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quinta-feira, 10 de julho de 2014

Maravilhas do Mundo Prog: Mahavishnu Orchestra - Dream [1973]



Um dos maiores guitarristas da história também é um dos mais desconhecidos entre o grande público do rock 'n' roll. Estou falando de John McLaughlin. O inglês começou sua carreira como músico solo, percorrendo diversos pubs e teatros de Londres (inclusive fazendo uma rara jam com Jimi Hendrix), e teve uma formação clássica muito sólida, já que além de tocar guitarra e violão, McLaughlin estudou piano e violino.

Em 1969, o prodígio músico mudou-se para os Estados Unidos, quando foi convidado para acompanhar a banda de Miles Davis, registrando os álbuns In a Silent Way (1969), Bitches Brew (1970), A Tribute to Jack Johnson (1971), On the Corner (1972) e Big Fun (1974), esse último trazendo registros feitos por McLaughlin ainda em 1969. Em todos esses álbuns, o guitarrista destaca-se por uma técnica primorosa, empregando velocidade com sentimento de forma inédita, propiciando que seu nome fosse aclamado em todo o mundo.

A estreia solo de McLaughlin
O trabalho com Davis levou McLaughlin a participar de gravações de outros gigantes, como Rolling Stones, Wayne Shorter, Larry Coryell, Jack Bruce e Miroslav Vitous, e ainda em 1969, McLaughlin já tinha gravado seu primeiro álbum solo, o excepcional Extrapolation, no qual ele, conforme sugere o nome, apresentando novas escalas, timbres e distorções para uma mistura perfeita de jazz com o rock, sendo um dos grandes discos de estreia da história da música, contando com a participação dos músicos Brian Odgers (baixo), Tony Oxley (bateria) e John Surman (saxofones), e destacando as faixas “It’s Funny”, “Pete the Poet”, “Two for Two” e “Binky’s Beam”.

O trabalho com Davis levou McLaughlin a participar de gravações de outros gigantes, como Rolling Stones, Wayne Shorter, Larry Coryell, Jack Bruce e Miroslav Vitous.

Segundo álbum de McLaughlin
Em 1970, o segundo disco solo comprova o belíssimo trabalho de Extrapolation,  o também excepcional Devotion, destacando a longa faixa-título e a participação mais que especial do baterista Buddy Miles, além dos músicos Larry Young (teclados) e Billy Rich (baixo). No álbum, aslém da faixa-título chamam a atenção “Don’t Let the Dragon Eat Your Mother”, “Dragon Song” e “Siren”.

Ainda em 1970, o guitarrista registrou o seminal Where Fortune Smiles, ao lado de John Surman (saxofones, clarinete), Dave Holland (baixo), Karl Berger (vibrafone) e Stu Martin (bateria), uma aula de jazz rock que chegou às lojas somente em 1971, e é uma das maiores preciosidades para os fãs do músico inglês.

Primeira homenagem para Chinmoy
No final de 1970, a carreira de McLaughlin começou a dar uma grande guinada. O guitarrista começou a ter contato com a religião hindu, tendo como líder espiritual Sri Chinmoy (o mesmo que veio a orientar na mesma época Carlos Santana), o qual foi apresentado ao guitarrista pelo empresário de Larry Coryell. 

Chinmoy acabou influenciando bastante na parte criativa do inglês, que mudou seu nome, adotando o Mahavishnu (deus hindu que significa além da compreensão do homem) antes do John McLaughlin e gravando um álbum totalmente inspirado na música oriental, utilizando-se somente de instrumentos acústicos que foram registrados em seu terceiro disco solo, My Goal's Beyond, o primeiro álbum ligado ao músico a conter instrumentos indianos (no caso a tabla e a tanpura), lançado em 1971. Esse álbum conta com a participação do percussionista brasileiro Airto Moreira.

No mesmo ano, McLaughlin decide expandir seus conhecimentos musicais, e apostando na união de músicos de diferentes países, lançando ao mundo a Mahavishnu Orchestra, um incrível quinteto constituído de exímios músicos de diferentes países, com o inglês McLaughlin (guitarra e violões), o americano Jerry Goodman (violino), que havia feito sucesso com o grupo The Flock no final dos anos 60, o irlandês Rick Laird (baixo), que havia acompanhado a banda do tecladista Brian Auger, o tcheco Jan Hammer (teclado, piano elétrico) e o panamenho Billy Cobham (bateria), que também havia passado pela batuta de Miles Davis.

