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sábado, 5 de março de 2016

Rolling Stones América Latina Olé Tour - Rio de Janeiro / Porto Alegre




Todas as imagens por Mairon Machado, com exceção de *, retirada do twitter oficial da banda


Assistir a um show de rock sempre é um evento marcante. Afinal, a longa espera nas filas, o dinheiro investido, as histórias compartilhadas no gargarejo do palco, a batalha campal em busca de uma palheta, baqueta ou recordação do show como uma forma de premiação por ter vencido cada obstáculo, o retorno para casa, com a mente passando como um filme as imagens que você presenciou há poucos minutos, as dores no corpo no dia seguinte, entre outros fatores, fazem com que você leve isso na sua bagagem cultural para o resto do fim das suas vidas. Assistir aos Rolling Stones, por duas vezes, na mesma turnê mas em cidades tão diferentes quanto Rio de Janeiro e Porto Alegre, é além de tudo o que escrevi acima, uma prova de que quando você gosta mesmo de fazer algo, não há idade, chuva, calor, preguiça, dinheiro ou qualquer outro empecilho que vá te impedir de fazer isso.


A América Latina Tour, antes de chegar em Porto Alegre, começou com shows em Santiago, Buenos Aires (três datas), Montevidéu, Rio de Janeiro e São Paulo (duas datas), e por privilégio dos tempos, e por uma dívida pessoal comigo mesmo, que não pude conferir os Stones no famoso show de Copacabana em 2006 por que não tinha na época 150 reais para pagar a passagem de ônibus até lá, desloquei-me de São Borja até a capital carioca e a capital gaúcha, nos dias 20 de fevereiro e 02 de março respectivamente, para assistir a duas aulas Magmas de como fazer rock 'n' roll em cima do palco.
Stones no Rio
Stones no Rio


Começo destacando algumas diferenças básicas entre as plateias. O povo carioca é apaixonado por rock 'n' roll, isso não podemos discutir, mas também gosta de se exibir, e então, a quantidade de gente que estava lá fazendo selfies e promovendo-se nas redes sociais era similar a quantidade de gente que estava lá para ouvir "Star Me Up" ou "(I Can't Get No) Satisfaction". Por vezes mescar a melhor imagem com o Mick Jagger ao fundo, perdendo clássicos como "Miss You" ou "Paint it Black" só para ter no computador ou celular uma imagem com o rostinho de Jagger em um canto.


Outro ponto que me chamou a atenção é que os cariocas não tem preocupação com chegar cedo no show. Dirigi-me ao Maracanã ao meio-dia, e quando cheguei lá, tinha pouco mais de 20 pessoas na fila (se é que tinha). O grosso do público começou a chegar mesmo depois que a primeira banda de abertura já havia feito sua apresentação, lá pelas 19 horas, o que me surpreendeu bastante.


Em Porto Alegre, por outro lado, cheguei no mesmo horário que cheguei no Rio no Estádio Beira-Rio, e a fila já era enorme. A multidão de gente tomou conta do pátio do estádio, e quando os portões abriram, já dava para perceber que ia lotar rapidinho. O público gaúcho também tem simpatia por selfies e tal, mas graças a forte chuva que caiu durante todo o show dos Stones em Porto Alegre, os fanáticos por tal atividade não tiveram a felicidade de usar muito seus atributos eletrônicos, e foi bem mais tranquilo de ver o show, sem braços levantados ou falas desnecessárias como "Essa foto não ficou legal, vamos tentar pegar outra" ...


Não estou dizendo que o público carioca é melhor que o gaúcho ou vice-versa, até por que no Rio de Janeiro tinha gente de todo o Brasil, e em Porto Alegre a maioria apenas eram gaúchos e catarinenses,mas são pontos curiosos que encontrei. Agora, com certeza, a volta para casa em Porto Alegre foi bem mais tranquila, já que a fila para pegar ônibus, táxi ou metrô no Maracanã era gigantesca. Uma hora para pegar o metrô, com a ajuda do amigo André Bonolo, que foi gente finíssima e de extrema educação ao me auxiliar nessa situação, já que não tinha como eu comprar a passagem de volta com a quantidade de gente para fazer isso. Também, no Maraca tinha mais de 66 mil pessoas, enquanto em Porto Alegre o público atingiu a marca de pouco menos de 50 mil pessoas.


Agora quanto aos shows em si.
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Mick Jagger iluminado no palco do Maracanã





Rio de Janeiro (20 de fevereiro de 2016)



