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sábado, 22 de junho de 2024

Ouve Isso Aqui: Casais

                                       


Tema escolhido por Mairon Machado

Com Andre Kaminski, Anderson Godinho, Davi Pascale e Marcello Zappelini


Sei que esse tema já rolou por aqui em um Consultoria Recomenda, mas aproveitando o mês dos namorados, quis trazer algumas obras que ficaram de fora daquele Recomenda, e que acho que merecem uma atenção dos meus colegas. Vamos às pedras! (Mairon)
Ike & Tina Turner – Come Together [1970]

Mairon: Disco de total mudança na carreira do casal Ike & Tina Turner. Lançado em abril de 1970, traz uma guinada forte na direção musical do casal, influenciados por sua turnê abrindo para o Stones (inclusive participando do conturbado Concerto de Altamont, como filmado em Gimme Shelter). Se seus discos anteriores eram caracterizados por uma potência sonora avassaladora, aqui o que prevalece é a voz soberana de Tina sobre os arranjos e criações de Ike. Daí temos soul com vocalizações gospel (a cargo das Iketttes) em “Keep On Walkin’ (Don’t Look Back)”, “Why Can’t We Be Happy”, “Unlucky Creature”, rock suave em “Too Much Woman (For a Henpecked Man)”, e as embaladas “Contact High”, “It Ain’t Right (Lovin’ to Be Lovin’)” e “Young And Dumb”. Além disso, a provocante “Doin’ It” é um encerramento excitante para um álbum fabuloso, cujos grandes destaques vão para as versões de canções surgidas havia pouco tempo. No caso, a ótima faixa-título (que os Beatles tinham lançado em outubro do ano anterior), que como diz meu irmão Micael, todas as músicas dos Beatles ficam melhores em suas versões por outros artistas, “Honky Tonk Women” (que os Stones lançaram um pouco antes, em julho), muito fiel ao original, apenas com adaptações na letra para que a personagem central seja a própria narradora, “Evil Man”, com um belo naipe de metais, sendo outra que teve alterações na letra, já que essa é a mundialmente conhecida “Evil Woman (Don’t Play Your Games With Me)”, que o Black Sabbath imortalizou no seu álbum de estreia de 13 de fevereiro de 1970 (dois meses antes desse), e que o Crow tinha lançado originalmente em agosto de 69, e a espetacular “I Want to Take You Higher”, a mais “velhinha” das três, que o Sly and the Family Stone tinha colocado no mundo em abril de 69, e que aqui está totalmente fiel ao original, inclusive com o naipe de metais e os “boom-shaka-laka-laka-boom” dos vocais. Para perder o preconceito e conhecer uma das grandes duplas da história da música.

Anderson: Uma regravação muito forte e que traz o clássico dos Beatles para a praia do Soul e o R&B. A versão ficou muito energética e animada na voz da maravilhosa Tina Turner. Interessante, também, ficaram os arranjos e a guitarra funkeada de Ike em várias músicas como na ótima versão de “Too Much Woman”. Outro destaque, agora pela interpretação de Tina, é “Unlucky Creature” que conta com uma dramaticidade intensa enquanto a música em si faz uma ambientação para a atuação da artista. Destacaria também a intensidade da versão de “Honky Tonk Women” e a animação de “Contact High”. Por outro lado, esperava um pouco mais da versão do clássico “Come Together”, a versão é bem fiel à original, mas, uma vez que a proposta da reinterpretação ocorreu poderiam ter sido mais inventivos na proposta. Talvez o receio de mexer em um clássico tenha pesado. Por fim, gostei muito da versão de “Don’t it” que fecha o material muito bem. Com certeza é um material especial que merece a lembrança.

André: É um disco um tanto dolorido de ouvir em se tratando de contexto pelo fato de Tina ter sofrido horrores na mão de Ike Turner. É necessário “desligar a chavinha mental do contexto ruim entre eles” para apreciar uma dupla que fazia rocks com uma qualidade estupenda. Os covers também ficaram ótimos. Gosto mais dessa Tina Turner mais blues do que a pop dos anos 80 e 90. Ike também é um grande compositor e guitarrista. Um disco sem erros e excelente.

Davi: Todos conhecem a história conturbada do casal Ike e Tina Turner. Sendo assim, não é preciso dizer que Ike não era a melhor pessoa do mundo. É por essas e outras que precisamos separar a pessoa do artista. Afinal, não há como negar seu talento enquanto compositor e esse disco é uma prova disso. Misturando soul e rock, o LP mistura composições próprias com regravações e brilha tanto com a voz do furacão Tina Turner, quanto na qualidade do repertório. Entre os covers, a maior curiosidade fica por conta de “Evil Man”, originalmente lançada com o nome de “Evil Woman” pelo Crow (sim, aquela mesma que o Black Sabbath regravou), que ganha um singelo naipe de metais. A versão de “Come Together” não traz muitas novidades e a gravação não tem a mesma magia que tem a do fab four. Tem uma história de que certa vez, Ike Turner apontou uma arma para que Keith Richards demonstrasse como havia tocado na gravação de “Honky Tonk Women”. A faixa aparece aqui e dá para ver que ele foi muito bom aluno, só que assim como acontece com a versão dos Beatles, a música não chega nem perto da versão gravada pela trupe de Jagger e Richards. Entre as composições próprias, minhas preferidas estão no lado A: “Too Much Woman”, “Unlucky Creature” e “Young and Dumb”. Para a garotada que estiver lendo esse texto: ouça esse LP prestando atenção no (fabuloso) trabalho vocal de Tina e repare que muitos dos maneirismos vocais que Joss Stone faz hoje, já apareciam aqui. Será mera coincidência?

Marcello: O casal mais disfuncional dessa lista, como ficou provado pela autobiografia de Tina. Entretanto, musicalmente falando, como se davam bem! O talento inacreditável de Tina, aliado à guitarra, aos arranjos e produção de Ike Turner, gerou muitas coisas boas ao longo dos anos, e este Come Together não é exceção. O duo (que participara com B. B. King da turnê dos Stones em 1969) tinha começado a se distanciar um pouco do soul e rhythm & blues, gravando material mais rock, como atestam “Honky Tonk Women”, a faixa-título e “Evil Man”, que as pessoas conhecem da versão do Black Sabbath baseada no original do Crow (e, aliás, a versão dos Turner é mais parecida com a do Sabbath do que com a original), “Evil Woman”. Há ainda uma versão para “I Want to Take You Higher”, do Sly & The Family Stone, em que as Ikettes têm cada uma sua chance de brilhar e as outras oito músicas são de Ike. Dentre estas, os destaques vão para “It Ain’t Right (Lovin’ to be Lovin’)”, “Too Much Woman (For a Henpecked Man)” – conta outra, Ike: você quer que a gente acredite que era dominado pela Tina? – e “Keep on Walkin’ (Don’t Look Back)”. Apesar de tentarem conquistar o público mais rocker, Ike & Tina Turner não foram muito bem-sucedidos na empreitada, pois o álbum só chegou ao 130º lugar na parada geral da Billboard – ainda que tenha sido 13º na de soul. Mas o álbum seguinte, Workin’ Together, trouxe a enérgica versão de “Proud Mary”, que ganhou um Grammy e levou o LP ao 25º lugar na parada geral da Billboard.


Paul Kantner & Grace Slick – Sunfighter [1971]

Mairon: Esse disco foi o que me baseou para este Ouve Isso Aqui. De imediato, o tema que pensei seria “Somos Nós, Mas Com Outro Nome”, só que o fato de ser o mês de junho me remeteu aos casais e como não são todas as músicas que os parceiros do casal Kantner / Slick participam (a saber Spencer Dryden e Joey Covington na bateria, Jorma Kaunonen nas guitarras, Jack Casady no baixo e Papa John Creach no violino), Sunfighter entrou de qualquer jeito. Os pombinhos haviam acabado de parir a pequena China Wing Kantner, que teve uma linda canção em sua homenagem, levada pelo piano e os vocais dramáticos da mamãe, após pouco mais de 1 ano de relacionamento (lembrando que Grace já tinha tido um affair com o Dryden), e lançou esse álbum sensacional tendo além dos colegas da Jefferson Airplane uma série de convidados, que passam por Jerry Garcia, Graham Nash, David Crosby, entre outros, como o novato guitarrista Craig Chaquico (que veio a fazer parte da Jefferson Starship anos depois), mandando ver na pesada “Earth Mother”. O disco já abre com a pancadaria comendo solta em “Silver Spoon”, tratando sobre veganismo (algo incomum para a época) com destaque para o peso do baixo de Casady, o insinuante violino de Papa e os vocais hipnóticos e gritados de Slick, paulada que mostra o que o Jefferson Airplane estava fazendo desde Volunteers, e que se estende até o derradeiro Long John Silver. Esse estilo se mantém na espetacular faixa-título, dedicada ao ex-parceiro de Airplane, Marty Balin, com o casal dividindo os vocais como nos bons tempos de “Volunteers” e “We Can Be Together”, na alucinógena “Million”, onde Jerry Garcia abrilhanta na guitarra junto do piano de Slick, e também na longa “Holding Together”, outra a contar com a marcante guitarra de Garcia. Crosby e Graham são peças centrais na ótima “Look at the Wood” e na linda demais “When I Was a Boy I Watched the Wolves”, com uma introdução acústica incrível e variações muito interessantes, e ambas com uma excelente harmonia vocal. E tente não se assustar com a recriação do que seria o Titanic afundando em “Titanic”, ou com o enigmático piano de “Universal Copernican Mumbles”, acompanhado de barulhos muito soturnos e um vocal ainda mais tétrico por Kantner. Assombroso em um disco assombrosamente ótimo!

Anderson: Não poderia faltar algo psicodélico pra valer e cá estamos. O álbum possui uma atmosfera criada tanto pelos vocais de Grace quanto pela instrumentação que vai de pianos/teclados, distorções de guitarra que achei um tanto excêntricas, violões e diferentes influencias como folk ou jazz em algumas passagens. As músicas não são, no geral, muito extensas mas demandam parar para absorver tudo que está acontecendo, vale o tempo disposto nesse trabalho. Quem curte um som intenso e complexo vai gostar. Particularmente me atraíram a primeira música: “Silver Spoon” com seus quase seis minutos (minha melhor experiência), curiosamente a, também extensa, “When I was a Boy I Watched the Wolves” me agradou bastante. No geral, não me agradou como os demais trabalhos da lista, me falte mais coisas dessa época na cabeça para poder contextualizar melhor o material. Assim de bate pronto, não me chamou muita atenção.

André: A riqueza instrumental é grande, há caras fodas como David Crosby e Graham Nash tocando, mas o casalzinho do Airplane não andava muito inspirado por aqui. Sinto falta de composições mais marcantes como faziam no Jefferson Airplane (e mesmo no Jefferson Starship) que aqui parecem mais sobras e lados B de ambas as bandas, mas com o acréscimo de mais instrumentos. A que eu gosto mais é a faixa título “Sunfighter”, com o restante bem abaixo do que todo esse time de músicos já produziu na vida. Não é um disco ruim, mas um menor na discografia particular do casal (que juntos, pelo que eu saiba só lançaram este mesmo).