Mahavishnu John McLaughlin e sua gigantesca Double Neck

Essa formação foi pioneira, praticamente criando o que hoje convencionou-se chamar de jazz fusion, empregando uma fusão de elementos do free jazz com o blues, o jazz tradicional, o rock e a música clássica, além da música hindu, funk e ritmos complexos, próximos ao rock progressivo. A ideia de Mahavishnu John McLaughlin era muito clara. Para ele, o violino deveria ser o instrumento principal, junto da guitarra, que não era apenas uma guitarra, mas uma double-neck composta por um braço de doze cordas e outro de seis, permitindo ampliar escalas e timbres. 

A imagem de McLaughlin empunhando essa gigantesca double-neck acabou virando marca registrada do guitarrista. Além disso, os teclados de Jan Hammer não eram teclados comuns, mas um mini-moog sintetizado que permitia alcançar sons extremamente inovadores, como as famosas distorções que mudam as frequências das notas do grave para o agudo (aquele botão esquerdo que tem no lado do moog, que faz a nota soar com uma variação marcante de frequência).

A estreia da Mahavishnu Orchestra
O álbum de estreia da Mahavishnu Orchestra foi lançado ainda em 1971, sob o nome de The Inner Mounting Flame, e é um perfeito atestado do que o fusion representa ao mundo, através das faixas "Dawn", "The Noonward Race", "Vital Transformation" e "You Know You Know", além de uma interessante rendição ao blues durante "The Dance of Maya".

Porém, escondidos entre a densa camada de fusion, elementos progressivos fazem-se presentes nas canções "A Lotus on Irish Stream" e "The Meeting of Spirits", trazendo intrincadas passagens de violinos, guitarras e teclados, bem como uma cozinha afiadíssima e concorrente a uma das melhores de todos os tempos. O álbum ainda tem a singela "Awakening", mais uma homenagem de McLaughlin ao seu líder espiritual. 

The Inner Mounting Flame ficou em décimo segundo lugar nas paradas de jazz dos Estados Unidos, ficando entre os 100 mais na parada total da Billboard (posição 89).

Segundo LP da Mahavishnu
O sucesso da Mahavishnu Orchestra propiciou uma grande temporada de shows pelos Estados Unidos, e em agosto de 1972, houveram poucas semanas para a gravação do segundo registro do grupo, com o mesmo time lançando Birds of Fire em março de 1973. O LP mantém a linha de seu antecessor, abrindo com a paulada da faixa-título, somente com canções mais curtas, que investem bastante no lado mais acessível (por que não pop) como no suingue Southern de "Open Country Joy" ou um londo solo de bateria durante "One Word".

O progressivo que escondia-se no álbum anterior está mais obscuro ainda em Birds of Fire, aparecendo com clareza somente nas linhas acústicas de "Thousand Island Park". Nas demais canções, a base do jazz fusion destaca-se, principalmente na homenagem à Miles Davis, "Miles Beyond", nas curtas "Celestial Terrestrial Commuters" e "Hope", a quase balada "Hope" e a magistral "Sanctuary". Complementa o álbum uma vinheta de vinte e quatro segundos, batizada "Sapphire Bullets of Pure Love", que pouco acrescenta ao mesmo. 

Birds of Fire alcançou a décima quinta posição na Billboard, alavancando cada vez mais o nome de McLaughlin entre os americanos e o mundo.

Contra-capa de Between Nothingness & Eternity

O grupo saiu para mais uma série de shows, mas logo começaram a surgir as desavenças. Durante a perna europeia da turnê, começam a registrar o terceiro LP em Londres, mas Hammer e Goodman já mostravam-se bastante insatisfeitos com a forma como McLaughlin governava seus colegas durante as gravações. Os músicos não falavam-se mais, e então, houve a separação final da Mahavishnu Orchestra, mas para suprir os problemas contratuais, resolvem lançar um álbum ao vivo, trazendo registros de duas apresentações no Central Park (Nova Iorque) nas datas de 17 e 18 de agosto de 1971.

