico de estúdio, participando de discos solo de diversos artistas, com destaque para Tommy Bolin e Alice Cooper, e Martell seguiu como músico de estúdio, sem ter gravado álbuns de grande relevância.


A volta em 1984. Puramente AOR
Em 1982, a gravadora ATCO lançou a coletânea Best of Vanilla Fudge, que acabou vendendo muito bem. Isso trouxe o nome do grupo à tona novamente, e assim, em 1984 ocorre a primeira reunião do quarteto desde o final em 1970, tendo na formação Appice, Bogert, Stein e o guitarrista Ron Mancuso. A expectativa em torno do que iria sair de Mistery foi maior do que o resultado final, que desagradou em muito aos fãs originais, e também a imprensa. O resultado pode ser decepcionante, mas visto com outros olhos, é fácil entender por que poucos gostam deste disco. 


Na verdade, nele não há nenhum indício da barulheira e peso da década de 60, mas uma revitalização e adaptação ao som oitentista, tendo como referência o "na moda" AOR. O resultado é um disco carregado de sintetizadores, sem nenhuma participação do famoso órgão hammond, levadas e solos de guitarra de tirar o fôlego, belos arranjos vocais ou viradas de baixo e bateria para colocar a casa abaixo. 


Mas é um AOR da melhor qualidade. "Jealousy" (com participação especial de Jeff Beck, escondido sob o pseudônimo J. Toad), "Walk on By" e "The Stranger" são as melhores faixas, mas pode ser dado destaque para os perfeitos arranjos AORianos de "Golden Age Dreams", "Under Suspicion" (esta carregada de eletrônicos), "Don't Stop Me Now" e "Hot Blood". Difícil mesmo é entender como a pior canção do disco acabou dando nome ao mesmo, e aturar "It Gets Stronger" ou "My World is Empty" é pedir para chorar e muito. 


O grupo separou-se novamente, reunindo-se em 1987 e 1988 para comemorar os 40 anos da Atlantic Records, tendo Appice, Stein, Bogert e Paul Hanson (guitarra) nos shows de 1987 e o mesmo trio adicionado de Lanny Cordola no show da Atlantic Records, até cada um seguir seu caminho de vez. Em 1991, sai The Best of Vanilla Fudge - Live, que apresenta canções gravadas durante a turnê de reunião que ocorreu em 1990, contando com Appice, Derek St. Holmes (guitarra, vocais), Tom Croucier (baixo, vocais) e Martin Gerschwitz (teclados, vocais), e em 1993, mais uma coletânea, Psychedelic Sundae, lançada pela Rhino Records.


O retorno em 2001
Depois de mais uma tentativa frustrada de retorno do grupo em 1990, chegou os anos 2000, e com ele, outra reunião, dessa vez com Martell, Appice e Bogert, além do tecladista Bill Pascali. Uma pequena temporada de shows e o quarteto decide lançar um novo álbum, resgatando velhos clássicos Fudgeanos para os jovens, além de criar arranjos para canções que na época eram as principais nas rádios do planeta, através de The Return, lançado em 2001.


Concentrando-se nas revisões para suas próprias canções, oito das onze faixas são pertencentes a essa classificação. Algumas delas ficaram quase iguais as versões originais (“You Keepin’ Hangin On”, “People Get Ready”, “Take Me for a Little While”, “Need Love” e “She’s Not There”) sendo a bateria o vilão do arranjo. Já “Shotgun” e “Good Good Lovin’” ficaram muito piores do que as versões originais, não merecendo o atentado aqui cometido. Por fim, a versão de “Season of the Witch” acaba sendo uma maravilhosa busca por alguma diferença entre a versão original e a nova versão, revelada no final dessa assustadora e fantástica canção, que aqui, admito sem medo de errar, acaba ficando bem melhor que o que ouvimos em Renaissance


Das covers novas, duas surpreendem, as quais são "Ain't That Peculiar" (original de Marvin Gaye) e "Tearin' Up My Heart" (original do N' Sync). Sim, uma canção dos almofadinhas americanos conseguiu ficar bem legal com o Vanilla Fudge, e a homenagem surpresa não para por aí, já que os também almofadinhas Backstreet Boys foram homenageados com uma versão para "I Want it That Way", essa sim, apesar de pesada, não fazendo jus ao grandioso nome do Vanilla Fudge. Um bom álbum, apesar de algumas derrapadas, e que recebeu três relançamentos distintos. 


