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quarta-feira, 26 de junho de 2024

Cinco Discos Para Conhecer: As Parcerias de Gil


Gilberto Passos Gil Moreira, ou simplesmente Gilberto Gil, completa hoje 82 anos. Ministro da Cultura de Lula no período de 2003 a 2008, tendo inclusive sido responsável pela organização do gigante festival Viva Brasil Em Paris (2005), ao lado de Gal Costa, Daniela Mercury, Jorge Mautner entre outros, Gil é inegavelmente um dos maiores nomes da música nacional brasileira, e gostando ou não de suas canções, certamente você já ouviu ou reconhece clássicos de sua carreira logo na primeira audição. 

Um dos maiores arroz de festa da história, Gil tem em seu extenso currículo incontáveis projetos, participações especiais e shows ao lado de artistas do mundo inteiro. Essa lista de Cinco Discos Para Conhecer traz parcerias em duplas com cinco artistas renomados de nosso país, deixando espaço para os comentários trazerem outras sugestões de discos em duplas feitos por Gil, os quais eu admito que ficaram vários possíveis de fora. 


Gilberto Gil E Jorge Ben - Gil e Jorge Ogum, Xangô [1975]

Um dos discos mais experimentais da carreira tanto de Gil quanto de Jorge Ben. Aqui, o produtor André Midani largou os dois em um estúdio, acompanhados do baixista Wagner Dias e do percussionista Djalma Corrêa, para registrar e capturar a energia insana que a dupla já havia apresentado ao vivo no Phono 73 dois anos antes, e criar uma obra única. O clima é de improviso total, onde Gil (principalmente) e Jorge parecem se deliciar com as improvisações vocais e instrumentais. O álbum já abre com a inédita oração criada por Jorge Ben "Meu Glorioso São Cristóvão", com a dupla dividindo os vocais, mas certamente com Gil se destacando com suas vocalizações e falsetes, em uma das faixas mais curtas do álbum, "apenas" 8 minutos. Gil traz de seu baú as pérolas "Nega", cantada em inglês e com fortes influências de Bob Marley no estilo vocal, com mais de 10 minutos de duração, apenas com dois acordes ao longo de todo o improviso, a então inédita, e alucinante, "Jurubeba", com seus 12 complexos minutos de vocalizações e muita percussão, sendo algo muito interessante de se ouvir algo que praticamente foi criado ali, e a dupla "Essa É Pra Tocar No Rádio" e os insanos 13 minutos de "Filhos de Gandhi" (também inédita à época), com Gil sendo a principal atração na última, seja nos vocais seja no violão. Já dos arquivos de Jorge Ben brotam o gingado de "Quem Mandou (Pé Na Estrada)", sucesso com Wilson Simonal em 1973, o estonteante ritmo de "Morre O Burro, Fica O Homem", e principalmente os explosivos 15 minutos de"Taj Mahal", nos quais as experimentações vocais e o violão imparável da dupla, agora com apenas três acordes sendo mudados entre si, agitam as paredes da casa, sendo ambas as faixas de Ben (1972). Gil e Jorge interagem o tempo todo, vocal e instrumentalmente, tornando cada canção muito especial. É impressionante que a Phillips tenha tido culhões de lançar este disco duplo totalmente anti-comercial em 1975, mas não é impressionante o culto que o mesmo tem até hoje. Afinal, trata-se de uma das grandes obras da carreira de Gil, e por que não, da música nacional

Gilberto Gil (vocais, violões), Jorge Ben (vocais, violões), Djalma Corrêa (percussão), Wagner Dias (baixo)

1. Meu Glorioso São Cristovão

2. Nega

3. Jurubeba

4. Quem Mandou (Pé Na Estrada)

5. Taj Mahal

6. Morre O Burro, Fica O Homem

7. Essa É Pra Tocar No Rádio

8. Filhos De Gandhi

9. Sarro

Rita e Gil na turnê Refestança

Gilberto Gil e Rita Lee - Refestança [1977]

Gil e sua Refavela uniram forças com Rita Lee e a Tutti Frutti em uma turnê nacional durante outubro e novembro de 1977, registrada neste álbum que marca a primeira participação de Roberto “Zezé” de Carvalho em um disco da futura esposa Rita. O contexto da turnê surgiu um ano antes, quando a imagem da dupla ficou manchada por prisões porte de drogas (a de Gil inclusive sendo tratada com detalhes no documentario Os Doces Bárbaros). Os antigos parceiros de Tropicalismo criaram o projeto para poder reerguer suas carreiras. Cada um tinha seu espaço no show, e também apresentavam-se juntos. A Refavela traz toda a sua pimenta percussiva na inédita "Refestança", composição criada por Gil e Rita, abrilhanta a linda introdução de “Odara”, que havia acabado de ser lançada por Caetano no exclente Bicho (1977), e manda ver no peso em "É Proibido Fumar", de Erasmo e Roberto Carlos (até para ironizar o que aconteceu no anterior). O lado B do vinil é particularmente um show a parte de Gil, seja no gingado estilo Refazenda de “Eu Só Quero Um Xodó”, interpretando a inevitável “Ovelha Negra” da “comadre”, com grande tempero progressivo, ou comandando os vocais de Rita na clássica  "De Leve", versão abrasileirada de "Get Back", dos Beatles. Enquanto isso, a Tutti Frutti se apresenta junto de Gil e Rita dando bons ares roqueiros para “Back in Bahia”, “Giló”, ótima homenagem criada pela paulista para o baiano, e “Arrombou a Festa”, com uma divertida brincadeira de Gil e Rita na introdução, fazendo perguntas a plateia como se fossem repórteres. Destaque total para a arrebatante melhor canção do álbum, o resgate de “Domingo No Parque”, com Rita relembrando o Festival da Canção da TV Record de 1967, ao lado dos Mutantes, fazendo os backing vocals deste clássico que revelou o grupo para o Brasil, e aqui com um final apoteótico. Um ótimo disco inclusive em termos de qualidade na produção.

Gilberto Gil (guitarra, violão, vocais), Rita Lee (Vocais).

Refavela (Banda de Gilberto Gil)

Péricles Santana (guitarras), Moacir Albuquerque (baixo), Milciades Teixeira (Teclados), Carlos Alberto Chalegre (bateria), Lucia Turnbull (vocais de apoio), Willi (vocais de apoio), Djalma Corrêa (percussão)

Tutti Frutti (Banda de Rita Lee)

Luis Carlini (guitarras), Roberto de Carvalho (Guitarra, teclados, vocais), Lee Marcucci (baixo), Sergio Della Monica (bateria), Naila Scorpio (percussão)

1. Refestança

2. É Proibido Fumar

3. Odara

4. Domingo No Parque

5. Back In Bahia

6. Giló

7. Ovelha Negra

8. Eu Só Quero Um Xodó

9. De Leve (Get Back)

10. Arrombou A Festa

11. Refestança


Gilberto Gil e Milton Nascimento - Gil e Milton [2000]

Vários foram as parcerias de Gil nos anos 80 e 90, mas o salto para 2000 se deve justamente por este encontro gigantesco com o mineiro Milton Nascimento. Gil foi o responsável por apresentar Milton a Elis Regina, dando origem a uma série de grandes lançamentos da gaúcha qe revelaram o mineiro ao Brasil. Aqui, a dupla funciona super bem, mesclando seus estilos em uma peça única e exclusiva, e criando cinco novas faixas. Das cinco, para mim a melhor é a crítica ácida de "Sebastian", carro-chefe de Gil e Milton. Temos também "Trovoada", com seu ritmo nordestino no qual Gil canta a primeira parte da canção, deixando a segunda metade para Milton, acompanhado por uma interessante harmonia vocal, o rock cheio de críticas "Lar Hospitalar", em mais uma grande letra de Gil, e "Dinamarca",  com Milton ao piano e um espetacular arranjo por Wagner Tiso. Ok, esqueça a outra composição exclusiva de Gil e Milton para este disco, a caipira "Duas Sanfonas", com participação de  Sandy & Júnior, é muito fraca, concordo fortemente, assim como o baião "Baião Da Garoa" e o reggae destrutivo de "Something", que honestamente Gil, pra que você fez isso? Porém, é lindo ver Gil resgatando "Ponta De Areia (Theme)", pena que somente em vinheta, duelando com Milton na pérola "Canção Do Sal" (de Milton), ou emocionar junto do parceiro ao resgatar "Maria", de Luiz Peixoto e Ary Barroso, e principalmente "Dora", de Dorival Caymmin, com um esplêndido arranjo de cordas, e Bituca na sanfona. Já Milton traz toda a sua capacidade de interpretação para "Bom Dia" (de Gil e Nana Caymmi), acompanhado do Coro das Meninas do Colégio São José, fazendo um belo dueto vocal com Gil, e manda ver na reinterpretação de "Yo Vengo a Ofrecer Mi Corazón", de Fito Paez. "Xica Da Silva" (Jorge Ben) tem uma aura Santaniana para ninguém botar defeito, O disco rendeu uma boa repercussão de público e crítica quando da época do seu lançamento, além de uma extensa excursão que contou com apresentações, entre outras, no Rock in Rio III e no Festival de Montreux de 2001, e apesar de um pouco longo, vale a pena ser conhecido principalmente para quem curte a obra indiviudal de cada um dos artistas

