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quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Consultoria Recomenda: Discos de Horror

Tema escolhido por Líbia Brígido

Com André Kamisnki, Anderson Godinho, Davi Pascale, Fernando Bueno, Mairon Machado e Marcello Zappellini

Nossa querida youtuber Líbia Brígido foi a sorteada da vez e escolheu o tema de discos de horror para apresentarmos aqui neste Recomenda. Como puderam notar, boas opções não faltaram e muitos discos e artistas famosos pela temática poderiam estar por aqui. O que acharam de nossas sugestões? Opine e escrevam as suas nos comentários!



Eskröta – T3rror (EP) [2022]

Por Líbia Brígido

Dessa vez eu quis exaltar a Eskröta, excelente banda feminina com uma veia thrash/crossover. Fãs de filmes de terror, elas não poderiam ficar de fora. Uma das maiores personalidades do grupo é a sonoridade pesada e direta, com letras críticas quanto as injustiças no cotidiano. A banda foi fundada por Tamyris Leopoldo e Yasmin Amaral no ano de 2017 na cidade Rio Claro-SP. Inicialmente não tinham pretensão de ter uma grande visibilidade. Mas a Internet não deixou o talento do grupo passar despercebido,  ganhando visibilidade em várias regiões brasileiras. O resultado foi a Eskröta se apresentando em reconhecidos festivais no Brasil. Elas investiram na gravação dos ótimos Eticamente Questionável [2018], Cenas Brutais [2019], além dos singles e o mais novo EP T3rror [2022], um dos melhores lançamentos que ouvi no ano. A capa tem uma ilustração em homenagem aos filmes O Exorcista, Helloween e Psicose, que já entrega a temática das músicas. A introdução é um instrumental que impressiona, em seguida a faixa “Não entre em Pânico” nos mostra o excelente trabalho de vocal e guitarra da Yasmin, que chama a atenção durante todo o EP. A cozinha sonora de tirar o chapéu é composta por Tamyris e Jhon França, a faixa é um prato cheio. A única em inglês “Exorcist in the pit” tem a participação do produtor inglês e morador da Suécia Lawrence Markrory. Todas as faixas são excelentes, mas um dos grandes destaques é a extraordinária “Mate ou Morra” que fecha o EP com chave de ouro. Esse primoroso trabalho nos deixa na expectativa sobre o futuro. Mas de fato, já é um orgulho nacional.

Anderson: Está aí uma banda que mora eternamente na minha fila, sempre deixo pra depois. Eis a oportunidade. O som em si é aquele crossover HC/Thrash, mas aqui achei que o Thrash pegou mais forte, o que me agradou bastante. Entretanto acho um tanto quanto simples a sonoridade da banda, as vezes me chateia. Nesse material, entretanto, não foi assim talvez por ser bem curto. Gostei mesmo de “Exorcist in the pit” e “Psicose” referências bem óbvias para o tema terror.

André: Trio paulista que toca um thrash metal pesado e variando entre a velocidade e riifs mais lentos. Me surpreendi com os vocais rasgados da vocalista Ya Exodus. Achei que tivessem ressuscitado Alexi Laiho e por vezes me achei ouvindo alguma faixa de algum trabalho do Children of Bodom sem os teclados. Disco bem legal, forte e ótimo para bater cabeça.

Davi: Já tinha ouvido falar sobre essa banda, já tinha visto algumas fotos deles por aí, lido algumas matérias, mas nunca haviam me chamado a atenção o suficiente para pegar um tempo e ouvi-los. Gostei do som deles. O trio aposta em um thrash/crossover até que competente, bem tocado, o vocal gutural daqui achei bacana, é “intelegível” (eu, particularmente, não gosto daqueles artistas que você não consegue entender o que está sendo cantado). As letras, pelo que entendi, são inspiradas em diferentes filmes de terror. Enfim… é um bom disco, onde destacaria as porradas “Não Entre Em Pânico” e “Mate ou Morra”. Agora… A qualidade de gravação poderia ser melhor, né?

Fernando: Li uma resenha desse disco em algum lugar. Achei ótima a ideia de reunir algumas músicas sobre vários clássicos dos filmes de terror. O único problema é que eu não curti esse crossover que a banda faz, preferência pessoal mesmo. Fico feliz que uma banda de São Carlos, cidade que adoro, tenho um grande carinho, em que morei durante a faculdade, tenha uma banda que esteja sendo ouvida por toda parte.

Mairon: EP muito bom dessa grande revelação do Thrash Nacional. Me assustei com os vocais de Yasmim, gutural alucinante. E ela toca pacas também. As canções são inspiradas em filmes clássicos do tema, com “Não Entre em Pânico” (Pânico), “Exorcist in Pit’, oviamente sobre o filme O Exorcista, e “Psicose” não reciso nem dizer. Fechando o EP ainda tem “Maldade Encarnada”, faixa sobre o filme Halloween, e “Mate ou Morra (Mulheres no Terror)”, outra que cita o filme O Exorcista. É uma pancadria atrás da outra, e em 15 minutos, com apenas seis faixas, sua cabeça, pescoço e todo o corpo estarão destruídos com a fúria que sai das caixas de som em T3rror. Baita surpresa!

Marcello: Aqui entramos no reino do “prazer em conhecer, nunca ouvi falar de vocês”. Pesquisando sobre o grupo, descobri que é uma banda brasileira, um trio formado por Yasmin Amaral, Tamirys Leopoldo e Jhon França. Trata-se de um EP com seis músicas curtas e diretas, inspiradas em filmes clássicos de terror como “Pânico”, “O Exorcista”, “Psicose” e afins; o interessante é que os filmes em que as músicas se baseiam todos possuem personagens femininas marcantes [tanto que uma das músicas se chama “Mate ou morra (Mulheres no Terror)”], um conceito diferente que amarra as composições e o torna um álbum conceitual. As músicas são curtas, sem grandes firulas, o instrumental é muito competente e a ideia do disco como um todo é boa. Mas não tenho muito o que destacar porque o crossover nunca me interessou e meu limite no thrash metal foi o começo do Metallica e do Megadeth. Certamente quem gosta do estilo vai se divertir e aproveitar muito os violentos quinze minutos de música, mas como não sou apreciador, foi bom para conhecer, mas não passa disso – só consegui ouvir uma vez e bastou para colocar na prateleira de “não é para mim”.

Mike Oldfield – Tubular Bells [1973]

Por Fernando Bueno

Não existe ninguém que assistiu ao filme O Exorcista que não tenha se borrado ao ouvir a sequência inicial desse álbum. Na adolescência da minha geração era um acontecimento quando nós chegávamos ao ponto de se achar pronto para ver esse filme e a trilha sonora ficou na minha mente por muito tempo. Assim, imaginei que essa indicação seria perfeita para o tema pela relação tão próxima com o principal filme de terror da história. Também para chamar atenção para o músico, multi-instrumentista, um gênio e tão pouco lembrado. É incrível que sua obra prima tenha sido gravada logo em sua primeira oportunidade como artista solo. E quando mal tinha completado 20 anos de idade. Tudo bem que esse estilo musical em que Mike Oldfield atua é de difícil absorção; são quarenta minutos divididos em duas faixas em que ele enfileira ideias musicais com poucas mudanças entre elas. Não há muitas transições bruscas entre as melodias que ele toca. Isso pode ser um problema para muita gente. Caso você ouça e goste, sugiro ir atrás também do Ommadawn [1975].

Anderson: De bate-pronto: o tema de exorcista! Muito divertido esse som. São duas composições de mais de 20 minutos que compõem essa bela obra de Mike Oldfield. Na primeira (Tabular Bells, pt.1) é possível perceber o aumento na complexidade da música sob o tema central (o usado no filme “O Exorcista”) para então, depois de bons 10 minutos, a música eclodir em um solo que, após  alguns momentos mais agitados, retorna a calmaria desenhada por linhas de baixo e sons graves. O final é interessante, pois, apresenta não mais tensão e sim esperança com os sinos tabulares, um que de genialidade! A segunda música (Tabular Bells, pt.2), na minha concepção, é mais assombrosa que a primeira. No primeiro momento soa um tanto folk, mas depois apresenta sons dissonantes, bélicos e uma espécie de grunhidos que mudam o feelling da  música. Na metade final a intensidade vai baixando, mas ainda de modo bem sombrio, para nos últimos minutos tudo mudar completamente, e, o tema de Popeye assumir, o que é um tanto frustrante… Não é meu estilo preferido, mas agrada.

André: Um disco inesperado mas que por incrível que pareça tem tudo a ver com o tema. É a porra da trilha do Exorcista (que aliás, assisti em um evento do meu curso universitário e, confesso, o filme em termos de horror não envelheceu muito bem). Independente disso, temos um álbum progressivo tenso e cheio daquele feeling malicioso que se exala do filme em vários momentos, mas que logo depois vem aquela aura de beleza, esperança e calmaria principalmente no uso da percussão. Incrível como esse álbum soa bonito até hoje.

