quarta-feira, 17 de março de 2010

Guns N' Roses: Estacionamento da FIERGS, Porto Alegre, 16/03/2010


Esperar, esperar e esperar. Essa é a sina de um fã de Guns N'Roses, afinal foram anos esperando o tal do Chinese Democracy, foram anos esperando pela volta ao Brasil e, especificamente para o pessoal daqui do sul, que nunca viu a banda ao vivo, foram anos esperando pela primeira apresentação do grupo em solos pampeanos.

Em uma noite histórica para Porto Alegre, onde pela primeira vez ocorriam dois grandes shows ao mesmo tempo em diferentes locais, e que pelas informações que tive conseguiram angariar uma quantidade enorme de pessoas em ambos (o Dream Theater também fazia a sua estreia no Rio Grande do Sul para cerca de 4.500 pessoas), o Guns N'Roses colocou aproximadamente 25 mil pessoas no estacionamento da FIERGS, e chegou mostrando que, principalmente pelo nome Axl Rose, está vivendo uma fase no mínimo estranha para aqueles que realmente presenciaram o auge da banda em 1991/92 e, principalmente, com profissionalismo praticamente nulo.

Eu sou um deles. A primeira revista que li foi com Axl na capa. A primeira canção que lembro de ouvir insanamente nas rádios foi "Patience". A primeira música que fiquei com curiosidade de saber "o que eles estão cantando" foi "Civil War". O primeiro show de rock que vi ao vivo na TV foi o do Guns no Rock in Rio 2, e lembro até hoje do solo de Slash tocando "Godfather" e "Voodoo Chile" e do nosso BBB-apresentador Pedro Bial comentando sobre a "bundinha de Axl" (o cara já era um mané desde aqueles tempos), e por aí vai. Com meus 8 anos, absorvia o fanatismo do meu irmão pela banda de forma saudável, sempre baseado na guitarra de Slash e na pegada de Duff McKagan.

Ontem, 16 de março de 2010, o Guns veio para Porto Alegre. Mesmo contra muitas recomendações de diversas pessoas que alegavam que não iriam ao show porque não era o Guns, porque o novo álbum é uma bomba, por que o Axl não canta mais nada, eu me desfiz desses preconceitos e comprei o ingresso feliz da vida, afinal, ver um ícone como Axl ao vivo é uma oportunidade única.

Bueno, o show mudou de local. Saiu do Gigantinho (um local de fácil acesso na capital gaúcha) para ser realizado no distante estacionamento da FIERGS, onde poucas linhas de ônibus chegam, e que se localiza na divisa de Porto Alegre com a cidade de Alvorada. Lamentável parte 1.

Aí começaram os problemas. Larguei o trabalho às 4 da tarde pra conseguir chegar no local do show, o que só ocorreuà 19 horas, já que o engarrafamento na região do show era enorme (ainda mais que lá é a saída das pessoas que trabalham em Porto Alegre e moram na região metropolitana).

Tivemos uma verdadeira aula de como não fazer um espetáculo. Pecando em itens básicos, como organização, sinalização, orientação de trânsito e, principalmente, falta de respeito com o público, a péssima produtora do evento, que já tinha marcado o show do Guns no mesmo dia do Dream Theater e depois transferira o show para a FIERGS, ainda teve a capacidade de não querer mudar a data do show para o dia seguinte, já que o equipamento do grupo havia sido danificado com o temporal no Rio de Janeiro. Resultado: com milhares de fãs esperando pela abertura dos portões (que estava programada para ocorrer às 16 e só aconteceu às 20 horas), o palco, que estava apenas com a sua estrutura externa, começou a ser montado. Lamentável parte 2.

Para entrar no show foi uma batalha. A longa fila se arrastava por diversas sessões de revista, mas finalmente entramos no local eu e mais três amigos, e conseguimos um bom lugar para ver o show, ao mesmo tempo que acompanhávamos toda a movimentação na montagem do palco.

Duas bandas gaúchas estavam programadas para aquecer a gurizada: Tequila Baby e Rosa Tattooada. Porém, a montagem do palco passou de ser algo direto e simples para uma torturante sessão de espera, o que começou a cansar todos os que estavam na pista. Lamentável parte 3.

O tempo passava e nada ocorria, sendo que boatos surgiam de que Axl ainda estava no Rio de Janeiro (não sei se isso é verdade, mas várias fontes afirmam que Axl pousou em Porto Alegre somente às 23 horas!) e que estavam faltando peças do palco. Um cidadão que não se identificou tentou acalmar a galera que começava a vaiar, dizendo que o palco havia sido danificado no Rio e que iriam demorar mais ou menos uma hora para arrumar tudo.

Piada! A uma hora dele demorou três horas, quando a Rosa Tattooada, abaixo de vaias e palavras ofensivas, subiu ao palco exatamente a meia-noite para deixar seu recado. A Tequila Baby nem fez sua apresentação (ainda bem), mas a Rosa, apesar do público vaiar muito nas duas primeiras músicas, acabou aplaudindo esses ícones do rock gaúcho no final da apresentação, principalmente por reconhecer que o grupo não era o principal responsável pelo atraso. Detalhe: aonde eu estava o som era horrível, embolado e muito baixo.

Mais alguns minutos e então vem a primeira grande atração da noite. Por volta de 00:30 (3 horas e meia de atraso), subia ao palco o ex-líder do Skid Row, Sebastian Bach. Acompanhado de uma boa banda de apoio, o vocalista loiro entrou detonando com a clássica "Slave to the Grind", agitando muito com o seu tradicional giro de microfone sobre os esvoaçantes cabelos, e ainda trocou umas palavras em português pedindo desculpas pelo atraso, explicando que isso ocorrêra por que o equipamento fôra danificado no Rio e que ia fazer um set bem curto.

O show de Sebastian foi muito bom (mesmo com o som continuando baixo aonde eu estava), passando por sons da carreira-solo e pérolas do Skid Row como "In a Darkened Room", "18 and Life", "Monkey Business" e "I Remember You", onde ele grudou com um beijo mais que linguado uma garota que creio seja sua namorada, e sempre puxando a gurizada para o show do Guns, com muita energia e mostrando a mesma voz que o consagrou na década de 90. Pena que a galera, não sei se pelo cansaço ou se por não conhecer a banda, acabou não agitando muito. Mesmo assim, Sebastian agradeceu o carinho e os vinte anos de rock'n'roll dos porto-alegrenses e disse que amava a cidade (dizer que no início dos anos 90 o mesmo Sebastian jurou nunca mais botar os pés por aqui quando um foguete foi lançado na banda durante uma apresentação no Gigantinho).

Encerrado o show de Sebastian, a correria era geral para pegar bebida e comida, além de dar aquela esvaziada no banheiro. Me sentei e fiquei no meu lugar, cansado pacas, enquanto o pessoal narrava a movimentação no palco para colocar tudo como Axl queria. Alguns reclamavam (e com razão) do exorbitante preço das bebidas (8 reais um copo de água) e da comida (10 reais um cachorro quente só com pão, molho e salsicha), mas, principalmente, do cansaço.

Duas da manhã. Finalmente as luzes se apagam para a entrada do Guns. O primeiro pensamento que tive foi "puxa, nem Slash, nem Duff, nem meu irmão vão estar aqui", mas tudo bem, eu estava lá, e vamos ver o que a banda vai tocar. O início com "Chinese Democracy" foi muito interessante, com pirotecnia das boa e a banda mandando ver, além do Axl com a sua tradicional dancinha e correria para todos os lados do gigantesco palco (responsável pela mudança do local).

A seguir, o petardo de "Welcome to the Jungle", cantada por todos, mas que começou a mostrar um dos grandes problemas dessa nova geração do Guns: não saber tocar os clássicos. Três guitarras para fazer o que Izzy Stradlin (depois Gilby Clarke) e Slash faziam ficou embolado demais, e apesar dos caras tocarem fielmente nota por nota da canção percebia-se diversos erros, viradas erradas e contratempos que até meu filho não iria errar. O público agitou bastante, mas o cansaço bateu em seguida, e mesmo mais dois clássicos, "It's So Easy" e "Mr Brownstone", não conseguiram levantar a galera.