Gilberto Gil (violão, guitarra, vocais), Milton Nascimento (vocais, violões, sanfona piano)

Sergio Chiavazzoli (guitarras), Wagner Tiso (teclados, piano), Arthur Maia (baixo), Alberto Contentino (baixo), Lincoln Cheib (bateria), Jorge Gomes (bateria), Naná Vasconcellos (berimbau)

Diversos outros músicos de estúdio

1. Sebastian 

2. Duas Sanfonas 

3. Ponta De Areia "Theme" 

4. Bom Dia

5. Trovoada

6. Something

7. Maria

8. Lar Hospitalar

9. Yo Vengo A Ofrecer Mi Corazón

10. Dora

11. Xica Da Silva

12. Canção Do Sal

13. Dinamarca

14. Palco "Theme"

15. Baião Da Garoa

Gil e Gal em Londres, 1971

Gilberto Gil e Gal Costa - Live In London Nov 25th 1971 [2014]

Gil e a musa da Tropicália possuem no mínimo 5 participações juntos (a saber: Tropicália Ou Panis Et Circensis - 68; Temporada de Verão - 74; Doces Bárbaros - 76; Trinca de Ases - 2018 e este aqui apresentado), além de Gil ter feito contribuições em álbuns da "Gaúcha" (como Gil apelidou Gal) como Gal Costa (1969), Gal (1969) e Cantar (1974). Este álbum é especialíssimo. O show no Student Centre da City University de Londres foi para alguns amigos e curiosos, e chegou ao mundo somente 40 anos depois. É um petardo para colocar o ouvinte na lona, em um clima que o próprio Gil define como "informal". Tudo começa calminho com "Coração Vagabundo", clássico da obra de Caetano gravada na estreia de Gal (junto de um ainda Caetano Velloso) Domingo (1967). Depois, o show desbanca para muitas improvisações e insanidades vocais / instrumentais, como já mostra a paulada "Sai do Sereno". Gil está super-feliz, conversando em inglês com a plateia, dando risadas em diversas vezes, vide a introdução de "Aquele Abraço" (dedicada a Dorival caymmi, João Gilberto e Caetano Veloso), e um espetáculo à parte com o seu violão, seja em "Oriente", "One O'Clock Last Morning, 10th April, 1970" ou "Como Dois E Dois", instrumento que Gal também se sai modestamente bem. Acompanhados de Tutty Moreno (percussão) e Bruce Henry (baixo), os baianos mandam ver em um show dividido em duas partes. A primeira tem Gal como atração central, levando a pequena plateia versões explosivas e recheadas de improvisos para "Chuva, Suor E Cerveja", "Vapor Barato" e o festivo Medley com "Maria Bethânia / Bota A Mão Nas Cadeiras". Ela está cantando como nunca aqui, deliciosamente sensual em "Falsa Baiana", "Dê Um Rolê" como só ela sabia ser (o que é ela se derrentendo por diversas vezes na frase "eu sou amor da cabeça aos pés"?) e o ápice do show de Gal,  "Acauã", onde ela explora sua voz de forma como você nunca irá encontrar em algum outro momento de sua carreira. A de se lamentar que por vezes, os vagidos vocais de Gil acabam diminuindo o clima que Gal traz sozinha. A segunda parte tem Gil enlouquecido, e é aqui que o bicho realmente pega. Giló está endiabrado em faixas longas e repletas de improvisos, tocando seu violão com uma agilidade ímpar, e claro, com muitas vocalizações maluquíssimas. Destacam-se os 8 minutos de "Expresso 2222" e "Procissão", os mais de 10 minutos de "Brand New Dream" e "Viramundo", essa com um longo solo de vocalizações e muita percussão, e os quase 12 minutos de muita insanidade em "Aquele Abraço", dando indícios do que viria a aparecer posteriormente no já citado Ogum, Xangô. Há espaço para as recriação abaianada de "Up From The Skies" (Jimi Hendrix) e a desconstrução de "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" (The Beatles). Vocais por vezes estourados, microfonia pegando, erros, um show legititamente ao vivo, e um registro único na carreira de ambos.

Gilberto Gil (vocais, violões), Gilberto Gil (vocais, violões), Bruce Henry (baixo), Tutty Moreno (bateria)

1. Coração Vagabundo

2. Sai Do Sereno

3. Vapor Barato

4. Como Dois E Dois

5. Dê Um Rolê

6. Medley: Maria Bethânia / Bota A Mão Nas Cadeiras

7. Chuva, Suor E Cerveja

8. Falsa Baiana

9. Acauã

10. Procissão

11. Brand New Dream

12. Expresso 2222

13. Aquele Abraço

14. Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band

15. One O'clock Last Morning, 20th April, 1970

16. Oriente

17. Up From The Skies

Gilberto Gil e Caetano Veloso - Dois Amigos, Um Século de Música / Multishow Ao Vivo [2015]

Caetano é sem dúvidas o maior parceiro musical de Gil. Ao lado do conterrâneo, são nada mais nada menos do que 8 lançamentos juntos e/ou com outros artistas (a saber, além deste aqui apresentado: Tropicália ou Panis Et Circensis - 68; Barra 69 - 72; Temporada de Verão - 74; Doces Bárbaros - 76; Brasil - 81; Tropicália 2 - 93; Especial - 2012), fora diversas apresentações e participações exclusivas em álbuns deles e/ou de outros artistas. Com mais de 50 anos de parceria, o clima é de desontração, como que se divertindo em plena sala. Assim, percebemos como essa parceria é afiada, seja nos acordes precisos dos violões (como Gil toca bem, barbaridade) ou nas harmonias vocais de "Andar com Fé", "Back in Bahia", "Eu Vim da Bahia", "É Luxo Só", "Nine Out of Ten" e "Nossa Gente (Avisa Lá)". É muito interessante Gil dando voz para clássicos de Caetano como "Coração Vagabundo", fazendo passagens sutis de violão em "Terra", ou batucando o violão durante "Sampa". Ao mesmo tempo, é um deslumbre ver eles resgatarem pérolas do repertório de Gil do porte de "Esotérico", "Filhos de Gandhi", "Marginália II", "Super Homem (A Canção)" e principalmente "Domingo no Parque". Como não curtir Gil brincando com a plateia em "Toda Menina Baiana", soturnamente batucar o violão cantando a tensa 'Não Tenho Medo da Morte" ou destruindo as mãos no violão da veloz "Expresso 2222",  além de emocionar cantando sozinho "Drão", de forma arrepiante. A dupla ainda traz sua primeira composição juntos, "É de Manhã", resgatam d'Os Doces Bárbaros "São João, Xangó Menino", fazem uma versão muito fiel ao original para a bela "Desde Que O Samba É Sama" (de Tropicália II), e criam o samba "As Camélias do Quilombo do Leblon" especialmente para este show, e fazem uma versão muito bela para "Come Prima". Falando em línguas estrangeiras, o que Gil faz em "Tres Palabras" é inexplicável! O mais interessante é que não há longos trechos onde os músicos aprensentam-se individualmente. Ambos dividem o espaço democraticamente, tornando o show uma peça realmente dos dois. Escolhi justamente o último lançamento da dupla principalmente por ser uma apresentação fenomenal desses gênios, apenas com violões, resgatando obras primas de seus vastos catálogos de criações, totalizando 28 (!) canções. 