Davi: Esse trabalho eu já conhecia. Tenho o LP na coleção, mas confesso que não é um disco que sou apaixonado. Sim, é um clássico, é bem feito e tal, mas não é aquele disco que me deixa com os olhos brilhando. Trata-se de um álbum instrumental, dividido em 2 faixas. “A Tubular Bells – Pt 1” teve sua introdução utilizada na trilha do filme O Exorcista (um dos melhores filmes de terror da história) e acredito que esse tenha sido o motivo da indicação. Confesso, contudo, que não considero esse álbum assustador. Não sei como foi a receptividade na época, mas não me deixou com medinho, não. Há um ou outro trecho com uma sonoridade mais densa, mas não é a tônica do álbum. Inclusive, acho a “Tubular Bells Pt II”, a canção do lado B, mais interessante.

Líbia: A introdução é a trilha sonora do “O Exorcista (1973)”, filme que me fez dormir de luz acesa por meses. Quando ouço, vem a forte lembrança da Regan McNeil quando possuída. Assim como O Exorcista é um clássico do terror, sem dúvidas Tubular Bells é um dos maiores clássicos do Rock Progressivo, além de ser algo inovador na época, algo experimental de muita qualidade. Feito para apreciar sem preconceitos, e assim se surpreender. Os instrumentos são muito nítidos e bem executados, são muitos detalhes para o ouvinte identificar, e juntos eles progridem de forma incrível. Em um mundo onde é fácil passar faixas e ouvi-las de forma aleatória, não é um álbum para pessoas impacientes. Em alguns momentos ele pode soar repetitivo mas com um objetivo claro, pois é realmente mágico quando novos elementos são acrescentados. Ouça sem medo, apesar da lembrança da menina do O Exorcista.

Mairon: O menino prodígio Mike Oldfield em seu inacreditável e avassalador álbum de estreia. O guri (Mike tinha apenas 19 anos quando gravou praticamente todos os instrumentos do disco) criou uma obra atemporal e complexa. A canção título é uma longa suíte de mais de 40 minutos, que deve ser curtida com atenção e coragem, pois as diversas mudanças de andamento da mesma são por vezes avassaladoras. A introdução de “Tubular Bells” é o que talvez tenha levado à indicação deste disco para este tema, já que a mesma ficou imortalizada no filme O Exorcista. Mas, assim como a ponta de um Iceberg, ela não representa muito o que é a grandiosidade dessa obra, que está longe de ser algo ligado ao terror, mas sim, uma ode ao prazer de ouvir uma música bem feita. Não é à toa que Tubular Bells alcançou a primeira posição em vendas no Reino Unido duas semanas depois de seu lançamento. É um Discaço com D maiúsculo, e recomendo, quem quiser apreciar, a versão registrada no ao vivo Exposed, simplesmente de cair o c* da bunda!

Marcello: Meu primeiro contato com este disco foi a partir de sua introdução, que aparece na trilha sonora do clássico “O Exorcista”. Ao comprar o LP nos anos 80, fiquei espantado com a capacidade de um músico tão jovem (19 anos!) em produzir uma composição de cinquenta minutos, gravar quase todos os instrumentos, e torná-la uniformemente interessante ao longo de toda a audição. Esse maravilhoso disco marcou para sempre a carreira de Oldfield, que o regravaria em 2003, além de lançar “Tubular Bells II”, “III” e “The Millenium Bell”, inspirando-se na sua obra-prima original, bem como participar da versão orquestrada por David Bedford. É difícil acrescentar algo a um disco já tão famoso e tão comentado, portanto vou simplesmente apontar meu trecho favorito: no final da parte I, Viv Stanshall (da Bonzo Dog Doo Dah Band), atuando como mestre de cerimônia, apresenta os instrumentos tocados por Oldfield, que repete uma melodia em cada um – e essa melodia é, para mim, o trecho mais bonito da composição. “Tubular Bells” permanece como um dos poucos discos que tive o hábito de ouvir duas vezes seguidas, voltando ao início quando terminava a parte 2 da música.

Alice Cooper – Welcome to my Nightmare [1975]

Por Mairon Machado

A estreia em carreira solo do pai do Rock Horror Show só podia ser uma história de terror. Aqui, temos uma viagem pelos pesadelos de Steven, um garoto que acabou aparecendo em diversas outras canções de Alice Cooper. Steven vive sua infância com a mãe, e é atormentado por pensamentos e fantasias compartilhadas com amigos imaginários. Ao tornar-se adulto, ele traumatiza-se com um crime que não sabemos ser ilusão ou realidade, no qual ele mata sua esposa enquanto estava em um ato de sonambulismo. Historinha meia-boca, mas para 1975, chocante! Ainda mais por trazer temas como o vício (“Some Folks”), necrofilia (“Cold Ethyl”) e feminicídio (“The Awakening”). Musicalmente, o disco surpreende por ser bastante variado, indo do clima disco da faixa-título, o resgate das vozes infantis de “School’s Out” no coral de “Department of Youth”, até as animações jazzísticas de “Devil’s Food” e “Some Folks”, essa com um baixão fantástico e a guitarra maravilhosa de Dick Wagner, talvez o grande nome do disco. Ainda, Tia Alice entrega obras primas como a agonizante “Years Ago”, a pancada “The Black Widow”, os grandes rocks de “Escape” e “Cold Ethyl” (do qual Rita Lee bebeu freneticamente para inspirar-se em sua fase Tutti Frutti), a baladaça “Only Women Bleed”, com uma magnífica presença de cordas, e a indescritível “Steven”, faixa magnificamente criada para resumir com perfeição este grande álbum. O crime ocorreu? Bom, se o crime foi de ter criado um dos melhores discos da década de 70, então, sim!

Anderson: Bom, falando em terror eis o mestre. Acredito que Alice Cooper seja, para o rock, o que grandes mestres como Hitchcock ou Craven são para o cinema. Esse é o debut que nos traz um conceito! Seguimos a trajetória de pesadelos do personagem Steven, e nesse conjunto da obra está a grande graça do álbum. Dentre as que mais gosto estão “The Black Widow”, o hino “Only Women Bleed”, “Steven” e a faixa título. O play inicia com a ótima faixa título apresentando um rock bem funkeado com metais e ritmo animado, o que se repete em outros momentos, distorções e variações de vocal muito divertidas, posteriormente o Hard Rock ganha espaço. Alguns mementos que aprecio no álbum é a ótima “Devil’s Food” que cria uma atmosfera típica dos anos 1970 para dar sequência a ótima “The Black Widow”, uma transição muito boa. A passagem de “Steven” também é um momento muito épico, com ares mais macabros no ar. É um ótimo álbum. Considerando o contexto de terror esse álbum é obrigatório.

André: Apesar das letras e teatralidade, o hard rock de Alice Cooper sempre soa por aquele lado do terror divertido, até um tanto caricato. E por isso mesmo que gosto tanto de seus discos. Alice Cooper é sinônimo de energia, diversão e aquela pitada de malícia que o torna único. Gosto mais de alguns outros trabalhos dele, mas tenho este disco em alta conta.

Davi: O disco onde Alice Cooper narra os pesadelos do menino Steven traz algumas mudanças. É aqui que Alice Cooper deixa de ser uma banda para se tornar um personagem interpretado por Vincent Damien Furnier. A ideia aqui era trazer a teatralidade dos palcos para o disco. E a jogada deu certo. Faixas como “Steven”, “Some Folks” e “Years Ago” trazem esse lado mais elaborado, enquanto canções como “Department of Youth”, “Cold Ethyl” e “Escape” trazem o lado mais hard/glam que estamos acostumados. Como se não bastasse, o disco conta com a balada “Only Women Bleed”, que tem uma das linhas de guitarra mais bonita de todos os tempos. Resumindo: clássico do Alice Cooper, clássico do rock e melhor disco dessa lista.

Fernando: Muscle of Love [1973] foi quase um desastre. Acabou sendo o último disco da banda Alice Cooper. A partir de Welcome to my Nightmare o artista tomou conta de seu alter ego e partiu para a carreira solo. Assombrado pelo alcoolismo que já era um problema ele se lançou para dentro de sua cabeça e á claro que isso gerou uma história de terror meio confusa. Já na primeira música ele dá boas vindas ao ouvinte e deseja, quase suplica, que este aproveite o que vem em seguida (“I hope you gonna like it…”). Se esse disco não desse certo, muito provavelmente a vida de Alice Cooper seria uma história de terror maior do que ele apresentava em seus shows.

Líbia: Alice Cooper sem dúvidas é o mestre do horror no rock. O inspirador primeiro projeto solo “Welcome to my Nightmare”, tem o poder de causar calafrios e ainda aliar isso a um humor irônico. Ninguém combina o medo, humor e teatralidade melhor do que a Tia Alice. “Only Women Bleed” é a faixa de destaque, assim como “Cold Ethyl” e “Black Widow”. Mas as três faixas, “Years Ago”, “Steven” e “The Awakening” que são as faixas matadoras para mim. “Welcome to My Nightmare” não é exatamente um desvio do som clássico de Alice Cooper, esse hard/glam rock teatral que sabe misturar ganchos pop irresistíveis com uma energia provocativa. Cooper teve a chance de provar que ele tem uma vida, um potencial, sem os músicos que sempre o acompanharam. Um daqueles clássicos emblemáticos e obrigatórios. 