Between Nothingness and Eternity é o nome da bolacha, lançada em novembro 1973, e que surpreende com uma nova sonoridade, totalmente calcada no rock progressivo e sem tantas inspirações no fusion, tanto que apenas três músicas estão no LP, o qual abre com os ensandecidos e sensacionais duelos de McLaughlin e Hammer de "Trilogy", destacando os solos de Jerry Goodman e a performance soberba de Billy Cobham, seguida pela elegante e encantadora "Sister Andrea", com seu embalo Motown e as linhas intrincadas de guitarra e violino.

“Dream”, ocupando todo o lado B de Between Nothingness & Eternity

No Lado B, ocupando todo o sulco do vinil, está a Maravilhosa "Dream", a qual surge quase que surdamente, com o violino executando pequenos arpejos junto da guitarra. Essas notas vão aumentando de volume lentamente, assim como a velocidade das escalas soladas por McLaughlin, que sola sozinho com escalas ques tornaram-se características do seu estilo, quase que incompreensíveis ao ouvido humano tamanha a velocidade.

Goodman passa a solar sozinho, com o violino e utilizando com escalas não tão velozes, de uma forma menos agressiva, utilizando-se vez que outra de um pouco de velocidade, trazendo o piano elétrico de Hammer, que puxa o riff de "Dream" junto de baixo e bateria, explodindo no magnífico duelo de violino e guitarra, executando as mesmas notas com uma velocidade incrível, enquanto Laird maltrata seu wah-wah, tirando um som infernal de seu baixo, Cobham transforma-se em um polvo na bateria, em viradas malucas e uma velocidade assombrosa, e Hammer demole seu piano elétrico lembrando os bons tempos de Chick Corea.

Essa fantástica introdução leva-nos para mais um rápido trecho com violino e guitarra fazendo as mesmas notas, e a partir de então, começam os duelos, primeiro com Hammer e McLaughlin confrontando-se em escalas muito velozes, mudanças de acordes em um ritmo comandado apenas pelos dois, sem a presença dos outros músicos, ritmo esse que é extremamente rápido e complexo. Bateria e baixo voltam junto do violino, mostrando que o palco está pegando fogo com o duelo de guitarra e piano elétrico, e então Goodman resolve participar da brincadeira, solando entre as pesadas distorções da guitarra e as batidas aniquiladoras de Cobham.

O ritmo modifica-se, e com McLaughlin puxando um ritmo dançante, é a vez de Goodman começar seu solo, acompanhado pelo baixão de Laird e uma suingada levada de bateria. As notas extraídas do violino são furiosas, e ao fundo, é possível perceber que baixo e guitarra repetem o riff da clássica "Sunshine of Your Love" (Cream) por diversas vezes, enquanto Goodman e Cobham fazem um show a parte em seus respectivos instrumentos, um mais genial e perfeito do que o outro, com uma técnica incomum.

Goodman, McLaughlin, Cobham, Laird e Hammer

O solo de violino encerra-se com uma série de repetições feitas por guitarra, sintetizadores e violino, levando então para o solo de McLaughlin, que mantém a velocidade e o ritmo dos anteriores. Porém, como sabemos, executar notas velozes na guitarra não é algo tão simples, e McLaughlin torna isso ainda mais difícil por que ele não utiliza-se de vibratos, arpejos ou bends. São seus dedos que deslizam casa por casa do instrumento com uma agilidade impressionante, confrontando seus ritmos com as batidas de Cobham, seja nos pratos, na caixa ou nos tons.

Esse magnífico duelo é daqueles de serem registrados nos anais da história do rock progressivo pela perfeição e demonstração do quão sobrenaturais os músicos do estilo são, já que tentar reproduzir o que é feito por esses monstros da música é impossível. Tanto McLaughlin quanto Cobham extrapolam os limites das possibilidades imagináveis de pegada, feeling e velocidade, principalmente no momento central do solo, onde chega a ser absurdo o que os dois constroem, expelindo uma quantidade infinita de notas em tão poucos segundos.