Axl ainda contou com uma tradutora para falar que "era para tomar cuidado com o piso molhado" e que "o baixista estava com um pequeno problema, mas que a banda já seguiria tocando". O piso molhado era do palco, decorrente da agitação de Sebastian Bach, e prontamente vários roadies surgiram com toalhas para colocá-las no chão e satisfazer a vontade de Axl, além de repetidamente depois disso, vez ou outra um roadie surgir correndo para secar o chão.

Mais duas músicas de Chinese Democracy na sequência, a interessante "I'm Sorry" e a estranha "Better", que deixaram o público ainda mais calmo. Como o som continuava alternando altos e baixos, ficava difícil entender o que Axl cantava, então o jeito era esperar arrumarem o som e curtir o momento. Detalhe interessante: em "I'm Sorry" deu claramente para perceber que duas das cortinas chinesas que viravam telões estavam faltando, provavelmente danificadas no Rio de Janeiro. Em termos de imagens, os cinco telões funcionaram perfeitamente, e a pirotecnia com chamas, explosões e fogos rolava solta.

Segue-se então uma interpretação para o tema de James Bond feita pelo guitarrista Richard Fourtus, onde Axl apresentou o músico e saiu para tomar fôlego (a essas alturas ele já tinha trocado bastante de roupa). O solo de Fourtus trouxe "Live and Let Die", essa sim tocada muito bem, e que fez a galera acordar na madrugada que caía na cabeça de todos.

Mais duas novas - "If the World" e "Shackler’s Revenge" - colocaram todos no chão novamente, e mostraram que Axl já não tem realmente a voz que tinha, já que por várias vezes não dava para se escutar o que ele cantava, mesmo com o som já melhor regulado. O pianista Dizzy Reed é apresentado (o único, além de Axl, dos velhos tempos), e faz um dos momentos mais emocionantes do show para quem vos escreve. Sozinho ao piano, Dizzy interpretou uma magnífica versão para "Ziggy Stardust", de David Bowie, a qual eu cantei a plenos pulmões, e que me fez pensar um pouco sobre o que eu estava presenciando, ou seja, uma banda tocando cover.

"Street of Dreams" veio a seguir, e foi a mais aplaudida do álbum novo, dando sequência para uma lista de clássicos da carreira da banda, começando com a fantástica "Rocket Queen", seguida pelo solo do guitarrista DJ Ashba, onde ele fez um belo tema com notas simples e muito feeling, sem frescura ou masturbação instrumental, e que foi aplaudidíssimo por todos. Ao término, DJ puxou o riff mais conhecido da banda, "Sweet Child O'Mine", e aí sim o público veio abaixo. Todo mundo cantando junto e escondendo o fraco desempenho de Axl e banda. Novamente os clássicos solos de Slash foram reproduzidos fielmente, mas faltava a garra e a vontade, ou talvez até a sabedoria de quem criou aquilo, e na hora estava sendo só uma mera reprodução.

"You Could Be Mine" (com cenas de uma arma sendo projetadas no telão) manteve o pique lá em cima, e então chegamos no ponto alto do show. O piano cravejado de brilhantes é levado para a frente do palco. Axl senta no banco enquanto a banda toca "Another Brick in the Wall Part 1", do Pink Floyd (outro cover). Axl então começa a cantar "Another Brick in the Wall Part 2" e a plateia canta junto, para então começar a solar sozinho no piano.

Um solo curto, sem firulas, que apenas com uma olhada para o público durante uma determinada nota mostrava o que viria a seguir: a clássica das clássicas "November Rain". Bom, essa foi uma canção a parte. Apesar de contar com dois tecladistas, nenhum reproduziu os momentos orquestrais da versão original (pelo menos eu não consegui ouvir flautas ou violinos), porém não sei se por ser uma música mais lenta finalmente eu conseguia ouvir algo do Guns que sempre admirei. Confesso que lágrimas vieram (e não fui só eu) enquanto cantava a letra junto com Axl. Esse momento foi emocionante, e o encerramento da canção, cantada por todos, foi simplesmente de arrepiar. Ali eu achei que meu dinheiro e o cansaço haviam valido a pena. E realmente foi anormal o que "November Rain" causou no público. Soube até de um casal que trocou alianças durante a execução da mesma, mas o principal eram os rostos encharcados de lágrimas a minha volta. Impressionante o que uma música consegue fazer!

O terceiro guitarrista, Bumblefoot (muito parecido com Slash fisicamente) começou seu solo na guitarra de dois braços que ele empunhou em quase toda a apresentação, sendo um deles parecendo sem trastes, o que auxiliava bastante à ele fazer slides e bends. Sobre o tema da Pantera Cor de Rosa, Bumblefoot se mostrou o mais virtuoso da banda, e fez um solo bem empolgante, puxando então outro petardo, "Knockin' on Heaven's Door" (mais um cover), a única onde Axl conversou com os fãs, e que também emocionou bastante.

"Nightrain" veio a seguir, e me decepcionei com a embolação de guitarras e com o Axl, que estava quase sem voz e não dava pique à canção.

Encerrada a primeira parte, os gritos de "Guns N' Roses" e "Civil War" eram entoados. Então, a banda volta e toca a bonita "Madagascar", mais uma de Chinese. Então, é a hora dos isqueirinhos. Sentados em frente ao palco, postando violões, os guitarristas começam a clássica "Patience", enquanto Axl, do lado esquerdo do palco, faz o assovio que consagrou esa canção como uma das mais conhecidas da banda. Todo mundo cantou junto, até o momento em que alguém jogou um boneco do Homer Simpson para o palco. Axl colocou o boneco no meio das pernas e começou a simular masturbação na cabeça do mesmo. A banda e o próprio Axl começaram a rir, e estragaram o belo arranjo dessa canção, fazendo eu brochar (com o perdão da palavra) com aquela atitude. Anos de espera para ver a banda ser nada profissional, rindo e errando as notas como se tivessem tocando em um acampamento, realmente para mim foi muito frustante. Eles podiam dar risada em qualquer som mais pesado, mas não em "Patience".

Mais frustante foi a interpretação para "Paradise City". Já sem pique nenhum, tanto público quanto banda presenciaram esse clássico de forma morna, quase que sem vontade, e com a banda errando feio em várias passagens, principalmente na sequência final.

Outro detalhe: a presença de palco dos integrantes é idêntica aos antigos membros, mais uma vez mostrando que é uma cópia quase perfeita do original.



4 e 10 da manhã e o show se encerrava com fogos, show de papel picado e muitas chamas e explosões. Todos já saiam do local quando a banda voltou e Axl começou a pedir para uma garota subir ao palco. Junto com essa garota outra subiu, e a primeira passou a beijar um por um os integrantes da banda. Axl puxou um parabéns a você pra guria, que ele chamou de "crazy girl", e ficou insistindo e pedindo para que alguém o ajudasse a traduzir o que ele queria falar. Como ninguém aparecia, Axl começou a ficar p ... da vida, até que falou um "fuck you, you are blind", jogou o microfone no chão e saiu a passo, seguido pelas fãs que haviam subido no palco e do resto da banda, sem dar explicação alguma. Puro Axl Rose!

Cheguei na casa de um dos amigos que havia ido comigo por volta de cinco horas da manhã, cansado demais e com muita sede, mas, principalmente, pensando no show, e cheguei a conclusão de que tinha acabado de ver duas bandas cover se apresentando com os vocalistas oficiais da banda que estavam homenageando. Não me entendam mal, o show não foi de todo ruim, e eu até desejo que o Guns (e o próprio Sebastian) continuem suas carreiras. Também entendo que para quem não pegou o Guns na época que era a maior banda do mundo (e tinha muita gente que não era nascida em 1990 presente no show) talvez pensem que tenha sido um show excelente, mas desculpem, comparar o que esse GNR atual faz com o antigo e, principalmente, ver o Axl ao vivo, mostra claramente que o que está acontecendo com a banda agora é puro marketing. Que me perdoem aqueles que gostaram muito do show, mas se tivessem colocado qualquer um que sabia tocar bem as músicas do Guns em um boteco e tendo o Axl cantando, o efeito seria o mesmo do que toda a parafernália trazida para o Brasil.