A longa espera debaixo de um sol escaldante no Rio de Janeiro foi o único problema do dia, compensado pelo banho de chuva que lavou a alma e refrescou quem estava no estádio Maracanã quando Deus resolveu limpar o pátio do Céu. Já tinha ido várias vezes no Maraca, mas sempre nas arquibancadas. Era a primeira vez no gramado, e a sensação de pequenez diante daquele gigante de concreto é ainda maior.
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Doctor Pheabus no palco do Maraca
A abertura do espetáculo foi do grupo Doctor Pheabus. O som da banda é um Lynyrd Skynyrd muito do genérico, onde salva-se um trio vocal feminino que sustenta boa parte das músicas, já que o vocalista não é do melhores. A banda fez uma performance de uns 30 minutos, tocando seis canções que não esquentaram os poucos presentes no local. O pior foi ver o guitarrista empunhando e afinando uma linda Gibson branca de dois braços, e na hora de começar o show, a guitarra estar tão desafinada que até o Cristo Redentor colocou as mãos na cara de tanta vergonha. A banda ainda tem muito o que cavalgar nas estradas da vida, e não agradou quase ninguém, apesar da inúmera distribuição de palhetas e camisetas.
Depois veio o Ultraje a Rigor, e a polêmica briga de Roger com a plateia. Na verdade, muito do que divulgaram por aí não procede. Pouco antes da Doctor Pheabus entrar no palco, Roger já perambulava por lá, e inclusive autografou o meu compacto de "Eu Me Amo" que levei justamente para isso, com uma simpatia enorme. Antes de começar o show do Ultraje, caiu o mundo no Rio de Janeiro, e o show acabou atrasando mais de meia hora. Quando o Ultraje entrou, o público já estava quase que definitivo, e ansiando pelos Stones.
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Roger assinando o compacto de "Eu Me Amo" (acima) e depois de cantar "Filho da Puta" abaixo
 O show do Ultraje foi muito burocrático e frio, e no meio dele, um rapaz que estava exatamente na minha frente começou a gritar "coxinha" para o cara da G Magazine. Outros já estavam gritando também, mas como nós estávamos praticamente na grade, foi aquele cara, de chapéu preto, que ofendeu ao Roger, o qual retrucou, falando coisas como "vocês vão cair, eu não consigo te ouvir daqui de cima, coxinha é a mãe" e principalmente, "a próxima música eu dedico para vocês", tocando então "Filho da Puta", o qual foi direcionada exatamente para o cidadão que chamou o Roger de coxinha (não entendo por que se ofendem com isso), e o Roger ficou o tempo todo olhando para o rapaz, mas em nenhum momento xingou a plateia.
A partir dali, de qualquer jeito, a c@g@d@ já havia sido feito, e boa parte do público começou a vaiar o grupo, que não tardou em sair do palco para dar lugar aos Stones, inclusive sem nem um bis fazer. Salvou-se pelo menos a participação de Luiz Carlini, que acalmou um pouco os ânimos da galera com seus solos em meio aos covers de rock que o Ultraje fez. O que ninguém esperava é que, mesmo com a chuva tendo parado pouco antes do show do Ultraje terminar, os telões acabassem estragando. O pessoal da organização se virou nos 30 (no caso, 30 minutos) e em meia hora, arrumou tudo, para assim, com um atraso considerável, os vovôs subirem ao palco e detonar.
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Keef exibindo-se para a câmera da Consultoria
Alheio a quantidade de máquinas fotográficas e celulares atrás de mim, concentrei-me para ver o show, mas não esperava que ficaria tão abalado com o que viria nas próximas duas horas. O belo vídeo de apresentação do show, remontando imagens de capas e momentos da carreira dos Stones desde o seu início, já arrancou lágrimas e arrepios deste que vos escreve, e quando vi Mick Jagger e Keith Richards detonando "Start Me Up", o tempo parou. Arrepios corriam pelo corpo levando o sangue do coração, e a empolgação ao ouvir tantos clássicos em sequência ("Start Me Up", "It's Only Rock 'n' Roll", "Tumbling Dice" e "Out of Control" foram as quatro primeiras) ficou ainda maior quando Mick disse: "Essa música foi escolhida por vocêisssss", com um baita sotaque, para então surgir "Like a Rolling Stone".
É impressionante a vitalidade de Jagger. Aos 72 anos, ele cantou a complicadíssima letra de Bob Dylan pulando e dançando pelo palco, sem precisar de tele-prompter, e fez com que o Maraca dançasse animadamente, e eu colocasse mais algumas lágrimas de satisfação e gratidão por seja lá quem ter me propiciado esse momento.
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A apresentação de "Like a Rolling Stone" (acima) e Mick Jagger dando uma aula de performance para os novinhos (abaixo)
"Doom and Gloom" acalmou os ânimos, seguida pela linda "Angie", totalmente inesperada para mim, o qual rapidamente lembrei de David Bowie, e fiquei imaginando se ele não estaria ali no palco, curtindo o show e querendo cantar "Dancing in the Street" com seu eterno parceiro Jagger. Foi de chorar de emoção ouvir essa canção ao vivo, e somente "Honky Tonk Women" para levantar a plateia de novo. Apesar da insistência do telão em focar as mulheres em busca dos famosos "peitos de fora" que marcam a apresentação dessa pérola no resto do mundo, no Rio a coisa não funcionou, ou pelo menos, no telão ninguém apareceu com os seios à mostra.
Veio a apresentação da banda - Ron Wood, o mascote das Olímpiadaisssss" e Keith assumiu o posto principal para cantar "You Got the Silver", pérola escondida de Let it Bleed, e "Before They make Me Run", joinha cobiçada do excelente e menosprezado Some Girls, ambas ovacionadas por uma plateia que comoveu Keith, o qual ficou sem palavras diante de tanto carinho.
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Keef e Ronnie em "You Got the Silver" (acima), e quatro Stones em plena ação (abaixo)
As improvisações de quinze minutos em "Midnight Rambler" mostraram que Jagger além de ser um baita frontman, toca muito harmônica. Seu duelo com a guitarra de Richards levou os amantes do blues direto para as garagens negras no interior dos Estados Unidos, e foi um dos grandes momentos da noite, assim como a interpretação espichada e também repleta de improvisos de "Miss You", onde o baixista Darryl Jones mostrou por que ele está na banda há vinte anos, e por que também ninguém sente falta de Bill Wyman.
Por outro lado, o pessoal deve ter sentido falta de Lisa Fischer. Sua substituta, Sasha Allen, conseguiu fazer seu papel de backing vocal muito bem, mas na hora de mandar ver em "Gimme Shelter" deixou a desejar, e Jagger acabou tomando conta da canção, principalmente no duelo vocal que encerra a faixa. "Brown Sugar" foi o momento em que a plateia deu um show, cantando os gritos de "hey, hey, hey, wow" com muito ânimo e durante muitos minutos, que esticaram a ótima canção e animaram ainda mais a já animada noite carioca.
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Mick Jagger (acima) e o palco dos Stones durante "Miss You" (abaixo)
Em "Sympathy for the Devil", Jagger veio ao palco sob luzes vermelhas e negras, trajando uma roupa repleta de plumas, sendo o próprio demônio em pessoa, e mandou ver em mais uma performance cheia de danças e comandando as vozes no "uh-huh" que consagraram esse clássico de Beggar's Banquet, e a primeira parte encerrou com uma pancada na cabeça advinda da belíssima versão de "Jumping Jack Flash".
O Encore veio logo em seguida, com o "coral da Puta, ops, Puca" fazendo as lindas vozes de "You Can't Always Get What You Want", para fechar de vez com "(I Can't Get No) Satisfaction", deixando evidente ali que essa era a música da qual a maioria que comprou ingresso conhecia, pois foi a única que todo mundo cantou a plenos pulmões, e deu para perceber o Maracanã tremer.
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"Simpathy for the Devil" (acima) e Charlie com abandeira do Brasil (abaixo)
Voltei para São Borja no dia seguinte, com a sensação de ter visto um dos melhores shows da minha vida, principalmente por Jagger ter sido um gentleman, comunicando-se a maior parte do tempo em português (com os sotaques que ressaltei nas frases acima), além de um carisma e performance de palco que fazem muito vocalista novato corar de vergonha, e preparei-me para quase duas semanas depois ver a última apresentação deles no Brasil.