No sentido horário:
Billy Cobham, John McLaughlin, Jerry Goodman, Rick Laird e Jan Hammer

Repentinamente, Cobham torna tudo dançante, trazendo o baixo e acalmando a fúria da guitarra, que passa a construir um riff final, dividindo espaço com violino e sintetizadores, levando ao final da lunática "Dream" com uma magistral performance dos cinco instrumentos repetindo as mesmas batidas ao mesmo tempo, hipnotizando nossa mente e voltando para o riff inicial de violino e guitarra, de onde brota o suingue de baixo e bateria, com as intervenções do piano elétrico, para McLaughlin rasgar a sua guitarra com notas agressivas, que dividem espaço com o violino para mais uma pancadaria final entre os dois, e a Maravilhosa "Dream" fica com longos vibratos de guitarra e violino sobre o ritmo cadenciado do baixo, bateria e órgão, até encerrar-se com rufadas na bateria e uma singela batida no gongo, sobre aplausos frenéticos dos presentes no Central Park.

O tal álbum que começou a ser gravado em Londres saiu anos depois (1999) sob o título de The Lost Trident Sessions, trazendo como destaque a versão de estúdio para "Dream". No dia 30 de dezembro de 1973, era anunciado oficialmente o fim da Mahavishnu Orchestra, após 530 apresentações em menos de dois anos. Jan Hammer partiu para uma carreira solo de sucesso, e ainda fez parte da banda de Jeff Beck que registrou Wired (1976), bem como o ao vivo Jeff Beck With The Jan Hammer Group Live (1977).

John McLaughlin (e sua double neck), Jerry Goodman, Jan Hammer, Billy Cobham e Rick Laird

Cobham também investiu na sua carreira solo. Em 1973, gravou o aclamado Spectrus, contando com a presença do jovem Tommy Bolin nas guitarras, e na sequência, vieram Crosswinds (1974), Total Eclipse (1975) e uma série de álbuns que consolidaram Cobham como um dos maiores bateristas de sua geração, fazendo do mesmo um dos músicos mais requisitados por outros artistas para gravar a bateria em seus álbuns.

Goodman registrou o álbum Like Children (1975) ao lado de Jan Hammer, e ficou dez anos afastado da música, até que em meados dos anos 80, voltou a aparecer em uma carreira solo que não foi de grande sucesso. O músico passou a tocar ocasionalmente em estúdio e em apresentações como convidado, mas não mais integrou alguma banda. Laird lançou um único álbum solo, em 1977, batizado de Soft Focus, e hoje é um famoso fotógrafo de performances de jazz.

Mahavishnu John McLaughlin, Sri Chinmoy e Devadip Carlos Santana

Por fim, McLaughlin registrou, em 1973, o álbum Love, Devotion, Surrender, ao lado do guitarrista mexicano Carlos Santana, que na mesma época havia conhecido Sri Chinmoy, e adotado o nome de Devadip Carlos Santana. Em 1974, o inglês resolveu recriar a Mahavishnu Orchestra, criando uma verdadeira orquestra musical que nesse ano, lançou a segunda Maravilha Prog, como veremos em quinze dias aqui nessa sessão.


quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Maravilhas do Mundo Prog: Shakti - India [1977]




O guitarrista John McLaughlin é um dos grandes talentos que o mundo da música já providenciou. Virtuoso e versátil, o britânico começou a aparecer aos mortais através da banda do trompetista Miles Davis, ao gravar o essencial Bitches Brew (1970), o disco que revolucionou o jazz. 

Ao sair do grupo de Miles em 1971, depois de ter gravado ainda os álbuns In A Silent Way (1969), A Tribute to Jack Johnson (1971), On the Corner (1972), Big Fun (1974), McLaughlin já tinha começado uma interessante carreira solo, misturando free jazz com progressivo, e lançado dois também essenciais álbuns: Extrapolation (1969) e Devotion (1970) nos quais sua técnica expandiu horizontes até então inimagináveis, misturando velocidade, timbres diferentes e diversas peripécias que apenas McLaughlin consegue executar com perfeição.


A partir de My Goal's Beyond (1971), McLaughlin adotou o nome Mahavishnu, e assim, virou o centro das atenções progressivas, primeiro ao gravar A Love Supreme com o guitarrista Carlos Santana (1973), um grandioso álbum no qual o tempero da banda de Santana casou perfeitamente com o virtuosismo de McLaughlin. E ao mesmo tempo, ao formar a Mahavishnu Orchestra, uma mega-banda contando com nomes como Jean Luc-Ponty (violino), Jan Hammer (teclados), Billy Cobham (bateria), entre outros.