Marcello: O primeiro disco solo de Alice Cooper, após a dissolução da banda que levava o mesmo nome, não foi tão bem recebido na época quanto os clássicos “Love it to Death”, “Killer”, “School’s Out” e “Billion Dollar Babies”, o que é uma pena, pois é um excelente álbum baseado nos pesadelos de Steven, personagem criado para a narrativa do álbum. A excelente banda de apoio fora roubada de Lou Reed, mas em algumas músicas temos Tony Levin (ele mesmo) e Johnny Badanjek (ex-Mitch Ryder & The Detroit Wheels). O lado A do LP original é excelente: a faixa-título dá o tom do disco, “Devil’s Food” traz o diabólico Vincent Price, “Some Folks” tem um trabalho sensacional de guitarras, e minhas músicas favoritas do disco são “The Black Widow” e “Only Women Bleed”. O lado B não é ruim (longe disso), mas fica aquém das primeiras músicas. Em 2011, Alice Cooper voltaria ao disco com “Welcome 2 My Nightmare”, um disco até legal, mas bem inferior ao original. Por fim, uma curiosidade: sou só eu que acha “Department of Youth” parecida com as músicas do The Who?

Misfits – Static Age [1997]

Por Anderson Godinho

Static Age fora lançado oficialmente como LP em 1997, porém a história é bem anterior. No idos de 1977 e 1978 a banda utiliza o pouco tempo de estúdio, concedido após um imbróglio, para gravar tudo de uma vez “ao vivo” no estúdio. De modo geral, aqui, Danzig e cia apresentam um punk rock bem cru e influenciado por Ramones visceralmente. Posteriormente a banda estabeleceria a sua linha mais pesada e suja, o tal ‘horror punk’, que os caracteriza melhor até os dias atuais. Entretanto, se a sonoridade da banda ainda estava em construção, ao menos a temática já estava mais avançada. Isso porque as letras transitam entre situações violentas, escrotas, asquerosas e, ainda, retratos de filmes de terror com tais características. Em se tratando do tema escolhido, essa é mais uma banda obrigatória. Minha fase Punk Rock e HC passou faz uns bons 20 anos, mas volta e meia é interessante fazer uma visita como esta. Desse material gosto bastante de “Some kinda Hate”, “Attitude” e “Teenagers of Mars”, uma pena a banda ter ‘acabado’ (com a saída de Glenn Danzig, apesar de ter continuado de fato) em 1983…

André: Nunca fui muito chegado a punk e nem dos trabalhos de Glenn Danzig. E esse é um representante mais fiel do estilo, com todas as suas características que seriam copiadas por todas as bandas seguintes. Se esse disco fosse lançado um ano depois do primeiro do Sex Pistols, seria louvado como um clássico junto. Incrível a falta de tato mercadológico ao deixá-lo engavetado tanto tempo. Apesar das letras de horror, sei lá, a sonoridade ainda me remete muito mais aos velhos protestos contra o sistema. Para quem curte punk, delicie-se. Só não é para mim.

Davi: Essa, se não me engano, é a primeira gravação do Misfits. Em 1978, a banda entrou em estúdio para 30 horas de gravação e registraram o material que forma esse álbum. Sem alguém que acreditasse no trabalho dos caras, o grupo lançou algumas poucas músicas e o disco foi engavetado, só chegando às mãos de seus fãs em 1996. Gravado com a banda tocando ao vivo dentro do estúdio e pouquíssimos overdubs, o disco apresenta um punk rock crú e honesto. Glenn Danzig já tinha sua voz forte e característica e era o grande destaque do grupo. É um trabalho interessante, até por seu contexto histórico, mas musicalmente falando, ainda prefiro o Walk Among Us. E, sim, os clássicos “Last Caress” e “Attitude” estão aqui.

Fernando: Gosto daqueles primeiros discos da carreira solo do Glenn Danzig, mas o Misfits nunca me interessou. Na verdade o punk rock não é uma das minhas vertentes preferidas do rock. E eu tentei gostar de Misfits desde que ouvi a versão do Metallica para ‘Last Caress”. Sei que esse disco foi um resgate de material do início da banda. Bandas iniciantes realmente não tem muita possibilidade de boas gravações, mas aqui a sonoridade de fita demo é a tônica. Valeu para ouvir de novo a banda e reforçar minhas convicções.

Líbia: Conhecidos pelo seu Punk Rock de terror, Misfits é uma das bandas mais influentes do estilo ao lado de Ramones. “Static Age” tem um estilo mais próximo de um álbum de punk rock tradicional, as faixas são curtas, difícil passar alguma faixa. Os vocais estilo Rock and Roll e inesquecíveis de Glenn Danzig nos leva longe. Para quem quer se aprofundar no estilo, certamente esse disco importante e influente estará na listagem inicial de audições.

Mairon: O que era para ser a “estreia” do Misfits chegou ao mercado apenas 18 anos após sua gravação. Baseado em letras de filmes de terror, bem como fatos históricos de tragédias ocorridas nos EUA, o disco é uma boa representação do que foi o punk setentista. Uma crueza e falta de técnica únicas, mas misturadas com uma raiva e vitalidade igualmente únicas, prestes a explodir contra um sistema dito falho e opressor. Em 18 faixas extremamente curtas (com exceção de “Outtakes”, que é uma mescla de faixas diversas ainda em estado de lapidação), o Misfits faz história como pai do chamado Punk Horror, e eterniza clássicos como “Last Caress”, “Hybryd Moments”, “Atttude” ou “Bullet”. Clássico atemporal, e indiscutível!

Marcello: Meu tempo de ouvir punk ficou num passado distante, mas Misfits é uma banda muito legal! Colocar 17 músicas em pouco mais de 35 minutos é algo para fazer qualquer fã de progressivo ficar pensando como eles conseguem. Pensar que o disco ficou engavetado por falta de gravadora que o lançasse em 1978 é cruel. O bom é que a música não envelheceu, até porque o punk rock não precisa de mais do que o Misfits apresenta nesse álbum. As músicas tratam de filmes de terror e de fatos apavorantes ocorridos realmente, encaixando-se perfeitamente na proposta deste Consultoria Recomenda. A qualidade de gravação é convenientemente baixa, como convém, e o disco é praticamente uma paulada atrás da outra. Destaques absolutos para mim: a faixa-título, a melodiosa “Some Kinda Hate”, a divertida “Return of the Fly”, “Come Back” e seus efeitos de guitarra (a mais longa do disco – um épico de 5 minutos, hehehe) e a violenta “Bullet”, sobre o assassinato do presidente Kennedy. Conhecia apenas algumas músicas do disco porque tinha um amigo fã de punk que adorava Misfits, mas nunca tinha ouvido o disco inteiro – e voltarei a ouvi-lo mais vezes sem dúvida.

Rob Zombie – Hellbilly Deluxe [1998]

Por Davi Pascale

Quando veio o tema, fiquei pensando em quem poderia indicar. O primeiro nome que surgiu à mente foi o King Diamond, mas tinha certeza que alguém já o indicaria (quem diria, hein?). O segundo nome que me veio à mente foi o de Rob Zombie. Comecei a acompanhar seu trabalho quando ainda fazia parte do White Zombie e comprei esse trabalho na época de seu lançamento. Rob Zombie e horror são quase que sinônimos, são coisas que andam juntas. O cara é um puta fã de filmes de terror, já arriscou algumas produções do gênero e o tema costuma aparecer em seus discos, e aqui não é diferente. Musicalmente, o álbum é bem próximo ao último trabalho de sua ex-banda. Heavy metal com pegada industrial. Guitarras distorcidas, programações, trocentos efeitos. O álbum é curtinho e deixa com gosto de quero mais. Músicas como “Dragula”, “Superbeast”, “Meet The Creeper” e “Living Dead Girl” já são clássicos de seu repertório. Esse é um disco que gosto bastante. Espero que agrade nossos consultores.

Anderson: Não sei se é correto esse raciocínio, mas numa hipotética linha de loucura pelo caminho do rock/metal terror o Rob seria uma espécie de sucessor de Alice Cooper. Uma versão mais moderna que, em minha concepção, apresenta o que de mais interessante há no Nu Metal e também boas escolhas no Industrial. Ainda, em um paralelo com o Alice, se este segue pela linha teatral, aquele pega a vertente cinematográfica em que apresentou algumas coisas muito boas fora da música, também! Em relação ao álbum, pode ser considerado um clássico. Sem pensar, quando falam Rob Zombie são as músicas “Dragula” e “Living Dead Girl” que brotam na minha mente. De toda forma é um disco macabro sempre com uma sombria aura, todas as músicas! Destaco ainda “Spookshow baby” que mais cadenciada e sombria que as demais e um refrão bem característico seguido de um riff pesado bem legal, outra que me trouxe referências foi “What lurks on channel X?”, essa música me lembrou demais os batuques da fase final do Max no Sepultura e as viagens do Soulfly. Enfim, Hellbilly Deluxe é um álbum que não destoou do que o White Zombie fazia, mas trouxe elementos mais modernos e abriu mais espaço para a loucura de Rob, em 1998, com esse trabalho, ele ‘chegou chegando’. O que me frustra um pouco é que boas ideias poderiam ser melhor exploradas na sequência dos trabalhos do artista, acho um tanto repetitiva sua carreira subsequente.

André: Já ouvi muitos discos do Rob Zombie e sempre me agradam. Aqueles riffs e pegada industrial junto aos vocais provocativos de Rob o fazem único. Há um groove diferente em suas músicas, as vezes quase dançante. Esse ainda é o melhor trabalho já lançado pelo cara fantasiado eternamente de Lobo da DC Comics (ou será que foi o Lobo inspirado no Rob Zombie?). Ouça um disco que é um exemplo de moderno mesmo lançado há mais de duas décadas.