Mas pelo menos posso contar para meus filhos e netos que um dia vi um dos maiores ícones da história do rock ao vivo, e comprovei tudo o que sempre me falavam e lia: ou seja, o cara é um mala!!!

Setlist:

Chinese Democracy
Welcome to the Jungle
It’s So Easy
Mr Brownstone
Sorry
Better
Solo de Guitarra do Richard Fourtus
Live and Let Die
If the World
Shackler’s Revenge
Solo de Piano do Dizzy Reed
Street Of Dreams
Rocket Queem
Solo de Guitarra do DJ Ashba
Sweet Child O’Mine
You Could Be Mine
Solo de Piano do Axl Rose
November Rain
Solo de Guitarra do Bumblefoot
Knockin’ On Heaven’s Door
Nightrain

Bis:
Madagascar
Patience
Paradise City

segunda-feira, 15 de março de 2010

A primeira geração da Renaissance



Em uma das primeiras matérias que fiz aqui para o blog, narrei um pouco sobre a história de uma das grandes bandas do hard setentista, a Armageddon, que tinha como líder e mentor o vocalista e gaitista Keith Relf. Agora, irei contar sobre o segunda grande grupo que Keith formou em sua carreira, uma das mais diferentes e belas bandas de todos os tempos, a Renaissance.

Voltamos então a 1968. Após a longa turnê de divulgação do espetacular álbum Little Games (um dos melhores discos de todos os tempos), que trazia como novidade Jimmy Page capitaneando as guitarras do Yardbirds, o grupo resolveu se dissolver, principalmente pelos excessos e longos períodos na estrada (em cinco anos a banda havia feito mais de 2.000 shows!), bem como diferenças musicais que surgiam entre Page (influenciado pela psicodelia) e Relf (influenciado pela folk music). Page assumiu a batuta com o nome de New Yardbirds, mudando a alcunha do grupo depoos para Led Zeppelin, e o resto todo mundo sabe.

Chris Dreja (baixo) foi trabalhar com fotografia, e coube a Keith Relf (vocal, gaita) e Jim McCarty (bateria, voz) seguirem seus caminhos. Keith e McCarty montaram o duo Together, com Keith tocando guitarra e violão, mas que não durou mais do que dois singles. A ideia do Together era misturar folk music com blues, mas em um duo isso não fechava bem. Foi então que decidiram expandir os horizontes, e, assim, ampliar a banda.

Em janeiro de 1969 Keith e McCarty passaram a buscar pessoas que estivessem interessadas em criar um grupo diferente do que estava sendo divulgado na época, sem as guitarras pesadas de bandas como o Led Zeppelin, The Who ou Jimi Hendrix Experience, e tampouco a psicodelia de São Francisco. O que eles queriam era mostrar que outras vertentes da música também deveriam fazer parte do ambiente musical das pessoas, como a música clássica e a folk music.

Keith chamou sua irmã, Jane Relf, para fazer as vozes junto com ele, no estilo Simon & Garfunkel, e também o excelente baixista Louis Cennamo para fazer as linhas folk. Cennamo tinha uma clara influência de música clássica, e isso agradou Keith. Através de Cennamo, a banda marca ensaios com John Hawken (piano, harpsichord), que havia tocado no The Nashville Teens. A forte influência clássica que Hawken possuía, aliada com a de Cennamo, fecharam com o que Keith e McCarty queriam, ou seja, algo realmente inovador.

Então, o Together mudou de nome e, em comum acordo, adotaram a alcunha de Renaissance, uma clara alusão ao período renascentista, mostrando no nome o que aquele grupo apresentaria para o público.

Em maio de 1969 o Renaissance fez seu primeiro show. Os fãs de Yardbirds se surpreenderam com o que viram e ouviram. Keith, usando uma vasta cabeleira e também uma longa barba, não era mais o garoto loiro que gritava em frente aos microfones, enquanto que McCarty assumia uma postura bem mais técnica. A sonoridade mostrada era algo incomum, quase sem guitarras e com muitas passagens clássicas e calmas, totalmente diferente da pauleira sonora que fluía na Inglaterra do final dos anos 60.

A sequência de shows rapidamente levou a Renaissance a ser divulgada pelo boca-a-boca como uma das bandas mais interessantes de se assistir. Assinam um contrato com a Island Records na Inglaterra e com a Elektra nos EUA, e com a produção do também ex-Yardbirds Paul Samwell-Smith lançam o primeiro e fantástico álbum, Renaissance, em meados de 1969. Em suas notas, a ideia principal da banda: letras e música compostas por Keith e McCarty, adoradas por partes clássicas compostas por Hawken e Cennamo.



O disco abre com a espetacular "Kings & Queens", com piano e baixo executando o complicado tema clássico e mostrando o que a banda vinha fazer, entrando em um clima oriental com percussão, piano e guitarra. McCarty faz a batida da canção, acompanhado pelo baixo e guitarra, enquanto o piano sola. O clima oriental apresenta as tradicionais linhas vocais de Keith, e o refrão é bem interessante, com um ritmo diferente da canção.

A segunda parte da letra apresenta vocalizações feitas por Jane e McCarty, levando a um tema feito apenas por Cennamo, duelando com o piano e tendo ao fundo vocalizações de Jane. O clima muda novamente, ganhando peso e uma sensação de apreensão, onde Hawken começa uma bela sessão instrumental, sempre seguido por baixo e bateria, retornando ao início da canção, com o refrão e um tímido solo de guitarra. No encerramento, o destaque vai para as belas vocalizações de Jane sob camadas de piano, baixo e percussão.

O lado A segue com "Innocence", onde a marcação no cymbal é seguida por notas de baixo e harpsichord. O piano, acompanhado por uma levada bem típica do final dos anos 60, é a base para os vocais de Keith, com intervenções de Jane. Hawken é o grande destaque, fazendo um belo solo no piano e que mostra a ideia da Renaissance: piano, baixo e bateria executando o mesmo tema, e a guitarra sendo apenas mais um instrumento. O lindo tema clássico de Hawken, acompanhado apenas pelo baixo, é o diferencial em relação à música que se fazia na época. Temos novamente o tema inicial, uma rápida participação de Keith na guitarra e o encerramento do lado A de forma calma e serena.

"Island" abre o lado B com o piano introduzindo a canção. Keith faz acordes na guitarra, seguido por bateria e baixo. Finalmente conhecemos Jane como cantora. Apesar de não ter um agudo muito longo e potente, sua voz encanta, e ganha força no refrão, onde Keith canta junto. A partir de então, a canção se desenvolve em um encatador clima rural, com os irmãos cantando em volta do piano enquanto McCarty e Louis cozinham a base para a bela letra de Keith ser interpretada, com direito a uma empolgante sessão clássica de Hawken, Cennamo e McCarty

A linda "Wanderer", composta por Hawken e McCarty, traz uma bela sessão instrumental com um fantástico tema construído por Hawken e Cennamo. McCarty apenas acompanha com batidas simples, mas o que empolga são os duelos de piano/baixo e piano/harpsichord, como que saídos de um castelo medieval. Os vocais de Jane surgem acompanhados pelo harpsichord, cymbal e baixo. A canção segue como um tradicional boureé, repetindo a letra enquanto Hawken e Cennamo travam mais uma linda batalha com temas clássicos.