Gilberto Gil (vocais, violões), Caetano Veloso (vocais, violões)

1. Back In Bahia

2. Coração Vagabundo

3. Tropicália

4. Marginália II

5. É Luxo Só

6. De Manhã

7. As Camélias Do Quilombo Do Leblon

8. Sampa

9. Terra

10. Nine Out Of Ten

11. Odeio

12. Tonada De Luna Llena

13. Eu Vim Da Bahia

14. Super Homem (A Canção)

15. Come Prima

16. Esotérico

17. Tres Palabras

18. Drão

19. Não Tenho Medo Da Morte

20. Expresso 2222

21. Toda Menina Baiana

22. São João, Xangó Menino

23. Nossa Gente (Avisa Lá)

24. Andar Com Fé

25. Filhos De Gandhi

26. Desde Que O Samba É Samba

27. Domingo No Parque

28. A Luz De Tieta

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Luau MTV 2002



Ah o verão. Quanta coisa boa podemos fazer nessa época do ano, principalmente nas praias. E uma das grandes situações que os jovens adolescentes do início deste século (dos quais me incluo) viveram relacionados com música e praia foi o Luau MTV, programa de televisão exibido anualmente na programação de verão da MTV Brasil entre 1996 e 2013. Durante o verão, a emissora convidava artistas e bandas para tocar na praia, ao som acústico com violão e percussão. O programa foi apresentado por diversas VJs da casa, entre elas, Carla Lamarca, Cuca Lazzarotto, Fernanda Lima, Sabrina Parlatore e Sarah Oliveira. Diversos artistas passaram por lá, com alguns chegando inclusive a lançar DVDs e CDs com as apresentações.

Aproveitando do sucesso do programa, a Abril Music lançou em 2002, como parte integrante da revista MTV - edição 12, um CD compilando 12 faixas de 6 artistas diferentes que estiveram desfilando suas canções e versões: Los Hermanos; Kiko Zambianchi; Cássia Eller; Rita Lee; Ivete Sangalo e Titãs. A compilaçãozinha é tão legal que resolvi trazer a mesma aqui, ao mesmo tempo também de que se tornou uma relíquia, já que contém os últimos momentos de Cássia Eller, e também de Nando Reis junto aos Titãs. 

Marcelo Camelo com o Los Hermanos no Luau MTV

O Los Hermanos abre a compilação com uma linda versão acústica para "Anna Julia", o mega-clássico do álbum de estreia da banda, que os catapultou ao mundo, e que aqui ganha uma cara muito bela através do arranjo de violões feito por Rodrigo Amarante e Marcelo Camelo. A verão é mais curta, sem o solo e o trecho "Sei que você já não quer o meu amor ...", mas o que não diminui em nada a qualidade da faixa. Seguimos com os cariocas e uma versão muito fiel à original de "Retrato Pra Iaiá", do clássico Bloco Do Eu Sozinho, e que aqui apresentava o novo Los Hermanos para os fãs, e tirar o Los Hermanos do posto de hardcore carnavalesco para o altar dos adolescentes indies do início dos anos 2000. Vale lembrar que a edição deste Luau saiu em DVD, assim como o do próximo artista. 

Kiko Zambianchi vem a seguir, fazendo uma agitada versão para "Ando Jururu" (Rita Lee), apenas com violões e percussão, seguida pelo sucesso "Primeiros Erros", imortalizado pelo Capital Inicial, e aqui também apenas com violões e percussão, além de uma bela interpretação de Kiko. 

Cássia Eller e a apresentadora Sarah Oliveira, em um dos últimos registros em vida da cantora

Chegamos então em Cássia Eller, para qual o CD é dedicado. Nunca fui muito fã da cantora, apesar de ter ouvido bastane (na época) o Acústico MTV dela. Porém, as canções aqui apresentadas mostram como Cássia foi uma das maiores cantoras brasileiras de sua época. O sucesso "Malandragem" embala a praia como um grande luau noturno, sob o sol escaldante da Costa do Sauipe, na Bahia, levado por uma sinuosa participação do acordeão, enquanto "Relicário", com a participação do autor, Nando Reis, é simplesmente emocionante, não só pela linda interpretação vocal da dupla, mas ainda mais por lembrar que esse show foi gravado no dia 19 de dezembro de 2001, exatamente 10 dias antes do precoce falecimento de Cássia.

Rita Lee vem fornecer a verdadeira representatividade gótica no verão. No programa original, estava estava com um óculos vermelho que lembra muito Ozzy Osbourne, além de blusa verde de manga comprida (com estampa do Che Guevara), como apresentado na capa do CD, e jeans rasgado. Puro suco de excentricidade. Essa combinação, junto à banda enxuta da cantora, apresenta versões simples e fieis as originais de "Ovelha Negra" e "Jardins da Babilônia", com destaque mais para o embalo da segunda.

Ivete Sangalo está na sequência. Veveta está em casa, e canta versões revisadas para "Tá Tudo Bem" e "A Lua Q T Dei", com destaque para a presença de uma flauta na primeira e a tocante interpretação da segunda. Não sou fã da cantora, mas para o contexto de festa e animação, é inegável que a presença de Ivete é fundamental. 

Paulo Miklos com o Titãs no Luau de 2002

O CD encerra-se com os paulistas do Titãs, banda recorrente no Luau MTV (ganhando também um DVD individual), já que tocou no programa em 1999, na crista da onda do lançamento do sucesso Acústico MTV, programa no qual a apresentadora Sabrina Parlatore acabou confirmando que foi a maior plateia do programa, sendo que muita gente ficou de fora do especial em uma fila gigantesca. Em 2001 a banda esteve novamente por lá, sendo um dos últimos registros do saudoso guitarrista Marcelo Fromer, morto em 2001, e voltou em 2002, de onde saíram as duas canções desta compilação.

Elas são "O Mundo é Bão Sebastião" e "Homem Primata".  As versões casaram muito bem para o estilo acústico, algo que a banda estava fazendo com primazia na época, mas a plateia "mais solta" que o ambiente do Acústico, apoiando nos vocais, torna as canções ainda mais agradáveis. Lembrando que este show ficou marcado por ser um dos últimos com Nando Reis.

Enfim, algo simples mas muito bom, e saudoso também dos bons tempos onde os verões não eram tão infernais, lá nos idos anos 2002. 

Contra-capa do CD

Track list

1. Los Hermanos – Anna Júlia

2. Los Hermanos – Retrato Pra Iaiá

3. Kiko Zambianchi – Ando Jururu

4. Kiko Zambianchi – Primeiros Erros

5. Cássia Eller – Malandragem

6. Cássia Eller – Relicário

7. Rita Lee – Ovelha Negra

8. Rita Lee – Jardins Da Babilônia

9. Ivete Sangalo – Tá Tudo Bem

10. Ivete Sangalo – A Lua Q Eu T Dei

11. Titãs – O Mundo é Bão Sebastião

12. Titãs – Homem Primata

quarta-feira, 7 de junho de 2023

Tralhas do Porão: Cilibrinas do Éden

E há um mês, perdíamos Rita Lee. A Rainha do Rock nacional partiu para o paraíso da música, unindo-se a tantos outros gigantes que também deixaram de criar obras por aqui, sendo mais recentemente Tina Turner e Gal Costa por exemplo, mas com um legado atemporal para gerações e gerações de admiradores de música no Brasil (e por que não no mundo) inteiro. 

A carreira de Rita e repleta de altos, muitos altos, baixos, e também muitos baixos. Ao sair dos Mutantes, em 1973, talvez ali tenha diso seu ponto de inflexão mínimo em toda sua carreira. Sem rumo, Rita uniu-se a Lucia (Lucinha) Turnbull, uma amiga que já havia participado de alguns vocais de apoio em duas canções de  Hoje é O Primeiro Dia do Resto das Suas Vidas, o segundo disco solo de Rit: “Vamos Tratar da Saúde” e “De Novo Aqui Meu Bom José”.

Lucia, nascida em 22 de abril de 1953 na cidade de São Paulo, foi muito cedo para Londres. No ano de 1969, estudou na escola International House. Lá, ela teve aulas com o professor canadense Ken Wilson, o qual possuia um trio junto com a esposa e com outro colega de escola, o sul-africano Mike Klein. Aos fins de semana, o trio fazia shows folk, e Lucia entrou com a banda, com apenas 16 anos. A banda se chamava The Solid British Hat Band, que acabou tendo diversas outras formações após o retorno ao Brasil. Um dos músicos que passou pela Solid British foi Ritchie.

Lucia (a direita) com a The Solid British Hat Band

O rato Either/Or, com participação
 (não-creditada) de Rita e Lucinha
No Brasil, e fã de Beatles, Lucia começou a andar com o pessoal dos Mutantes. Em 1972, voltou à Inglaterra junto de Rita e Liminha, encontrando novamente seu amigo Mike. Assim, participam do projeto Everyone Involved, registrando o raríssimo Either/Or, disco independente que era apenas para ser presenteado aos fãs, jamais comercializado. 

Voltando novamente ao Brasil e logo após a saída da Rita, uniram-se, criando então as Cilibrinas do Éden. O nome, um tanto quanto psicodélico, foi ideia de Rita, que imaginou uma mistura suave, delicada e acústica com vocais femininos, violões, viola caipira, flauta, sinos e, por que nao, cantos de pássaros. "Afinal, se Alice cooper faz tudo aquilo no palco, estraçalha bonecas e mata frangos, é por que sua música é falha. A originalidade hoje, está na simplicidade", disse Rita justificando sua nova faceta musical.