Fernando: Lembro da primeira vez que ouvi “Children of the Grave” que o White Zombie gravou para aquele tributo ao Black Sabbath. Ficou ótimo! Quando fui ouvir a banda mesmo não me agradou. Na época eu ainda era bastante conservador em relação ao metal e essa vertente industrial que tinha chegado não tinha me acostumado. Esse disco inicia como um filme de terror real. Zombie é também um cineasta e ele sabe muito bem como construir climas. Esse disco contém “Dragula” que é uma música sensacional e mesmo lá no início quando ainda não curtia a banda eu já tinha uma quedinha por ela.

Líbia: De primeira o que mais me chamou a atenção foi a arte da capa, realmente assustadora, com tons de verde e vermelho muito bem aproveitados. Produção nota 10 em todo os quesitos, feita por pessoas que entendem da temática. Um trabalho cheio de elementos e experimentos, Rob estava em seu terreiro fértil. O Metal Industrial está longe de ser a minha praia, porém seria injusto não reconhecer um grande feito no estilo. De certa forma me ambientei mentalmente na atmosfera dos filmes de terror, o álbum foi evoluindo de forma sensacional, comecei a balançar a cabeça na faixa “Meet the creeper” com Tommy Lee nas baquetas. Rob é um artista completo, álbum imperdível para os fanáticos do estilo e dos filmes de terror.

Mairon: Mais uma estreia pintando por aqui. O metal eletrônico de Rob Zombie não é do meu agrado, mas é inegável que este disco tem qualidades positivas, dentro do estilo, principalmente pelo mega-sucesso de “Living Dead Girl”. Alem desta faixa, destaco as inspirações árabes em “Spookshow Baby” e o peso de “Return of the Phantom Stranger”, mas o geral do disco realmente não é para mim, apesar, de como eu disse, reconhecer as qualidades e a importância de Hellbilly Deluxe para o estilo do terror, e também de ser uma escolha interessante para este Recomenda.

Marcello: Rob Zombie é o cara que fez do terror uma carreira musical – e cinematográfica. As referências a monstros recheiam as músicas deste seu primeiro disco solo. Nunca fui fã da música de Rob, tampouco de sua banda White Zombie, então, o álbum me passou totalmente desapercebido quando lançado no final dos anos 90. O metal industrial, para mim, se restringe ao Ministry, então, a sonoridade das músicas e os efeitos eletrônicos usados não são muito a minha praia; ouvi o disco sem grandes expectativas, para ser honesto. Mas confesso que sempre achei “Dragula” bem interessante – a única música que já conhecia, e nem sabia que estava neste disco – e gostei de “Spookshow Baby”, com sua introdução meio acústica e um refrão bem legal, e de “Return of the Phantom Stranger”, com o órgão no começo. No todo, o disco é bom, mas o estilo está fora do meu radar, por isso não tenho como compará-lo com outros lançamentos, seja do próprio Rob Zombie ou no estilo. Não sei se ouvirei novamente – tem coisa muito mais adequada ao meu gosto musical na frente dele na lista das próximas audições!

Lou Reed – The Raven [2003]

Por Marcello Zappellini

Lançado em 2003, The Raven é um dos últimos trabalhos de Lou Reed e se baseou numa ópera escrita por ele e Robert Wilson intitulada POEtry. Disponível em duas versões, uma delas em CD duplo com mais de duas horas, o disco traz vários convidados especiais, como Laurie Anderson e David Bowie, bem como os atores Steve Buscemi e Willem Dafoe. Musicalmente falando, The Raven alterna músicas e trechos declamados para rever os contos e poemas de Edgar Allan Poe, (homenageado já na segunda música), um dos pioneiros do gênero do terror literário, trazendo inclusive vinhetas instrumentais, tornando-se uma obra bem diferente da que Lou Reed acostumou seus fãs; duas músicas são regravações do próprio Reed, “Perfect Day” (desnecessária) e “The Bed” (que ficou interessante). Contando com velhos companheiros de Reed (Mike Rathke, Fernando Saunders e Tony “Thunder” Smith), bem como metais, teclados e cordas, o disco conceitual traz em vários momentos um som mais pesado do que o normal para o cantor americano (como em “Blind Rage”) e, em outros, beira o jazz dos anos 40. No meu ponto de vista, é a última obra relevante que ele lançou – afinal, depois dele foram dois discos de “música para meditação” e o estranho e desagradável “Lulu”, do Metallica. Fãs de Lou Reed têm em The Raven um bom disco tardio, embora os que não o apreciam não terão muito o que aproveitar aqui.

Anderson: Não sou muito fã do Lou Reed, mas preciso admitir que fiquei bem impressionado com essa obra. Não tinha ouvido, assim como não ouvi a maior parte da obra de Reed. Esse trabalho é uma homenagem a Edgar Allan Poe e, ao menos para mim, consegue mostrar várias facetas do autor homenageado (apesar de que não sou um especialista no assunto), bem como o ecletismo do próprio Lou Reed. Temos momentos românticos e sombrios se alternando, algumas passagens recitadas outras musicadas, tudo isso em meio a diversos convidados poderosos como David Bowie ou Willlam Dafoe. A obra é dividida em duas partes sendo que a segunda me agradou mais por ser mais densa, uma oscilação maior de sentimentos. Particularmente me agradaram muito na primeira parte: “Call on Me” (com a participação linda de Laurie Anderson), A interpretação em “The Valley of Unrest” e a releitura de “The Bed”. Na segunda parte o melhor: “Vanishing Act”, “Who am I? (Tripitena’s Song)”, a leitura do poema “The Raven” (adaptado por Reed) é algo muito forte e por fim a calma de “Guardian Angel”. A palavra que resume é: impressionante!

André: Não há disco (ou Cristo) que contenha Lou Reed em seus créditos que me faça apreciar qualquer coisa que ele lance. Até acho que o cara escreve bem, mas suas composições… não dá.

Davi: Por alguma razão, nunca me liguei no Lou Reed. Tenho na minha coleção dois discos do Velvet Underground (Velvet Underground & Nico, o famoso disco da banana, e uma coletânea chamada V.U.) e o trabalho em parceira com o Metallica. Para mim, é o suficiente. O pouco que ouvi de sua carreira solo, nunca me chamou a atenção e também nunca fui muito fã de sua voz. Por isso, quando vi que esse álbum foi lançado em formato simples e duplo, acabei optando por ouvir a simples. Se bem que também não é nada curto. São 21 músicas. As letras desse trabalho (um dos últimos de sua carreira) foram inspiradas nos poemas do genial Edgard Allan Poe. Musicalmente, os arranjos são bem variados. Há erros e acertos. Na minha visão, mais erros do que acertos (mas, como já deixei claro, não sou um fã). Para mim, os melhores momentos estão no começo do disco com as faixas “Edgar Allan” e “Call On Me” e depois lá no finalzinho com “Hop Frog” e “Who Am I?”. Muito pouco para um trabalho tão longo. Nem a releitura do hit “Perfect Day” se salvou (a versão original é bem superior). Ainda não foi dessa vez que virei fã…

Fernando: Já ouvi mais o Lou Reed. Durante um período em que eu decidi que precisava expandir um pouco os horizontes musicais e sair um pouco do metal eu encontrei o rock progressivo, umas das minhas paixões, e também todo o movimento proto punk, glam rock, psicodelia e consumi todo esse material. Costumo comparar o Lou Reed ao Iggy Pop, artistas super reconhecidos e que eu tinha a certeza que uma hora iria bater, mas na verdade nunca bateu. Na minha coleção uma coletânea simples seria mais do que o suficiente.

Líbia: Lou Reed ganhou a eternidade por tudo que lançou enquanto esteve na vida terrena. Era um daqueles artistas com uma visão além do que imaginamos, sabia interpretar as canções de forma única, sempre com desafios e ousadias sonoras. Em 2003 nos presenteou com esse trabalho magistral, homenageando de forma impecável a outra lenda chamada Edgar Allan Poe. As magníficas participações aparecem de forma certeira, as melodias nos atingem profundamente assim como os poemas. Temos aqui a música na sua forma mais apaixonada e intrigante. Se gosta olhar para o lado sombrio e melancólico da vida, ouça esse álbum. 