Davi: Esse álbum é basicamente um trabalho solo de Paul Kantner com a participação de Grace Slick. Na maior parte das músicas, a voz dela fica em segundo plano, o que realmente é uma pena já que eu gosto muito mais da voz dela do que da dele. O disco captura bem aquela sonoridade San Franciso, com violões folk e arranjos sutis, e impressiona pelo time de convidados que contou, com nomes de peso como Graham Nash, David Crosby e Jerry Garcia. O disco é bom e deve agradar aos fãs de Jefferson Airplane. Contudo, para mim, o grande destaque é mesmo a faixa de abertura onde temos Grace Slick comandando a música que fez para provocar seus vizinhos vegetarianos que queriam doutriná-la. A letra era tão forte que muitas pessoas pensavam (e ainda pensam) que era uma ode ao canibalismo. Interessante…

Marcello: Grace Slick e Paul Kantner iniciaram um relacionamento ainda nos anos 60, quando ela ainda estava casada com o primeiro marido (Jerry Slick) e tivera um caso com o segundo baterista do Jefferson Airplane, Spencer Dryden Os dois tiveram uma filha, China Wing Kantner (que nome mais era de Aquário!), que aparece na capa. Paul já gravara um disco com ela e os amigos da cena de San Francisco antes, “Blows Against the Empire”, e convidou a turma toda novamente neste álbum (Jack Casady, Jorma Kaukonen, Papa John Creach, Spencer Dryden e Joey Covington, do Jefferson Airplane; Jerry Garcia, do Grateful Dead; David Crosby e Graham Nash; o futuro guitarrista do Jefferson Starship, Craig Chaquico; e mais um monte de gente), que abre com a voz poderosa de Grace na excelente “Silver Spoon”. Kantner assume o vocal solo em “Diana Part 1” e “Sunfighter” (que traz Steven Schuster e parte da turma do Tower of Power nos sopros). “When I Was a Boy I Watched the Wolves” e “Earth Mother” são ótimas músicas que não fariam feio num álbum do Airplane. “Million” traz Jerry Garcia para formar uma espécie de Grateful Airplane em outro destaque do disco. Em “China”, Grace mais uma vez assume o vocal solo e homenageia a bebê do casal. “Universal Copernican Mumbles” é levada nos teclados, numa música diferente das demais, mas não menos interessante. A música mais longa do LP, “Holding Together”, encerra o álbum com brilho. Grace e Paul ainda colaborariam no álbum “Baron von Tollbooth & The Chrome Nun”, com David Freiberg e outros colegas de San Francisco, e, por anos, no Jefferson Starship. O relacionamento entre os dois durou até 1975, e Grace casou-se novamente no ano seguinte; quando Paul trouxe o Jefferson Starship de volta, ela colaboraria com o ex-companheiro, mas desde o início dos anos 90 ela se mantém afastada da música. Kantner, infelizmente, morreu em 2021.


Wings – Venus and Mars [1975]


Mairon: O casal Paul e Linda McCartney formaram o Wings, tendo como álbum cultuado Band on The Run. Porém, penso que é em Venus And Mars que Linda conseguiu mostrar algum talento para estar ao lado de um gigante musical como Paul. A técnica da garota era ínfima, mas pelo menos aqui ela aprendeu a ser “um pouco” mais instrumentista e fazer música. Os seus acordes no sintetizador na faixa-título já são uma pequena demonstração disso. Ela traz intervenções precisas do sintetizador em faixas como “Love Song”, “Medicine Jar”, e principalmente, além dos sintetizadores, nos vocais de apoio em “Magneto and Titanium Man”. Sua contribuição nos teclados e vocais de “Listen to What the Man Said” dão um charme a mais para essa boa faixa. Curto bastante o clima alegre de “Rock Show”, que também tem um sintetizadorzinho interessante ao seu final, o rock lisérgico de “Spirits of Ancient Egypt”, cantada por Denny Laine, e também com boa participação de vocais e sintetizadores por Linda, e a delicadeza de “Treat Her Gently – Lonely Old People”, que fecha muito bem esse belo disco. E para os fãs xiitas dos Fab-4, divirtam-se com “Call Me Back Again”, “Letting Go” e “You Gave Me The Answer”. Comentar sobre o trabalho de Paul aqui é desnecessário, já que nos anos 70, o cara ainda estava em alta criativamente. Joguem as pedras, mas para mim esse é o melhor disco da carreira de Paul, inclusive junto aos Beatles.

Anderson: Os anos 70 são incríveis, sempre me surpreendo com a qualidade e diversidade de coisas. Não conhecia o Wings que, liderado pelo Paul McCartney, faz um som Rock and Roll, com uma sonoridade pop em vários momentos. Talvez, pudesse enquadrar alguma coisa de soul, mas muito sutil no meu entender. O material começa fervendo com a ótima intro “Venus and Mars” casada com “Rock Show”, pegada que aparece em “Medicine Jar” só que aqui de modo mais pesado. Dentre outros destaques coloco “Magneto and Titanium Man”, música dinâmica, criativa e animada que me lembrou, por algum motivo, o que Queen faria posteriormente. Já “Letting Go” me chamou a atenção pela mescla de instrumentos que apontam um tanto para o soul, só que mais lento, algo que é presente nos Rolling Stones. Teclado, metais, guitarras na medida certa. Pra não me estender, poderia falar das baladas do álbum mas vou destacar a ótima “Call me Back Again” que me lembrou o Joe Cocker pela estrutura ascendente da música. Recomendadíssimo esse disco!

André: Confesso, nunca fui lá grande fã nem do McCarta solo e nem do Wings. Fui escutar esse disco sem nenhuma expectativa e me surpreendi positivamente com o que ouvi. Entre os besouros, o meu favorito ainda é o Harrison e sim, gosto mais do Ringo solo do que do Mac. Mas ele subiu alguns degraus no meu conceito apresentando uma sonoridade rica e classuda, diferente daquela coisa mais juvenil dos Beatles (que gosto tanto). Linda aparece legal aqui com seus backing vocals e colaborando nas composições e instrumentais. Me animei a ir atrás de outros discos do baixista canhoto, devo ter escutado os álbuns errados.

Davi: Paul McCartney é sobrenatural. Depois de ter feito parte dos Beatles (uma das maiores bandas da história do rock), ele criou mais um grupo de primeiríssima linha: os Wings. Venus and Mars é o quarto registro do grupo e mais um grande trabalho com a assinatura de Macca. O disco, que traz composições de Paul McCartney e sua esposa, a sua ‘gatchinha’ Linda (como ele gostava de dizer em suas passagens pelos Brasil), tinha a tarefa ingrata de suceder o brilhante Band On The Run. E não é que eles conseguiram entregar um trabalho à altura? O álbum é bem variado e demonstra muitas das facetas de Paul. O lado A, iniciando com “Venus and Mars/Rockshow” e encerrando com “Letting Go”, é simplesmente perfeito. Nenhuma música descartável. No lado B, temos como destaques; o blues “Call Me Back Again”, o single “Listen What The Man Said”, além de “Treat Her Gently – Lonely Old People”. Um dos grandes álbuns do sir Paul McCartney e o melhor dessa lista, sem sombra de dúvidas.

Marcello: Paul & Linda McCartney, mais Denny Laine, Jimmy McCulloch e Joe English (em algumas músicas, Geoff Britton): Wings em 1975, perto do auge da popularidade, e tentando ser uma banda de verdade, não um veículo para Paul. Quando recebi a lista, pensei comigo: por que esse disco e não Ram, creditado ao casal? De minha parte, nada contra: gosto muito de Ram, mas Venus & Mars sempre esteve perto do topo na minha lista do melhor que Macca fez em toda a sua vida. As músicas são creditadas a Paul e Linda (mas, honestamente, não sei o que Linda efetivamente contribuiu), à exceção de “Medicine Jar” (de McCulloch e Colin Allen; o guitarrista se encarregou do vocal principal) e “Crossroads Theme”, vinheta que encerra o disco, de autoria de um certo Tony Hatch. Os dois lados do álbum começam com a linda faixa-título, forte candidata ao posto de minha balada favorita de Paul. “Rock Show” é uma das músicas mais roqueiras de Paul, e daria nome ao filme que documentou a turnê mundial de 1976 do Wings. “Call Me Back Again” e “Letting Go” são mais bluesy, algo não muito comum na obra de Macca, “Listen to What the Man Said” e “Magneto and Titanium Man” são aqueles rocks descompromissados típicos dos anos 70 (a segunda, uma música ótima para uma letra ridícula), e ainda tem a curiosa “Spirits of Ancient Egypt” (com vocal de Denny Laine), a bela “Love in Song” e a linda “Treat Her Gently – Lonely Old People” – espere sentir o peso da idade para ver se você não se emociona com ela. Vou me estender nessa que é minha música favorita do disco; a balada mistura uma declaração de amor ao reconhecimento de que a velhice traz o fantasma da solidão. O truque genial foi seguir a música com o tema da mais popular soap opera da época na Inglaterra, “Crossroads”: Macca imaginou um casal de idosos assistindo à novela na TV. Ainda que inferior ao excelente Band on the Run, Venus & Mars prova que Macca poderia ter sido o melhor dos quatro na carreira solo – se tivesse tido saco para tentar provar isso. Confesso que quando soube da morte de Linda, achei que Paul não se recuperaria – mas ele continua ativo e excursionando.


ABBA – The Album [1977]

Mairon: Todo mundo sabe que o ABBA era constituído não por um, mas por dois casais. O que poucos sabem é que The Album é o último de Bjorn Ulvaeus e Agnetha Faltskog (o outro casal era Benny Anderson e Anni-Frid Lyngstad) juntos. As consequências para a separação de Bjorn e Agnetha, após quase 8 anos juntos (6 como casados), são diversas. A insegurança familiar de Agnetha, os excessos de viagens, e também, o fato de Bjorn e Benny buscarem sempre uma perfeição tanto para fãs quanto para a imprensa. Aqui, a dupla alfa tentou calar a boca de muitos críticos, que em pleno 1977, com o nascimento do punk, alegavam que os suecos não eram capazes de compôr “música séria”. Foi com essa expressão em mente que nasceu obras-primas como a progressiva “Eagle”, que ganhou anos depois, entre outras, uma pesada versão feita por Sargant Fury, além do grupo punk Leatherface recriá-la de forma muito interessante, o rockaço “Hole In Your Soul”, que me remete muito ao que Styx faria anos depois, e claro, a suíte “The Girl With The Golden Hair”. Dividida em três partes (originalmente, a suíte era composta por quatro partes, apresentadas somente ao vivo, e que podiam superar facilmente os 25 minutos), é “inspirada” nas carreiras de Agnetha e Frida (o que teria sido mais um motivo para a separação do casal), e teve sua primeira parte como um dos grandes sucessos do grupo, a delicada “Thank You For The Music”. Porém, são nas outras duas partes que vejo os méritos dessa suíte. Afinal, o que Frida faz com a voz em “I Wonder (Departure)” é embasbacante, mas nada, nada supera a violência progressiva musical que Benny e Bjorn construíram para “I’m a Marionette”. É indescritível, só colocar as caixas de som no talo e admirar o solo de guitarra, as orquestrações e a harmonia vocal perfeita das meninas aqui. Uma pena a banda não ter registrado em estúdio “Get On The Carousel” (a quarta parte citada), que concluía a história muito bem, o que não impede do encerramento com “I’m A Marionette” ter sido no mínimo brilhante. Aos que já estão torcendo o nariz, saibam que nada mais nada menos que o Ghost fez uma versão para essa faixa, e ao meu ver, bem menos assustadora do que a original. Seguindo, naquilo que o ABBA era exclusivo em fazer, que era pop de melhor qualidade, nasceu a atemporal “Take a Chance On Me”, com sua inesquecível harmonia vocal de introdução, e as passagens de sintetizadores permeando as vozes de Agnetha e Frida. Se “I’m A Marionette” foi coverizada pelo Ghost, saiba que “Move On”, linda faixa com inspirações andina, teve uma versão feita por Rob Rock (que também regravou “Eagle”) com Tobias Sammet nos vocais (!). Um dia irão dar valor as baladas do ABBA como fazem com Fleetwood Mac por exemplo, já que o arranjo de “One Man, One Woman”, que já traz em sua letra indicios de que a coisa não estava bem entre Agnetha (voz principal) e Bjorn, ou então a suave soul de “The Name of the Game”, com seu complexo e fantástico arranjo vocal inspirado nos Beach Boys, mas que aqui é feito com um trabalho hercúleo de encaixe de vozes impossível de se reproduzir, e que como o próprio Bjorn atestou, somente Agnetha e Frida seriam capazes de fazer. Não é o melhor disco da banda, o que atribuo ao seguinte, Voulez-Vous, papo para um Recomenda ou Ouve Isso Aqui Discos de Separação, mas The Album é um disco a ser descoberto!