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The Rolling Stones no palco do Beira-Rio
Porto Alegre (02 de março de 2016)
A fila em Porto Alegre foi bem diferente do Rio. Sob um céu nublado e bem organizada, não foi cansativa, e deu para conversar com os amigos e lembrar velhos shows, destacando principalmente o de Paul McCartney, que aconteceu no mesmo local em 2010. O Beira-Rio não é tão grande quanto o Maracanã, mas mesmo assim, a sensação de quando se está no gramado do estádio é a mesma de pequenez que temos no estádio carioca.
A Doctor Pheabus também abriu o show de Porto Alegre, com um set bem mais curto (apenas quatro músicas) que o pessoal que já lotava as dependências principais do estádio aplaudiu e apoiou bem mais do que no Rio. Dessa feita, o grupo não estava tão nervoso, deu para ouvir que o guitarrista tem talento, as backing vocals são excelentes, e o único pecado é o vocalista, muito bonachão e com pouca presença de palco. Não sei se a banda vinga, mas gostaria de saber como eles foram selecionados para dividir o palco com os Stones.
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Doctor Pheabus (acima) e Beto Bruno, vocalista do Cachorro Grande (abaixo)
Depois, veio o grupo local Cachorro Grande. Os guris - nem tão guris assim - são caracterizados por fazerem apresentações incendiárias, e não foi diferente dessa vez. Com uma performance arrebatadora, o grupo mandou ver, demonstrando paixão e gratidão por estarem tocando para milhares de pessoas praticamente onde cresceram, já que os membros da banda são porto alegrenses e colorados, então, imagina a felicidade. Foi um show ótimo, que sacudiu a galera e preparou muito bem - parabéns aos guris - para a grande atração da noite.
Quando as luzes se apagaram, exatamente na hora programada, já sabia que viria o lindo vídeo inicial, mas não esperava que a banda começasse o show com "Jumping Jack Flash". A empolgação de todo mundo no estádio é algo que não tem como descrever, e na mesma hora que Keith Richards puxou o riff da canção, começou a cair a maior chuva que um show de rock já viu na capital gaúcha. Era água de balde, ou de mangueira, sei lá, era MUITA água, e foi a partir desse momento que Mick Jagger mostrou por que ele é Mick Jagger, enquanto os outros são os outros.
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Keef encarando a chuva numa boa
Já vi Steven Tyler e Joe Perry tocando abaixo de chuva e frio também em Porto Alegre, lá em 2010, mas não e compara a quantidade de água que rolava sobre o palco dos Stones ontem. Era muita água. O chão estava encharcado, as pessoas estavam encharcadas, mas pensa que o Mick Jagger ficou só escondidinho atrás de uma cortina cantando? Que nada, o velhinho ia toda hora para a passarela que unia o palco aos fãs, cantando, dançando, pulando, sendo um frontman e um homem que respeitou e fez valer cada centavo pago (e não foram poucos) pelos presentes. Ali ele já mereceu o troféu de "Melhor Artista do Ano", e ensinou aos novatos metidos à estrela, que as vezes por causa de uma chuvinha ou um barulho na caixa de som abandonam o palco, ou fazem cara feia e tocam de má vontade, que o rock 'n' roll é muito mais do que a pessoa em si, mas sim, uma paixão sem limites, que supera adversidades e a idade também.
Foi um banho de talento, e uma alegria ver a disposição de Jagger (uma ponta de inveja também, já que tomara eu chegar aos cinquenta com o mesmo pique que ele) debaixo de tanta chuva, mas mesmo Richards e Wood também desfrutavam da chuva, não mesmo com tanta intensidade, mas não tinham medo de encarar o palco e brilhar os olhos dos fãs com solos animados, enquanto a água continuava correndo.
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Mick Jagger, bastante à vontade com a chuva, e dando uma aula de performance
O set list foi parecido com o do Rio, com algumas mudanças, como a inclusão de "Ruby Tuesday" no lugar de "Angie", a exclusão de "Doom and Gloom" e tendo como música escolhida pela plateia "Let's Spend the Night Together", outra que me fez lembrar de Bowie (ele gravou essa faixa no álbum Alladin Sane, de 1973), e que mostrou o talento do pianista Chuck Leavell (ex-Allman Brothers Band entre outros).
Com a quantidade de chuva que caía em Porto Alegre, o show foi um pouco mais frio para mim, que tentei não me preocupar com o aguaceiro, mas não é uma sensação das melhores ficar com o corpo todo molhado enquanto bate um vento forte no mesmo. O próprio Keef por diversas vezes fazia cara estranha quando o vento soprava forte levando ainda mais água para o palco, e Ron Wood muitas vezes teve que limpar o braço da guitarra para poder tocá-la, assim como Jagger toda hora limpava o microfone, mas nada disso atrapalhou a empolgação dos gaúchos que viam a banda pela primeira vez ao vivo, e que ajudou a incendiar ainda mais o show cantando a plenos pulmões "Miss You", "Gimme Shelter", onde dessa vez Sasha não fez tão feio, e "Honky Tonk Women". O pessoal parecia conhecer melhor as músicas que estavam sendo apresentadas, e mesmo "You Got the Silver" e "Midnight Rambler"tiveram seu coral de vozes, sendo que novamente "Midnight Rambler" teve um longo duelo de improvisos com a harmônica de Jagger e a guitarra de Richards.
Houve também uma inversão no final da primeira parte, com "Sympathy For the Devil" surgindo antes de "Brown Sugar", e depois de "Start Me Up", casando maravilhosamente bem essa sequência, que detonou com o resto de voz que esse que vos escreve tinha, e com vários ali do lado, além de ter sido o momento onde São Pedro decidiu que além de ligar as mangueiras e derrubar baldes de água, também abriu algumas torneiras pelo Paraíso. A roupa de "demônio" de Jagger ficou empapada, e o vento soprando forte, molhou o palco inteiro, mas a diversão rolava a solta, e com os famosos "uh-huh" de "Sympathy for the Devil",os dois backing vocals uniram-se a Ronnie, Keef, Jagger e Jones na frente do palco, encarando a chuva com um sorriso na face, deixando claro que o rock é um momento para ser curtido até o fim.
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Mick Jagger e suas danças (acima). Os gênios em "Midnight Rambler" (abaixo)
No Bis, o Coral da UC de Porto Alegre, agora devidamente apresentado de forma correta, soltou a voz em "You Can't Always Get What You Want", e com o público nas mãos, completamente encharcados e tirando voz do impossível, cataram "(I Can't Get No) Satisfaction" para alegria dos presentes, e para fechar com chave de ouro a maior turnê da banda que já passou pela América do Sul.
Era hora de pegar o ônibus, voltar para o hotel (ou para as casas) e tomar muito chá para não pegar uma gripe forte, mas sinceramente, eu não fiz isso. Apenas tomei um banho quente e fiquei horas pensando como é legal ver uma banda, que esteve em Altamont e mostrou todas as merd@s que aconteceram lá, não se escondendo de nada, que teve um gênio nas guitarras chamado Brian Jones, responsável por iniciá-los no mundo das drogas, drogas essas que quase acabaram com a banda lá em 1972, com uma história fascinante, permanecerem juntos, mesmo que não lançando álbuns há 11 anos, mas fazendo o que gostam, com toda a vontade, o talento, mas principalmente, com carinho e respeito pelos fãs. É raro ver algo nas bandas antigas, e nas novas então, é ainda mais raro.
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Dois momentos do palco dos Stones
E eles não param, pois agora vão para Lima, depois Bogotá, duas datas na Cidade do México e uma apresentação especial em Havana, em 25 de março, ou seja, ainda fará mais cinco apresentações só nesse mês. É muita vitalidade e muita energia, e que os velhinhos continuem não somente dando aula de como fazer um grande show de rock, mas passando para os fãs e ao público em geral que apesar de tudo o que você possa passar de perrengues por causa do rock 'n' roll, não se preocupe, é apenas rock 'n' roll, mas você irá gostar.
Agradecendo e a compreensão da minha esposa por ter entendido o quanto a minha ida nesses espetáculos era importante para mim (Bianca, eu te amo), deixo apenas três palavras: Que baitas shows!!!
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Ronnie Wood, aproveitando um pouco os momentos que a chuva diminuía (acima); Mick e a roupa de demônio encharcada (abaixo)