A Mahavishnu Orchestra foi uma nebulosa de Maravilhas Prog. Em seus sete álbuns de estúdio, lançados entre 1971 e 1977, passeamos por improvisos, construções intrincadas e demais características que representam o progressivo com uma perfeição digna de Narciso, e uma exigência raríssima (e cansativa) para os músicos acompanhantes de McLaughlin, tanto que nem o próprio McLaughlin aguentou a pressão, e em um momento "férias", resolveu entrar na maior viagem de sua vida, o projeto  Shakti.



Vinayakram, Shankar, McLaughlin e Hussain

Tudo começou em 1974, quando McLaughlin encontrou um velho amigo indiano, Lakshminarayanan Shankar, também conhecido como L. Shankar, o qual já tinha feito seu nome tocando com Ornette Coleman e Jimmy Garrison durante o final da década de 60. Em um concerto de Shankar, McLaughlin ficou extasiado com a sonoridade que vinha da percussão que acompanhava o violinista, a qual era formada somente por instrumentos indianos.


A partir de então, alguns contatos foram feitos e, com poucos ensaios, Shankar e McLaughlin se uniram, formando a Shakti. Basicamente na Shakti, McLaughlin teria a oportunidade de fazer aquilo que não conseguia na Mahavishnu: tocar sem compromisso, sem seguir regras, apenas seguindo o sentimento e a própria vontade. Os demais integrantes da Shakti eram Zakir Hussain (tabla), Thetakudi Harihara Vinayakram (ghatam) e Ramnad Raghavan (mridangam), todos naturais da Índia. 


O estranho violão de McLaughlin, somente para aShakti
A excentricidade do grupo não parava somente nos instrumentos indianos. O próprio McLaughlin encomendou com o luthier da Gibson, Abraham Wechter, um violão especial, que trazia sete cordas adicionais perpendiculares às seis cordas tradicionais do violão normal, as quais criavam um som parecido com o de uma cítara.

O grupo começou a fazer shows, sendo o realizado no Colégio South Hampton, em Nova Iorque, o primeiro álbum lançado pelo grupo. Batizado de Shakti with John McLaughlin (1975), é um disco adorável, trazendo a mistura dos elementos indianos com a virtuose britânica nas canções "Joy", com um belo trabalho de Hussain, "Lotus Feet", que viria aparecer depois na turnê de McLaughlin com Paco De Lucia e Larry Coriell, e a incrível "What Need Have I for This - What Need Have I for That - I Am Dancing at the Feet of My Lord - All is Bliss - All is Bliss", que, conforme seu nome, possui mais de 28 minutos de muita improvisação e sentimento. Durante toda a faixa fica claro que os músicos estão em êxtase em cima do palco, no auge da inspiração e harmonia. Os duelos de ghatam e tabla sobressaem em várias etapas. O clima indiano e a levada diabólica da música com certeza irão fazer você viajar pra outro mundo, mesmo estando no seu quarto.


Isso era o principal da Shakti, a viagem sem fim. Mesmo contando com um guitarrista de renome, não era ele o destaque da banda, aliás o grupo não tinha um destaque. Todos se encaixavam de forma a harmonizar cada segundo da canção, tornando assim a música uma peça não só para ser ouvida, mas também absorvida pelo ouvinte.


John McLaughlin
Em 1976, veio o segundo álbum, o também fabuloso A Handful of Beauty. Com vocalizações e muito mais improvisos, este é um álbum perfeito, desde "La Danse Du Bonheur", na qual as vocalizações imitam as batidas de uma tabla, a suave "Lady L.", e um belíssimo solo de L. Shankar, canção essa comparável aquela de "Kashmir" no álbum UnLeded (1994), lançado por Jimmy Page e Robert Plant, a rápida "Kriti", onde temos várias sequências em que o violão faz duelos com o violino e com a tabla, "Isis" e seus quinze minutos de uma sequência arrebatadora de solos de Shankar e McLaughlin, sempre intercalados por um riff principal onde ambos fazem algo típico do oriente, e "Two Sisters", um lamento super lento apenas com John no acompanhamento e L. Shankar executando um solo triste, porém marcante, que deixa um gosto de quero mais para o ouvinte.