Mairon: Um disco de Lou reed é sempre uma aventura. Nunca se sabe o que você irá encontrar nele caso não tenha pesquisado anteriormente. As únicas informações que tinha sobre The Raven era “Hop Frog”, com a participação de David Bowie, e a mais lógica, que era algo envolvendo os poemas de Edgar Allan Poe, já que o título é exatamente um dos principais poemas do autor inglês, o que é uma escolha bem apropriada para o tema sugerido para esse Recomenda. Sendo assim, me atirei na versão original, a dupla, para apreciar (ou não) o que viria. Reed lê alguns dos poemas, musica outras, e traz vários convidados ao longo do disco, destacando o ator Willem Dafoe, responsável por declamar nada mais nada menos que 10 dos poemas apresentados no álbum, inclusive a faixa/poema-título. Vale a pena ressaltar que todos os poemas tem um ambiente musical por trás muito bem casados com cada um deles. Da parte que temos música mesmo, temos vários bons momentos, tanto instrumentais como vocais. Na parte instrumental, e há a ótima “Overture”, um free jazz incrível de apenas um minuto (que pena), as experimentações de “A Thousand Departed Friends”, onde o saxofone brilha junto de uma batida hipnotizante que deve ter aberto um largo sorriso em Bowie. Falando nele, ele está na citada “Hop Frog”, faixa curtinha, mas que se destaca como um belo rock, e claro, pelo dueto dos dois símbolos vivos do Glam. Outras participações de destaque são o coral da The Blind Boys of Alabama na inspirada “I Wanna Know (The Pit and the Pendulum)” e Ornette Colleman na ótima “Guilty”, que sonzeira! Reed  relembra Velvet Underound em “Burning Embers”, manda ver nos rockaços de “Change” e “Edgar Allan Poe”, traz as agonizantes “The Bed” e “Perfect Day”, essa última com os vocais de Antony, e destrói na alucinante “Blind Rage”. Ainda temos as lindas “Who Am I”,  “Vanishing Act” e  “Call On Me”, com lindos arranjos de cordas, e a última com a indescritível voz de Laurie Anderson. Até a esquizofrenia de “Fire Song” casou com The Raven, o que não ocorre com “Broadway Song”, que ficou deslocada no contexto do disco, mas é uma linda faixa estilo jazz Broadway. Álbum surpreendentemente legal, e que peca apenas pela longa duração.

Them – Fear City [2022]

Por André Kaminski

O Them é uma banda mais recente liderada pelo vocalista Troy Norr do Coldsteel. Começo como um projeto tributo ao King Diamond, mas acabou ganhando vida própria após três anos. Desta vez, quis indicar algo mais novo que havia ouvido este ano e este disco me agradou bastante. “Retro 64”, se verificar a letra, verá referências a “22 Acacia Avenue” do Maiden e “Still Loving You” do Scorpions e é uma de minhas favoritas. Uma banda heavy/power metal que acredito ter potencial para crescer ainda mais na cena.

Anderson: Grata surpresa! Não conhecia a banda mas já incluí nos meus favoritos! Um Power Metal cheio de teclados e sintetizadores, muita velocidade e a temática bem divertida dentro do espectro do terror. Muito bom! A intro do álbum chega mostrando o que vai vir, me lembrou na hora de Helloween. Na sequência, então, a primeira pedrada (Flight of Concorde) vem com força! Rápida, sem respiros! Me chamou a atenção, ainda, a mais melosa “Retro 54”. Após uma transição (An Ear for the Action) o disco ganha em peso, as ambientações de teclado ficam mais sinistras. Aqui o material me trouxe referências do Iced Earth e King Diamond, mas muito mais legal. Gostei bastante de “Death on the Downtown Metro” e “The Deconsecrated House of Sin”. Várias passagens faladas entre e no meio das músicas dão um tom teatral ao material, que aliás termina com uma melodia linda! Enfim, uma fórmula que traz power, thrash, heavy metal para todos os gostos. Ótimo, ótimo!

Davi: Essa é uma banda que, honestamente, eu não conhecia. Dei uma pesquisada sobre os caras e vi que eles começaram a carreira como uma banda tributo ao King Diamond e Mercyful Fate. E é daí que vem o nome do conjunto (sim, Them é o nome da banda do Van Morrison, mas também é o nome de um LP do mestre King Diamond). E, certamente, é daí que vem a inspiração para escrever letras com essa temática. Musicalmente, a influência do cantor dinamarquês surge no uso dos falsetes. Nesses momentos, até o timbre soa parecido (mas também… o cara fazia cover, né?). Contudo, a banda não replica o som dos seus ídolos. A mixagem mais moderna e os arranjos com toque europeu, por vezes me remeteram ao Blind Guardian. Achei o disco bem consistente e pretendo adquiri-lo para minha coleção. Boa dica.

Fernando: Como o Rei Diamante não está participando diretamente nessa edição, pelo menos participa em espírito com a inclusão de um de seus pupilos. Algumas bandas estão seguindo sem pudores os caminhos musicais trilhados desde a época do Mercyful Fate. O Them é uma banda de material próprio que começou como um cover de King Diamond e toda a temática, estilo de instrumental e voz é totalmente calcado no que o rei faz sem que isso se torne uma mera cópia. Ouvi Fear City somente para fazer esses textos – o álbum foi lançado no finalzinho de outubro –, mas já estava bem familiar com os outros três discos lançados e tenho certeza que Kim Petersen, a pessoa por trás das maquiagens ficou orgulhoso do que os “meninos” do Them fizeram. Ouça “Forever Burns” do primeiro disco lançado e tenha a mesma certeza que eu tenho. Para quem gostar do Them ainda indico o Portrait, o Attic e o Midnight Priest.

Líbia: A partir do nome já sabemos que se trata de alguns dos filhos do Rei Diamante. Them é uma banda de Power Metal Progressivo dedicada a albúns conceituais. Outra característica positiva é o fato de ser um dos lançamentos de 2022, um ano que presenciamos algumas bandas da última década se desprendendo das suas principais referências, e nos trazendo características mais particulares, composições ambiciosas, enfim, produções feitas para ganhar o jogo. “Graffiti Park” é um dos pontos altos ao lado da faixa “191st Street”. Esse poderia ser mais um álbum cópia da sua maior inspiração, mas contém uma miscelânea de estilos com vários momentos épicos e melódicos surpreendentes. Ótima indicação. 

Mairon: Certamente quem indicou esse álbum irá contar a temática conceitual do mesmo, e sendo assim, vou direto ao ponto aqui. Não conhecia o grupo, e me deparei com um heavy metal bastante brutal, onde a velocidade come solta. As guitarras e a bateria são o ponto positivo ao longo do disco, como os bons solos de “Death On The Downtown Metro”, “Flight of the Concorde” e a viajante (e longa) “The Crossing Of Hell Gate Bridge”. Por vezes, os agudos que surgem aqui e ali me lembram King Diamond, mas a velocidade é mais Helloween, e ainda há variações rítmicas, com a presença de sintetizadores, que fazem menções ao Blind Guardian. Enfim, o disco começa bem, mas depois acaba se tornando muito repetitivo, e maçante, já que é uma mistura de estilos metálicos com teclados muito chatos. Destaque positivo totalmente para as guitarras, muito bem empregadas ao longo de todo o álbum, e digamos que, sendo fim de semestre, o disco passaria na média, mas com exame.

Marcello: Mais um disco de uma banda de que nunca tinha ouvido falar – quando recebi a lista, primeira coisa que pensei é que não seria a banda do Van Morrison na década de 60. Fui saber mais sobre a banda e descobri tratar-se de um grupo de músicos americanos e alemães com três álbuns lançados antes deste “Fear Bridge”. Confesso que a arte de capa me deixou um pouco preocupado; achei que viria um disco de metal recheado de clichês para lá de batidos do gênero, sem muito o que aproveitar. Ainda bem que quebrei a cara; o disco é muito bom, com bons vocais, instrumental criativo e músicas bem construídas. Os teclados se destacam bastante e dão um clima muito interessante para as músicas, os vocais são bem cuidados, tanto o principal quanto as vozes de apoio, e as vinhetas que interligam as músicas principais mantêm o interesse do ouvinte no álbum. Várias músicas podem ser destacadas, mas “Retro 54” me pegou de primeira e se tornou, depois de algumas audições, a minha favorita. “The Crossing of Hellgate Bridge” também é muito boa, com mais de nove minutos de duração, e ganhou pontos comigo nas audições seguintes. No todo, não posso dizer que o Them tenha ganhado um fã, mas fiquei com vontade de conhecer os outros discos da banda, porque se o nível deste Fear City for mantido nos álbuns anteriores, preciso recuperar o tempo perdido.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Maravilhas do Mundo Prog: Mike Oldfield - Hergest Ridge [1974]



Depois do incrível e inesperado sucesso de Tubular Bells, a mídia voltou seus olhos e ouvidos para as invenções do jovem Mike Oldfield. A imagem do músico britânico foi exaustivamente divulgada em tudo que é revista, programa de TV e álbum de figurinhas (esse último, um exagero obviamente), deixando o mesmo cansado e irritado com a exposição de sua figura.

Para tentar livrar-se do assédio que estava sofrendo, Mike decidiu mudar-se para o interior da Inglaterra, vivendo nos limites do país com o País de Gales, na colina de Hergest Ridge, em Kington, Herefordshire. O local é conhecido por ser o ponto mais alto da Inglaterra, com aproximadamente 430 metros, e é um dos locais mais belos daquele país.

Mike Oldfield, na sala de mixagem da Virgin

Foi nesse retiro, cercado apenas pela natureza, que Mike continuou suas experimentações musicais, aprofundando seu conhecimento nos mais diversos instrumentos, e criando mais uma obra essencial dentro do rock progressivo. Segundo o próprio Mike Oldfield, "Hergest Ridge é um lamento para os ambientes calmos", e durante suas duas partes, somos levados por amenos e intensos instantes de música.