Anderson: Os suecos do ABBA são uma grande unanimidade dentre a geração Boomer e entre muitos dos Mileniuns, fato. Particularmente meu conhecimento não passa dos clássicos ouvidos pelos meus pais. Ao ouvir (pela primeira vez diga-se de passagem) um material completo da banda ficou um sentimento ambíguo de que realmente não é a sonoridade que me cativa, mas que foi uma audição agradável. Apesar de algumas coisas conhecidas como a, insuportavelmente animada, “Take a Chance on Me”, a sem sal “Eagle” ou a sonolenta “Thank You fot the Music” me chamou muito mais atenção as românticas “One Man, One Woman” e “I Wonder” (que com um solo no estilo Primal Fear em Tears of the Rage ficaria interessante). Porém, as que mais gostei foi a surpreendente “Move On” com uma sonoridade e ambientação muito gostosa em que percussão e instrumentos de sopro (ao que parece gravados com sintetizadores e teclados) proporcionam uma experiência diferente no álbum, e ainda a melhor do álbum: “I’m a Marionete” que traz um som orquestrado muito poderoso. No geral, particularmente, é um ótimo material de pop em sua concepção, mas me soa bem datado, não me empolga apesar de saber de sua importância para a música.

André: Sei que o Mairon ama essa banda, acho eles legaizinhos também, mas nunca me fizeram querer botar roupas coloridas e mostrar meus passos de dança por aí. É um disquinho divertido, com as vocalistas suecas cantando muito bonitinho, mas sem aquela coisa que me empolga. Mas isso sou eu em uma época não muito bem humorada de minha parte. Acho que eu mudaria de opinião se eu ouvir este disco uns anos depois.

Davi: Embora seja um dos grandes nomes da música pop, e eu seja um admirador de música pop, ainda não me aprofundei na discografia do Abba como deveria. Tenho alguns discos deles em minha coleção, mas não tenho tudo ainda. Esse é um dos que me faltam, sendo assim, ouvi ele pelo Spotify e a primeira impressão foi de um bom disco, mas não espetacular. O disco começa maravilhosamente bem como a belíssima “Eagle”, emendando no divertido hit “Take a Chance on Me” e nas bonitas “One Man, One Woman” e “The Name of the Game” (mais um grande hit do grupo sueco), mas o nível cai em “Move On” e a partir daí, a única que me chamou realmente a atenção foi “I´m a Marionette”, responsável por fechar o LP. É indiscutível a qualidade dos músicos e a influência deles na música pop, mas eu provavelmente teria indicado álbuns como Arrival ou Abba. De todo modo, foi bacana vê-los por aqui.

Marcello: Como alguém que cresceu ouvindo Rolling Stones, Led Zeppelin, Deep Purple, Black Sabbath, Uriah Heep, Pink Floyd e Emerson, Lake & Palmer, eu fui musicalmente educado para desprezar o quarteto sueco. Ao longo dos anos, passei a respeitar os dois casais (Anni-Frid, Benny, Agnetha e Bjorn), mas continuou não gostando; admito que são bons cantores, que a banda de apoio era ótima, que Benny e Bjorn são mestres em compor músicas que grudam no ouvido da gente, mas não adianta, não são para mim. Anos atrás, ouvi o catálogo completo do grupo, e o deixei de lado; ao reouvir esse The Album, fiquei surpreso com a pomposa “Eagle”, mas músicas como “Take a Chance on Me” e “One Man, One Woman” passam muito longe do meu gosto e me lembraram das razões para não gostar do ABBA. “The Name of the Game” me soou meio reggae, um ritmo que pouquíssima gente associaria à Suécia; atestando a versatilidade do grupo. “Move On” impressiona pelos vocais, em especial pela voz solo da bela Agnetha, mas é apenas um aperitivo para “Hole in Your Soul”, melhor música do disco, na minha opinião – apesar de, curiosamente, deixar a desejar no quesito vocais, o ponto forte do quarteto. O álbum se encerra com as três partes de “The Girl with the Golden Hair”, “Thank You for the Music”, “I Wonder (Departure)” e “I’m a Marionette”, que, com mais de doze minutos, mostra que o ABBA buscava fugir um pouco da sua fórmula consagrada. The Album acompanhou The Movie, filme sobre a banda lançado mais ou menos na mesma época, liderou a parada inglesa e chegou ao 14º lugar na Billboard – prova do massivo sucesso do grupo, até hoje uma das bandas que mais vendeu discos na história. O ABBA tem seu lugar na história do rock, mas nunca me atraiu e provavelmente nunca me atrairá.


Elis Regina – Transversal do Tempo [1978]

Mairon: Esse aqui vai trazer discussão, certeza que geral vai torcer o nariz, mas foda-se. O papel de Cesar Camargo Mariano neste disco é fantástico. Ele comanda os arranjos para a esposa Elis desfilar a sua técnica, que aqui estava perfeitamente mais que perfeita. Logo de cara, ele já manda ver no seu mais novo brinquedinho, um moog, introduzindo “Fascinação”, na qual Elis arrebenta acompanhada pelo piano sempre emotivo. Mas vem mais: o piano dá o tom dramático de “Sinal Fechado”, uma das obras mais complexas de Chico Buarque, que Elis canta numa naturalidade invejável. E então entra a bandaça formada por Nathan Marques (guitarras), Crispin Del Cistia (guitarra, teclados), Dudu Portes (bateria) e Fernando Sizão (baixo), para interpretar versões apocalípticas de “Deus Lhe Pague”, intrincadíssima e progressiva para abrir um sorriso na cara amarrada de Robert Fripp, Os arranjos de Cesar desconstróem clássicos da MPB do porte de “Boto” (Tom Jobim), com acordes tensos no piano elétrico, “O Rancho Da Goiabada” (João Bosco e Aldir Blanc), mandando ver no piano elétrico e acrescida com uma monumental “Construção” (Elis se rasgando em tristeza aqui, e que arranjo sombrio), tendo apenas a vinheta da polêmica inserção de “Gente” (Caetano veloso), e até a “Saudosa Maloca” de Adoniran Barbosa, aterrorizante o que Cesar e Elis fazem nessa. O auge da dramaticidade, soturna e desconstrução musical vai para “Meio Termo / Corpos”, com um show a parte do violão e da guitarra de Nathan, e canções de letras pesadas que Elis e Cesar jogam na cara dos fãs com um descomunal desprezo aos arranjos originais. Fecham o play versões depressivas (e belas) de “Cão Sem Dono” e “Querelas do Brasil”, mas com um forte tom de que “a vida continua” através da empolgante “Cartomante” de Ivan Lins. O casal permaneceu juntos, entre brigas, idas, vindas e o temperamento sempre “apimentado” de Elis Regina, por mais 2 anos, criando no mínimo mais duas grandes obras (Elis … Essa Mulher, e Saudades do Brasil). O show Transversal do Tempo percorreu e foi aclamado pelo mundo, e também recebeu fortes críticas justamente por seu teor complexo e pesado. Já o álbum Transversal do Tempo peca por ter as músicas “cortadas” do nada muitas vezes, mas ainda hoje, 20 anos depois de ouvir ele pela primeira vez, ainda me choca. Quem sabe um dia lancem a obra em sua totalidade.

Anderson: Realmente uma lista complexa e diferente esta proposta pelo nosso querido Mairon! Elis Regina é uma referência em muitos sentidos e, mesmo sem conhecer sua obra a fundo, imagino que esse ao vivo é uma prova de seu gigantismo como artista. Pois bem, é impressionante o que essa mulher canta! Não gosto de material ao vivo, não ouço quase nada dessa categoria, mas fiquei realmente abismado com esse disco. Logo de cara “Fascinação” já eleva o nível a um patamar altíssimo. Feita a aposta, na sequência “Sinal Fechado” continua intensamente!! Extremamente emocionante a canção de Paulinho da Viola, mas que com a voz de Elis se torna algo surreal. Todavia não para por aí, a terceira é “simplesmente” “Deus lhe Pague” do Chico Buarque que traz um arranjo agressivo e icônico, e, novamente, Elis deita e rola! Ela destrói tudo por meio de uma interpretação que faz jus a cada palavra da música. Esse começo arrebatador da espaço para experiências em um degrau mais abaixo, porém ainda assim muito bom! Após um “intervalo” com o pot-pourri de O “Rancho de Goiabada” e uma breve interpretação de “Construção”, entra uma bossa nova de “Saudosa Maloca”. Creio que a ideia não é uma resenha, mas é difícil de não comentar todas as músicas. Vou parar por aqui destacando, ainda, as versões lindas de “Boto”, e o ótimo pot-pourri de “Meio Termo/Corpos”, lembrando que todas as músicas ficaram fenomenais.

André: Cara, acho que esse é o disco mais “pesado” da Elis que eu já ouvi na vida. Tem guitarras aqui. Guitarras de verdade, com overdrive e tudo mais. O baterista Dudu Portes batendo forte, com viradas e tudo mais. Uma interpretação intensa, forte, não sei o que o César Camargo Mariano fez com ela, mas eu gostei. Discaço hein Mairon, acertou em cheio aqui.

Davi: Elis é considerada, por muitos, a maior cantora da música brasileira e ouvindo esse álbum dá para entender o porquê. Nessa apresentação gravada no Teatro Ginástico (Rio de Janeiro), a pimentinha transborda emoção em cada uma das interpretações, além de ter uma invejável técnica vocal. Embora eu goste muito de seu trabalho inicial, é indiscutível que sua obra toma outro nível quando seu marido César Camargo Mariano assume as rédeas. Todo esse cuidado com o arranjo também é perceptível no show. O concerto não está completo. Inicialmente seria lançado um volume 2 com as outras faixas, mas o projeto acabou sendo abortado. Sabendo da importância da Elis e do barulho que causou na época, se eu trabalhasse na gravadora, nem teria corrido esse risco, teria lançado um álbum duplo de uma vez. Voltando ao álbum em questão, colocaria como destaque os clássicos absolutos “Fascinação” e “Querelas do Brasil”, além de “Sinal Fechado” e “Cartomante”. Se você tem interesse na música brasileira, além do rock/metal, diria que essa é uma audição obrigatória.