O disco encerra com a viajante "Bullet". Percussão e acordes graves de piano lembram uma marcha de exército. Baixo e piano começam a duelar, com Hawken puxando o tema principal, seguido por baixo, guitarra e bateria. Um ritmo suingado aparece, com todos fazendo vocalizações para Keith soltar a voz. A gaita de boca de Relf surge, relembrando os tempos de Yardbirds e encaixando perfeitamente na suingueira criada por Hawken, Cennamo e McCarty.


A segunda parte é mais viajante, com um clima assustador construído pelo trio acima, delirando em um quase free jazz. Cennamo impressiona solando sozinho e utilizando da técnica de vibrato de oitavas. Depois de destruir o baixo, a psicodelia entra de vez, com vocalizações e efeitos que parecem ter influenciado o Pink Floyd para as viajantes sessões de "Echoes" (do álbum Meddle). Aqui, essas sessões são mais arrepiantes e sombrias (ouça este trecho com a luz apagada em um dia ventoso e entenda o que quero dizer), com um vento surgindo entre os acordes de piano e baixo como que varrendo tudo o que vê pela frente, encerrando a canção do nada, e ficando aquele pensamento de "acabou?".

Do álbum foi extraído o single editado de "Island" (sem o tema clássico de encerramento), tendo como lado B a inédita "The Sea". O valor da bolachinha é elevadíssimo nos dias de hoje. Além disso, o álbum foi lançado com capas diferentes nos EUA e no resto do mundo. Enquanto a versão mundial traz uma bela ilustração de Gennison chamada The Downfall of Icarus, a versão americana tem apenas uma foto do grupo.

Em 1998 a gravadora inglesa Mooncrest Records relançou esse disco com o nome de Innocence, trazendo seis faixas bônus, incluindo as citadas acima, bem como "Shining Where the Sun Has Been", uma demo da fase do Together gravada em 1968: "Prayer For Light" e "Walking Away", duas faixas gravadas pós-primeira geração por Keith e McCarty para a trilha não realizada do filme Schizom, de 1971; e a despedida de Keith para os humanos, "All the Fallen Angels", gravada por ele sozinho em sua casa no ano de 1976 dias antes de falecer em um trágico choque elétrico enquanto tocava guitarra.

Após o lançamento, o grupo partiu para uma turnê de divulgação do álbum na Europa. Porém, McCarty decidiu deixar o grupo, alegando cansaço e medo de viajar de avião, preferindo então se ausentar da música. Ele foi substituído por Terry Slade, e assim a banda tocou nos festivais Amougies (Bélgica) e Operation 666 e Le Bourget (França), passando também por Itália, Alemanha, Inglaterra e Escócia.

Em fevereiro de 1970 partem para uma tour nos EUA, onde, devido à ligação de Keith com o Yardbirds, acabaram se apresentando ao lado de bandas como o The Kinks, o que não combinava em nada com o som do Renaissance, e assim a tour americana não foi bem sucedida. Isso afetou os ânimos do grupo, que começou então a ter problemas internos durante as gravações do segundo álbum. Keith decidiu simplesmente parar de tocar, enquanto Cennamo juntou-se ao pessoal do Colosseum, onde não ficou por muito tempo, gravando apenas o álbum Daughter of Time (1970). Resultado: Hawken ficou sozinho junto com Jane, com a responsabilidade de terminar o segundo álbum e manter os contratos com a Island.

Para isso então acabou juntando forças com ex-companheiros do The Nashville Teens - a saber: Michael Dunford (violões, guitarras) e Terry Crowe (vocais) -, bem como Neil Korner (baixo), que havia tocado no The New Vaudeville Band. Essa formação é a responsável por terminar o segundo álbum e fazer alguns shows de divulgação. Sem conseguir completar o disco, os antigos membros, com a exceção de Hawken, reuniram-se para gravar apenas uma música e, finalmente, o álbum Illusion foi lançado em 1971, mas somente na Alemanha, onde a fama do Renaissance era muito grande.

O disco é uma mescla de sobras de estúdio do primeiro trabalho com gravações feitas pela banda após a saída de McCarty, começando com a balada "Love Goes On", onde violão e vocalizações cantando o nome da canção são repetidos com um leve acompanhamento do trio bateria, piano e baixo. A canção muda o ritmo, ganhando pegada quando Jane começa a cantar. O tema inicial é retomado, encerrando a primeira faixa.



A líndissima "Golden Thread" vem a seguir, com piano e baixo exectuando o mesmo tema, para Hawken solar seguido pela guitarra limpa de Keith e o baixo de Cennamo. Hawken e Cennamo voltam a duelar, e então a marcação de bateria surge, trazendo vocalizações de Jane para acompanhar as notas de piano, baixo e guitarra. O ritmo muda, com vocalizações de Keith e Jane em um belo tema de Hawken. Keith canta acompanhado pelas suaves vocalizações de Jane. Os temas clássicos, seguidos de vocalizações, encerram essa linda canção de maneira triste e saudosa.



"Love is All" é uma das músicas mais importantes da carreira da banda, pois é nela que conhecemos pela primeira vez as letras da escritora Betty Thatcher, a qual foi muito importante para consolidar a segunda geração do Renaissance. Thatcher era amiga de Jane, e suas poesias agradaram em cheio Keith e McCarty, que concordaram com a participação dela em algumas canções. Em "Love is All" o piano clássico introduz a canção, seguido por Cennamo e McCarty, que acompanham os vocais de Keith. O refrão é simples, apenas repetindo o título da faixa. Keith canta a segunda parte da letra e mais uma vez temos o refrão. O encerramento ocorre com o refrão e uma participação quase escondida da guitarra de Keith.



Essas três canções foram registradas com a primeira formação da banda, e o Lado A encerra com uma gravação feita pela terceira formação (já sem Keith e Cennamo e contando com o pessoal do The Nashville Teens) chamada "MrPine", outra importantíssima canção por ser a primeira composição de Dunford para o grupo. Harpsichord, baixo e percussão nos levam novamente ao período renascentista. Os vocais de Crowe e Jane aparecem ora juntos, ora separados, para entrar na segunda parte, onde o órgão é o principal instrumento, executando o maravilhoso tema que seria repetido posteriormente em "Running Hard", do álbum Turn of the Cards. Dunford muda o ritmo da canção, com uma base dançante recheada de percussão, onde Hawken sola ao órgão enquanto Jane e Crowe dividem os vocais, alternando com frases cantadas apenas por Crowe. Dunford faz um pequeno solo de guitarra, e o clima renascentista da introdução retorna, com o harpsichord, baixo, percussão e as vozes de Jane e Crowe encerrando o lado A.



O lado B abre com a magistral "Face of Yesterday", onde piano e baixo resgatam os temas do primeiro álbum, com outro bonito arranjo clássico. Os vocais de Jane são acompanhados apenas pelo piano, baixo e notas de guitarra, em uma das mais belas canções da carreira do grupo, gravada aqui pela formação original.




O disco encerra com "Past Orbits of Dust", outra composição de McCarty e Thatcher e que contou ainda com a colaboração de Keith. Essa faixa é a que foi gravada pelos membros originais sem Hawken, que foi substituído pelo pianista Don Shin. A introdução de baixo e bateria traz o piano elétrico e as vozes de Jane e Keith. A sequência é interessantíssima, com crescendos que lembram o que o King Crimson faria posteriormente em Three of a Perfect Pair. Após essa primeira parte, uma sessão jazzística é apresentada para ser a base dos vocais de Jane, com solos de Shin e Keith. Percussões tocadas por Jane surgem para acompanhar o delírio do piano e do baixo, ganhando espaço para um rápido solo ao lado de McCarty e retornando ao tema inicial. O tema jazzístico surge novamente, com Shin mandando ver em um embalado solo. A canção, e o álbum, encerram-se com Cennamo solando envolto de intervenções suaves de Shin em uma das mais viajantes canções do grupo.