Gravado durante a primavera inglesa de 1974, o segundo álbum de Mike Oldfield chegou às lojas em agosto daquele ano, levando o nome da colina-refúgio do guitarrista, baixista, percussionista e diversos outros instrumentos que o britânico toca, alcançando  a primeira posição em vendas no Reino Unido em 14 de setembro daquele ano, aonde permaneceu por três semanas, seguido por Tubullar Bells na segunda colocação, sendo que em 05 de outubro de 1974 Hergest Ridge foi ultrapassado por Tubular Bells, mostrando que os fãs estavam famintos pelas experimentações do músico.

David Bedford e Mike Oldfield

Trazendo a participação de Chilli Charles (caixa), Terry Olffield (instrumentos de sopro), Lindsay Cooper (oboé), June Whiting (oboé), Ted Hobart (trompete), William Murray (chimbal), Sally Oldfield (vocais), Clodagh Simonds (vocais), o coral London Sinfonietta Voices e um quarteto de cordas, ambos conduzidos por David Bedford, e lembrando que Oldfield toca: violão, baixo, guitarras, órgaos Farfisa, Gemini, e Lowrey, glockenspiel, gongo, mandolin, nutcracker, sleigh bells, tímpano e sinos tubulares.o álbum demonstra uma maior inclinação para o lado orquestral, quando comparado com Tubular Bells, mas possui diversos momentos que nos remetem ao primeiro álbum de Oldfield.

A suíte começa com um longo acorde de teclado, e tímidas notas nos sinos tubulares apresentam o tema central, muito lento, feito por instrumentos de sopro, lembrando temas galeses que nos acostumamos a ver em filmes relacionados aquele país. Esse tema repete-se por diversas vezes, com alterações nas notas e/ou sequência das mesmas. O mandolin passa a acompanhar os instrumentos de sopro, repetindo o tema central e trazendo outros instrumentos, como piano e violões, que encorpam a canção por alguns instantes.

Mike Oldfield

A partir de então, o mandolin fica repetindo o tema central, acompanhado por um órgão que repete suas notas como um eco, e pelo andar suave das cordas ao fundo, enquanto os sinos tubulares saltitam alegres entre os dois. Uma guitarra repleta de efeitos encerra o tema do mandolin, e abre espaço para o trompete.

Agora, ele é que repete o tema central, com o acompanhamento ao fundo cada vez mais forte, e ganhando beleza com uma leve guitarra que sola alucinada entre as notas do trompete. A canção ganha corpo, evoluindo maravilhosamente com a entrada de outros instrumentos (violão, guitarra, órgão, ...).

Repentinamente, a guitarra surge em camadas (como já havia ocorrido em "Tubular Bells"), e torna a canção mais fúnebre, levando para o breve solo de órgão, acompanhado por um dedilhado estranho da guitarra. Guitarra e órgão fazem mais um tema, muito breve, e entramos em um novo momento na suíte.

Oldfield exibe-se ao violão clássico, com um dedilhado muito belo, e o oboé abrilhanta seu solo, remetendo-nos ao tema central mas com muitas variações. A presença do coral nesse trecho de "Hergest Ridge", bem como a sobreposição dos oboés, é belíssima, digna de ser comparada aos gigantes da música clássica como Beethoven e Mozart.

Oldfield tocando baixo

As guitarras sobrepostas voltam a preencher a canção, com notas arrastadas e carregadas de efeito, para dividir espaço ao mesmo tempo com os oboés e o coral, ora com os oboés em destaque, ora com as guitarras em destaque, mas em ambos os casos, é impossível não perceber o lindo dedilhado de violão clássico que continua ocorrendo ao fundo. É essa junção de instrumentos que torna a suíte tão linda.

Sinos tubulares e guitarras modificam novamente a canção, que agora torna-se agitada, com o xilofone fazendo seu solo acompanhado por baixo, guitarra e teclados, lembrando bastante o trecho das apresentações dos instrumentos em "Tubular Bells", principalmente pelo andamento das notas de baixo, e sobre esse andamento, Oldfield sola sua guitarra em notas longas, sem nenhum virtuosismo, colocando apenas seu sentimento para fora, em uma melodia agradável. 

O solo de guitarras sobrepostas continua, acompanhado agora apenas por longos acordes de órgão, e então o coral aparece com suas vocalizações, e com a guitarra e o violão divertindo-se sobre o tema vocal do coral, a primeira parte da suíte é encerrada ao som de sinos tubulares e do tema central feito novamente pelos instrumentos de sopro, deixando a expectativa para o que virá no lado B. 

Contra-capa original de Hergest Ridge

A segunda parte de "Hergest Ridge" surge com um dedilhado de violão e longos acordes de sintetizadores, deixando guitarras e instrumentos de sopro criarem um novo tema, que irá governar essa sessão por alguns instantes, sendo esse tema apresentado por guitarra, xilofone e teclados. A guitarra pula soberba dessa repetição de temas, com muitos arpejos que percorrem todo o braço, trazendo baixo, violão e instrumentos de sopro.

O violão sola sobre o andamento de violões, baixo e instrumentos de sopro, assim como o coral também permite-se fazer um solo vocal em quatro estrofes, cantando as seguintes palavras que lembram o italiano, mas não tem significao a princípio: 

Selo do LP, n° V2013
"Borla, Di ena, Labato, Oncota, Dolmonya, Oh gusto, Mekara, Ah resta mena (2x)

Borla, Di ena, Labato, Oncota, Dolmonya, Oh gusto, Mekara, Oh gosto mega

Borla, Di ena, Labato, Oncota, Dolmonya, Oh gusto, Mekara"

enquanto as guitarras e violão continuam a solar ao fundo.

Guitarras, mandolin e teclados encerram o solo vocal, e o andamento leve mantém-se, com o violão sendo o centro das atenções. O tema central da primeira parte reaparece timidamente, feito por sintetizadores, e é seguido pela sobreposição de guitarras, que faz o mesmo tema de forma sombria e tensa, acompanhado pelas notas fortes de baixo e por longos acordes de sintetizador. 

É o sintetizador que dita o ritmo do solo de flauta, e uma grande explosão nos leva para o veloz trecho, com guitarras dobradas, teclados e baixo repetindo o mesmo tema por diversas vezes, em um ritmo alucinado, que é dividido em duass partes: a primeira mais cadenciada, lembrando o tema central do Lado A, e a segunda é mais longa, na qual Oldfield sola com sua guitarra, e que parece ter sido chupinhada por diversas bandas de synth pop nos anos 80, faltando apenas batidas bate-estaca ao fundo.

O trecho é concluído, deixando o violão dedilhar e nos levar ao encerramento de "Hergest Ridge", acompanhado por cordas, repetindo o tema central ao lado de guitarras, órgão, flautas e a repetição das vocalizações em italiano, para longos acordes de sintetizador e violões fazerem as notas de despedida de mais uma Maravilhosa obra de Oldfield.

Relançamento de 2010, no formato DELUXE

Em 2010 o álbum foi relançado pela Mercury Records (originalmente, Hergest Ridge foi lançado pela Virgin, com número de catálogo V2013, ou seja, o décimo terceiro disco do selo), trazendo uma nova mixagem para a versão original do vinil. O álbum também saiu no formato DELUXE, trazendo como bônus "In Dulci Jubilo (For Maureen)" e "Spanish Tune". 

A principal diferença em ambas as edições, além da mixagem de 2010, é a nova capa, que consta com uma imagem de uma fotografia aérea sobre a região de Hergest Ridge, ao invés do tradicional cachorrinho da capa original. Uma limitadíssima versão Box Set, com apenas duzentas e cincoenta cópias, também foi produzido, e vendida apenas pelo site oficial do músico. Nesta caixa, estão a versão DELUXE, um LP e a capa autografada do álbum.

Box em tiragem limitada

Oldfield continuou sua carreira, lançado o ótimo Ommadawn (com a participação dos africanos do Jabula) em 1975 e o maravilhoso Incantations, álbum duplo de 1978, que talvez seja o seu trabalho mais audacioso. Ambos são verdadeiras Maravilhas Prog, mas serão tratados futuramente por aqui. Exposed (1979) é o álbum duplo ao vivo que encerrou a primeira e mais criativa fase da carreira do britânico, com álbuns apenas com uma única canção, repletas de novidades e sonoridades.

O músico continua perambulando pelos palcos da Europa e América, lançando álbuns regularmente - o mais recente é Man on the Rocks, que saiu no último 03 de março, sendo o vigésimo quinto álbum do artista - e ainda encantando com os clássicos de um passado Maravilhoso.

Mike Oldfield em 2013, sempre sob a sombra de Tubular Bells

Track list

1. Hergest Ridge - Part I
2. Hergest Ridge - Part II

quinta-feira, 6 de março de 2014

Maravilhas do Mundo Prog: Mike Oldfield - Tubular Bells [1973]



Imagine que você é um jovem músico de dezessete anos, com pouca experiência, e acaba sendo convidado para fazer parte da banda de um dos músicos mais importantes da Inglaterra. Esse músico descobre em você um talento incrível, e o incentiva a compôr um álbum. Com dezoito anos, você tem a obra pronta, e com dezenove, grava todos os instrumentos que participam da única canção do LP, com mais de quarenta minutos de duração. Para sua surpresa, duas semanas depois de completar vinte anos, seu álbum de estreia como músico solo chega às lojas, e rapidamente, alcança a primeira posição nas paradas americanas e no Reino Unido.