A dupla conseguiu um contrato com a Phillips, que já havia produzido os álbuns anteriores de nossa camaleoa, e foi colocada como uma das principais atrações da gravadora em um evento gigantesco, a Phono 73. Mais precisamente no dia 10 de Maio de 1973. Era a abertura do evento, que serviu para inaugurar oficialmente o Palácio de Convenções do Anhembi, em São Paulo. Porém, o que era para ser uma nova virada na carreira de Rita, naufragou. A dupla foi colocada para abrir o antigo grupo de Rita, Os Mutantes, que na época contavam com o maior arsenal sonoro do Brasil, tanto que seu show era batizado de 2600 Watts de Rock. A dupla subiu (ou foi empurrada para o palco, dado o nervosismo de Lúcia) vestindo roupas já ultrapassadas para 1973. Rita usava uma cartola alta, enfeitada por uma pluma preta. Já Lúcia entrou com duas enormes asas de anjo e roupas coloridas. O repertório foi totalmente baseado em novas composições de Rita, fugindo do que já havia sido gravado com sua antiga banda. Resultado: fiasco total e o fim do projeto logo na sequência.

A dupla conseguiu um contrato com a Phillips, que já havia produzido os álbuns anteriores de nossa camaleoa, e foi colocada como uma das principais atrações da gravadora em um evento gigantesco, a Phono 73. Mais precisamente no dia 10 de Maio de 1973. Era a abertura do evento, que serviu para inaugurar oficialmente o Palácio de Convenções do Anhembi, em São Paulo. Porém, o que era para ser uma nova virada na carreira de Rita, naufragou. A dupla foi colocada para abrir o antigo grupo de Rita, Os Mutantes, que na época contavam com o maior arsenal sonoro do Brasil, tanto que seu show era batizado de 2000 Watts de Rock. A dupla subiu (ou foi empurrada para o palco, dado o nervosismo de Lúcia) vestindo roupas já ultrapassadas para 1973. Rita usava uma cartola alta, enfeitada por uma pluma preta. Já Lúcia entrou com duas enormes asas de anjo e roupas coloridas. O repertório foi totalmente baseado em novas composições de Rita, fugindo do que já havia sido gravado com sua antiga banda. Resultado: fiasco total e o fim do projeto logo na sequência. Porém, a dupla seguiu adiante, primeiro com o Baseado Nelas (trazendo junto a irmá de Lucia, Lilly Turnbull), e unindo-se ao pessoal da Lisergia.

Essa era uma banda formada em 1971 pelo guitarrista Luis Sérgio Carlini, o baixista Lee Marcucci e o baterista Emilson Colantonio com o nome Coqueiro Verde. Em 72, mudam para Lisergia, influenciados pelo uso de muitos alucinógenos, quando foram descobertos por Rita, que os convidou para acompanharem a dupla com Lúcia. Com sua empresária Mônica Lisboa, Rita montou o show Tutti Frutti, que acabou batizando a banda como Tutti Frutti, show que ficou em cartaz no Teatro Ruth Escobar, São Paulo, de 15 de agosto até 16 de setembro de 1973, para o lançamento da nova carreira da cantora. 

Em dezembro, a Tutti Frutti entrou no estúdio Eldorado para gravar seu primeiro LP. Inicialmente planejado para ser lançado sob o nome Tutti Frutti, o disco, produzido pelo então baixista dos Mutantes Liminha, acabou sendo arquivado, ganhando as mentes dos ouvintes apenas nos anos 2000, em um bootleg chamado erroneamente Cilibrinas do Éden , que saiu em vários países (principalmente na Europa).

Este disco começa com "Cilibrinas do Éden". uma faixa pretensamente experimental, com barulhos diversos, notas de violão totalmente aleatórias e vocalizações muito malucas. Com "Festival Divino" a coisa começa mesmo, com Rita tocando uma linda canção, acompanhada apenas de violão, mas com momentos bastante experimentais em escalas de blues. Chegamos a ótima "Bad Trip (Ainda Bem)", onde os vocais da dupla misturam-se aos dedilhados de violão e as boas passagens elétricas, mas com destaque mais que especial para o trecho instrumental onde violões, guitarra e baixo surgem tocando uma melodia fantástica, e mostrando como Rita era uma ótima instrumentista. Destaque também para mais um belo solo de guitarra, e pela impactante presença do moog. A primeira estrofe da letra desta canção acabou aparecendo em “Shangri-Lá” (do álbum Rita Lee de 1980).

As inspirações progressivas de "Vamos Voltar Ao Princípio Porque Lá É O Fim" parecem saídas do Yes de Tales From Topographic Oceans, assim como "Paixão da Minha Existência Atribulada", mais uma boa faixa onde os violões surpreendem no dedilhado, e com o baixão e o moog também marcando presença. O lado A encerra com "Gente Fina É Outra Coisa", faixa que lembra bastante o que Rita apresentaria posteriormente junto à Tutti Frutti, e que em 1977, teve sua letra totalmente reformulada, batizada agora de "Locomotivas", e que foi tema da novela de mesmo nome.

O Lado B abre com o rock cru de "Nessas Alturas dos Acontecimentos", faixa pesada onde a s guitarras estão tomando conta, altíssimas, e claro, com altas doses de experimentação, seguida do rockzão de "E Você Ainda Dúvida", que ficou conhecida pela apresentação da Tutti Frutti no Festival Hollywood Rock de 1975, e que aqui ganha ainda uma citação a "Tutti Frutti", de Little Richard. A versão de "Minha Fama de Mau". de Erasmo e Roberto Carlos, que Rita veio a gravar com o próprio Erasmo no ótimo Erasmo Carlos Convida ... (1980), também está presente, bastante roqueira, com citação a "A Hard Days Night" (The Beatles)", seguida pelo original de "Mamãe Natureza", que recebeu poucas mudanças para a versão final, que aparece em Atrás Do Porto Tem Uma Cidade (1974), o primeiro disco oficial da Tutti Frutti. Vale ressaltar que "Minha Fama de Mau" e "E Você Ainda Dúvida" possuem aplausos no final, provalvemente inseridos para parecer que foram gravadas ao vivo.

Vale lembrar, por curiosidade, que "Nessas Alturas Dos Acontecimentos" e "Paixão Da Minha Existência Atribulada" já haviam aparecido na coletânea Os Grandes Sucessos de Ritta Lee (1981), sendo que ambas NUNCA foram um sucesso". Outra curiosidade é que encerrando o álbum chamado Cilibrinas do Éden estão duas canções de Rita com os Mutantes, "Hoje É O Primeiro Dia do Resto da Minha Vida", que é um pouco diferente da versão apresentada no disco-homônimo, e "Mande Um Abraço Pra Velha", retirada do compacto do 7° Festival Internacional da Canção, e uma das Maravilhas Prog que o grupo já fez. 

O que ficou para a história é que este acabou se tornando um novo caminho para Rita. Mais lapidado e maduro, o projeto deu origem a uma das maiores bandas do rock nacional, a Tutti Frutti, que levou o nome de Rita para patamares jamais vistos anteriormente, e lançando no mínimo três discos emblemáticos (Fruto Proibido - 1975; Entradas & Bandeiras - 1976; Babilônia - 1978). Em 1978, Rita começou seu relacionamento com Roberto de Carvalho, e uma nova fase, de ainda maior sucesso do que com Tutti Frutti e Mutantes, se seguiu. A união Rita & Roberto acabou levando a saída de Carlini, que levou consigo o nome Tutti Frutti. Carlini montou um novo grupo, junto com o ex-Casa das Maquinas Simbas (vocais),  Renato Figueiredo (baixo) e Juba Gurgel (bateria), lançando em 1980 Você Sabe Qual O Melhor Remédio, de relativo sucesso. Ainda seguiu uma carreira de músico de estúdio, tendo ao todo mais de 400 registros junto de diversos artistas. 