Marcello: Gravado ao vivo em apresentação da turnê do mesmo nome, realizada em 1977, Transversal do Tempo traz a melhor cantora da história recente da MPB – ao menos na minha opinião – ao lado do marido tecladista, produtor, arranjador, diretor musical, o que mais você quiser, César Camargo Mariano. Se o ABBA eu desprezava, Elis – e toda a MPB – eu não me interessava. E não me interesso, admito. Por isso não posso comparar esse disco com a produção da cantora, ou as versões de músicas conhecidas com outras. Abrindo com a linda “Fascinação”, com Elis soltando toda a extensão de sua voz privilegiada, o disco traz outro clássico da música brasileira (“Saudosa Maloca”), bem como “Sinal Fechado”, que mostra que só um talento como o de Elis consegue fazer você ouvir uma música do Paulinho da Viola sem sentir saudades do autor. “Querelas do Brasil” é outro destaque absoluto, com um acompanhamento fantástico dos músicos de apoio em um arranjo quase jazzístico. César Camargo Mariano é um tecladista de mão cheia e a banda é excelente, e o desempenho de Elis é impecável (só não curto muito a voz dela na versão de “Deus Lhe Pague”). O álbum se encerra com “Cartomante”, uma aula de domínio de voz no autor Ivan Lins (não entendam errado, o cara canta bem, mas Elis é covardia). Diferentemente do ABBA, este aqui eu vou ouvir mais vezes no futuro.

terça-feira, 13 de outubro de 2020

Consultoria Recomenda: Pioneiros do Rock



 Por André Kaminski

Tema escolhido por Ronaldo Rodrigues

Com Daniel Benedetti, Davi Pascale, Fernando Bueno e Mairon Machado

André: Seguimos com mais uma edição do Consultoria Recomenda sempre alternada com uma do Ouve Isso Aqui. O tema é excelente e então bora ouvir o que os consultores recomendaram para nós!

Ronaldo: Creio particularmente que há uma lacuna em nosso site ao não tratar tão maciçamente dos primeiros dias do nosso venerado rock n’ roll. Vejo que muitas pessoas tem dificuldade de entender a evolução do estilo ao fazer comparações diretas entre o rock do fim dos anos 50 com algo do hard rock dos anos 80 ou o grunge dos 90. As conexões foram ficando mais sutis na medida em que as décadas se passaram, mas isso longe de mostrar que o estilo seria mais “atitude” do que música, mostra a riqueza das possibilidades musicais que existem dentro do rock. Essa lista de indicações busca trazer luz para os pioneiros, os que lançaram as fundações dessa grande construção chamada rock.


Jerry Lee Lewis - Jerry Lee's Greatest [1961]

Por Ronaldo Rodrigues

Jerry Lee Lewis é um dos grandes nomes do piano no rock. Além de sua capacidade de também ser agressivo e intenso, Lewis trazia consigo uma malandragem dos pianistas de bar. Seu som traz alguns temperos rítmicos que o diferenciavam de outros pares e sempre havia algum momento da música em que seu piano vinham para o primeiro plano, não apenas seu vocal e as letras das músicas. O caldeirão de Lewis trazia referências de muitas variantes de blues, de country e até de swing-jazz, flavorizadas com sua atitude rebelde e seu talento ao piano. Outro clássico do rock n’ roll está aqui registrado – "Great Balls of Fire" – que além do piano eletrizante, tem uma batida irresistível.

André: Grande época! Jerry tem uma voz incrível para o estilo e suas canções são sempre dançantes e cativantes. O piano e o baixo são sempre fantásticos. "What'd I Say" é a minha favorita com Lewis debulhando o piano. O que mais me surpreende é que, concordando plenamente com a escolha do Ronaldo quanto ao tema e nossa falta quanto a isso, quando fui criar esta matéria foi perceber que ainda não havia uma tag salva por nós do Jerry Lee Lewis. Lamentável, precisamos todos nós aqui urgentemente ouvi-lo mais.

Daniel: Greatest! é o segundo álbum de Jerry Lee Lewis pelo selo Sun Records. O disco é um exemplo fiel do talento de Jerry Lee, um dos pioneiros do Rockabilly, em faixas vibrantes, com musicalidade frenética e interpretações apaixonantes. Um ótimo exemplo disto é a elétrica “Hillbilly Fever”. Outra boa indicação!

Davi: Sempre adorei o trabalho de Jerry Lee Lewis. Excelente cantor, pianista brilhante, aquele tipo de artista que te cria um fascínio. O rapaz teve um início de carreira avassalador e foi meio que ofuscado após ter vindo a publico a notícia de que ele havia se casado com sua prima Myra. Uma garota de, até então, 13 anos. Musicalmente falando, o cara era um gênio. Adoro aquelas levadas velozes que ele faz no piano, em músicas como "As Long As I Live" e "Hillbilly Fever", para ficar dentro dos exemplos desse disco. Jerry Lee´s Greatest é seu segundo álbum pela Sun e, apresenta todas as facetas que marcaram a sonoridade clássica de 'the killer'; a influencia do blues ("Hello, Hello, Baby"), do country ("Cold, Cold, Heart"), os solos velozes, a levada rockabilly. A música mais conhecida daqui, obviamente, é o hino "Great Balls of Fire". Ótimo álbum, conforme já esperado.

Fernando: O disco começa com “Money” e te ganha por transmitir a vontade de todos, afinal “I need money, that´s what I want”. Porém no restante do álbum o que eu ouvi foram só rock and roll padrão sem nada que chamasse muito atenção até chegar “Great Ball of Fire”, outro clássico imortal do período.

Mairon: Esse é fera; Jerry Lee Lewis era a frente de seu tempo. Seu gênio impetuoso abalou as estruturas da sociedade careta norte-americana do início dos anos 60. Ele era rock 'n' roll na veia. Adoro o estilo de cantar de Lewis ("As Long As I Live", "Breakup" e "Let's Talk About Us") e de tocar piano também ("Frankie And Johnny", "Hello Josephine"  e "Money"). Não é nenhum virtuose, mas faz o chão pegar fogo. O disco vive do grande sucesso "Great Balls a Fire", que acaba eclipsando uma baita coletânea de ótimas músicas para se divertir. Por exemplo, o solo de guitarra em "Country Music Is Here To Stay (Hillbilly Fever)" ou o fraseado de "Home" são avançadíssimos para 1961. Que swingue ouvimos em "What I'd Say", sonzeira. O solo de piano em "Hello, Hello Baby" é muito legal também. A inspiração country de "Cold Cold Heart", faixa de Hank Williams, seria um precursor do country rock? Muita malícia e muita diversão de um gigante. Baita recomendação.


The Outlaws - Dream of the West [1961]

Por André Kaminski

Sempre que há a oportunidade, gosto de indicar uns discos mais diferentes e desconhecidos nessas nossas sessões de recomendações. Um belíssimo disco instrumental com aquele rock típico de filmes de "bang bang" que parece ter vindo direto da produção de algum filme do John Wayne ou do Clint Eastwood. Dedilhados de guitarra, castanholas, sons de tiroteios... várias referências ao Velho Oeste por aqui. É vestir as botas, carregar o revólver, subir no cavalo e se dirigir ao saloon para tomar aquele whisky quente.

Daniel: Este eu nunca havia ouvido. Álbum totalmente instrumental em que, em diversas passagens, pareceu-me uma trilha sonora de algum filme de faroeste. A musicalidade é agradável e antecipa sonoridades que me remeteram ao Beach Boys. Minhas favoritas foram “Husky Team” e “Ambush”. Gostei da audição, foi bem agradável, mas não sei se retornarei.

Davi: Único álbum dessa lista que eu não conhecia. A banda aposta em uma sonoridade instrumental, mas diferente da pegada do The Shadows e do The Ventures. A sonoridade deles tem bastante daquela influência western, me lembrou um pouco aquele som "Ghost Riders In The Sky" nos arranjos. Trabalho interessante, mas minhas preferidas são mesmos as mais baladinhas tipo "Smoke Signals" ou "Spring Is Near". Não é meu som, mas até que foi divertido ouvir.

Fernando: Certamente fui influenciado pela capa, mas tive a impressão de que o som do The Outlaws é uma trilha sonora de algum filme de western, mesmo sendo uma banda britânica. Talvez seja o disco mais diferente dessa lista, totalmente instrumental e o que mais curti de ouvir. A curiosidade é que em 1962 o conjunto teve em suas fileiras um jovem guitarrista que respondia pelo nome de Ritchie Blackmore.

Mairon: The Outlaws é um precursor do country rock, por assim dizer. O estilo suave de suas faixas instrumentais, lideradas pela guitarra melodiosa de Billy Kuy, são para relaxar ao lado de um bom uísque e um pedaço de carne assado na esperteza. A faixa-título é o maior símbolo disso, assim como "Homeward Bound" e "Rodeo" . O embalo da guitarra e o ritmo do conjunto por vezes parece uma polca, mas com todo o swingue do rock 'n' roll. Mas os caras também surfam pela surf music ("Barbecue" e "The Outlaws"), baladinhas ("Spring Is Near" e "Western Sunset") e pelas trilhas de faroeste, ou Bang Bang, "Ambush", "Husky Team", "Indian Brave", "Smoke Signals" e "Tune For Short Cowboys", sempre com uma pegada country e/ou com temáticas indígenas. É um disquinho curto, para curtir de boas, mas nada de sensacional como os colegas de mesmo ano aqui recomendados.

Ronaldo: Grupo inglês instrumental que adotava a fleuma dos filmes western, tão em voga na época. O som tem marcante participação do violão fazendo as bases para a guitarra solo e também a presença de instrumentos de percussão diversificados (boa parte das músicas desse álbum não é tocada com um kit de bateria convencional). As influências do country norte-americano são mais visíveis aqui, bem como da música italiana e espanhola tradicional, além é claro da raiz fincada no blues rural. Há muitas melodias marcantes no disco todo, cortesia do guitarrista Billy Kuy, cuja cadeira depois viria a ser ocupada por Ritchie Blackmore. Outro músico que tem relação com a grande árvore genealógica do Deep Purple fez parte de uma das muitas formações do Outlaws – o baterista Mick Underwood, que tocou no Episode Six e com Ian Gillan em sua carreira solo.


The Crickets - The "Chirping" Crickets [1957]

Por Daniel Benedetti

O álbum de estreia do The Crickets e o único com Buddy Holly como vocalista e guitarrista, The "Chirping" Crickets é um álbum que ouço constantemente e o tenho em alta conta. Contém o single número um do grupo, a ótima "That'll Be the Day", seu hit "Oh, Boy!" e outros clássicos como "Not Fade Away", "Maybe Baby" e "I'm Looking for Someone to Love". Enfim, todas estão entre as melhores canções de Rock & Roll dos anos 1950, tornando este um dos álbuns de estreia mais significativos na história do Rock.

André: Não faz 1 mês que me dediquei a ouvir vários discos de vários cantores ou bandas do chamado doo-wop. E felizmente, tenho mais uma banda aqui indicada para ir atrás de ouvir mais. Eu adoro a forma como as vozes são usadas ao melhor estilo doo-wop. Agora acho que peguei a referência de Robert Plant ao incluir aquelas "pausadinhas vocais" em músicas como "Black Dog". Deve ter sido dos Crickets, do Holly ou de alguma banda similar. Buddy Holly é o principal destaque mas toda a banda aqui tem um desempenho fantástico, com um som divertido e empolgante.

Davi: Realmente, adoro esse período inicial do rock 'n' roll. Gene Vincent, Eddie Cochran, Carl Perkins, Ritchie Valens, e é claro, Buddy Holly. Esse disco é o primeiro álbum da curtíssima carreira do músico. Visualmente falando, Buddy Holly era a antítese do rock 'n' roll. Um sujeito tímido, com um óculos que lhe dava um visual meio nerd, mas sonoramente, esse cara foi uma das peças fundamentais do estilo. Esse LP é meio que discoteca básica e traz clássicos absolutos como "Oh Boy", "That I´ll Be The Day", "Not Fade Away" (mais tarde regravada pelo Rolling Stones), além de outras músicas deliciosíssimas como "You´ve Got Love" e "Send Me Some Lovin´". Ótima escolha.

Fernando: Toda vez que e alguém fala que gosta de rock eu penso nela ouvindo esses grupos do final dos anos 50. Claro que nem sempre é isso que a pessoa está querendo dizer, mas o rock and roll padrão é o que ouvimos aqui. Músicas curtas, bastante curtas – o disco todo tem pouco mais de 25 minutos. O que mais chama atenção aqui é a presença e Buddy Holly que depois foi fazer uma bem sucedida carreira solo. No mais, nada a acrescentar ao repertório musical que ouço normalmente.