Essa é a história de Mike Oldfield e seu Tubular Bells, um dos discos mais impressionantes do rock progressivo, que completou quarenta anos no dia 25 de maio de 2013, e ainda hoje, surpreende pela capacidade criativa do jovem garoto.


Sally Oldfield, Maureen Oldfield, Mike Oldfield e Terry Oldfield

Filho de um general e de uma enfermeira, Mike nasceu na cidade de Reading, onde viveu até os treze anos, quando mudou-se para Harold Wood, onde começou a aprender a tocar instrumentos como piano e violão, e rapidamente, fez parte de um grupo instrumental fortemente influenciados pelo The Shadows, da onde surge sua paixão pela música instrumental.

Mike tinha problemas de relacionamento, e passava muitas horas de seu dia em casa, estudando música e construindo canções. Com treze anos, já havia composto diversos pequenos trechos com o violão, que viriam posteriormente se tornarem (alguns deles) épicos no rock progressivo.


Mike e Sally Oldfield


Raro disco dos irmãos Oldfield
Com quatorze anos, Oldfield e sua irmã, Sally Oldfied, criam a dupla folk The Sallyangie, uma espécie de Carpenters inglês, com a diferença de que Oldfield tocava já nessa época vários instrumentos. A dupla assinou um contrato com a gravadora Transatlantic, e em 1968, lançou um álbum, Children of the Sun, que fez relativo sucesso de vendas.

Seguiram-se apresentações em clubes locais, até que a dupla desmanchou-se. A tentativa de seguir no estilo folk ao lado do irmão, Terry Oldfied, na dupla Barefoot, não durou muito tempo, já que ambos começaram a se influenciar pelo rock, o que afetou na desenvoltura e na ampliação dos estudos musicais do jovem Mike.

Em 1970, ele é descoberto por Kevin Ayers. O baixista, guitarrista e vocalista havia sido um dos fundadores do Soft Machine, um dos principais nomes da cena psicodélica conhecida posteriormente como Cena de Canterbury, e havia saído do Soft Machine para fundar um novo grupo, The Whole World, que teve Mike no baixo, ao lado do tecladista David Bedford e do saxofonista Lol Coxhill. Esse grupo gravou dois álbuns com Ayers, Shooting at the Moon (1970) e Whatevershebringswesing (1971).

Com o fim do The Whole World, em 1971, Mike recebeu como pagamento de dívidads um gravador Bang & Olufsen, diretamente das mãos de Kevin. Através de uma engenhoca criada pelo próprio Mike, soldando fios e bloqueando um dos cabecotes gravadores da máquina com maços de cigarro, Mike descobriu uma forma caseira de gravar em multi-pista. Assim, passou a gravar suas demos, desenvolvendo sua criatividade e buscando alguém para o empresariar, mas sempre levando uma porta fechada na cara.


David Bedford e Mike Oldfield

Ayers e Bedford porém ficaram muito entusiasmados com a criatividade de Mike, incentivando-o a criar mais canções para gravar um álbum solo. De formas aleatórias, as diversas canções de Mike foram sendo mescladas em um processo vagaroso de agucidade e percepção para melhor encaixar as peças.

Ao mesmo tempo, Mike continua seu trabalho como baixista, e em setembro de 1971, foi contratado pela Arthur Louis Band para gravar mais um LP. As gravações ocorreram no The Manor Studio, de propriedade de Richard Branson, que havia acabado de criar seu selo, o Virgin Records, e tendo como engenheiros de som Tom Newman e Simon Heyworth.

Aqui começa a surgir o temperamento de Mike. Inseguro desde sua infância, e com a rejeição de diversas gravadoras ao material do músico, predominantemente instrumental, sem bateria e anti-comercial. No período entre 1970 e 1971, o músico passava por noites de insônia, que ele mesmo considerou posteriormente como um período de colapso nervoso. Tímido e assustado, frequentemente era visto sozinho pelos corredores, como que se estivesse chorando, mas na verdade, era apenas uma questão de reserva e insegurança.


Mike, um jovem inseguro, genioso e genial

Graças a Newman, Mike foi apresentado à cerveja, e aos poucos, começou a soltar-se também na criação de sua obra. Em pouco tempo, Newman levou as demos de Mike para Branson, que gostou do que ouviu, mas como tinha pouco recurso em caixa, decidiu fazer um contrato de risco. O músico assinaria com a Virgin, tendo direito a uma semana para usar os lendários estúdios Manor (e posteriormente, quando houvesse espaço). Branson, apesar de gostar do que ouviu, considerou que a obra certamente não iria vender muito, e decidiu investir o mínimo possível.

Um dos funcionários da Virgin, Simon Draper, chamou Mike para um jantar, e lhe ofereceu a proposta da gravadora. Mike fez uma lista com todos os instrumentos de que ia precisar, incluindo entre eles um conjunto de sinos tubulares.

Nessa única semana de gravação, Mike registrou os vinte e cinco minutos e quarenta e três segundos de "Tubular Bells Part One", o Lado A de seu LP solo (e uma das melhores canções que a música já ouviu).


Simon Heyworth e Tom Newman


A audácia dos jovens produtores da Virgin foi muito grande.  Uma pessoa tocando todos os instrumentos? Apenas Paul McCartney havia feito isso, mas ele era um ex-beatle, experiente no mundo da música. Newman e Heyworth não tinham nem ideia de como gravar Mike, já que as edições digitais, comum hoje em dia, não existiam. O esquema era cortar as fitas de gravação e prensá-las ao mesmo tempo, fazendo uma verdadeira "colagem" do som.

Mike usou muitos instrumentos estranhos, mas não teve nenhuma dificuldade inicial. Porém, sua Telecaster acabou gerando alguns inconvenientes. Ligada em um amplificador caseiro, quase como um ursinho de pelúcia para Mike, o som muitas vezes não era dos melhores, e muitas vezes, demorava-se horas até conseguir achar um som decente da caixa.

Ao mesmo tempo, o trio Newman, Heyworth e Mike frequentava constantemente um pub próximo ao Manor Studios, indo gravar durante as madrugadas. Várias foram as ocasiões em que muito do material gravado durante a tarde foi apagado erroneamente na noite, e no dia seguinte, tudo tinha que ser feito novamente.

O encerramento da primeira parte das gravações ocorreu de forma inusitada. Os membros da The Bonzo Dog Doo Dah Band iriam ser os próximos a utilizar os estúdios da Virgin, e chegaram antes do tempo previsto. Mike aproveitou e convidou o vocalista do grupo, Vivian Stanshall, para fazer os vocais que apresentam os instrumentos na parte final da canção.

Vivian gravou as mesmas com o nível alcoolico extremamente alto, as 11 horas da noite de uma sexta-feira. Próximo da meia-noite, Newman começou as mixagens, que estenderam-se até as oito da manhã, e enviando para Draper, que ficou totalmente embasbacado com o resultado final, liberando verba (e tempo) para Mike completar sua obra.

Nos próximos quatro meses, o músico dedicou-se a concluir as gravações, mas havia um problema: a ausência de letras, que era uma insistência de Branson. Mike acabou cedendo, mas o fez de maneira muito rebelde. Assim, bebeu mais de meia garrafa de uísque Jameson, e ficou gritando alucinado dentro do estúdio por mais de dez minutos, que são as vozes que ouvimos no trecho central da segunda parte. Houveram outras manifestações diferentes durante a gravação, as quais entraram apenas para o folclore do registro do álbum, mas não no conteúdo final.

O título Tubular Bells foi o último passo. Mike não tinha nada em mente, enquanto Branson queria chamar o LP de Breakfast in the Bed, já que havia na sua coleção de imagens uma foto de um ovo cozido escorrendo sangue, que ele adorava, e sugeriu para ser a capa do mesmo. Foi Mike quem sugeriu Tubular Bells, o que acabou sendo aceito a muito contragosto tanto por Branson quanto pelos demais membros da Virgin.


Mike Oldfield nos estúdios durante gravação de Tubular Bells

Os instrumentos que aparecem em Tubular Bells são: Grand Piano, Glockenspiel, Órgão Farfisa, Baixo, Guitarra, Speed Guitar, Órgão Taped Motor Drive Amplifier, Mandolin, Fuzz Guitars, Percussão, Violão, Flageolet, Honky Tonk, Órgão Lowrey e os Sinos Tubulares, todos por Mike. As Flautas são de Jon Field, enquanto temos cordas por Lindsay Cooper, um Coral Nasal Choir e um Coral Feminino composto por Mundy Ellis e Sally Oldfield. Isso apenas no Lado A.

No lado B, estão guitarras, órgão Farfisa, baixo, violões, Piano, Speed Guitar, Órgão Lowrey, Tímpano, Bagpipes, Glockenspiel, Órgão Hammond, Piltdown Man, Violões, Mandolin (todos por Oldfied), o Coral Feminino, o The Manor Choir (coral formado por Mike, Heyworth e Newman) e a bateria de Steve Broughton.

A suíte é dividida em dezessete partes, sendo onze para a "Part One" ("Introduction", "Fast Guitars", "Basses", "Latin", "A Minor Tune", "Blues", "Thrash", "Jazz", "Ghost Bells", "Russian" e "Finale") e seis para a "Part Two" ("Harmonics", "Peace", "Bagpipe Guitars", "Caveman", "Ambient Guitars" e "The Sailor's Hornpipe").