Rita Lee, Lucinha Turbunll (acima); Lee Marcucci, Luis Carlini e Emilson Colantonio. A Tutti Frutti em 1974

Já Lucinha seguiu com a Tutti Fruti até 1975. Saindo do grupo, fez o Rock Horror Show ao lado de Paulo Villaça e Zé Rodrix em 1975. Depois de alguns shows com a banda Bandolim, ao lado de Péricles Cavalcanti  (violão) e Rodolfo Stroetter (contrabaixo), acabou virando vocal de apoio em trabalhos de artistas como a própria Rita (Babilônia), Guilherme Arantes (Corações Paulistas), Caetano Veloso (Cinema Transcedental), Gilberto Gil (Refavela e Refestança), entre outros entre outros. Em 1979, tentou uma carreira solo, lançando o single "Música no Ar / Oi Nóis Aqui Trá Veis" com participação, entre outros, de Liminha (baixo) e Perinho Santana (arranjo, vocais) na faixa do Lado A, e nada mais nada menos que Gilberto Gil (vocais), Lincoln Olivetti (piano), Robertinho do Recife (guitarras) entre outros grandes nomes da música nacional nos anos 70 na faixa do Lado B. No ano seguinte, saiu seu único disco solo, Aroma, de relativo sucesso, e seguiu sua vida, sendo que a partir dos anos 80, nunca mais falou com Rita. Aroma que certamente, junto com Você Sabe Qual O Melhor Remédio e Either/Or, está para ser retirado dentre as Tralhas do Porão em algum lugar do mundo.


terça-feira, 9 de maio de 2023

Rita Lee (31/12/1947 - 08/05/2023)


"Rita Lee foi passear

75 anos, descansar talvez

Em um dia azul, e infeliz

Suas mãos estão frias, nossas vidas mais vazias

Tanto amor foi dado

Que fez e faz muita gente feliz

Nos fez sonhar".

Mas é difícil que Rita venha a descansar no paraíso. Ao encontrar Elis Regina, certamente irá abrir um grande sorriso chamando a Doce Pimenta para fazer coreografias desajeitadas, e gargalhar muito, diando aquela gostosa gengiva saliente da gauchinha. Com Gal, sentará num banquinho, puxará uma viola e cantará uma modinha comentando sobre as travessuras e delícias de estar no ato Roberto de Carvalho. Com Rogério Duprat, irá abrir um vinho para relembrar dos tempos de Tropicalimos, de luta contra a ditadura, e por que não, de se vestir de noiva grávida em um festival. E quando encontrar quem manda na porra toda, certamente irá dizer: "É cara, sempre soube que você não era uma careta de barbas brancas". É, Rita não vai descansar no paraíso, pelo contrário, irá fazer lá o que fez aqui, agitar e, com certeza, provocar uma revolução.

Desnecessário aqui fazer uma retrospectiva sobre a carreira de Rita Lee Jones. Mutantes, Cilibrinas do Éden, Tutti Frutti, a parceria com Roberto de Carvalho, a turnê Em Bossa Em Roll (primeira show acústico antes mesmo do acústico MTV existir), todo o pioneirismo em vários pontos, a luta contra o alcoolismo e depois, o câncer. Isso faz parte de uma Rita que o Brasil (e por que não o mundo) admira e venerará eternamente. Mas Rita foi mais. Foi uma revolucionária, anos à frente do seu tempo, que colocou o feminismo em voga sem jamais ter sido taxada de "feminazi". Falou sobre sexo como nenhuma mulher tinha feito antes, trazendo aquela "sacanagenzinha sem ser putaria" como ela mesma dizia, que provocou a ditadura militar e fez muitas mulheres poderem se libertar da opressão machista de aceitar apenas ser um objeto de seu marido, mas ter o direito de sentir prazer.

Ela cantou incrivelmente a la Janis Joplin como poucas mulheres ousaram cantar. Trouxe ao Brasil o uso do theremim, instrumento tão exótico quanto exótica eram suas transformações camaleônicas. Criou baladas românticas que marcaram época, embalaram (e embalam) romances e separações todos os dias. Mostrou ao mundo que uma mulher é artista com o mesmo talento que um homem, "sem ter culhões", como dizia, e encarando isso com uma soberania inatingivel. Não à toa, virou musa e referência para o surgimento de nomes como Marisa Monte, Adriana Calcanhoto, Marina Lima, e tantas outras artistas mulheres que saíram das prisões que o rock exclusivamente masculino acabava fincando como uma pedra incapaz de ser mexida.

Rita não foi uma pessoa perfeita, teve vários problemas pessoais e com outros artistas, principalmente na sua relaçaõ com os ex-Mutantes Arnaldo e Sergio, ou com o ex-Tutti Frutti Luis Carlini, com a grande desafata, a ex-empresária Mônica Lisboa, travou batalhas enormes contras as drogas, legais e ilegais, mas isso não é nada perto da grandiosidade e revolucionaridade que Rita fez para a música nacional. Foi uma das primeiras a defender a natureza, a fazer obras dedicadas exclusivamte para crianças, fazia trabalhos sociais fantásticos sem querer midia. Embalou gerações com inúmeros sucessos que participaram de divers novelas globais (inclusive foi atriz em algumas delas), fazendo um país inteiro cantar e se unir em torno dessas canções. 

E fez parcerias com muita gente, mas muita gente mesmo. Falaríamos horas aqui sobre como ela gravou com as citadas Elis e Gal, com Gilberto Gil, Erasmo Carlos, Titãs, Raimundos, Lulu Santos, e tantos outros. Reverenciada por Caetano Veloso na incrível "Sampa", venerada por Ney Matogrosso na mais perfeita interpretação de "Balada do Louco", aclamada por Cássa Eller na versão fenomenal de "Luz del Fuego", Rita teve a incrível capacidade de inclusive ser convidada para dividir os vocais com nada mais nada menos que João Gilberto, um dos artistas mas ímpares e incapazes de dividir seu espaço com alguém, em um especial que o cantor fez para a Rede Globo em 1984. Além disso, as letras de Rita são atemporais, e estimulam cada vez mais jovens mulheres a serem independentes e além do caretismo de ser apenas uma "mulherzinha dona de casa que embalava filhos e espera o marido vir do trabalho com a janta pronta", como declarou certa vez.

Tive a honra de assistir a Rita em Porto Alegre no ano de 2005, em um show com Zélia Duncan e Wanderléa. Rita já tinha se tornado minha ídola haviam uns dez anos, quando na casa de um amigo do meu irmão, Micael Machado, encontrei uma fita com o dizer Mutantes. Aquela fita tinha as músicas da famosa banda da Rita Lee, a qual conhecia desde a decada de 80 (afinal,  quem nunca ouviu "Bwana Bwana" ou "Livre Outra Vez" naquela época?). Peguei a fita, levei para a casa, e ao escutar "Meu refrigerador Não Funciona", para mim a melhor interpretação vocal da carreira de Rita, começou uma paixão ardente pela banda (e crushiana por Rita), a qual desenvolveu-se ao longo dos anos. Não é à toa que a sigla MUT está em meu e-mail pessoal. 

Lembro daquele show no pequeno Salão de Atos da PUC como se fosse hoje. Quando fui comprar o ingresso, o assento que havia restado era justamente atrás da mesa de som. No dia do show, perguntei a uma assistente se não poderia sentar mais a frente, e sim, haviam espaços reservados para as pessoas que não conseguiam ver o espetáculo na 13 fila (eu estava na 28). Eu ia ver a Rita mais de perto. Na terceira música, fui para a frente do palco, de onde assisti quase todo o resto do show sentado no chão, mas com a Rita na minha frente.

Eis que o show acaba, e, como todo grande show, há um bis. Rita começou a tocar "Bwana Bwana", enquanto o público avançou em direção ao palco. Neste instante, Rita passou e cumprimentou-me, apertando a mão. Porém, ao fazer isso, puxei ela e disse que admirava-a muito, no que ela me retribuiu com um beijo no rosto. Após o término de "Bwana", Rita pergunta: "O que vocês querem ouvir?". Eu e um amigo que havia conhecido no dia que comprei o ingresso gritamos: "Barata Tonta".

E não é que a eterna Mutante vem em nossa direção, se agachou em nossa frente e deu o microfone para ambos cantarem!!! Pois é, eu  estava ali, cantando alucinadamente "o que que há, é só o amor" e todo o resto da canação, junto com o amigo, com a Rita e com Roberto de Carvalho tentando relembrar os acordes. Foi incrível. Rita entregou a camisa do Sport Club Internacional, que usava naquele momento, ao amigo que nunca mais vi, mas que lembro sair em êxtase como se fosse um troféu aquela camisa, e me puxou para perto do palco, agradecendo pelo momento e me dando um selinho como os que deu em Hebe Camargo. Caraca, me arrepio de lembrar que ela deu o selinho e na sequência, o Roberto de Carvalho apareceu, dizendo "você realmente é fã da Rita" me entregando a palheta dele em mãos.