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* Set list Rio de Janeiro
Track list Rio de Janeiro
  1. Start Me Up
  2. It's Only Rock 'n' Roll
  3. Tumbling Dice
  4. Out of Control
  5. Like a Rolling Stone
  6. Doom and Gloom
  7. Angie
  8. Paint it Black
  9. Honky Tonk Women
  10. You Got the Silver
  11. Before They Make Me Run
  12. Midnight Rambler
  13. Miss You
  14. Gimme Shelter
  15. Brown Sugar
  16. Sympathy For The Devil
  17. Jumping Jack Flash
  18. You Can't Always Get What You Want
  19. (I Can't Get No) Satisfaction
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Set list de Porto Alegre
Track list Porto Alegre
  1. Jumping Jack Flash
  2. It's Only Rock 'n' Roll
  3. Tumbling Dice
  4. Out of Control
  5. Let's Spend the Night Together
  6. Ruby Tuesday
  7. Paint it Black
  8. Honky Tonk Women
  9. You Got the Silver
  10. Before They Make Me Run
  11. Midnight Rambler
  12. Miss You
  13. Gimme Shelter
  14. Start Me Up
  15. Sympathy for the Devil
  16. Brown Sugar
  17. You Can't Always Get What You Want
  18. (I Can't Get No) Satisfaction