Assim como o primeiro disco, Illusion teve duas capas diferentes, uma trazendo um menino caminhando sobre uma faixa de estrada no meio do universo (que é a mais conhecida) e outra com o ancião parado sobre um planeta (que é a contra-capa da primeira versão) e que foi lançada somente na Inglaterra. Ambas as ilustrações foram feitas por Paul Whitehead, famoso pelas capas de álbuns como Nursery Crimes, Seeling England by the Pounds e Foxtrot (Genesis), além de outras bandas da Charisma Records, como Van der Graaf Generator (Pawn Hearts, H to He, Who Am the Only One) e Le Orme (Smogmagica).

Após o lançamento na Alemanha - sendo que o disco só foi lançado na Inglaterra em 1976 devido a problemas contratuais entre os integrantes, que será explicado melhor na próxima edição -, os dois últimos remanescentes da formação original abandonam o grupo no outono de 1970. Jane foi substituída pela cantora Marie-Louise "Binky" Cullom, enquanto Hawken foi parar no Spooky Tooth, sendo substituído por outro virtuose no piano, John Tout.

Essa formação fez alguns shows mas também não durou muito tempo. Keith e McCarty permaneceram ligados ao Renaissance durante algum tempo, não como músicos, mas como managers da banda, com Keith trabalhando como produtor e McCarty como letrista. A partir de então, tentando manter o nome do Renaissance na ativa, bem como a ideia inicial, partem em busca de uma nova formação, ouvindo diversas pessoas, ao mesmo tempo que começam a se deliciar com as composições de Dunford e as poesias de Thatcher.

Durante o ano de 1971, com a ajuda de Keith, McCarty e de Miles Copeland, reorganizam a banda, contando agora com Dunford, Tout, Crowe, Korner e uma nova vocalista, a espetacular Annie Haslam. A partir de então, ainda naquele ano, vários outros membros passaram pelo baixo, como John Wetton, Frank Farre, Danny McCulloch e, finalmente, Jon Camp. Crowe foi despedido e finalmente o Renaissance chegava a sua segunda geração, tendo Dunford se concentrando nas composições (ao lado de Thatcher) e o guitarrista Mick Parsons assumindo o posto das seis cordas, além de Terence Sullivan na bateria.




Essa formação durou alguns meses, pois Parsons acabou falecendo em um trágico acidente de carro. Mesmo assim ele deixou seu registro no maravilhoso primeiro álbum da segunda geração, Prologue, lançado em 1972 (confiram a faixa "Rajah Khan"). O grupo seguiu como quarteto e fez então sua fama lançando álbuns essenciais como Ashes Are Burning (1973), Turn of the Cards (1974), Scheherazade and Other Stories (1975) e Novella (1977), virando um trio (sem Sullivan) e encerrando as atividades em 1983.

Enquanto isso, dos membros originais, Cennamo saiu do Colosseum e montou o Steamhammer, com quem lançou o álbum Speech em 1972. Posteriormente, reencontrou Keith no Armageddon, lançando um dos melhos álbuns da década de setenta. McCarty seguiu trabalhando com o Renaissance durante alguns anos, ao mesmo tempo que formou o grupo Shoot, em 1973.

Já Jane e Hawken saíram de cena por algum tempo, até que em 1977 reaparecem na mídia com uma nova banda, como veremos na próxima edição.

terça-feira, 9 de março de 2010

Aphrodite's Child


Um dos maiores nomes da música no final dos anos 70 e início dos anos 80 com certeza foi o tecladista grego Ευάγγελος Οδυσσέας Παπαθανασίου (Evangelos Odysseas Papathanassiou), mais conhecido como Vangelis. Obras como as trilhas para Chariots of Fire, Antarctica e Blade Runner tornaram o músico conhecido mundialmente, e muitos acabaram se perguntando de onde ele tinha surgido.



Pois na Grécia e na França, Vangelis fez parte de um dos mais importantes e legais grupos do rock progressivo da história, o Aphrodite's Child. A origem do Aphrodite's Child ocorreu após um racha entre outras duas bandas gregas, a Formynx (1963-1966) e a We Five. Vangelis fazia parte da Formynx, gravando principalmente trilhas para filmes e documentários, enquanto na We Five encontrava-se o vocalista e baixista Ντέμης Ρούσος (Demis Roussos), que também havia participado de outra importante banda beat grega, The Idols.


Ambos estavam decepcionados com os caminhos de seus respectivos grupos, e num encontro em um teatro de Atenas decidiram montar uma banda que se aproximasse do que estava sendo feito na Inglaterra e que fugisse da tradicional música grega (bouzoki), assim como muitos outros jovens procuravam fazer naquele país.

Assim, chamaram para completar o time o baterista e vocalista Λουκάς Σιδεράς (Loukas Sideras) e também o guitarrista Αργύρης Κουλούρης (Argyris "Silver" Koulouris). O grupo foi formado em 1967 e batizado como The Papathanassiou Set, tocando então com artistas locais como Ricardo Credi e Vilma Ladopoulou.

Participam das gravações de um disco do cantor pop grego George Romanos, onde registraram quatro canções do rarísssimo álbum In Concert and in the Studio de 1968, as quais foram "Η αγάπη μας Kοιμάται στα Nερά (I Agapi mas kimate sta nera)", "Μαρίνα (Marina)", "Όταν μou 'πες (Otan Moupes)" e "'Eι κορίτσι (Ei Koritsi)", e com o nome modificado para Vangelis & His Orchestra.

Gravam uma demo aproveitando-se de duas músicas de George: "Η αγάπη μας Kοιμάται στα Nερά" e "το ρολόι (To Roloi)", traduzindo os nomes para o inglês e gravando apenas a parte instrumental. Assim, "Our Love Sleeps on the Waters" e "The Clock" se tornaram as primeiras gravações oficiais do grupo, e que não chegaram a passar de um lançamento em pouca tiragem, tornando a bolachinha uma raridade tão cobiçada quanto o Santo Graal. No mesmo ano, a banda registrou outra demo com as músicas "Plastics Nevermore / The Other People" e a enviou para algumas gravadoras, impressionando o pessoal da Philips, que decidiu investir nos garotos, com o primeiro passo sendo ir para a Inglaterra.

Como um forte regime militar assombrava a Grécia de 1968, os garotos resolvem seguir a gravadora e partir para a ilha da Rainha. Porém, Koulouris ainda estava na idade de prestar serviço militar e, assim, fica na Grécia, com a banda seguindo como trio. Partem para Londres, mas no caminho "estacionam" em Paris, já que não haviam conseguido autorização para trabalhar na Inglaterra, ao mesmo tempo em que ocorriam os famosos eventos de maio de 68 na França, com a greve geral dos trabalhadores franceses.

Permanecem na França tocando em pequenos bares, e com a ajuda do produtor da Philips Pierre Sberro assinam contrato com a Mercury Records, assumindo então o nome de Aphrodite's Child e gravando seu primeiro single, com "Rain and Tears", uma adaptação para "Canon in D Major", de Johann Pachelbel, tendo no lado B "Don't Try to Catch a River", e que acabou fazendo muito sucesso na França, o que levou-os a tocar em outros países como Holanda, Espanha, Bélgica, Itália, Noruega e Inglaterra.

Com o pequeno sucesso obtido, a Mercury resolveu investir no primeiro álbum da banda. Antes, lançam um EP com "Rain and Tears", "Don't Try to Catch a River", "Plastics Nevermore" e "The Other People". Em outubro de 1968 era lançado o espetacular disco End of the World. Em seus sulcos, uma interessante mistura de Moody Blues, Procol Harum e bouzoki.

O disco abre com o órgão quebrando tudo em "End of the World", se transformando em uma linda balada, com belas participações de Vangelis, algumas vocalizações de Claude Chauvet e o magistral vocal de Roussos. "Don't Try to Catch a River" é uma embalada canção construída sobre o baixo de Roussos e com muitas vocalizações e arranjos orquestrais, os quais foram construídos por Vangelis e Boris Bergman, e que encerra com um empolgante solo de Vangelis, acompanhado pela percussão de Sideras.