Santa Rita de Sampa não deixará saudades, por que ela deixou um legado de canções, momentos, entrevistas e histórias marcantes. O dia é triste por que o corpo de Rita finalmente descansou depois de uma doença terrível, que ela corajosamente (como sempre foi em sua vida) lutou e não se abdicou de contar ao mundo o que sofreu, sem ser piegas ou querendo compaixão, mas para mostrar à todos que é necessário lutar pelo que se quer. Hoje, Ovelha Negra, é um dia mais que perfeito para não fazer nada, só para deitar, rolar e ouvir você.



quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Rita Lee & Tutti Frutti

Em sentido horário: Luis Carlini, Emilson, Lee Marcucci, Rita Lee e Lucinha Turnbull

Trago aqui o período mais rocker da carreira de Rita Lee pós-Mutantes, aquele junto com o Tutti Frutti. São quatro álbuns de estúdio e um ao vivo, todos gravados entre uma guerra de egos gigante entre ela e o guitarrista Luis Carlini, mas que pariu clássicos atemporais do rock nacional.

Contextualizando a história, Rita sai (ou é despedida) dos Mutantes, e funda as Cilibrinas do Éden junto de Lúcia "Lucinha" Turnbull, considerada a maior fã de Mutantes do Brasil. Após apresentarem-se abrindo para os próprios Mutantes durante o Phono 73, no dia 10 de maio de 1973, que teve uma discreta reação da plateia, o projeto acaba sendo deixado de lado. Lúcia conhecia o pessoal do grupo Lisergia, composto por Lee Marcucci (baixo), Emilson (bateria) e Luis Sérgio Carlini (guitarras), e inspiradíssimos na versão Glam de David Bowie, transformam a união Cilibrinas + Lisergia no Rita Lee & Tutti Frutti, e assim começa a sequência de lançamentos.

A estreia da Tutti Frutti


A estreia de Rita ao lado da Tutti Frutti é Atrás do Porto ... Tem Uma Cidade, lançada em 1974, e uma das grandes joias da música nacional dos anos 70. A formação da Tutti Frutti aqui conta com Lucinha Turnbull (vocal de apoio, guitarra, violão de 12 cordas e palmas), Luis Carlini (guitarra, guitarra havaiana), Lee Marcucci (baixo), mais a adição dos músicos contratados pela Philips Mamão (percussão), Paulinho Braga (bateria) e Juarez (saxofone). O álbum abre com o manifesto rock 'n' roll de "De Pés No Chão", com Rita já mandando todo mundo longe, em uma das primeiras letras feministas da história do rock nacional, e com um show a parte da Tutti Frutti, destacando a guitarra de Luis Carlini. Mais rock 'n' roll raiz com pitadas progressivas surge em faixas como "Pé De Meia" e nos sucessos "Mamãe Natureza", canção ainda dos tempos das Cilibrinas, e "Tratos à Bola", com a letrinha da menina que cresceu e deu tratos à bola saindo por aí, em uma clara alusão à sua saída dos Mutantes. Falando nisso, se os Mutantes achavam que Rita não havia como tocar na fase progressiva, então impressione-se com o talento da menina tocando piano, moog e mellotron na sensacional "Yo no Creo Pero ...", uma das melhores canções de toda sua carreira, inclusive considerando os próprios Mutantes. O trecho do solo de Carlini é de chorar, com harmônicos de guitarra e violões fazendo a cama para a entrada do solo, complementada por mellotron e piano, no melhor estilo Yes. 

Outra faixa com boas inspirações progressivas, e com uma letra muito interessante é "Eclipse do Cometa". As intervenções dos teclados de Rita nessa canção lembram até Gentle Giant. A ruivona emociona nos vocais da sensacional "Menino Bonito", acompanhada primeiramente apenas pelo seu piano, e depois, pelo lindo arranjo orquestral de Ely Arco Verde, mostrando que além de ser uma exímia vocalista, também é uma pianista de mão cheia. Ely também comanda os arranjos do maior sucesso do LP, "Ando Jururu", faixa swingante que antecipava a onda disco em quase 4 anos, e que posteriormente foi regravada por nomes como Raimundos e Kiko Zambianchi. Falando em dançar, tente se segurar (e ao mesmo entender) a completa "Círculo Vicioso", uma quebradeira swingada que faria Sly Stone se encantar. O instrumental dessa música é muito complexo, e a participação de Luis Cláudio nas guitarras jazzísticas, misturadas com flautas e moog, é um baque no cérebro. Os vocais sensuais de Rita e Lucinha no centro lembram muito o que a Blitz faria ano depois. Paulada de um disco excelente, na minha opinião tão bom quanto seu predecessor, o aclamado Fruto Proibido, que saiu no ano seguinte.


O álbum "ao vivo" do festival Hollywood de 1975, com canções da Tutti Frutti

Discordando com a forma como a Philips interferiu na produção de Atrás do Porto ... Tem Uma Cidade, Rita sai da Philips e assina com a Som Livre, recebendo em abril de 1975 um contrato milionário (a época) para gravar um disco nos moldes mais profissionais possível. Pouco antes, em janeiro de 1975, se apresentam com sucesso no festival Hollywood Rock, deixando registradas as canções "Mamãe Natureza", "Minha Fama De Mau" e "E Você Ainda Duvida?" no álbum Hollywood Rock. Em seguida, ela e a Tutti Frutti ficaram semanas criando o novo álbum em uma casa a beira da represa de Ibiúna, o que permitiu parir um dos maiores discos da história do rock nacional, Fruto Proibido.

O mega clássico Fruto Proibido

Não é meu disco preferido de Rita Lee, mas é inegável a qualidade e o investimento que Fruto Proibido teve para alçar a ruiva para além dos patamares de ex-Mutante, alcançando assim o status de Rainha do Rock. A Tutti Frutti é reformulada, agora com Franklin Paolillo (bateria e percussão), Guilherme Bueno (piano e clavinete) e os vocais de apoio de Rubens e Gilberto Nardo. Aqui, a fusão rock 'n' roll com progressivo casa perfeitamente, ainda mais com a produção de Andy Mills. Faixas como "Dançar Para Não Dançar", "Fruto Proibido" e "Pirataria" trazem todo o vigor do rock, com letras muito críticas, embalo para dançar pela casa e refrãos grudentos. A última conta com a flauta de Manito, que também toca órgão na enigmática e progressiva "O Toque", com seu lindo momento central saindo das cavernas progressivas de Yes e King Crimson, e que foi co-escrita em parceria com Paulo Coelho. Paulo também colabora no excelente blues de "Cartão Postal", onde Carlini dá mais um presente para os ouvidos. 


Tutti Frutti na época do Fruto Proibido

Falando em Carlini, claro, fechando essa obra prima, "Ovelha Negra", a faixa que melhor define Rita, mais um desabafo por sua saída dos Mutantes, e que eternizou um dos solos de guitarra mais conhecidos do rock nacional. Outros grandes sucessos ficaram para "Agora Só Falta Você", com a guitarra de Carlini marcando época, e mais uma letra bastante feminista, posteriormente regravada por Maria Rita e Pitty, e "Esse Tal de Roque Enrow", faixa também co-escrita ao lado de Paulo Coelho, com uma ótima presença do saxofone de Manito. E por falar em feminismo, que tal a linda homenagem para "Luz del Fuego"? Essa bela homenagem à vedete Dora Vivacqua é um rockzão para macho nenhum botar defeito, com uma letra fantástica que exalta todas as qualidades das mulheres, e que foi posteriormente regravada por Cássia Eller. Quem fazia isso no Brasil nos anos 70? Só Rita! Fruto Proibido vendeu mais de 200 mil cópias logo em sua tiragem inicial, e é considerado até hoje um dos melhores discos nacionais de todos os tempos.

Os compactos de Rita na era Tutti Frutti: "Corista de Rock" (acima) e "Lá Vou Eu" (abaixo)

Em 1976, saiu o compacto duplo com as inéditas "Lá Vou Eu" - "Caçador De Aventuras" e "Status", complementado por "Ovelha Negra", e o single de "Arrombou a Festa", faixa que esculhamba com os grandes nomes da música popular brasileira com muito bom humor, e tendo "Corista de Rock" no lado B.


O ótimo e subestimando Entradas E Bandeiras

Seria difícil manter nível de Fruto Proibido em seu próximo lançamento, mas Rita e a nova versão da Tutti Frutti, com o duo Carlini, Marcucci e os irmãos Nardo adicionados agora de Paulo Maurício (teclados, sintetizador, vocais) e Sergio Della Monica (bateria, percussão, Tubular Bells), lançaram ao meu ver o seu mais subestimado trabalho. Entradas e Bandeiras, de 1976, é um irmão mais novo de seu antecessor, com ótimos rocks, vide "Corista de Rock", com mais um maravilhoso sol de Carlini, "Superstafa" (e dê-lhe solos ácidos de Carlini) e o riff pesado de "Posso Contar Comigo", com mais uma grande letra feminista de Rita. Adoro o hardão de "Lady Babel", faixa bastante intrincada e surpreendente para quem conhece Rita apenas por seus sucessos ao lado de Roberto de Carvalho, e a paulada "Departamento de Criação", com Rita gritando que vai "dar trabalho à crítica" e um peso descomunal que alegrará os metaleiros de plantão, além de um mogg fantástico. 