Mas nada compara-se a Maravilha Prog que conclui o lado A do LP. Batizada de "India", ela começa com um triste solo no violão de McLaughlin, lento, com notas gemidas e intervenções de um mesmo acorde que repete-se por diversas vezes. Uma série de vibratos e desafinações no instrumento levam para os harmônicos, e assim, um dedilhado leve é executado, apresentando o violino de Shankar.

Shankar e McLaughlin fazem um breve tema, e a percussão invade as caixas de som, muito suave, acompanhando o dedilhado do violão. Shankar e McLaughlin executam dois temas breves, e com a percussão mais animada, e o dedilhado sereno de McLaughlin, Shankar faz um breve solo.

A percussão então enlouquece, e McLaughlin solta os dedos em um solo muito veloz, característico de seu estilo de tocar, duelando com as batidas no ghatam e no mridangam. Palheteando com força as cordas do violão, subindo e descendo escalas com uma velocidade incrível, McLaughlin dá uma aula de virtuosismo para muitos guitarristas metidos a virtuoses, e nessa aula, começa um belo duelo entre violino/violão contra as batidas da tabla, sempre com velocidades muito altas.


L. Shankar
O ritmo então adquire um embalo gostoso, e é nele que Shankar executa seu solo, rasgando as cordas do violino sem ser tão veloz, mas com escalas apropriadamente escolhidas para encantar o ouvinte. Uma sequência de arpejos é o ponto central do solo, encerrado com a repetição do duelo violino/violão contra a tabla, retornando para o ritmo inicial, com o dedilhado do violão acompanhando o solo de encerramento do violino, concluindo a canção com a sessão percussiva fazendo um estardalhaço no recinto.

O Shakti ainda lançou Natural Elements em 1977, e depois, John resolveu voltar para a carreira solo após esse álbum, lançando o magistral Electric Guitarist em 1978, misturando com exatidão free jazz e rock (algo parecido com o que Jeff Beck fez em Blow By Blow e Wired). Depois disso, alternou bons e maus momentos em sua carreira solo, reviveu a Mahavishnu Orchestra nos anos oitenta e fez sucesso com o trio de violões  ao lado de Al Di Meola e Paco De Lucia. Os demais integrantes da Shakti seguiram suas carreiras independentemente, com Vynaiakram sendo o primeiro músico indiano a ganhar um Grammy (isso já na década de 90). 


Shakti em 1977
Em 1997, John, Hussain e Vinayakaram, juntos com o músico convidado Hariprasad Chaurasia nas flautas, se reuniram para uma pequena turnê chamada "Remember Shakti", a qual ficou registrada em CD duplo com o mesmo nome. Infelizmente L. Shankar não pôde comparecer aos shows, mas certamente o clima entre os músicos remanescentes era excelente, e o destaque maior do disco fica por conta da faixa "Mukti", com seus mais de 63 minutos (!!!) de muito improviso. Essa formação ainda lançou os álbuns The Believer (1999) e Saturday Night in Bombay (2001), mas infelizmente acabaram por se separar.
 

De qualquer forma, a Shakti deixou seu nome registrado na história musical, não somente por ser a primeira banda a misturar sons ocidentais e orientais de uma forma totalmente improvisional, mas também por suas belíssimas composições e arranjos que ficam na cabeça por muito tempo, e ainda, uma Maravilhosa peça progressiva chamada "India", que encerra o Maravilhas do Mundo Prog de 2012. Voltaremos em 2013 com um formato especial aos cinco grandes nomes do prog britânico (Yes, Genesis, King Crimson, Pink Floyd e Emerson Lake & Palmer). 

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Shákti: a viagem indiana de John McLaughlin

  
O guitarrista John Mclaughlin sempre foi conhecido pelo seu talento em revelar grandes músicos, e também por ser um ídolo de gênios do calibre de Eddie Van Halen, Steve Vai e até mesmo Frank Zappa. 

John estreou na carreira musical com o excelente álbum "Extrapolation" (1969), onde seu virtuosismo jazzístico, aliado à precisão de Tony Oxley na bateria e Brian Odgers no baixo, bem como o talento de John Surman nos sopros, pode ser considerado como as raízes do fusion e da world music.