Mairon: A banda de Buddy Holly fazendo história na música. Mais um grande nome do rock raiz, aquele de festas, brilhantina, três acordes e vocais de apoio cheios de harmonia e melodia. Vou ser honesto, acho os arranjos fraquinhos. "Not Fade Away", por exemplo, ganha muito mais força com os Stones. Falta uma potência nos vocais como a de Little Richard, vide "An Empty Cup (And A Broken Date)", "Last Night" e "Tell Me How". A guitarra soa sem tesão por diversas vezes ("Maybe Baby", "Oh, Boy!"). Mas tem momentos divertidos, como o rockabilly de "You've Got Love", a baladinha "Send Me Some Lovin'", que com Elvis seria muito mais sacana, o clima gospel de "That'll Be The Day", a própria guitarra em "I'm Lookin' For Someone To Love", e as clássicas  "Rock Me My Baby" e "It's Too Late". É um disco um tanto quanto infantil, mas importante para toda a história que viria depois.

Ronaldo: Aqui é possível ver claramente que o rock surgiu como música para dançar. Na época desse lançamento a guitarra também não era ainda o instrumento preponderante no rock, já que seu protagonismo era dividido com o piano e o saxofone. Mas Buddy Holly era guitarrista e, nesse caso, sim a guitarra é quem dá as cartas. Há momentos em que se percebe o fraseado blues acelerado e incrementado; em outros, novas construções harmônicas começam a aparecer, as mesmas que seriam trabalhadas à exaustão pelos Beatles. Outro ponto interessante é a presença dos vocais de apoio quase que como um instrumento na formação da banda, fazendo os vocais conhecidos como doo-wop. No geral, é uma delícia ouvir o misto de rebeldia-ingenuidade sacolejante do rock dessa época, da qual Buddy é um dos seus principais ícones.


Little Richard - Here's Little Richard [1957]

Por Davi Pascale

Esse foi um dos primeiros nomes que me veio à mente quando o tema foi lançado. Little Richard é uma figura fundamental desse período. Influência direta na carreira de gigantes como Paul McCartney, Robert Plant e até mesmo dentro do heavy metal, pasmem. Lembro quando entrevistei a Doro Pesch e perguntei sobre os primeiros artistas que ouviu, suas primeiras influências e de cara, ela citou: Little Richard. Veja até onde vai a influência do cara. O disco que abre com a voz poderosa de Little Richard gritando "Uah-Bap-Lu-Lah-Bein-Bum" é uma verdadeira aula de rock n roll. Som simples, honesto, contagiante. Excelente trabalho vocal, instrumental afiado. Embora seja seu primeiro LP, o repertório é quase uma coletânea. Das 12 músicas gravadas aqui, 9 são consideradas clássicos do rock. Entre elas: "Tutti-Frutti", "Slippin and Sliddin", "Long Tall Sally", "Rip It Up", "Ready Teddy" e "She´s Got It". Disco obrigatório na coleção de qualquer colecionador que se preze.

André: Vixe, não creio que exista um disco mais com cara de rock 'n' roll do que esse. A palavra clássico é pouco para o que ele representa. Sempre simpático e carismático, o Ricardinho nos entrega interpretações de cair o queixo por aqui. Não há muito o que falar aqui a não ser dizer que é o disco supremo do rock 'n' roll.

Daniel: Este disco é simplesmente sensacional. A forma como Richard canta e interpreta as canções é a combinação perfeita para uma sonoridade insana para seus dias, em um dos grandes discos de todos os tempos.  Somente as presenças de clássicos como “Tutti Frutti” e "Long Tall Sally” já seriam avalistas do material, mas outras canções incríveis como “Ready Teddy”, “Jenny, Jenny” e “Baby” só reforçam seu conteúdo. Em suma: ouça-o!

Fernando: A capa icônica já chama atenção logo de cara e “Tutti Frutti”, talvez o maior clássico desse rock feito por esses pioneiros, arrebenta e coloca as expectativas lá em cima. Outro desses clássicos imortais também está presente, “Long Tall Sally”. Gostei também do blues “Can´t Believe You Wanna Leave”.

Mairon: "Uah-Bap-Luh-Bah-Lah-Bein-Bum"!". E assim nascia o rock 'n' roll de vez, conquistando os jovens americanos, e por que não ingleses, através da potente voz de Little Richard em "Tutti Frutti". Here's Little Richard foi o primeiro disco que me veio à mente para indicar, mas tinha certeza que alguém indicaria, e não errei. Little Richard dá uma aula de energia, mexendo com a velocidade do blues e empregando seu vozeirão soul para criar faixas dançantes e perfeitas para os bailinhos de domingo (os famosos merengues), tais como "Ready Teddy", "Rip It Up", "She's Got It", "Slippin' And Slidin'" e "True, Fine Mama", trazendo hinos do tamanho da já citada "Tutti Frutti", e "Long Tall Sally", ou baladaças como "Can't Believe You Wanna Leave". No meio de campo, as linhas bluesy de "Baby", "Jenny Jenny", "Miss Ann" e "Oh Why?". Little Richard merece muito mais reconhecimento do que já tem. Saxofone, piano, vocalizações bem encaixadas, tudo o que a british invasion pegou para si anos depois, mas colocando a guitarra na posição de destaque. Discaço!

Ronaldo: Little Richard é um dos artistas mais incendiários do período e sua importância para o desenvolvimento do rock é inquestionável. A garra com que ele se entregava aos vocais e ao piano fazia com que os músicos que o acompanhassem também oferecessem o máximo para o som ser intenso, agitado, contagiante. A faixa que abre o trabalho, Tutti-Frutti, é um dos maiores clássicos do rock de todos os tempos (e não tem guitarra!). O vocal de Richard faz jus a tradição dos gospel-singers, que botavam os bofes para fora para cantar nas igrejas americanas, ou dos blueseiros que queriam ser ouvidos pela plateia dos bares ou que cantavam nas ruas barulhentas das grandes cidades. O disco tem velocidade e intensidade; o peso no rock viria nos anos seguintes com avanços técnicos em amplificação e na eletrificação dos instrumentos (esse disco, por exemplo, foi gravado inteiramente com instrumentos acústicos). Mas toda a base para o rock ser pesado já estava fundamentada desde aqui.


The Shadows - The Shadows [1961]

Por Fernando Bueno

Quando procurei uma banda para indicar aqui para a nossa sessão pensei em trazer uma banda inglesa, pois imaginava que todos os outros consultores acabariam trazendo somente artistas americanos para as nossas audições. No fim das contas Apareceu também o The Outlaws que tinha uma proposta muito parecida com o The Shadows. Também são um grupo instrumental (nos anos seguintes viriam a ser a banda de Cliff Richard) mas o enfoque não tem tanto aquele clima de filmes de “bang bang”.

André: Tudo bem que o instrumental é bom pacas, mas não entendo o motivo dos caras terem poucas canções com vocais. Os três caras que cantam tem bons vocais. Independente disso, se notam influências claras de country norte-americano, blues e aquele tipo de temas mais acústicos (mas feitos na guitarra) de música latina/espanhola/mexicana. E os caras são britânicos. O instrumental não me cansou de nenhuma maneira e os lindos dedilhados de guitarra como em "Blue Star" já garantiram a minha simpatia pelo disco todo.

Daniel: Álbum predominantemente instrumental, com o destaque para o guitarrista Hank Marvin, o qual ilustra possibilidades até então pouco exploradas da guitarra e que influenciariam nomes como Jimmy Page e Eric Clapton, por exemplo. Um álbum muito bom, extremamente interessante, e no qual aponto “Nivram”, “Stand Up and Say That” e “Gonzales” como as favoritas.

Davi: O The Shadows teve dois auges. Um como a banda de apoio do cantor Cliff Richard e outro como grupo de rock instrumental. Esse é o primeiro LP deles longe do cantor. A figura principal aqui era o guitarrista Hank Marvin, que tinha um estilo bem próprio e acabou influenciando uma tonelada de músicos. A influencia chegou até mesmo no Brasil. Grupos como The Jordans, por exemplo, bebiam bastante na fonte deles. Nesse primeiro LP, destacam-se os clássicos "Blue Star" e "Sleepwalk" (que muitos devem conhecer pela trilha do filme La Bamba). Também gosto muito de "Stand Up and Say That" e a faixa de abertura "Shadoogie".

Mairon: O The Shadows talvez tenha sido a primeira grande banda de rock da história. Os caras, liderados pela guitarra de Hank Marvin, alcançaram número 1 no Reino Unido em uma época onde só o Pop barato conseguia tal status. E isso com um som quase todo instrumental, uma guitarra sem distorção, mas com embalo para agitar a gurizada da Terra da Rainha. As únicas com vocais são "All My Sorrows", com seu fantástico arranjo vocal,  "Baby Me Heart", típico embalinho pop rock dos anos 60, com um ótimo solo por Marvin, e a delicada "That's My Desire", onde os vocais arrasam calcinhas. Nas instrumentais, a guitarra parece cantar aos ouvidos, um espetáculo! Ouça "All My Sorrows", "Big Boy", "Find Me A Golden Street", "Gonzales" ou "Shadoogie" e entenda o que quero dizer. Os caras não foram revolucionários só na guitarra. "See You In My Drums" talvez seja o primeiro solo de bateria registrado na história do rock, e um solo bem legal por sinal. E recriam Little Richard ao piano de "Stand Up and Say That". Ainda temos baladinhas lindas, como "All My Sorrows", "Blue Star" (que melodia encantadora), "My Resistance Is Low" e "Sleepwalk", a sapequice de ""Nivram" e "Theme From A Filleted Place", com seus solos de guitarras oitavadas igualmente revolucionários, enfim. Um disco revolucionário, simples e direto!

Ronaldo: Os Shadows eram um grupo inglês majoritariamente instrumental, que assim como muitos outros pares na época e posteriormente, tentava emular o som dos grupos norte-americanos e eventualmente até os superava (!). São contados entre os pioneiros do chamado surf-rock, uma variante do rock com um vínculo não tão explícito ao blues, que buscava traduzir toda a energia daquela nova prática esportiva. Mas ressalte-se que não existia (e nem existe até hoje) uma cultura de surf na gelada e nublada ilha britânica. Nem tudo dos Shadows faz menção ao surf e é possível conectar a música deles com outros estilos da época, entre o rock mais adocicado de Buddy Holly, reminiscências do country e do blues com piano e até mesmo influências de música espanhola. Tudo isso lido como boa qualidade instrumental. Outros dois detalhes interessantes de se notar - a nitidez do baixo elétrico na gravação, algo raro em gravações da mesma época devido a limitação dos amplificadores e gravadores da época, e também o solo de bateria em “See You in my Drums”, algo incomum para o rock no período.