A Tutti Frutti em 1976

Fãs de Raul Seixas irão reconhecer no country-rock de "Bruxa Amarela" as origens do que se tornou "Check-Up" anos depois. Claro, a canção é mais uma parceria de Rita com o guru Paulo Coelho, que depois adaptou a letra para Raulzito gravar. Outra faixa que os fãs mais ávidos irão reconhecer uma certa "semelhança" com algo que já se ouviu é "Com a Boca No Mundo (Tico-Tico)", com seus acordes de C, G, A saídos de um Velvet Underground "Sweet Jane", mas com uma virada embalada muito sensual e impactante pelo peso do funkzão/disco que a Tutti-Frutti entrega, bem como o tesão da voz de Rita. Fecha o disco a experimental "Troca-Toca", com vocalizações e um embalo desconcertantes. E ainda, temos até uma nova "Ovelha Negra", através da linda "Coisas da Vida", uma das faixas mais motivacionais da carreira de Rita. Um álbum muito bom, que conseguiu encobrir os problemas internos que já rolavam entre Rita e Carlini.

O álbum que registrou a turnê de Rita ao lado de Gilberto Gil e sua Refavela

A turnê de Rita e Tuffi Frutti com Gil e sua Refavela entre outubro e novembro de 1977 culminou no excelente ao vivo Refestança, em 1977, que marca a estreia de Roberto "Zezé" de Carvalho como guitarra base e teclados, em uma Tutti Frutti contando ainda com Carlini, Mariucci, Sérgio Della Monica (bateria), Wilson Pinto "Willi" (vocais) e Naila "Scorpio" Mello (percussão). O contexto da turnê surgiu um ano antes, quando a imagem de Rita ficou manchada ao ser presa por porte de drogas, assim como o baiano Gil. Então, os dois criaram o projeto para poder reerguer suas carreiras, e assim nasce um álbum espetacular, que fez questão de colocar "É Proibido Fumar" de Roberto Carlos no set list, uma forma de contar o que aconteceu um ano antes, e que conta com os dois grupos no palco. Eles também atacam ao mesmo tempo a revisão de "Get Back" dos Beatles, aqui batizada "De Leve", o rockzão "Refestança", com a Refavela trazendo toda sua pimenta percussiva nas costas de Djalma Correia, um dos maiores nomes da percussão mundial, mas Naila não ficando nada atrás. 

A Tutti Frutti se apresenta junto de Rita e Gil em canções do segundo, dando bons ares roqueiros para "Back in Bahia", "Giló" e "Arrombou a Festa". Já a Refavela, composta além de Djalma por Moacir Albuquerque (Baixo), Pedrinho Santana (Guitarra), Milciades Teixeira (Teclados), Carlos Alberto Chalegre (Bateria) e Lúcia Turnbull (vocais) abrilhanta a linda introdução de "Odara" (Caetano certamente vibrou ao ouvir sua canção na voz de Gil), "Eu Só Quero Um Xodó", interpreta a "Ovelha Negra" da "comadre", com grande tempero progressivo, e a melhor canção do álbum, o resgate de "Domingo No Parque", fazendo Rita novamente os backing vocals deste clássico que revelou os Mutantes para o Brasil lá no Festival da Canção da TV Record de 1967, e que aqui ganhou um final apoteótico. Um ótimo disco inclusive em termos de qualidade na produção.

O derradeiro disco de Rita com o Tutti Frutti

Na sequência, gravado entre muitas brigas de Rita e Carlini, Babilônia (1978) é o derradeiro disco de estúdio de Rita Lee com a Tutti Frutti é mais um álbum recheado de ótimos rocks, e abre com o grande sucesso, "Miss Brasil 2000", para sacolejar a casa sem piedade, e com Roberto brilhando no piano. Outros grandes sucessos ficaram e "Eu E Meu Gato", que entrou para a trilha da novela O Pulo do Gato, e é um bom rock comandado pelos teclados de Roberto, além das participações mais que especiais de Guto Graça Mello (tumba), Lincoln Olivetti (sintetizadores) e os gatos de Rita (Ziggy Stardust e Martha My Dear) e do cachorro Anibal. Outra para sacolejar é "Agora É Moda", que me lembra muito o que o Som Nosso de Cada Dia faz no lado A do álbum Som Nosso, sendo uma faixa muito dançante, e com uma letra muito atual, principalmente para os brasileiros que acreditam no desgoverno, com frases como "pegar alguém pulando o muro", "inquisição da idade média", "Culpar o mercado estrangeiro", "economizar a gasolina", "tentar salvar a natureza" entre outros. Não à toa, acho essa a melhor faixa do disco. 


Willy, Marcucci, Carlini, Rita, Roberto, Naila Scorpio e Della Monica

Falando em Som Nosso, Manito da o ar da graça mais uma vez, agora no rockzão de "Jardins da Babilônia", mais um grande sucesso que lembra bastante "Esse Tal Roque Enrow". Importante lembrar, que a formação da Tutti Frutti é a mesma de Refestança. "Modinha" é uma parente próxima de "Vida de Cachorro" (Mutantes) e mais uma fantástica letra de Rita, acompanhada apenas pelos violões dela e Carlini, bem como uma tímida percussão feita por Naila e Sergio, e com Rita também na flauta doce. Há única faixa aquém, "O Futuro Me Absolve", apesar da boa letra, e com a participação de Chico Batera no gongo chinês. As brigas eram tantas que somente uma canção da dupla está em Babilônia, o ótimo rock de "Sem Cerimônia". Carlini também compôs sozinho o rockaço "Que Loucura", um parente próximo de "Agora Só Falta Você". Aqui está também a primeira parceria de Rita e Roberto, no caso a balada rocker "Disco Voador". Considero este o mais fraco dos álbuns aqui apresentados, mas mesmo assim, muito melhor do que muito do que Rita fez posteriormente, principalmente durante os anos 90 e 2000.

As brigas entre Rita e Carlini ganharam força (as baixarias e confusões deixo para o rapaz do "ok! ok!"), assim como o relacionamento entre Rita e Roberto se consolidou, e então, a cantora tocou sua carreira ao lado do marido, lançando outros clássicos atemporais para a música nacional, e deixando para a história esses cinco álbuns com a Tutti Frutti que foram os responsáveis por hoje ela ser considerada nada mais nada menos do que a Rainha do Rock Nacional.

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Livro: A Divina Comédia dos Mutantes [1995]



Nada mais justo que hoje, dia da "Independência do Brazil", trazer aqui um texto sobre a maior banda que o país pariu em seus 520 anos de "descoberta", Os Mutantes. Há quase um ano, escrevi sobre o livro Rita Lee - A Autobiografia, lançado pela eterna ex-Mutante em 2017, e desci um pouco a lenha no livro, por diversas situações que você pode conferir aqui. Naquele livro, Rita, entre críticas diversas a pessoas diversas, critica também Carlos Calado, autor da biografia A Divina Comédia dos Mutantes, lançado primeiramente em 1995, e que até hoje, já recebeu uma segunda edição em 1996, e uma terceira em 2012.

Claro, o livro tem quase 25 anos, então é natural haverem outras edições, mas honestamente, para mim esse é uma das melhores biografias lançadas em nosso país sobre um artista legitimamente brasileiro. Com 360 páginas, 22 capítulos mais Prefácio por Mathilda Kóvak, Agradecimentos, Índice Remissivo, Discografia, Bibliografia e Crédito das diversas imagens raras que aparecem ao longo do livro, A Divina Comédia dos Mutantes é um prato cheio para quem quer conhecer a história da banda mais importante da história do Brasil, e por que não, uma das maiores do mundo.


O livro começa relembrando a tragédia que envolveu Arnaldo Baptista, quando o mesmo jogou-se, no dia 31 de dezembro de 1981 (aniversário de Rita), do terceiro andar do Hospital do Servidor Público de São Paulo, narrando todo o drama da recuperação de Arnaldo, e depois, em ordem cronológica, conta a formação dos Mutantes de forma envolvente e de fácil leitura, fazendo com que o texto passe rapidamente por nossos olhos. A infância e adolescência dos irmãos Sergio, Arnaldo e Claudio (o quarto Mutante) Baptista, bem como de Rita, são os primeiros capítulos, destacando as primeiras bandas e apresentações dos mesmos, até chegarem ao grupo O'Seis.