"Mister Thomas" conta a história de um senhor que guardava margaridas nos bolsos, como se fosse uma história em quadrinhos, repleta de órgão, cravo, percussão e um refrão repetitivo e marcante, seguida por "Rain and Tears", outra linda balada, que começa com o órgão e o cravo de Vangelis acompanhados pelas orquestrações de Bergman. Os vocais de Roussos são suaves, em um clima bem delicado e tranquilo, que conta também com as vocalizações de Claude.

O lado A encerra com a psicodélica "The Grass is No Green". Barulhos de vento são ouvidos sobre camadas de teclados, trazendo a voz distorcida de Roussos acompanhada de percussão e órgão. O baixo entra, criando um clima viajante para o vocal de Roussos deslizar a letra da canção. A canção muda de velocidade, ganhando um tema mais rápido, que dura poucos segundos, voltando para a sua viajante parte inicial. O tema rápido é repetido, e assim a música vai se alternando, sempre com uma sonoridade moderna para a época, terminando com uma delirante sessão instrumental onde baixo e bateria duelam para acompanhar os solos de Vangelis, enquanto Roussos grita alucinado. Demais!

O relógio introduz e acompanha "Valley of Sadness", mais uma balada com um interessante refrão e que conta com Roussos tocando guitarra grega, abrindo o lado B e seguida por "You Always Stand in My Way", uma interessante faixa construída na tradicional escala de terças, com destaque para o baixo e os gritos alucinados de Roussos, bem como intervenções psicodélicas de Vangelis.

"The Shepherd and the Moon" é construída em cima dos temas gregos da bouzoki. Com Roussos dividindo os vocais com Claude, é uma canção bem interessante, com belos arranjos orquestrais e mais uma viajante sessão onde Roussos conta a seguinte história - "That the Gods put the moon high up in the sky so that the men might not be tempted to steal it" -, tendo um empolgante final com violinos e percussão, antecedendo a outra viajante canção, "Day of the Fool". O início com órgão e violino é de lembrar os bons tempos do Pink Floyd dos anos 69/70 (se bem que essa introdução foi feita antes disto), caindo então em uma louca canção que alterna momentos calmos feitos com cravo, violino e baixo, e outros rápidos com bateria, órgão e vocalizações. A letra está presente em ambas as partes, com Roussos cantando suave na parte lenta e gritando muito na parte rápida. Uma longa sessão somente com teclados se faz presente no meio da canção, encerrando com a participação de percussão e com acordes de um órgão tocados de forma aleatória. Delírio total!

O bom disco de estreia acabou rendendo mais shows para a Aphrodite's Child, que acabou excursionando por vários países da Europa, entre eles a Itália, onde a banda fazia muito sucesso, tanto que o single de "Rain and Tears" alcançou a posição número um por lá. Em homenagem aos italianos gravam um single especial para o festival de San Remo, isso já em janeiro de 1969, contando com as músicas "Lontano dagli occh i/ Quando l'amore diventa poesia", ambas cantadas em italiano (não é preciso citar o valor dessa raridade). Porém, não participam do festival devido a problemas pessoais de Vangelis.

Gravam mais um single, contando com "I Want to Live", um arranjo para "Plaisir D'amour" e "Magic Mirror", em junho de 69, e vão para Londres finalmente, onde nos famosos estúdios da Trident registram seu segundo álbum, It's Five O'Clock, o qual foi lançado em setembro daquele ano. O disco mostra uma banda mais madura, com um pé mais forte no progressivo inglês que estava começando a nascer.

A balada e faixa-título "It's Five O'Clock" abre a bolacha, com um lindo arranjo dos teclados de Vangelis, seguida por "Wake Up", um rock intoduzido pelo piano, com vocais acompanhados por violão, órgão e pandeiro meia-lua. Roussos exibe um tímido solo de guitarra, utilizando ora pedal wah-wah ora guitarra limpa, enquanto Vangelis expande seus instrumentos, tocando agora com tubular bells, em uma empolgante sessão instrumental.

"Take Your Time" é um country engraçado, com Roussos tocando violão de cordas de aço acompanhado pelo piano de Vangelis e por um andamento estranho da bateria de Sideras. Ainda é possível ouvir um solo de harmônica, o qual foi tocada por Vangelis. A faixa encerra com um verdadeiro clima de cabaré, com mulheres falando, homens dando risadas e a gaitinha sendo acompanhada pelo piano.

A linda "Annabella" começa com as ondas do mar chegando na praia, e Vangelis acompanhando os vocais dramáticos de Roussos nos sintetizadores que imitam flautas, assim como violões e uma orquestração construída por Vangelis e G. Fallec. Uma bela faixa, que antecede o encerramento do lado A, o qual é feito com o rock de "Let Me Love, Let Me Live", onde o baixão de Roussos surge estourando os alto-falantes. Uma canção diferente, com baixo, bateria, violão e piano acompanhando os vocais, inercalados por solos alucinantes de guitarra, com rápidas viradas de bateria, e que termina com a repetição do nome da canção em um crescendo do solo de guitarra e do ritmo da faixa.

O lado B abre com a doideira de "Funky Mary", um bom aperitivo para admiradores de bandas como Can, onde a bateria e a percussão fazem a base para os vocais de Roussos. Vangelis sola no xilofone (mostrando que era um grande multiinstrumentista), e a canção segue sempre com a percussão sendo o eixo para Roussos cantar. A faixa encerra com um solo de piano, e o clima de piração geral sobre uma escala blues sendo absorvido nos estúdios.

Sopros introduzem "Good Time So Fine", um jazz rock inspiradíssimo nas bandas inglesas, que conta ainda com um solo de trompete, seguida por um grande sucesso do trio, a balada latina "Marie Jolie", recheada por percussão e vocais dramáticos e que é muito conhecida na Europa, principalmente na Espanha e na Itália.

O disco encerra com "Such a Funny Night", onde a guitarra grega de Roussos volta a aparecer, acompanhada de piano, baixo e bateria. Vangelis usa uma espécie de flauta para executar pequenas estrofes, e a canção permanece sempre embalada, como em um final de festa, como sugere o título.

O primeiro single do álbum foi lançado em outubro de 69, com "Let Me Love, Let Me Live / Marie Jolie". Em dezembro era lançado o segundo single, com "It's Five O'Clock / Wake Up", que novamente colocou a Aphrodite's Child no posto número um na Itália.

Em 1970 partem para uma longa turnê de divulgação do álbum entre Espanha e Itália, sem Vangelis, que preferiu se trancar nos estúdios franceses para compor a trilha sonora do filme Sex Power, de Henry Chapier. Vangelis foi substituído nos shows por Harris Chalkitis, e enquanto a turnê ocorria começou também a pensar no próximo álbum da banda, ao mesmo tempo que compunha a trilha para o Rose D'or Festival na Suiça, a qual foi performada pela orquestra de Raymond Lefevre. Ainda nesse meio tempo, Vangelis cômpos uma canção para o cantor grego Tassos Papastamatis e produziu o álbum do cantor francês Paul Labbey, esvaziando a mente para poder começar o ambicioso projeto do terceiro álbum da Aphrodite's Child.

Com o progressivo em alta na Europa, os integrantes reunem-se novamente para começar a gravar o novo LP. Antes, a gravadora insiste em mais um single, que acabou se tornando "Spring, Summer, Winter and Fall / Air", que inclusive foi lançado no Brasil. A épica faixa do lado A acabou tornando-se um verdadeiro sucesso na Europa, alcançando o número um na Itália uma semana após seu lançamento, ocorrido em agosto de 1970.

Após a gravação deste single, no final de 1970 começam as sessões para o próximo álbum, o qual seria uma adaptação ao Livro das Revelações da Bíblia, baseado no Apocalipse de São João, do Novo Testamento. Para isso, recrutaram para a guitarra o sargento Koulouris, que acabara seus serviços militares e, assim, dedicaram-se a construção daquela que seria a principal obra da banda, totalmente criada por Vangelis e com letras do cineasta grego Costas Ferris.