Momento de inspiração para um gênio

Tudo começa com as teclas do piano apresentando o arrepiante tema inicial, eternizado no filme O Exorcista e que marcou (e ainda marca) gerações de ouvintes, sendo que inclusive o grupo de Thrash Metal Possessed utilizou desse tema em uma de suas canções, "The Exorcist", do clássico álbum Seven Churches (1986). Percussão surge acompanhando as notas do tema central, assim como o violão, enquanto o baixo faz um breve dedilhado. O órgão interfere repetindo o mesmo acorde no intervalo de quatro repetições do tema central, tendo sempre o dedilhado do baixo, e sobre o tema, o piano se expõe, com um tímido solo centrado em mudanças de acordes e notas que remetem ao tema central, incansavelmente repetido ao fundo.

Uma guitarra carregada de efeitos passa a solar sobre o tema central, trazendo um conjunto de guitarras oitavadas, as quais repetem o mesmo tema e encerra "Introduction", levando-nos para a linda sessão com as guitarras solando velozes, imitando o som de um mandolin, sobre um belíssimo dedilhado do piano. O violão então ganha seu espaço, com o piano fazendo uma espécie de adaptação do tema central ao fundo, e com breves passagens de flauta doce. 


Oldfield tocando baixo em apresentação no Hyde Park,
como membro da Whole World de Kevin Ayers


É a flauta doce, junto com os sinos tubulares e um triste dedilhado de piano, que faz a ponte para "Fast Guitars", começando com uma veloz sequência de notas ao piano e marcações no órgão, para a guitarra solar ferozmente acompanhada apenas por acordes de sintetizador e notas de baixo. "Basses" então apresenta notas de baixo e guitarra sendo repetidas ao mesmo tempo, em um clima épico, para violões trazerem "Latin", um trecho no qual o órgão sola independente das notas latinas do violão, entre muitos barulhos percussivos e também dedilhados de piano.

Esse trecho encerra-se com uma série de marcações de piano e violão, trazendo novamente uma repetição do tema central de "Introduction" e um breve solo de violão elétrico. Os sinos tubulares surgem em evidência durante "A Minor Tune", mais um belo trecho com piano e violão elétrico fazendo um emocionante tema enquanto os sinos fazem uma marcação. Sintetzadores reproduzem o tema do violão, levando-nos para "Blues", no qual guitarras gêmeas brincam em um novo tema de notas, enquanto ao fundo o piano elétrico faz uma imitação do tema inicial da canção. 


Mike tocando baixo, um dos seus vários instrumentos

O órgão aparece alternando acordes enquanto as guitarras gêmeas continuam seu solo, repetindo as mesmas notas utilizadas no começo de "Blues", e lentamente, o baixo ganha destaque. Piano elétrico passa a dividir espaço com o violão, e então, acompanhada apenas por um andamento bluesístico, a guitarra faz mais um solo, deixando o piano divertir-se por alguns instantes.

Muita distorção então é ouvida durante "Thrash", apenas com a guitarra fazendo mudanças de acordes inicialmente, e depois com o violão repetindo os mesmos acordes. "Jazz" é um soberbo tema de violões acompanhado por acordes de órgão e notas do baixo, e então, os sinos tubulares surgem novamente, na fantasmagórica "Ghost Bells", deixando apenas o violão a solar livremente durante "Russian", encerrando esse trecho com uma marcação forte dos acordes de violão.

Então, chegamos a "Finale", primeiramente com a guitarra fazendo um hipnotizante tema com as notas, repetido na sequência (e ao mesmo tempo) pelo baixo. O volume alterna entre alto e baixo, mas o tema continua se repetindo por diversos segundos, trazendo longos acordes de órgão, até que a voz de Stanshall aparece chamando o Grand Piano, que entoa um bonito tema sobre o hipnotizante tema de baixo e guitarra. 

Na sequência, é a vez da Farfisa fazer o mesmo tema do Grand Piano, assim como o Glockenspiel  baixo, guitarras dobradas, guitarras distorcida, mandolin, Spanish Guitar, Violão e, encerrando a série de notas, os Sinos Tubulares, acompanhados por um majestoso coral, repetindo o tema final de forma imponente até o encerramento da primeira parte da suíte, o qual é feito apenas com o coral levando-nos para o violão, que dedilha tristemente suas últimas notas, baseadas nas notas do tema que foi repetido diversas vezes durante "Finale". É o fim do Lado A.


O lado A de Tubular Bells
O Lado B (ou "Parte Two") é bem diferente do Lado A, talvez até mais complexo e belo, começando primeiramente com um longo trecho de harmônicos de guitarra e baixo repetidos por diversas vezes, acompanhados por acordes de órgão e vozes do coral feminino. Notas do violão repetem as notas dos harmônicos, fazendo uma salada de sons em uma sobreposição de instrumentos como  o mandolin, piano, violões e órgão. Essa sequência de notas sobrepostas é muito suave, e repete-se por diversas vezes durante mais de cinco minutos, levando-nos para "Peace", belíssima sessão somente com a Farfisa solando acompanhada pelo dedilhado do violão, em mais um momento emocionante dessa segunda parte.

O mandolin então sola acompanhado pelas vozes femininas, e assim, aparecem as "Bagpipe Guitars", guitarras dobradas em terças e oitavas que fazem um solo único, utilizando-se de uma escala oriental para a mesma, e sem abusar da velocidade no seu tema. O solo é repetido por três vezes, para assustadoras percussões entrarem em "Caveman", a única parte da canção a contar com bateria, acompanhando mudanças de acordes de violão e piano, e tendo como a parte mais chamativa as estranhas vocalizações feitas por Oldfield, imitando um homem das cavernas, chegando inclusive a exalar uivos, e claro, a pegada na guitarra é muito boa.

Essa mesma guitarra, cheia de distorção, tomam conta do cerne de "Caveman" com solos de grande qualidade, repletos de feeling, trazendo novamente os estranhos vocais que nos levam para "Ambient Guitars" após uma série de gritos.


Comprometimento e inspiração marcaram as gravações de Tubular Bells


"Ambient Guitars" começa apenas com acordes de órgão, trazendo uma guitarra sem distorções para solar em escala livre, em cima dos acordes do órgão, em outro trecho belíssimo da suíte, com Mike exibindo seu virtuosismo com o instrumento por mais de cinco minutos, concluídos com longos acordes do órgão de igreja e a guitarra dedilhando como uma harpa.

Por fim, o arranjo tradicional de "The Sailor's Hornpipe" aparece nos sulcos do vinil através do mandolin e de um acompanhamento alegre, que aumenta de velocidade para cada passagem do tema, concluindo "Tubular Bells" de forma estupenda. 


O lado B de Tubular Bells, com destaque para o número de catálogo (V2001)
Tubular Bells foi o primeiro LP lançado pelo Selo Virgin, com número de catálogo V2001, embora The Flying Teapot (Gong) e a coletânea Manor Live tenham sido lançados no mesmo dia, com números de catálogo V2002 e V2003 respectivamente. A importância do álbum foi tamanha para a vida de Branson que, quando a empresa comprou seu primeiro avião, o dono batizou-o de N527VA Tubular Belle.

Na longa carreira de Mike, este é sem dúvidas o álbum que mais o representa, tanto que por diversas vezes trechos de Tubular Bells aparecem em outros álbuns do músico. Outro fato que aumentou ainda mais a exposição (e o sucesso) de Tubular Bells foi a inclusão do tema de abertura na trilha do filme O Exorcista, lançado no mesmo ano. Existem dezenas de filmes e programas de TV que adotaram a introdução de "Tubular Bells" em suas trilhas, muitos dos quais apoiando-se na ideia de O Exorcista.

Mike Oldfield, durante gravações de Tubular Bells (agora com o violão)

Por fim, a capa de Tubular Bells foi criada pelo artista plástico Trevor Key, que posteriormente criou diversas outras capas de álbuns de Mike. O sino triangular do álbum surge da ideia de um sino tubular sendo destruído, o que ocorreu quando Mike, sem querer, danificou um dos sinos utilizados para a gravação. Hoje, o sino triangular é associado a imagem de Mike como um logo, assim como o Traffic e o Blue Öyster Cult também possuem seus logos particulares.

Ouvir Tubular Bells é uma experiência que qualquer apaixonado por rock progressivo deve ter. Mike segue sua carreira até os dias de hoje, e inclusive, lançou duas sequências para Tubular Bells, Tubular Bells II (1992) e Tubular Bells III (1998), além de The Milenium Bell (1999) e de ter regravado o disco na comemoração dos trinta anos do mesmo, registrado em Tubular Bells 2003 (2003).


Oldfield, recebendo disco de ouro por Tubular Bells


Claramente, o músico vive à sombra de sua obra-prima, que continua vendendo rios de cópias ano a ano, conquistando novos e velhos fãs através de seus diversos relançamentos, regravações e também nos shows que o músico apresenta pela Europa e Estados Unidos. 

Mas um ano depois, outra Maravilhosa peça - hoje praticamente esquecida nos anais da música - foi concebida pela mente genial de Oldfield, como veremos daqui há quinze dias aqui, no Maravilhas do Mundo Prog.


E sobre Tubular Bells, encerro dizendo que é simplesmente um álbum de altíssimo valor cultural!



Contra-capa de Tubular Bells

Track list

1. Tubular Bells Part One
2. Tubular Bells Part Two
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