Nesta passagem, muito bem detalhada, destacam-se a criação do Six Sided Jazz, que mudou rapidamente para Six Sided Rockers, e então O' Seis, as apresentações dos Rockers na TV (Programas Jovem Guarda, Show em Si-monal, Papai Sabe Nada e Almoço Com as Estrelas), a primeira gravação com um Mutante (o compacto "Pertinho do Mar" e "O Meu Bem Só Quer Chorar Perto de Mim", de Tony Campello, acompanhado pelas Teenage Singers, que tinham Rita nos vocais), e a gravação do raríssimo compacto do O'Seis.


No limbo pós debandada geral dO'Seis, surge Ronnie Von, responsável por acolher o trio Rita, Arnaldo e Sergio, além de batizá-los, e levá-los para a TV, cuja estreia foi no dia 15 de outubro de 1966, no programa O Pequeno Mundo de Ronnie Von. Surgem as participações no Quadrado E Redondo da TV Bandeirantes, Divino Maravilhoso da Tupi, os encontros com Gilberto Gil e Caetano Veloso, e os Mutantes participando (e chocando) nos grandes festivais nacionais da segunda metade dos anos 60. Novamente, Calado preenche o texto com muitos detalhes, o que torna a leitura bastante atrativa, e ainda traz informações pertinentes e raras, como a participação do grupo no filme As Amorosas, o registro de Tropicália ou Panis et Circensis, disco símbolo do tropicalismo, contando com o trio,  o inflamado discurso de Caetano no TUCA em 1968, durante o FIC daquele ano, e a esperada (e elogiada) estreia de 1968, no álbum homônimo que hoje é aclamado como um dos Melhores Lançamentos nacionais da história. Outro ponto interessante, e bastante desconhecido até então, foi o festival organizado por Caetano na boate Sucata, contando com os Mutantes, que acaba levando a conturbada prisão (e deportamento) de Caetano e Gil em 27 de dezembro de 1968.

Com o status de grande banda alcançado logo no primeiro lançamento, chega então Mutantes, o segundo disco, e a estreia de Dinho "I Du Rancharia" Leme na bateria. O autor traz a primeira passagem do grupo pela Europa, apresentando-se no MIDEM, em Cannes, França (1969), onde ganharam muitos elogios da imprensa francesa, apresentações em Portugal, e ainda uns dias de férias nos EUA, onde viram Janis Joplin, que deixou-os de boca aberta, e decepcionaram-se com os Mothers de Frank Zappa. 




Como novidade não-musical para os fãs da banda, Calado traz detalhes da participação da banda como convidados da Feira de Utilidades Domésticas de São Paulo, em abril de 1969, com o desfile Moda Mutante, apresentando as coleções masculina e feminina da Rhodia, com os Mutantes como atração central, em um evento que durou quase três semanas, e a peça de teatro Planeta dos Mutantes, espetáculo que estreou em julho de 69, escrito e idealizado pelo trio, e que chocou a pauliceia desvairada com cenas bastante bizarras, e que acabou resultando em certo prejuízo financeiro ao grupo. Porém, é aqui onde a sonoridade dos Mutantes começa a mudar.

Essa mudança aparece em A Divina Comédia Ou Ando Meio Desligado, que contou com a fundamental colaboração do amigo Élcio Decário nas composições, Liminha, fã dos Mutantes desde adolescente, no baixo e participações de Naná Vasconcelos e Raphael Vilardi. Arnaldo mergulha nos teclados, influenciado pelo que viu e ouviu na Europa, e começa a ter suas primeiras brigas e separações com Rita, levando inclusive a uma breve "estacionada" dos Mutantes, já no final de 1969, com Rita passeando pela Europa e Arnaldo viajando de moto pela América Latina. Essa separação acabou sendo boa visualmente para Rita, que acabou sendo convidada para ser protagonista dos shows-desfiles Nhô-Look e Build Up, outra grande novidade para os fãs do grupo, e também lançou seu primeiro álbum solo, Build Up, com participações dos demais membros da banda.


Com a chegada dos anos 70, os Mutantes mudam-se para a serra da Cantareira. Novamente, a banda vai à Europa, agora para uma temporada de shows no Olympia francês. Voltam ao Brasil para fazer parte do elenco do programa Som Livre Exportação, da Rede Globo, e com muitos ácidos europeus na mente, registram Jardim Elétrico, disco com canções de um álbum inicialmente planejado para ser lançado na Europa (Technicolor), mas que acabou ficando engavetado por quase 30 anos, e mais algumas novidades. Os detalhes que Calado nos apresenta até aqui são muito reveladores não só da intimidade mutante, mas da importância e pioneirismo do grupo em ser um dos primeiros nomes nacionais a conseguir conquistar o mercado europeu com shows lá no Velho Continente, destacando ainda mais a relevância do nome Mutantes para a música mundial.

Envolvidos pela fácil e repleta de informações leitura, chegamos em 1972, e no capítulo 17, com os Mutantes lançando seu quinto álbum, e metendo-se em uma empreitada fantástica: uma turnê itinerante por pequenas cidades do país, começando por Guararema, onde foram saudados pelo prefeito local. Sobre Mutantes e Seus Cometas no País dos Baurets, brigas com a censura e a exploração instrumental da faixa-título são os destaques. Com a casa na Cantareira, a banda passa a cada vez mais fazer ensaios e improvisos, culminando com uma forte guinada para o rock progressivo britânico de Yes e ELP (principalmente). Rita e Arnaldo separam-se novamente, com Rita indo para a Inglaterra, e na sua volta, gravam Hoje É O Primeiro Dia do Resto das Suas Vidas, segundo disco de Rita, mas que na verdade, é um álbum totalmente Mutantes.


Da Inglaterra também veio Mick Killingbeck, que mudou totalmente a cabeça dos rapazes da banda, tornando-se um guru de Arnaldo (e um affair de Rita). Ele é um dos principais influenciadores de "Mande Um Abraço Pra Velha", última canção com Rita na banda, já que logo em seguida, após declarar "estar cansada de ser o Jon Anderson", a ovelha negra havia sido demitida (ou convidada a deixar a banda) por Arnaldo. Esse é o ponto mais delicado de A Divina Comédia dos Mutantes. Calado coloca o dedo na ferida, e acaba sendo sensato, atribuindo a separação para os dois lados em termos de culpa (uma Rita que queria ser estrela e um grupo de rapazes que queriam ser a melhor banda do país).

O ano de 73 começa com o grupo vivendo a fase Uma Pessoa Só. Calado nos apresenta as gravações de O A E O Z e diversas apresentações da banda naquele ano, com o show Mutantes com 2 Mil Watts de Rock, para a época, o maior espetáculo sonoro que o país já vira. Calado também apresenta a (única) apresentação das Cilibrinas do Èden, banda formada por Rita e a amiga Lucia Turbull, na Phono 73, e os graves problemas de Arnaldo com as drogas, culminando com sua saída da banda (ele mesmo se demite) por tentar impor uma apresentação gratuita em São Lourenço, Minas Gerais, o que foi descartado pelos colegas de forma unânime. Arnaldo foi sozinho para Minas, e ali entrou em derrocada na carreira, enquanto Rita monta a Tutti Frutti e começa sua longa carreira solo de sucesso. Ah, o álbum Loki! também é narrado por Calado, em um clima de muita dor e emoção.

Chegamos na reta final do livro, com Sergio tocando o Mutantes e suas diversas formações, seja com Manito, Túlio Mourão ou Luciano Alves nos teclados, o batera Rui Motta e Antonio Pedro e Paul de Castro no baixo. É a época dos shows lotados, músicas longas e viajantes, das gravações de Tudo Foi Feito Pelo Sol - curiosamente, até então, o álbum do grupo que mais havia vendido - e Ao Vivo, de uma turnê pela Itália, e o fim de uma das bandas mais importantes da história da música nacional. A tentativa frustrada de unir o trio original em 1992, em um show de Rita, é tratada rapidamente por Calado, que conclui o livro dando um panorama atual (na época) de cada membro que passou pela banda.


Sergio, Arnaldo e principalmente Rita desceram a lenha no livro sem exagero algum. Tudo bem, o autor pode ter se passado em algumas informações bastante pessoais (principalmente nos casos amorosos e extra-conjugais do trio), mas esse tipo de fofoca é pouco perto da grandiosidade de pesquisa (foram quase 2 anos de trabalho e mais de 200 entrevistas) e informações que A Divina Comédia dos Mutantes traz. Para quem é um fã da banda, é uma ótima pedida de investimento. E para quem está a fim de aprender muito sobre uma época que não volta mais, e de todo o pioneirismo de Arnaldo, Claudio, Rita, Sergio, Liminha e Dinho, terá em mãos uma ótima escolha. 
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