Ike & Tina Turner - River Deep Mountain High [1966]

Por Mairon Machado

O mundo não estava preparado para Ike Turner. Quando ele surgiu em 1951 com "Rocket 88", e seus Kings of Rhythm, a revolução sonora que ele propôs através da sua guitarra era inexplicável. Tanto que muitos historiadores cravam a faixa como sendo a primeira gravação de rock da história. Ao se unir com Tina Turner, a partir de 1957, Ike trouxe ao mundo as performances de palco mais sexy e encantadoras que o mundo jamais havia visto. A potência vocal de Tina com o talento de compositor e manda-chuva de Ike mudaram a arte da música como ninguém havia feito antes. Em 1966, o casal já era O casal da música mundial, e se deram ao luxo de unir forças com o produtor Phil Spector e sua Wall of Sound precursora de muitas produções desde o final dos anos 50. Daí a coisa foi longe demais. Tu colocas o disco pra rodar e vem a destruidora "River Deep-Mountain High", que arranjo. Falando em arranjo, Spector se destaca criando pérolas românticas orquestrais do porte de "A Love Like Yours (Don't Come Knocking Every Day)", "Every Day I Have To Cry", "Save The Last Dance For Me" ou estourando alto falantes com "Hold On Baby", "It's Gonna Work Out Fine", "Oh Baby! (Things Ain't What They Used To Be)" e "You're So Fine", uma monstruosidade impactante para a época. As canções de Ike são as que mais me amarro. "I Idolize You" é tão sensual que até uma lombriga embriagada se apaixona. "A Fool In Love" é um blues safado onde os backing vocals das Ikettes são magníficos, e Tina arrasa! Os vocais de Ike e Tina se combinam em "Make 'Em Wait", rockzinho perfeito para dançar com brilhantina na cabeça e as meninas de saias rodadas. "Such A Fool For You" é uma faixa típica da mente de Ike, embalada, com ótimos vocais de apoio e um naipe de metais que gruda na nossa mente. Um disco para consolidar a carreira dos gigantes americanos Ike e Tina diante de toda a British Invasion.

André: Eu nunca ouvi muito as músicas da Tina Turner, mas reconheço que a voz dela deve estar entre as 5 melhores da história da música. Essa mulher canta demais. Entretanto, eu gostei desse disco. Tem rocks bem legais tais como "Am I a Fool in Love" e "Hold on Baby". Vejo que eu deveria dar atenção maior à Tina e procurar melhor seus trabalhos visto que o pouco que conheço dela é daquela fase mais pop/soul oitentista do que essa mais rock 'n' roll. Ike também foi um grande músico e compositor, mas é só isso também visto que Tina sofreu um tanto nas mãos dele.

Davi: Adoro esse álbum, amo a Tina Turner, e talvez esteja até errado, mas vejo esse LP mais como um precursor da soul music do que do rock. O LP, contudo, é brilhante. A produção de Phil Spector é certeira. Tina Turner já tinha uma voz fora do comum. Transpirava emoção, além de um alcance invejável. O repertório é espetacular. Além da faixa-título, que todos já devem conhecer, gosto muito de faixas como "Idolize You", "Make ´Em Wait" e "Such a Fool For You". De todo modo, é um disco clássico e foi bacana reescutá-lo.

Daniel: Os talentos de Tina Turner como intérprete dispensam maiores comentários. River Deep Mountain High é um disco muito bom de R&B, contando com uma coleção de faixas hipnotizantes como a sensacional “I Idolize You” ou a excelente “A Fool in Love”. Não sei se é um “Pioneiro do Rock”, mas é um baita trabalho!

Fernando: O único álbum da lista que eu já tinha ouvido (nem mesmo o que eu escolhi eu conhecia). É o álbum caçula dessa lista e para mim é o melhor disparado. Talvez o motivo dessa minha preferência é que aqui os parâmetros do rock que eu gosto já estavam muito mais estabelecidos. Já se tinham Beatles, Rolling Stones, The Who, Yardbirds, Beach Boys e mais um monte de outras bandas moldando o estilo e guiando para um universo muito mais amplo do que os pioneiros que foram apresentados aqui faziam. Uma pena que toda vez que vejo essa capa fico triste por tudo o que veio a acontecer entre os dois.

Ronaldo: Apesar desse disco ter sido lançado quando Beatles e Rolling Stones já davam as cartas no mundo do rock e até mesmo das primeiras experiências psicodélicas dentro do rock, o casal Turner já estava na ativa desde o fim dos anos 50 e traz de lá toda sua bagagem de pioneirismo. Aqui temos mais clara a importância de outras variantes da música negra (não apenas o blues) para o rock, especialmente a tradição trazida de dentro das igrejas protestantes norte-americanas e das músicas de trabalho dos agricultores. Tudo isso foi vitaminado pela guitarra esperta de Ike Turner e os vocais fantásticos de Tina, a então sofrida esposa de um canalha. O disco é pura energia do rock, mas vejo que ao longo do tempo dialogou mais com a galera que desenvolveu o soul/funk/r&b do que com o rock. A produção de Phil Spector dá um tom mais épico ao assunto, inserindo aquele som cavernoso e orquestrações luxuosas.

 

sábado, 8 de dezembro de 2018

Consultoria Recomenda: Casais




Com Fernando Bueno, Mairon Machado, Ronaldo Rodrigues, Davi Pascale, Alisson Caetano e Nilo Vieira


A convivência de um casal exige muita paciência, dedicação, carinho, atenção, confiança, entre outras diversas qualidades positivas que façam da união dos dois algo saudável e possível de existir. Imagina então tentar levar tudo isso para os palcos e estúdios. Vários foram os casais que fizeram sucesso no mundo da música. Alguns por muitos anos, com vários lançamentos. Outros, por breve período de tempo, com apenas um único disco. Alguns casais são clássicos, outros poucos sabem que havia um casal naquela banda. O Consultoria Recomenda de hoje resgata seis discos de bandas/artistas que são casais, passeando pelas décadas de 60, 70, 80, 90 e 2000. Use nossos comentários para indicar outros álbuns e casais que você lembre, e claro, fique a vontade para ler as opiniões de nossos consultores.




Ike & Tina Turner – River Deep – Mountain High (1966)
Recomendado por Fernando Bueno


É impossível ouvir esse disco sem lembrar de todas as histórias do relacionamento do casal Ike e Tina. Lembro que eu sabia quem era a Tina Turner somente por conta de Mad Max 3 e na época ouvi/li um comentário sobre o filme em que metade dele era falando em como ela sofreu com o ex-marido. Como pode um cara tão talentoso como músico, produtor, arranjador ser tão escroto como pessoa? Nesse disco ele deixou que Tina brilhasse mais, mas imagina a pressão sobre a moça. Impressiona é que quando se vê imagens da época ela se entrega tanto no palco que fica a certeza que era seu modo de desabafar. Até mesmo a capa entrega como estava o clima com os olhar distante de Tina em contraponto com o olhar de vigia de Ike.


Mairon: Um dos grandes discos de casais de todos os tempos, esse álbum era uma das minhas opções quando o tema foi sugerido. Ike e Tina fizeram tudo o que se podia no mundo da música, e em especial, suas gravações são pura energia, além de um talento incomensurável. Nesse álbum em especial, Ike resolveu ficar apenas na produção, dando apenas um apoio vocal em faixas rockers do porte de “Make ‘Em Wait” e “It’s Gonna Work Out Fine”. Largando sua guitarra, ele cria na produção um disco sem igual. É muito vigor exalado de “A Fool in Love”, “Oh Baby!”, “Such a Fool for You” e “You’re So Fine”. A faixa-título é um clássico, sem mais, na qual Tina solta a voz (como ela cantava), e a wall of sound de Phil Spector cria raízes. Mas quer entender o que é essa parede sonora, cai de boca no chão em “A Love Like Yours (Don’t Come Knocking Everyday)”, “Hold On Baby”,”Save the Last Dance for Me”. Mesmo quando a dupla resolve entregar-se à emoção de sons mais amenos, vide “Every Day I Have to Cry” e “I Idolize You”, a coisa arrepia até a espinha. O relançamento de 1969 trouxe mais da parede sonora em “I’ll Never Need More Than This”, Uma banda sensacional, com as Ikettes obviamente fazendo um trabalho fantástico, e um disco para ser ouvido por eras.


Ronaldo: O famoso casal Turner deveria ter mais mérito por sua contribuição para o pop do meado dos 60’s. O legado da dupla ficou para sempre pichado pelo machismo e agressividade de Ike Turner e obscurecido pelo sucesso estrondoso da carreira solo de Tina Turner a partir do fim dos anos 70. Ike era um guitarrista habilidoso, com origens no blues, e era o gerentão de um combo que mesclava com habilidade a energia do r&b junto de um girl-group envenado, cuja locomotiva era Tina e sua incrível habilidade de cantar e dançar simultaneamente. Apesar do disco ter arranjos orquestrais pomposos e um pouco exagerados, se trata de um disco bem divertido, com um clássica faixa título. Indicado para quem achava Amy Winehouse uma grande novidade.


Davi: Os bastidores desse disco devem ter sido surreal. Tanto Ike quanto Phil Spector são conhecidos por serem um tanto quanto temperamentais. Ninguém questiona as habilidades de Phil Spector enquanto produtor. Eu, particularmente, não gosto da produção dele no Let It Be (The Beatles), mas adoro o trabalho que fez com grupos como The Crystals, The Ronettes e os Righteous Brothers. Ike, enquanto pessoa, também não era nenhum exemplo, mas não há como negar suas qualidades enquanto músico. Musicalmente, lógico que a junção deu certo. Mas, que as gravações devem ter sido o que hoje se costuma chamar de tiro, porrada e bomba, não duvido nada. O disco é simplesmente delicioso. Traz aquele R&B maroto, com base na soul music, uma sonoridade alegre, mas ainda transbordando emoção. Sonoridade, simplesmente, mágica. Tina Turner já era uma cantora de mão cheia. Trabalho vocal maravilhoso. E o repertório é muito legal também. “Idolize You”, “Such a Fool For You” e “A Fool In Love” são gravações perfeitas. “River Deep, Mountain High”, então, nem se fala. Clássico absoluto. Em uma palavra: Discaço! Um dos mais legais dessa lista.


Nilo: Não eram um bom exemplo de casal, mas a química artística aqui é inegável. Se somente com Ike na mesa a tendência era a grandiosidade, com Phil Spector o negócio atingiu níveis absurdos. A voz de Tina ecoa pra todo lado, parece que gravaram num ginásio. Nenhuma canção passa dos quatro minutos, mas a sensação ao final é de ter sobrevivido a um apocalipse apaixonado. Impossível não respeitar, mesmo que não esteja alinhado com minhas preferências.


Alisson: Dois pilares sustentam o interesse pelo disco. O primeiro é a produção de Phil Spector. Se o disco ganhou a intensidade e reverência que possui atualmente, muito se deve aos arranjos orquestrais e à produção, que faz parecer uma execução gravada ao vivo de dentro de um estádio. O segundo é a entrega de Tina Turner em basicamente todas as canções. A emoção de sua voz em clássicos como “A Love Like Yours” e na faixa título talvez provaram para a própria Tina que ela poderia ser gigante sem o sofrimento excruciante que passava ao lado de Ike na época.



It’s A Beautiful Day – It’s A Beautiful Day (1969)
Recomendado por Mairon Machado


Fabulosa estreia dessa grande banda da segunda geração flower power californiano. O casal Linda (teclados) e David LaFlamme (violinos, vocais), ao lado da excepcional Patti Smith (vocais), Hal Wagenet (guitarras), Mitchell Holman (baixo, vocais) e Val Fuentes (bateria) criaram canções fantásticas nesse álbum, e o casamento do órgão com o violino vai muito bem, principalmente nas pérolas “Hot Summer Day”, “Bulgaria” e “Time Is”, além da emblemática “Bombay Calling”, faixa de qualidade acima do comum, cujo riff foi chupado sem dó nem piedade pelo Deep Purple para gravar “Child in Time”, o que levou a uma grande briga entre os dois grupos. O blues viciado de “Wasted Union Blues” é uma pequena amostra das loucuras que o LSD em excesso pode construir. Que baita faixa! Ainda temos a linda “White Bird”, talvez o maior sucesso dos americanos, e a suave “Girl With No Eyes”, Para se chapar a beira de uma praia ensolarada, com muita cerveja e batatas chips bem fritas.