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Os Sete Pecados do Rock Nacional - Parte II: A GULA (Ultraje a Rigor - Crescendo [1989])


O impacto de Psicoacústica na música nacional foi grande, mas demorou para ser assimilado. Apesar de ter chocado, e muito, até mesmo outras bandas do BRock, os colegas do Ira! não sabiam qual seria o caminho a seguir. Duas eram as opções: fazer o que vinham fazendo, mantendo a forma tradicional do rock consagrado para a chamada geração coca-cola, ou então, ampliar o horizonte de experimentações que o Ira! tinha dado o pontapé inicial em 1988. A comodidade de seguir o caminho mais simples foi assemelhada por quase 100% dos grupos do país, que preferiram criar uma rivalidade entre o rock gaúcho, brasiliense, carioca e paulista, do que se unir e se dar conta de que apesar de todo o sucesso de artistas como Nenhum de Nós (RS), Capital Inicial (DF), Marina (RJ) e Ultraje a Rigor (SP), algo precisava mudar para os artistas conseguirem o respeito que mereciam, e que havia sido provado ao Brasil (e ao mundo) na famigerada conferência de imprensa do Hollywood Rock de 1988. 

Pois foram os paulistas do Ultraje a Rigor, liderados pelo seu idealizador Roger Moreira, quem vestiram a camisa da revolução proposta musicalmente em Psicoacústica, e não foi por coincidência. A ligação do Ultraje a Rigor com o Ira! é praticamente embrionária. 

Formado em 1983 por Roger, Leonardo “Leôspa” Galasso (bateria), Maurício Defendi (baixo) e o guitarrista Edgar Scandurra (futuro líder do Ira!), o grupo tinha um passado ainda na década de 70, quando Roger e Leôspa fundaram o grupo The Littles & The Shitles (já com Edgar), antes de ambos mudarem-se para San Francisco (Califórnia), onde viveram um período como entregadores de pizza. Logo nos primeiros meses de Ultraje a Rigor, o grupo consegue um contrato com a gravadora Warner, pela qual lançam o compacto “Inútil” / “Mim Quer Tocar”, que vendeu 30 mil cópias em 1984. O sucesso fez com que a Warner lançasse mais um compacto, com “Eu Me Amo” / “Rebelde Sem Causa”, que superou o primeiro, vendendo 45 mil cópias. 

Rara imagem da formação inicial do Ultraje a Rigor, com
Maurício, Roger, Leospa e Scandurra (retirada do site 
roxmo)

Porém, Edgar acabou saindo, para fundar o Ira!, sendo substituído por Carlos “Carlinhos” Bartolini. Era o início de uma das mais destacadas bandas do rock nacional, responsável pela gravação do álbum Nós Vamos Invadir Sua Praia. Calcado no sucesso de pérolas como a faixa-título, “Zoraide”, “Ciúme”, “Marylou” e “Inútil”, Nós Vamos Invadir Sua Praia recebeu disco de ouro um mês depois de lançamento, fazendo do Ultraje uma sensação nacional, ao lado da Blitz. 

Não demorou muito para o LP atingir a marca de 250 mil cópias, dando platina para o Ultraje a Rigor, que começou uma extensa turnê pelo país. As letras engraçadas de Roger, assim como o rock simples e pegajoso, chamavam a atenção dos adolescentes e até das crianças, mas principalmente, dos adultos, que compreendiam as ironias e deboches do Ultraje e adoravam cada canção do grupo. Até hoje, Nós Vamos Invadir Sua Praia aparece nas listas de melhores álbuns já lançados no país como um dos primeiros colocados, ao lado de Acabou Chorare (Novos Baianos, 1973) e Cabeça Dinossauro (Titãs, 1986).

Carlinhos, Leôspa, Roger e Maurício:
o quarteto que gravou um dos melhores discos lançados no país

No álbum seguinte, Sexo!!, lançado em 1987, o grupo já havia assinado com a gravadora WEA, e também passara a contar com o guitarrista Sérgio “Serginho” Serra no lugar de Carlinhos. Puxado pelo sucesso de “Pelado”, trilha da novela gobal Brega e Chique, Sexo!! vendeu tanto quanto Nós Vamos Invadir Sua Praia, e deixou mais hinos para os fãs do grupo paulista, como a faixa-título, “Eu Gosto de Mulher” e “Terceiro”. Resultado: mais um disco de platina e outra extensa turnê pelo Brasil, que começou com um show-surpresa em cima do telhado do Shopping Top Center, em plena Avenida Paulista, causando um congestionamento de vários quilômetros na cidade de São Paulo. 

Foi nessa turnê que o terceiro álbum começou a surgir, mesmo que indiretamente. Primeiro, o grupo estava com o pé na estrada havia quatro anos, sem nenhum descanso. Adicionado a esse fator, durante uma apresentação em Chapecó (Santa Catarina), surgiu a infeliz idéia de eleger a “Musa Virgem” daquela noite de 10 de setembro de 1987, vencida por uma menina menor de idade conhecida como J. S..