Costas escreveu um livro conceitual para o álbum, 666 (The Apocalypse of John, 13/18), e a ideia era simples: um grande circo com acrobatas, dançarinos, elefantes, tigres e cavalos mostrando um espetáculo refente ao fim do mundo. Enquanto o show ocorre com diversos efeitos de luz e som, algo estranho começa a acontecer fora do circo, que é a revelação da destruição do planeta Terra. O público acredita que o que acontece fora do picadeiro faz parte do show, mas o narrador começa a alertar a plateia que aquilo é real. Então, uma imensa e densa batalha entre o bem e o mal passa a ser travada, até que um deles vença!!

O ano de 1971 começava com o clima entre os integrantes se tornando cada vez mais pesado, já que as composições e o intelecto de Vangelis exigiam muito dos demais, além do fato de que Roussos estava se tornando incomodado com o brotamento de inspiração do tecladista. Durante três meses, as gravações ocorreram entre diversas brigas, sem nenhuma fala sendo trocada entre Vangelis e Roussos, o que culminou com o fim da banda após o término de gravação do disco, que ocorreu em meados de março daquele ano. O interessante é que, segundo relatos, quando o grupo começava a gravar juntos era como se fossem os velhos amigos de sempre, rindo, trocando olhares e sentindo a harmonia entre eles, mas bastava acabar a música para as caras fechadas surgirem novamente.

Roussos partiu para uma bem sucedida carreira solo, começando com o single de "We Shall Dance" (ao lado de Sideras) e com o lançamento de seu primeiro álbum solo, On the Greek Side of My Mind ainda em 1971. Sideras também partiu para carreira solo, lançando em fevereiro de 1972 o disco One Day, enquanto Vangelis permaneceu na Mercury, onde viria a gravar em 1973 a trilha de L'apocalypse des Animaux, além de se esconder sob o pseudônimo de Alfa e lançar, ao lado da namorada Vilma Ladopoulou (Beta), o single "Alfa Beta".

Porém, Vangelis queria que o material gravado entre 1970 e 1971 fosse lançado de alguma forma. A autorização de Sideras e Roussos foi imediata, mas Vangelis barrava na própria Mercury, que rejeitou o álbum desde o início, a começar pelo título do disco, 666. Os chefões da Mercury achavam o nome muito sugestivo, e além disso o álbum continha algumas músicas "pesadas" para a época. No final, depois do lançamento dos trabalhos solos de Sideras e Roussos, a Mercury concordou em lançar parte do material, o que desagradou, e muito, principalmente Vangelis.

Então, em junho de 1972, através de uma subsidiária da Mercury (que não queria se expor com aquele trabalho), a Vertigo, chegava às lojas o hoje cultuado álbum duplo conceitual 666, trazendo na capa a primeira das polêmicas em torno do mesmo. Originalmente, Vangelis queria que a capa fosse a mesma elaborada para o livro de Costas, onde o número "666" era escrito como que feito por gotas de sangue sobre um fundo totalmente negro, sem nada mais. Infelizmente essa capa foi arquivada, e o que temos é apenas o "666" gravado em letras brancas sobre um fundo negro e com um envoltório vermelho em volta. Uma capa próxima a original foi lançada na primeira versão inglesa, mas rapidamente a versão do resto da Europa passou a constar nas prateleiras. Essa versão inglesa é raríssima.

Nas notas, algumas linhas diziam que o disco havia sido concebido sob a influência de sahlep, o que para os produtores da Mercury era uma evidência clara do uso de drogas nos estúdios ou, então, da realização de um ritual satânico entre os membros da banda (na verdade, sahlep é uma espécie de chá turco feita com raiz de orquídea).

Deixaremos as polêmicas de lado por enquanto, e vamos partir para o maravilhoso mundo registrado em 666, sem dúvida alguma uma das melhores obras criadas no século XX. Vale lembrar que temos nele a participação especial de vários convidados, entre eles John Frost (voz), Harris Halkitis (baixo, percussão, conga, bateria, sax alto, sax tenor e caixa), Irene Papas (voz), Michel Ripoche (trombone, saxofone, sax tenor) e Vannis Tsarouchis (voz), além de textos gregos feitos por Yannis Tsarouchis.

Totalmente diferente dos álbuns anteriores, principalmente pela inclusão de Koulouris, o disco abre com os polêmicos vocais de "The System", "we got the system, to fuck the system", mostrando que ali está uma obra carredada de ironia e sarcasmo, seguida por "Babylon", onde Koulouris traz o riff principal acompanhado por gritos de plateia, seguido por bateria (a qual foi tocada por Vangelis), baixo e os vocais de Roussos em um ritmo muito confuso. Metais são adicionados, executando notas curtas. A estrofe é repetida, encerrando essa primeira canção com um curto solo de Koulouris.

A deliciosa "Loud, Loud, Loud" vem com os vocais ingênuos de uma criança acompanhados pelo piano de Vangelis e as vocalizações com o nome da canção, para então surgir o hit "The Four Horsemen". Essa canção parece ter sido gravada nos dias de hoje, principalmente pela levada de bateria. A faixa começa com barulhos de talheres batendo em copos e os vocais agonizantes de Roussos sendo acompanhados por acordes de teclados. O clima é de viagem total em uma das letras mais diretas e fáceis da banda. Após as duas primeiras frases, citando o primeiro e o segundo cavaleiro do apocalipse, bem como suas posses, surge o refrão, narrando a cor dos cavalos e com um acompanhamento simples de baixo, teclado e bateria (bem atual). Mais duas frases são cantadas (agora citando o terceiro e o quarto cavaleiro e suas posses), e voltamos para o refrão, para nesse embalo simples Koulouris detonar um maravilhoso solo de guitarra sobre os "pá-pá-pá-pá-pá-rá-rá" cantados por todos. Uma ótima faixa que me apresentou a banda através dos saudosos podcasts da Collector's Room (valeu Cadão!) e que me contagiou de cara!

A instrumental "The Lamb" apresenta instrumentos gregos, com destaque para o solo de guitarra grega feita por Koulouris e o acompanhamento de sax e vocalizações. A sequência é alucinante. Camadas e camadas de teclados, guitarra, bateria e baixo são adicionadas para formar o colchão jazzístico onde Vangelis deita seus dedos para solar livremente no moog. Fantástico é pouco, e aqui o volume máximo tem que estar nas caixas de som. O lado A encerra-se com "The Seventh Seal", e a guitarra grega fazendo um tema acompanhado por xilofone e algumas intervenções de flauta, com Frost narrando a chegada do apocalipse.

O lado B começa com a viajante "Aegian Sea", uma prévia do que Vangelis faria no futuro em suas trilhas sonoras. Teclados viajandões são executados sobre acordes de guitarra e baixo, com leves batidas nos pratos. Vozes tornam o ambiente ainda mais delirante, e é fácil fechar os olhos e enxergar um local totalmente destruído neste momento. A bateria entra, com baixo, sax e sax tenor executando o mesmo tema. Mais vozes e o tema de sax surgem, para finalmente Koulouris solar lindamente acompanhando o vocal distorcido de Frost narrando o apocalipse ("the sun was black, the moon was red, the stars were falling, the earth has trembling"). Arrepiante e ao mesmo tempo belo!

"Seven Bowls" é mais uma viagem, onde em meio a barulhos de percussão e teclados, vozes narram a localização das sete "bacias" do apocalipse (terra, mar, rios, sol, besta, estrelas, ar) e o que acontece com os locais, abrindo espaço para as viagens instrumentais de "The Wakening Beast", com muita percussão e sons estranhos.

Cânticos são ouvidos em "Lament", outra faixa arrepiante, desejando alas (amargura) para a raça humana e o rei dos reis, e que é mais uma demonstração do talento de Vangelis em criar trilhas. Os metais retornam na instrumental "The Marching Beast", onde novamente podem ser ouvidos instrumentos gregos, bem como flautas e piano, que é responsável pelo solo principal.