Fernando: O disco iniciou com a melhor faixa do disco, “White Bird”, e fiquei com a impressão que David LaFlamme estava tentando empostar a voz para fazer um contraponto com a voz de Pattie Santos em uma tentativa de suplantar a desigualdade entre os dois. Porém essa impressão foi acabando ao longo do álbum. Também me pareceu que o disco sendo ouvido como um todo ficou um pouco repetitivo e cansativo. Mas quase todas as faixas possuem um trecho que se destaca e nos prende a atenção que vai se dissipando aos poucos novamente até que algum novo trecho nos traga de volta em um ciclo. Talvez seja uma banda para se ouvir aos poucos. “Wasted Union Blues” é linda com instrumentos e vozes se completando perfeitamente e sendo a faixa que eles se afastam um pouco da música psicodélica e caminham para o progressivo.


Ronaldo: Expoente obscurecido da psicodelia norte americana, o It’s A Beatiful Day tinha dois vocalistas, o casal LaFlamme, e trazia o pioneirismo no uso do violino (tocado por Dave LaFlamme) naquele contexto. O som da banda tinha como base o folk acústico-elétrico e composições que beiravam o pop orquestral. A interpretação da banda e a forma pouco ortodoxa com que Dave e Linda dividiam suas vozes (ora de forma descontraída e em outras dramática) trazia uma vibração densa para a música da banda. Em determinados momentos do álbum, as guitarras varrem o chão e trazem o puro acid rock da época.


Davi: Disco muito lembrado pela polêmica “Bombay Calling”. Quem está por fora, o clássico “Child In Time”, do lendário grupo Deep Purple, é uma releitura dessa canção. Não apenas a base do órgão de Jon Lord, mas também a linha vocal criada por Ian Gillan foi claramente inspirada no trabalho de órgão e violino dessa canção. Motivo que me levou a adquirir esse LP alguns anos atrás. Havia ficado curioso para ouvir um pouco mais do grupo. “White Bird” é capaz que seja lembrada por alguns, por ter aparecido em alguns episódios do popular seriado Super Máquina. Para mim, contudo, os grandes momentos ficam por conta de “Hot Summer Day” (canção traz muito do rock psicodélico de San Francisco. Não por acaso, a banda é de lá) e “Wasted Union Blues”, um dos poucos momentos onde a guitarra se sobressai. Na maior parte do tempo, quem se destaca é o casal LaFlamme. A aparição de David vai além do fato de ser a voz do grupo. Seu violino se destaca em vários momentos, assim como o trabalho de órgão e piano de sua esposa Linda. O lado B ficou voltado para as músicas maiores, mais viajadas, mais progs, onde a mais bacana é “Time Is”. No geral, considero um disco não mais do que regular. Embora bem feito, e com uma formação atípica (o que sempre se torna curioso) não tem aquela faixa que me faz querer ouvir de novo e de novo e de novo e de novo…


Nilo: Até o nome denuncia: é aquele típico rock sessentista, com flertes psicodélicos aqui, arronjos mais barrocos acolá (um deles inspiraria “Child in Time”, do Deep Purple), letras repletas de metáforas sobre a natureza… não dá pra dizer que não soa condizente com sua era, mas pessoalmente não me fisgou como um Forever Changes ou Odessey and Oracle – creio que a principal diferença é que estas encapsulavam a vibe ensolarada em canções compactas, enquanto o casal LaFlamme segue uma onda mais livre. Se sua predileção musical é a veia melódica, vá em frente que deve lhe agradar.


Alisson: Passagens psicodélicas que vão se entrecortando com o progressivo básico dos anos 60 em um disco que carrega com força o rótulo “Banda de Rock Psicodélico de San Francisco”. Tudo bem redondo, bem feito, mas parou por aí.



Delaney and Bonnie – On Tour With Eric Clapton (1970)
Recomendado por Ronaldo Rodrigues


No fim dos anos 60, Eric Clapton queria desesperadamente deixar de ser band leader e ficar tão evidenciado nos palcos. Um dos momentos em que esse objetivo foi alcançado foi na tour que ele fez em 1970 com esta brilhante dupla vocal. Os dois mostram gargantas afiadas, espertas alternâncias vocais e ótimos duetos. Os registros da tour esbanjam alto astral com um r&b quente, uma banda de alto nível e a elegância de Clapton na guitarra. As músicas e versões da dupla passeiam pelo rock básico, blues rock e pelo soul com maestria.


Fernando: As pessoas conhecem mais o Delaney and Bonnie pela sua participação na separação do Blind Faith do que pela própria banda. Eu mesmo tinha ouvido muita pouca coisa na época que conheci o Blind Faith e estava maluco pelo disco do Derek and the Dominoes. Engraçado que em uma lista de discos de casais temos aqui um “triângulo musical” demonstrado logo no título do disco. Particularmente não sou um grande entusiasta em comprar discos ao vivo, mas me parece que a versão estendida desse disco com seus 4 CDs é algo a se considerar de ter na coleção. Coisa linda! Também vi shows completos no Youtube com qualidade muito acima da média em se tratando de registros de época.


Mairon: Clássico do blues rock com cheiro de Southern Rock americano, regado pela guitarra britânica de Clapton. Nessa época, tudo o que o homem tocava virava ouro, pouco antes da depressão que levou ao incrível Derek & The Dominoes. Uma banda de apoio sensacional, com um ótimo naipe de metais, entrega aos ouvintes faixas emblemáticas e cheias de energia, do porte de “Comin’ Home”, “I Don’t Want to Discuss It”, “Only You Know and I Know”, “Things Get Better” e “Where There’s A Will There’s A Way”. Apreciei blues arrastado de “That’s What My Man Is For”, com Bonnie soltando a voz, Impossível também não vibrar pela sala com as homenagens para Robert Johnson (“Poor Elijah”) e Little Richard (“Little Richard Medley”). O disco até se assemelha ao de Ike e Tina, pela quantidade elevada de alegria e efervescência musical, e mesmo sem Clapton ser o nome principal, os seus solos ao longo da apresentação são um baita diferencial. Excelente recomendação!


Davi: Gravado em uma turnê de 7 dias na Inglaterra, esse álbum ao vivo é muito conhecido entre os fãs de Eric Clapton. A apresentação é excelente, mas se você nunca ouviu o álbum e é um fã de guitarra, vá com calma. Embora tenha seu nome grafado na capa, a participação de Clapton é discreta. Há alguns solos de guitarra bonitos no disco, sem dúvidas (dois exemplos seriam ”Poor Eliah” e “I Don´t Want To Discuss It”), mas são solos criados ‘na medida’, sem espaço para grandes improvisos. A banda de apoio é estelar e traz grandes nomes do rock como Dave Mason (Traffic) e Bobby Keys (Rolling Stones). A sonoridade mescla soul, blues e rock de maneira cativante. “Things Get Better”, “Comin´ Home” e a já citada “I Don´t Want to Discuss It” são os momentos de destaque. O casal entrega um bom trabalho vocal. Só pecam no medley formado por canções de Little Richard. Não que tenha feito feio, mas o rapaz não chega nem perto da potência e nem da emoção transmitida pelo grande Ricardinho. Esse é o único ponto baixo do álbum. Daqui, sairiam a base dos músicos que estiveram em All Things Must Pass e Layla And Other Assorted Love Songs. Trabalhos ainda mais legais e ainda mais importantes do que esse. Quem não conhece, se é que alguém não conhece, escute-os. Bacana, a lembrança desse disco.


Nilo: Sem entrar na discussão se o gênero existe ou não, o que se rotula como “blue eyed soul” raramente faz minha cabeça. Acho um som lavado demais. Este registro aqui, mesmo ao vivo e acompanhando um senhor bluesman, soa limpinho demais. Prefiro aquele soul malicioso de Curtis Mayfield e afins, mas creio que o leitor médio do site encontrará em On Tour with Eric Clapton uma boa trilha sonora para aquele churrascão de domingo.


Alisson: Ao vivo dos anos 70 mais sem energia. Execuções sem suingue nenhum, apenas um blue-eyed-soul (vulgo “soul de branco”) engessado. E dói mais ainda quando dedicam medleys à Robert Johnson e Little Richards, mas tudo parece burocrático.



John Lennon & Yoko Ono – Double Fantasy (1980) 
Recomendado por Davi Pascale


Sim, meus amigos, o ultimo álbum da carreira de John Lennon foi realizado em parceria com sua esposa Yoko Ono. O disco marcava seu retorno às gravações. Já fazia 5 anos que Lennon não lançava um trabalho, mas infelizmente o que era para ser considerado um momento de alegria para seus fãs, acabou se tornando um choque que o mundo jamais esqueceu. Em 8 de Dezembro de 1980, 2 semanas após Double Fantasy chegar às lojas, John Lennon foi assassinado nas portas do edifício Dakota. O que era para ser seu retorno, tornou-se o fim de sua trajetória. As vendas que começaram tímidas, explodiram. Quando o tema foi lançado, esse foi o primeiro álbum que me surgiu em mente. Na minha infância, costumava sair no carro acompanhado de um walkman. Uma de minhas fitinhas era uma seleção que havia criado com canções de John Lennon. “Woman” e “(Just Like) Starting Over” estavam entre elas. Não tinha como citar outro disco… Em Double Fantasy, o trabalho vocal era dividido entre John e Yoko, assim como as composições. Nunca morri de amores pelo trabalho de Yoko Ono. Nunca gostei de seu timbre de voz, nem de suas experimentações malucas, mas sua participação aqui é menos polêmica do que nos demais projetos. Afinal, buscava uma linguagem mais pop. Músicas curtas com refrão. Em alguns momentos, como “I’m Movin’ On”, “Hard Times Are Over” e “Yes, I’m Your Angel”, soa agradável. Mas o creme desse CD são mesmo as músicas de Lennon: “(Just Like) Starting Over” e “Watching The Wheels” são perfeitas. “I’m Losing You”, “Beautiful Boy” e “Woman” são clássicos absolutos. Lennon era um compositor de mão cheia e o resultado final comprova isso. Disco bem bacana!


Fernando: Fiquei com vontade de escrever sem nem ouvir. Já passei muita raiva tentando ouvir a Yoko Ono por conta da insistência do Marco Gaspari – sei que a culpe é minha querido Siri!!! Ouvi mais em respeito ao John Lennon, mesmo sabendo que ele se tornou um chato gigante depois da separação dos Beatles. Também tem a questão história, já que o álbum foi lançado dias antes do trágico assassinato de John. Fico contente de terem escolhido esse álbum do casal, pois ninguém merecia aquela capa da primeira empreitada dos dois juntos. Contente também por esse disco não ser a chatice completa que são os discos da Plastic Ono Band ou o Imagine, por exemplo. Para ser sincero desconheço como era a dinâmica da dupla ao gravar seus discos juntos. Eles apenas dividiam os vocais ou tocavam instrumentos quando o outro estava cantando? No final achei bastante positivo o resultado. John é um baita compositor e Yoko não foi totalmente Yoko. Quem sabe….