Os fatos sobre essa história são um pouco confusos e dissipados, mas o que se sabe é que após a apresentação, a menina teria ido até o camarim do Ultraje a Rigor, e no dia seguinte, a mãe da menina, conhecida como A. M. S. entrou na justiça acusando Roger pelo crime de corrupção de menores e também de estupro. O caso gerou uma divulgação expressiva na mídia. Afinal, o Ultraje era sinônimo de sucesso no final de 1987, e certamente, a idéia de estupro de uma menor era uma mancha negra para o grupo. 

Roger e Ron Wood

Durante a batalha judicial que se travou a partir de então, o Ultraje foi convidado para participar da segunda edição do Hollywood Rock, em 1988, mesma edição que o Ira! chutou o balde. Ali, Roger voltou a ter contato com Scandurra, e começou a saber do processo de composição de Psicoacústica. Apesar da chuva e do boicote que a mídia fez para não promover a participação dos vergonhosos membros do Ultraje a Rigor no envento, chegando inclusive a divulgar que no dia programado para a apresentação do grupo, o horário de abertura dos portões seria mais tarde do que o normal, eles saíram-se muito bem, principalmente no show do Rio de Janeiro. 

Mas o sucesso todo havia causado um desgaste, principalmente em Roger. Exausto, com uma pendência judicial que o levou duas vezes para os tribunais (até então) e sentindo que algo precisava ser dito e feito, Roger decidiu mudar o leme de seu grupo, adotando uma postura agressiva e seguindo o que o Ira! havia feito, ou seja, se auto-produzindo em estúdio. 

Roger, Serginho, Leôspa e Maurício
Dessa forma, começou a compor o novo disco, depois de merecidas férias. Com a ajuda de Scandurra, Roger, Serginho, Maurício e Leôspa trancaram-se no estúdio Nas Nuvens e criaram um disco totalmente diferente do que já havia feito até então. Como que querendo engolir o passado e todas as ladainhas que haviam falado da banda após o incidente em Chapecó, Roger acabou cometendo o pecado da GULA, indo com tanta fome ao prato que não percebeu que apesar do material concebido musicalmente ser excelente, o público brasileiro, principalmente a mídia e os fãs, não estavam preparados para receber seu mais novo LP. 

A fome por vingança e desvinculamento com o passado era tanto que Roger dessa vez não perdoou Leôspa, sempre irresponsável nas gravações em estúdio, e deu um ultimato, fazendo com que baterista permanecesse sóbrio durante toda a gravação (segundo Roger, esse foi o único disco do Ultraje que Leôspa gravou do inicio ao fim). 

O material acabou sendo editado e masterizado na Inglaterra, tudo para não ficar com nada do clima tropical brasileiro que existia nos sulcos dos dois primeiros LPs. Juntando ainda o fato de o Brasil estar vivendo uma nova fase, tendo recebido uma nova Constituição Federal, na qual a censura estava proibida, dando liberdade de expressão para os artistas, Roger construiu letras com muitos palavrões e temas até então polêmicos, como adultério, complexo de Édipo (porém de mãe para filho) e brigas familiares, além da crítica forte à sociedade e ao governo brasileiro. Fora o fato das letras soarem por vezes agressivas, as experimentações eletrônicas em nada lembravam o rock simples que havia consagrado o grupo anteriormente. 

O hipnótico selo de Crescendo
Quando foi lançado em meados de 1989, Crescendo rapidamente chegou entre os mais vendidos, mas logo depois, foi esquecido nas prateleiras, culpa principalmente de uma mentalidade brasileira ainda não preparada para um disco tão bom, que abre com uma voz pedindo para olhar fixamente para o centro do disco e relaxar, referindo-se ao hipnotizante selo do LP, o qual trás uma imagem que, quando vista por alguns segundos girando em sua frente, chega a causar certo desconforto, e que é muito utilizada para ilustrar fenômenos de hipnotismo, fazendo a introdução da maluca faixa-título, com letra cantada de trás para frente, sobrepondo vozes, gritos alucinantes, sons do Tarzan e ambulância e barulhos de guitarra e baixo em uma canção extremamente psicodélica e ao mesmo tempo pesada, mostrando que o álbum é anti-convencional desde seu início. 

Na sequência, o maior (e um dos mais polêmicos) sucessos do LP, “Filha da Puta”. Construída para tentar ver se realmente a censura havia sido banida, nela Roger aproveita para citar um dos palavrões mais usados no país, que acabou sendo banida de diversas rádios, com medo de que a censura voltasse. Musicalmente, é um rock bem típico do Ultraje A Rigor, com riffs grudentos, vocalizações fortes que entoam o nome da canção e um solo sensacional de Serginho, e que acabou pegando entre os mais jovens, ajudando Crescendo a vender um pouco mais do que deveria (mas não o suficiente). 

A polêmica continua em “Volta Comigo”, a qual trata diretamente sobre adultério. Na época, ouvir “Filho da Puta” e depois algo como “Volta Comigo” era quase inadmissível. Os acordes de guitarra trazem o baixão de Maurício, em outro som característico do Ultraje, contendo no refrão talvez a parte mais emblemática (“será que você não quer dar uma voltinha comigo pra gente se lembrar daquele nosso amor antigo se você quiser que eu use camisinha não ligo, tirando o seu marido você não corre perigo”), bem como o emprego da palavra “Caralh ***” no meio da letra. A imprensa passou a ver o Ultraje como um bando de idiotas sem criatividade, e isso afetou a imagem do grupo também entre os fãs. Musicalmente, o som é bem bom, e a letra hoje soa inocente, mas em 1989, com o Brasil tendo saído há pouco de um regime ditatorial, o ultraje (com o perdão do trocadilho) era absurdamente grande e agressivo, sendo a canção mais uma a ser banida pelas rádios e pela TV. 