Temos então duas faixas intercaladas por anúncios dos nomes das canções: "The Battle of the Locusts", um rockzão com um grande solo de Koulouris, mostrando toda a sua técnica, e "Do It", com o solo de guitarra em um ritmo muito mais rápido, puro hard, e com ótimo acompanhamento de Roussos no baixo e de Sideras na bateria.

"Tribulation" é uma pequena vinheta construída pelos metais, levando a "The Beast", que de forma hilária pergunta: "Quem pode encontrar a besta?". Um rock original, cantado por Frost, com acompanhamento de piano, baixo e bateria, além de ótimas intervenções de Koulouris, com a faixa perguntando "telionoume edho pera etsi?", ou seja, "vamos para o clímax?". O lado B encerra com a vinheta de "Ofis", trazendo uma das frases da peça teatral grega Karagiozis, Alexander the Great and the Cursed Serpent.

O apresentador do circo então nos mostra as "Seven Trumpets", seguida pela paulada de "Altamont", onde os metais são os destaque sobre o clima denso construído pelos teclados e pela levada baixo/bateria. Roussos faz algumas vocalizações, com um belíssimo solo de Ripoche, e canta a letra da canção sobre a intrincada levada, começando a preparar o ouvinte para a alucinante sequência do disco, que irá começar com a instrumental de "The Wedding of the Lamb", novamente com muita percussão e metais.

"The Capture of the Beast" é o momento de preparação para o clímax desejado no final do lado B, onde Roussos adverte que o que ouvimos antes fora "o casamento do cordeiro, e que agora irá ocorrer o casamento da besta", isto sobre camadas de percussão e teclados, que ficam sendo empregadas durante toda a canção.

O clímax ocorre em "∞", onde Irene Papas apenas fala as frases ""I was, I am, I am to come", uma inversão para "who was, is, is to come" contida na Revelação e atribuída a Deus, de forma aleatória (e que podem facilmente serem interpretadas como "I was, I'm and I want your cum") enquanto entra em vários estágios de histeria, no embalo de um ritmo sexual criado por um redemoinho de percussões, tocadas por Vangelis. Neste ponto, o demônio começa a utilizar esta frase dentro de seu ego e assim tenta renascer ou então criar outro ego, fazendo amor com ele mesmo até atingir o orgasmo!

A audição desta faixa é obrigatória para todos aqueles que se dizem conhecedores de música, não por ela ser uma canção excelente ou maravilhosa, mas sim pela genialidade e a ousadia do grupo em gravar algo como isso, que realmente impressiona (principalmente pelos gritos histéricos e a variação de vozes de Irene) e que em sua versão original contava com 39 minutos da mais pura orgia sendo realizada nos estúdios, o que foi rapidamente atorado pela Mercury, que chamou aquilo de blasfêmia, sendo lançados apenas cinco minutos desse espetáculo sexual, ainda contra a vontade da gravadora, mas com a justificativa de que era uma peça fundamental para compreensão da obra.

Inicialmente, quem iria cantar essa canção era algum inglês, pois Costas gostaria de ouvir a histeria do narrador através de um sotaque britânico, mas quando Irene surgiu foi dada a ideia para ela, que topou e fez todas as vozes de puro improviso, o que torna essa faixa ainda mais atraente. Outro detalhe interessante é que na Espanha essa faixa foi riscada no álbum quando do seu lançamento (algo como feito com as canções da Blitz aqui no Brasil nos anos oitenta), e a venda de 666 foi proibida por lá durante muitos anos somente por causa de "∞". Dica: mostre essa música para sua mãe e diga que quem está tocando percussão é o mesmo cidadão que fez a música que estava na abertura de sua formatura e duvido que ela acredite, se é que ela vai chegar até o primeiro minuto da canção.

O lado C encerra com "Hic et Nunc", outro belo rock, com o piano sendo destaque ao lado da guitarra e das vozes. Bom som para fechar esta etapa do apocalipse.

O lado D é talvez o mais difícil de ser assimilado, contando com apenas duas canções, a longa "All the Seats Were Occupied", onde praticamente um resumo de todo o álbum é feito, começando com uma viajante sessão de guitarra e moog apenas, crescendo com a adição da bateria e do baixo (lembrando muito "The End" dos Doors) e passando por vários temas do disco, inclusive com algumas frases de "∞", alternando momentos com a guitarra solando de forma alucinada e outros incrivelmente soturnos e demoníacos, onde o baixo predomina, encerrando com uma frase retirada de um disco de ensinamento de inglês da BBC que diz apenas "all the seats were occupied", e levando ao final do LP com "Break", onde, com o acompanhamento do piano, Roussos se despede dos amigos enquanto Vangelis canta de forma jazzística "stoobeedooobedoo", com direito a um pequeno solo de guitarra e finalmente a despedida final, dizendo apenas "fly, high and then you make it" e "do it".

Um single de 666 foi lançado em novembro de 1972, "Break / Babylon", e que acabou pegando pó nas prateleiras, assim como o álbum, que não vendeu muito principalmente por causa da censura em torno do mesmo. Porém, nos dias atuais 666 é considerado como um dos principais discos do rock progressivo e o melhor da carreira da Aphrodite's Child. Em uma pesquisa feita pelo conceituado site All Music Guide, 666 recebeu quatro estrelas e meia em uma cotação de cinco, com a justificativa de que ouvir o álbum na íntegra era demasiadamente complicado. Já a IGN Entertainment classificou 666 como o terceiro melhor disco progressivo de todos os tempos, ficando atrás apenas de In the Court of Crimson King do King Crimson em segundo lugar e The Lamb Lies Down on Broadway do Genesis.

Segundo Roussos e Vangelis, a Mercury podou e muito a versão original do álbum, que era para ser lançado em formato quádruplo. Os outros dois discos (incluindo a versão completa de "∞") estão perdidos em algum lugar deste planeta, esperando por uma alma para lançá-los para nós, meros mortais.




Roussos seguiu em uma carreira solo voltada para o pop, tocando em diversos países e lançando um CD chamado Live in Brazil no ano de 2006, enquanto Vangelis virou o monstro sagrado dos teclados que conhecemos hoje, com participações em várias trilhas sonoras de filmes, além de formar dupla no início dos anos oitenta com Jon Anderson (vocalista do Yes), com quem também obteve relativo sucesso. Vez ou outra Vangelis e Roussos se encontraram nos estúdios, como nas gravações de Blade Runner e Chariots of Fire, mas o Aphrodite's Child nunca mais retornou à ativa.



Koulouris adotou apenas o nome Silver, vindo a participar do álbum Souvenirs de Roussos, lançado em 1975, além de fazer parte por um bom tempo da banda de Vangelis, enquanto Sideras lançou seu segundo álbum solo, Pax Spray (1973), participando do álbum My Only Fascination (1974) de Roussos, além de fazer parte das bandas Ypsilon (ao lado de Lakis Vlavianos e Dimitris Katakouzinos), com quem lançou o disco Metro Music Man (1977) e vários compactos, e também do Eros (com Lakis Vlavianos, Charis Chalkitis e Dimitri Tambossis), com quem lançou apenas o compacto "Rain Train / I Can See It", em 1971. Trabalhou em vários discos de outros cantores, como L'Alba (Riccardo Cocciante - 1975), Love's Fool e Dead Line (Sigma Fay - 1979 e 1981) e em 2008 lançou o CD Stay With Me.


O Aphrodite's Child entrou para a história da música grega como a principal banda daquele país, e marcou época nos anais do rock progressivo em suas duas distintas fases, a primeira marcada por baladas e simplicidade e a segunda por 666. Cavuque nos sebos atrás dessas preciosidades, e descubra que nem só a Inglaterra fazia rock progressivo de qualidade nos anos setenta. Do it!

E apenas para garantir o grego:


Δισκογραφία



End Of The World (1968)
It's Five O'Clock (1969)
666 (1972)
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