Mairon: Lançado pouco antes do assassinato de Lennon, esse álbum é uma despedida um tanto quanto melancólica para alguém do nome Lennon. O flerte com instrumentos eletrônicos, principalmente na bateria, não me agrada, e para tal exemplo, cito “(Just Like) Starting Over”, “Cleanup Time”, a cafona “Dear Yoko” e a chatérrima “Woman”. Dele escapa-se “I’m Losing You”, “Watching the Wheels” e claro, a melhor do disco, a lindíssima “Beautiful Boy (Darling Boy)”, que certamente faz muito marmanjo chorar quando apresentada no inesquecível filme Adorável Professor. Por outro lado, Yoko está sensacional, dando uma aula de canto para os anos 80 através de “Beautiful Boys”, “Kiss Kiss Kiss”, a maluquete jazzística de “Yes, I’m Your Angel”, resgatando seus vagidos na ótima “I’m Moving On” (uma resposta à “I’m Losing You”) e aproveitando-se de estripulias na curtinha “Give Me Something”. Creio que ela peque apenas no desnecessário reggae “Every Man Has a Woman Who Loves Him”. Quanto a John, é um mal que outros artistas (Bob Dylan, Joan Baez, Santana, Eric Clapton, os próprios ex-colegas beatle e por aí vai) da década de 60 sofreram nos anos 80, o que me faz torcer bastante o nariz. É uma pena que não tenham efetivamente trabalhado juntos ao longo do álbum, poderia ter sido criado algo melhor. Se fosse para escolher uma obra do casal, certamente iria indicar a primorosa delícia loucura de Two Virgins. Mas ok, é um disco que se ouve sem mais problemas.


Ronaldo: Dentro desta lista este é o disco em que mais fica transparente a personalidade individual de cada parte. Não era de se esperar algo diferente do controverso casal. Enquanto Lennon assume as rugas e os cabelos brancos, Yoko tenta ser a moderninha antenada. Sua performance como não-vocalista é no mínimo excêntrica e, constrangimentos à parte, o disco vai em banho-maria. Soa como algo que envelheceu mal.


Nilo: Mais que esperada a presença do casal mais famoso do rock neste tema. Uma pena que o disco escolhido não tenha a sinergia visceral que os tornou tão polêmicos, como em Plastic Ono Band e Two Virgins. O esquema de pílulas pop alternando entre autores de Double Fantasy passa mais a sensação de coletânea das favoritas de cada um do que propriamente um álbum, e a polidez excessiva (bateu a saudade do Phil Spector, né John?) não ajuda muito. Ruim talvez não seja o termo, mas é bem chatinho. No fim, é uma despedida problemática e com ares de utopia, condizente com o relacionamento de Lennon e Ono.


Alisson: Tudo bem redondinho e bem gravado. Até por isso o disco cansa já no começo. Não aparecem os momentos experimentais e mais selvagens da época da Plastic Ono Band, então o que resta são canções mais pops e radiofônicas que beiram o descartável.



Slowdive – Souvlaki (1993)
Recomendado por Nilo Vieira


É verdade que o casal Rachel Goswell e Neil Halstead já havia terminado o namoro. Também é fato que, sem esse rompimento, o segundo álbum do Slowdive não seria como é: entre paredes de distorção, efeitos, faixas acústicas e experimentos ambientais do mestre Brian Eno, o clima que prevalece é a melancólico, mesmo que caloroso. Algumas faixas soam como delírios jovens indecifráveis, outras são confissões límpidas e pungentes. De fato, é um disco elogiado por sites como Pitchfork (que inclusive fez um belo mini documentário sobre e você pode sair gritando que é mero hype (faça isso com tudo que você não gosta) após ter ouvido uma única vez e com preguiça. Caso insista, pode encontrar uma obra que será recorrente como apoio nos momentos mais tensos da vida. Fica a seu cargo…


Fernando: Desconhecia o grupo. Essa seara do dream pop, shoegaze não é mesmo a minha praia. Sabe aquele tipo de som que se estiver tocando não incomoda, mas dificilmente sairia da prateleira se eu tivesse o CD? Foi o sentimento que me deu. Algumas coisas lembram o Placebo, outras passagens com vocalizações quase etéreas são bem legais (thanks Brian Eno!), mas no geral não me convenceu. Surpreendeu, entretanto, a nota do disco no Rate Your Music, com impressionantes 4,07. A galera que gosta, curte mesmo.


Mairon: Confesso que nunca tinha ouvido falar dessa banda. Lembrou um pouco de My Chemical Romance aqui, um Keane acolá, talvez até um Smashing Pumpkins, por que não. É um som bastante característico, onde eu curti as incursões mais “progressivas”, com uso de sintetizadores, em faixas como “Altogether”, “Melon Yellow”, “Machine Gun”, “Here She Comes”, “Sing” e a viajante “Souvlaki Space Station”, sintetizadores esses a cargo do renomado Brian Eno. Adorei ficar “chapado ao som de”40 Days”, “Alison” e “When The Sun Hits”, outras que apreciei bastante viajar ao som delas. Fechando tudo, o violãozinho gostoso de “Dagger”, muito suave e agradável aos ouvidos. Não virei fã da banda, não vou comprar o disco, mas foi ótimo ouvir e conhecer Souvlaki.


Ronaldo: Talvez o ouvinte precise ser convencido previamente do estilo que esta banda pratica. As músicas são recheadas de uma beleza estranha e nem sempre funcionam para ouvidos não familiarizados. As harmonias ficam suspensas no ar o tempo todo. É como se fosse uma versão bastante acinzentada das melodias do synth pop, com a crueza das guitarras, em ritmos que se desenrolam vagarosamente.


Davi: Slowdive é uma banda inglesa que surgiu no final dos anos 80 nos arredores de Reading. Seu segundo álbum, Souvlaki, foi lançado em 1993 no meio da explosão do rock alternativo. Os caras apareceram no tempo certo. A sonoridade da banda não era aquela sonoridade suja estilo Mudhoney, a pegada era outra. Repleta de ecos, vocais sussurrados, melancolia, experimentações, delays… É o que os repórteres da época qualificariam como um som cósmico. Se tivesse que utilizar um dos inúmeros nomes criados para subvertentes das subvertentes, utilizaria o termo dream pop. O casal Rachel Goswell e Neil Halstead dividiam os vocais. Particularmente, não gostei da voz de Rachel. Sandy demais para o meu gosto. A voz de Neil me soa mais agradável. O disco é bem feito. Arranjos bem construídos, bem gravadinho, contudo não foi um disco que me cativou. Efeitos e experimentações em excesso. Começa bem, depois de um tempo me cansa. Vale mencionar a participação do cultuado Brian Eno nos teclados de “Here She Comes”, mas as que considerei mais bacaninhas foram “40 Days” e o single “Alisson”, que considero a melhor do disco. Curioso, mas não ouviria novamente.


Alisson: Um disco que consegue capturar a essência dos sentimentos mais íntimos do ser. Difícil não tentar associar a sonoridade do disco com outras lendas do shoegaze/dream pop, como as paredes sonoras do My Bloody Valentine ou as passagens alucinógenas do Dead Can Dance. Porém, é particularidade dessa união de diversas facetas em um disco que vai ser redescoberto por um bom tempo.


Eletric Wizard – Witchcult Today (2007)
Recomendado por Alisson Caetano


O culto à maconha e adoração ao Black Sabbath pelo Electric Wizard sempre foram muito além de cópia pura, como é comum alguns desavisados gritarem por aí. Passagens arrastadas e os riffs tétricos ganham ares de curtição e improvisação livre, enquanto que no caso do Sabbath, esse padrão estava bem formatado em estruturas bem definidas. Witchcult Today, o segundo a contar com as guitarras adicionais de Liz Buckingham, tenta repaginar seu próprio conceito. A produção, feita de maneira completamente analógica, adiciona ares climáticos setentistas ao disco, enquanto as passagens lisérgicas ganham espaço sobre as passagens de peso puro dos discos passados. Um dos últimos exemplares genuínos de criatividade no uso das convenções do gênero stoner/doom e um clássico do estilo.


Fernando: Essas bandas de stoner levam muito a sério a necessidade de soar como a principal referência do estilo. Sabemos que a principal influência para o som é o Black Sabbath, mas é necessário mesmo deixar isso tão explícito em TODAS as músicas? Nem o próprio Sabbath se leva tão a sério assim. O peso absurdo e os riffs quadradões são repetidos à exaustão e caso o ouvinte perca um pouco a atenção vai achar que ouviu uma única música de 60 minutos.


Mairon: Banda de Doom Metal com vocais carregados de distorção, assim com as guitarras e o baixo. Aliás, acho que até os lençóis do casal Liz Buckingham e Jus Oborn estão adicionados de distorção. É tanto peso e sujeira que os hipopótamos de alguns zoológicos espalhados mundo a fora passam vergonha. Um som interessante de ouvir, apesar de eu não ter conseguido destacar especificamente alguma canção, mas não foi uma tortura ouvi-lo em quase uma hora de audição.


Ronaldo: Grupo britânico de doom metal da década de 90. O casal em questão se divide nas guitarras do grupo, que consegue neste bom álbum compor alguns riffs macabros que o Black Sabbath não gravou. As músicas tem o andamento arrastado e esparsos solos, apesar das generosas passagens instrumentais. A sonoridade da banda é bem construída e os vocais se encaixam ao que estilo pede. Seguindo piamente a cartilha do estilo e usando em demasia as afinações graves, tudo se torna monocromático e tedioso depois de algum tempo de audição.


Davi: Dizem que toda banda stoner é formada por fãs devotos do Black Sabbath. É exatamente essa sensação que bate ao ouvirmos esse álbum. É inegável a influência de álbuns como Master of Reality e Vol.4 nos arranjos. Aliás, o próprio cantor, Jus Oborn, chegou a declarar que o nome da banda surgiu de 2 canções do Black Sabbath: “The Wizard” e “Electric Funeral”. Agora, a pergunta que não quer calar é: o sobrenome Oborn é para lembrar Osbourne? O disco até que é bacana. A sonoridade está de acordo com o gênero: riffs arrastados, baixo com efeito, baterista sentando a mão, vocal cantando como se estivesse de saco cheio. O casal aqui são a guitarrista Liz Buckingham e o cantor/guitarrista Jus Oborn. As guitarras são bem tocadas, mas falta um Iommi na parada. Faltam aqueles riffs que ficam na cabeça. Tony Iommi era um mestre nessa área. Se vão construir algo com uma influência tão escancarada, seria interessante que dessem valor para esse ponto. Outra questão é o vocal. Está dentro do gênero, mas muito morto o tempo todo. Seria interessante tentar cantar algumas notas mais para cima. O próprio Ozzy cantava para cima muitas vezes (ouça “Hole In The Sky”). Muitos gostam de criticar o Madman enquanto cantor, mas é nessas horas que notamos quão foda foi o cara. Talvez ele não tivesse a afinação mais impecável do mundo, mas tinha uma enorme personalidade e um timbre inconfundível. Quando ouvimos essas bandas, vemos o quão importante são essas características. Mas, como disse no início, o disco é bom. Pesado, sombrio, bem tocado. Dentre as canções apresentadas aqui é a que mais curti foi “Torquemada ´71”. Não é aquela Brastemp, mas agrada.


Nilo: Entendo quem não compre o apelo do stoner, pois também torcia o nariz. É um gênero que cultua o Black Sabbath sem pudor, admite e se diverte com isso – não é como um Greta Van Fleet da vida, que chupinha Led, tenta desmentir e se acha a última bolacha do pacote. As diferenças são semânticas: enquanto Iommi & Cia condensavam peso, groove e atmosfera em canções de estrutura pop, bandas como o Electric Wizard e Sleep (erroneamente já trucidado aqui) propõem que o formato de jam soe livre, puxando tais aspectos a níveis extremos. Este disco é um bom exemplar, onde os tons jazzísticos de Geezer e Bill dão lugar a riffs dronados e trechos psicodélicos, que ecoam até o ouvinte entrar em transe junto com os músicos. A entrada de Liz na segunda guitarra deu novo gás ao grupo e, se este não é o melhor álbum dos britânicos, está entre as homenagens mais divertidas aos pioneiros de Birmingham. Ouça sem pressa e sob a influência da marvada que entenderás…
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