“Laços de Família”, a qual começa com uma canção de ninar e transforma-se em um pesado punk rock, agride ainda mais, agora chutando as bundas das famílias brasileiras, com Serginho (responsável por cantar a questão) cuspindo a letra para o ouvinte, dizendo que “quase toda família é uma orquestra desafinada”. A conservadora família brasileira, criticada fortemente e tendo sofrido com os palavrões das duas canções anteriores, era mais uma a voltar-se contra o grupo. 

Então, a GULA do Ultraje a Rigor engole seu passado de vez em “Secretários Eletrônicos”, repleta de eletrônicos que poderiam ser encontrados em discos de Kraftwerk ou Brian Eno, onde repetidamente, uma voz de uma secretária eletrônica diz: “isso é uma gravação, deixe seu recado”, enquanto as guitarras de Roger (segundo encarte, responsável por todos os instrumentos da canção) fazem viajantes e delirantes notas ao fundo. Um experimento progressivo alucinante, mas que não pegou. 

Os eletrônicos aparecem também na ótima “Maquininha”, fazendo uma melodia que depois é repetida pela guitarra, em um rock instrumental excelente, com destaque para o baixo de Maurício, acompanhando com perfeição as brincadeiras instrumentais de Roger e Serginho, além do virtuoso solo do último. 

“Ricota”, escrita por Scandurra, é um rockabilly anos 50, com um riff fácil, novamente destacando o baixo de Maurício, e com letra cantada por Maurício, sem sentido nenhum, onde apenas ele emprega ricota em tudo o que vê e possa comer. A GULA do Ultraje a Rigor era saciada através dessa canção. É justamente ela que mostra o descomprometimento do Ultraje perante seu passado. Sem mais letras engraçadas com algum significado, ou piadinhas infames com relação à políticos ou pessoas famosas. O segredo agora era tocar o que viesse a telha, sem prestar detalhes ou satisfação, e apenas curtir o que estivessem afim de tocar. Esse rock inspirado em Chuck Berry é um dos grandes momentos de Crescendo, e hoje é tido como um dos principais hinos para os fãs do Ultraje. Mas em 1989, era mais um desabafo “infantil e beirando a idiotia”, como escreveu um certo colunista na resenha do LP para a revista Bizz. 

O lado A encerra-se com talvez aquele que seja o verdadeiro maior desaforo do LP. Como citado acima, um ano antes, o Brasil havia consolidado a constituinte, tratando dos direitos e deveres do cidadão brasileiro. Pois o Ultraje, em 30 segundos, lança “A Constituinte”, um petardo veloz que nada mais é do que a canção “Atirei o pau no gato” em um ritmo punk rock, ofendendo aos políticos com uma inteligente jogada de marketing, que em nada agradou aos políticos da época. 

Contra-capa de Crescendo
O lado B abre com “Crescendo II – A Missão (Santa Inocência)”, tendo Maurício na guitarra, e que é um reggae-manifesto onde Roger coloca para fora toda sua indignação com o incidente Chapecó. Através dessa canção, ficamos sabendo que fora dos tribunais, a mãe da menina disse que retirava a queixa se Roger desse um automóvel para ela. A tentativa de suborno gerou muita dor de cabeça para Roger, que negou veemente a situação, dizendo que não havia feito nada com a menina e tão pouco iria pagar o automóvel. Como ele diz na letra: “foi estuprado sem vaselina pela mãe de uma menina em Santa Catarina”, e o problema só foi resolvido depois da terceira ida aos tribunais, que absolveram Roger. 

Voltando à canção, Roger descarrega toda sua raiva sobre os adolescentes panacas que escoram-se na facilidade da vida, vendendo-se como uma meretriz. Dessa forma, ele pede para a criança que supostamente está ouvindo essa canção, quando crescer, não perder sua essência e inocência de criança, para não apodrecer como os demais adolescentes e adultos de sua época. Quem não entendeu a letra, torceu o nariz, principalmente par ao reggae sonolento na qual ela foi criada, mas hoje podemos ver com bons olhos e ouvidos essa faixa-manifesto criada por Roger, e que pela sua longa duração (mais de cinco minutos) foi malhada em praça pública. 

Vozes eletrônicas, imitando os personagens Tico e Teco (da Walt Disney), apresentam “Ice Bucket”, outra canção instrumental, carregada pelo baixo psicodélico de Maurício, e com uma das melhores performances de Leôspa. Os acordes de guitarra de Roger, em um ritmo setentista e por vezes parecendo uma jam session, levam ao belo solo de Serginho, esbanjando virtuosismo, e fazendo o Ultraje soar mais hardiano do que nunca. A melhor faixa de Crescendo em disparado, forte candidata a uma das melhores do grupo, mas que passou despercebida para os fãs. 

O saxofone de Roger introduz mais um ritmo rockabilly para a canção “Coragem”, com mais um refrão grudento que entoa o nome da canção enquanto vocalizações cantam estrofes diversas ao fundo. Destaque novamente para o solo de Serginho e para as escalas do baixo de Maurício, além da tentativa bem sucedida do solo de saxofone de Roger. 