Nos anos seguintes, McLaughlin lançou "Devotion" (1970) e "My Goals Beyond" (1971), seguindo a mesma linha de "Extrapolation".

Nesse meio tempo, John tentou realizar aquilo que sempre foi seu sonho: montar um grupo que misturasse jazz, rock'n'roll, blues e música clássica. O maior detalhe desta banda é que ela não deveria ser parecida com outras da época que tentavam soar da mesma forma (o que veio a ser chamado de progressivo), mas sim basear-se única e exclusivamente em longas seções dedicadas ao improviso e à harmonização das canções. 

 
Surge então em 1971 a Mahavishnu Orchestra, onde McLaughlin é apoiado nada mais nada menos por Jerry Goodman (violinos), Billy Cobham (bateria), Jan Hammer (teclados) e Rick Laird (baixo), entre outros menos conhecidos. Isto na primeira encarnação da Mahavishnu. Na segunda (1974), os músicos eram Gayle Moran nos teclados e vocais, Jean-Luc Ponty no violino, Ralphe Armstrong, no baixo e Narada Michael Walden na bateria. 

Como era esperado, a Mahavishnu se revelou uma grande banda, com excelentes músicos, mas com egos muito complicados. Mesmo assim, o grupo fez sucesso com excelentes discos como "The Inner Mountain Flame" de 1971 e "Apocalypse" de 1974.Em 1974 John reencontrou um velho amigo indiano, Lakshminarayanan Shankar (L. Shankar), o qual já tinha feito seu nome tocando com Ornette Coleman e Jimmy Garrison durante o final da década de 60. 

Em um concerto de Shankar, McLaughlin ficou extasiado com a sonoridade que vinha da percussão que acompanhava o violinista, a qual era formada somente por instrumentos indianos.A partir de então, alguns contatos foram feitos e, com poucos ensaios, Shankar e McLaughlin se uniram, formando uma das mais espetaculares bandas da década de 70, a Shakti. 

Basicamente na Shákti McLaughlin teria a oportunidade de fazer aquilo que não conseguia na Mahavishnu: tocar sem compromisso, sem seguir regras, apenas seguindo o sentimento e a própria vontade. Os outros integrantes da Shakti eram Zakir Hussain (tabla), Thetakudi Harihara Vinayakram (ghatam) e Ramnad Raghavan (mridangam), todos naturais da Índia. 

Para tocar com os músicos indianos, John encomendou com o luthier da Gibson, Abraham Wechter, um violão especial, que trazia sete cordas adicionais perpendiculares às seis cordas tradicionais do violão normal, as quais davam um som parecido com o de uma cítara.
 
Logo no primeiro lançamento, uma obra-prima. "Shakti with John McLaughlin" foi gravado ao vivo em um concerto na sala de espetáculos do Colégio South Hampton, em Nova Iorque. O lado A conta com "Joy", com um belo trabalho de Hussain, e "Lotus Feet", que viria aparecer depois na turnê de McLaughlin com Paco De Lucia e Larry Coriell. 

Já no lado B temos a incrível "What Need Have I for This - What Need Have I for That - I Am Dancing at the Feet of My Lord - All is Bliss - All is Bliss", que, conforme seu nome, possui mais de 28 minutos de muita improvisação e sentimento. Durante toda a faixa fica claro que os músicos estão em êxtase em cima do palco, no auge da inspiração e harmonia. Os duelos de ghatam e tabla sobressaem em várias etapas. O clima indiano e a levada diabólica da música com certeza irão fazer você viajar pra outro mundo, mesmo estando no seu quarto. 

Isso era o principal da Shakti, a viagem sem fim. Mesmo contando com um guitarrista de renome, não era ele o destaque da banda, aliás o grupo não tinha um destaque. Todos se encaixavam de forma a harmonizar cada segundo da canção, tornando assim a música uma peça não só para ser ouvida, mas também absorvida como um bom vinho.
Em 1976 a Shakti lança o fabuloso "A Handful of Beauty". Logo de cara, uma inovação: os músicos introduzem a canção "La Danse Du Bonheur" com vocalizações que imitam as batidas de uma tabla. Perfeito!  Após a introdução, uma ótima sequência entre violão e violino dá início a uma levada forte, com um solo de violino rápido e eficiente. "Lady L." diminui um pouco o ritmo da faixa anterior, e traz mais um belo solo de L. Shankar. É difícil não ouvir essa música e compará-la com a versão de "Kashmir" do UnLeded