Return (2002) trouxe uma versão suingada de “Do Ya Think I’m Sexy”, de Rod Stewart, cantada por Appice e com a participação especial do próprio Stewart fazendo vocalizações, em adição as demais. Já Return (2003) possui as mesmas canções da versão de 2002, acrescidas de uma versão psicodélica para "Tearing Up My Heart". O último lançamento foi Then and Now (2004), que retirou do track list "Ain't That Peculiar", substituindo-a por uma interessante revisão de "Eleanor Rigby". 


Nesse meio tempo, foram lançados os ao vivo The Return – Live in Germany Part 1 (2003), The Real Deal – Vanilla Fudge Live (2003) e Rocks the Universe – Live in Germany Part 2 (2003), outros interessantes acréscimos na discografia do Fudge.

A bela homenagem ao Led Zeppelin
Stein voltou ao grupo em 2006, e com o quarteto original, pintou a ideia de homenagear um dos grupo que teve pequena mas importante influência do Vanilla Fudge, o Led Zeppelin, já que John Bonham fazia suas viradas totalmente saídas das viradas de Appice. O Vanilla Fudge até que tentou seguir o arranjo original, mas apenas em seis das doze canções selecionadas ouvimos igualdade, sendo os outros 50% bem diferente e excepcional. "Immigrant Song" está nas que manteve um formato similar ao original, destacando o baixo cavalgante de Bogert, apesar dos sintetizadores, assim como "Trampled Under Foot", "Dazed and Confused", "Fool in the Rain", "Rock and Roll" e "All My Love", onde a principal diferença fica no timbre vocal de Stein e Bogert em comparação à Plant. 


"Ramble On", "Black Mountain Side", "Babe I'm Gonna Leave You", "Dancin' Days", "Moby Dick" e "Your Time is Gonna Come" receberam uma revitalizada que em pouco lembram as versões originais. "Black Mountain Side" e "Your Time is Gonna Come" são as que mais chama a atenção, tendo um bonito arranjo com órgão e violão, e o arranjo com piano elétrico e guitarra para "Babe I'm Gonna Leave You" ficou muito bom, dando mais peso e dramaticidade para essa pérola do álbum de estreia do Zeppelin. 


E o que dizer de "Moby Dick"? Appice transformou o solo de Bonham, falecido em setembro de 1980, colocando velocidade e principalmente, demonstrando a técnica e pegada que influenciou o homenageado. O álbum contou com a participação especial de Vince Wasilewski nos vocais de duas faixas: "Ramble On" e "Immigrant Song", e é o último disco oficial do grupo até o presente momento.

O quarteto em 2008

Em 2007 foi lançado o ao vivo Good Good Rockin' - Live at Rockpalast. Em 2008, mais dois álbuns ao vivo chegaram às lojas: Orchestral Fudge e When Two Worlds Collide. Na década atual, o grande lançamento foi a caixa Bof of Fudge (2010), trazendo quatro CDs que abrangem a primeira fase do Vanilla Fudge, sendo dois CDs somente com versões ao vivo nunca lançadas anteriormente.

O grupo permanece na ativa, fazendo shows revivals ao lado do Yardbirds, e tendo na formação Appice, Stein, Martell e o baixista Pete Bremy. Uma ótima forma de trazer para os jovens a fonte da inspiração de algumas das principais bandas da década de 70.
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