As experimentações retornam em “Os Cães Ladram (Mas Não Mordem) e a Caravana Passa”, onde diversos cachorros são os responsáveis por “cantar” a letra de mais um rockabilly. A sobreposição de latidos, em um ritmo que parece ter saído de algum álbum do Agent Orange, torna a canção ao mesmo tempo engraçada e muito, mas muito interessante. Dizer que ela é genial talvez seja exagero, mas não dá para negar todo o talento dessa canção, com Serginho demolindo a guitarra em um solo efervescente, e claro, diferente do que os fãs poderiam esperar de algo do Ultraje a Rigor. Segundo o encarte, participam dos “vocais” os cães Rex, Duque, Fido, Katucha e a cadelinha A. S. (mais uma crítica e citação ao incidente Chapecó). 

Se não bastasse o choque de “Filha da Puta” e “Volta Comigo”, agora o Ultraje se supera em “Querida Mamãe”, cantada por Maurício, e que trata de uma relação de Édipo e Jocasta, onde a mãe de um certo cidadão quer ter o filho como marido. Musicalmente, é mais um rock pesado, com muita distorção nas guitarras, mas que a letra levemente obscena foi considerada de mau-gosto, ajudando a afundar ainda mais a imagem do grupo. 

Crescendo encerra-se com outra canção tida como idiota, “O Chiclete”. Mais uma composta por Scandurra e que virou o desacato final do Ultraje a Rigor à família, à sociedade e ao povo brasileiro em geral. A ingênua letra sobre um chiclete mastigado que explode mais que outro, fazendo o barulho de “bum”, “acompanhado pela palavra “bundão”, causou polêmica pela repetição dessa última. Era uma vergonha, um absurdo e maldito o que estava sendo feito e registrado naquele LP. Apesar de ser um rock divertido e gostoso, e que claro, tinha uma letra fácil que até as crianças pegavam (“Bum-bum-bundão”), não havia ser que pudesse dizer que o disco prestava. 

Encarte de Crescendo
Resultado, apesar de ter conquistado disco de ouro, vendendo 234 mil cópias, Crescendo tornou-se um fiasco, malhado e menosprezado pela imprensa e pelos fãs. A culpa caiu diretamente em Roger e suas inovações eletrônicas, assim como nas letras ditas inócuas e sem conteúdo, em nada comparáveis as brincadeiras alegres de “Inútil”, “Ciúme”, “Marylou” e outro clássicos dos dois primeiros discos. 

Os compactos de “Filha da Puta”, “Volta Comigo”, “O Chiclete” e “Crescendo II: A Missão (Santa Inocência)” não chegaram a fazer sucesso, assim como LP, cuja versão em CD conta ainda com “Filho daquilo”, a mesma “Filha da Puta” porém com uma buzina na hora do palavrão, e “Beer”, um rockzão instrumental criado por Scandurra, bem na linha do Ira!, onde todos os membros do grupo entoam “beer”, e que conta com um belo solo do guitarrista, mas que infelizmente ficou de fora do LP. 

Maurício, Serginho, Leôspa e Roger
Numa tentativa de alavancar as vendas de Crescendo, o Ultraje a Rigor fez mais um show surpresa, dessa vez em cima de um Trio Elétrico na praia do Leblon, no Rio de Janeiro. Mas o pecado da GULA já havia condenado o destino do grupo. Com a perda do interesse pela mídia, que culpava e banalizava Crescendo como nunca havia feito com nenhum outro grupo antes, poucos foram os fãs que seguiram os passos da banda a partir de então. Mesmo 20 anos depois de seu lançamento, Crescendo ainda é uma incógnita dentro do rock nacional. Os que o admiram (como eu) consideram um dos melhores trabalhos do país, mas os que o detestam, fazem de tudo para colocar o disco abaixo do cocô da mosca do cocô do cavalo do bandido. 

No ano seguinte, o álbum de covers Por que Ultraje a Rigor? Foi o último suspiro do grupo, que com a saída de Maurício, acabou deixando de existir. Várias foram as tentativas de retorno, sempre lideradas por Roger, inclusive com algum sucesso quando do lançamento de 18 anos sem Tirar, destacando a canção “Nada a Declarar”, que curiosamente contava com mais um palavrão (no caso, a palavra “cú”) e que foi o último grande sucesso do Ultraje a Rigor depois de “Filha da Puta”. Com o passar do tempo, os efeitos de Crescendo fizeram com que os críticos encontrassem uma frase para dissimular o trabalho feito pelo músico: “o Ultraje a Rigor nunca cresceu”. 


Mas, em particular, eu considero Crescendo como o melhor disco da banda, porém não tão longe do segundo (Nós Vamos Invadir Sua Praia) como no caso do Ira!. Por ter ouvido exatamente na época de seu lançamento, e sem entender de música, eu gostava das brincadeiras eletrônicas e das viagens instrumentais, e hoje, sempre que ouço canções como "Maquininha" ou "Secretárias Eletrônicas" sinto aquele arrepio de emoção.

Roger Moreira: lider do Ultraje a Rigor
O grupo permanece na ativa, fazendo shows pelo país (principalmente de Brasília para baixo) e vivendo mais graças aos velhos do que aos novos fãs. Recentemente, durante o festival SWU, envolveu-se em confusão com os membros da equipe de Peter Gabriel. Talvez mais um legado deixado pela síndrome do pecado guloso que o grupo resolveu cometer para apagar seu passado, e que por consequência, acabou destruindo seu futuro. 

Próximo pecado: A PREGUIÇA

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