"India" talvez seja a mais bela composição do grupo, o que mostra que a Shakti havia evoluído em termos de organização, não detendo-se apenas em evoluir em cima de improvisos. A canção começa com lentos dedilhados e arpejos de John, os quais vão aumentando a cadência lentamente e servem de base para que L. Shankar delire em cima de seu violino. Um longo improviso se faz ouvir, e com certeza, o clima oriental preenche o recinto em que você estiver ouvindo essa canção. Com o passar dos 12 minutos, temos uma pequena sequência de harmônicos executadas juntamente com a percurssão e o violino fechando a canção. Simplesmente demais. 

O lado B começa com a rápida "Kriti", onde temos várias sequências em que o violão faz duelos com o violino e com a tabla. É importante destacar que Zakir Hussain está em papel de destaque em todas as faixas, executando a tabla como poucos. A faixa seguinte, "Isis", está no mesmo nível de "India". Quinze minutos de uma sequência de solos de Shankar e John, sempre intercalados por um riff principal onde ambos fazem algo típico do oriente. 

O LP termina com "Two Sisters", um lamento super lento apenas com John no acompanhamento e L. Shankar executando um solo triste, porém marcante, que deixa um gosto de quero mais para o ouvinte.
                   

Em 1977 é lançado "Natural Elements". O disco tentou abranger um lado mais comercial, não possuindo nenhuma faixa com mais de sete minutos, e com os instrumentos indianos sendo substituídos (ou melhor, superados na audição) por instrumentos mais ocidentais como cymbals, triângulos e bongôs. 

O disco começa com a rápida "Mind Ecology", onde, mesmo com os novos instrumentos, existe uma levada bem oriental. Na sequência, "Face to Face" é a mais comercial de todas. Uma música que poderia ser encaixada em qualquer disco dos anos oitenta. 

A curta "Come on Baby Dance With Me" (olhem o nome da canção!!!) dá início à bela "The Daffodil and The Eagle". Esta é a que mais se assemelha aos sons anteriores da Shakti, até por que é a maior faixa do álbum. O início lento, apenas com o violão e o violino, dá um clima bem oriental, que se alterna depois entre um ritmo mais rápido, ou não. O sincronismo de notas entre McLaughlin e Shankar é fantástico. A mistura de escalas de blues feita por John com um acompanhamento oriental da parte percussiva cria um sabor diferente para o ouvinte, dando realmente um nó na cabeça daquele que não está acostumado com inovações. Essa canção já vale o investimento do disco. 

O Lado B é mais fraco, mas mesmo assim traz momentos interessantes como as vocalizações à la "Danse ..." em "Get Down and Sruti", e também a bela "Peace Of Mind".


John resolveu voltar para a carreira solo após esse álbum, lançando o magistral "Electric Guitarist" em 1978. Depois disso, alternou bons e maus momentos em sua carreira solo, reviveu a Mahavishnu Orchestra nos anos oitenta e fez sucesso com o trio  ao lado deAl Di Meola e Paco De Lucia. Os demais integrantes da Shakti seguiram suas carreiras independentemente, com Vynaiakram sendo o primeiro músico indiano a ganhar um Grammy (isso já na década de 90).

Em 1997, John, Hussain e Vinayakaram, juntos com o músico convidado Hariprasad Chaurasia nas flautas, se reuniram para uma pequena turnê chamada "Remember Shakti", a qual ficou registrada em CD duplo com o mesmo nome. Infelizmente L. Shankar não pôde comparecer aos shows, mas certamente o clima entre os músicos remanescentes era excelente, e o destaque maior do disco fica por conta da faixa "Mukti", com seus mais de 63 minutos (!!!) de muito improviso. Essa formação ainda lançou os álbuns "The Believer" (1999) e "Saturday Night in Bombay" (2001), mas infelizmente acabaram por se separar.


De qualquer forma, a Shakti deixou seu nome registrado na história musical, não somente por ser a primeira banda a misturar sons ocidentais e orientais de uma forma totalmente improvisional, mas também por suas belíssimas composições e arranjos que ficam na cabeça por muito tempo.

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