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sábado, 29 de setembro de 2018

Consultoria Recomenda: Álbuns Instrumentais



Editado por Fernando Bueno
Com Alisson Caetano, Mairon Machado, Davi Pascale, Ronaldo Rodrigues, Nilo Vieira e Adrian Dragassakis
Freddie Mercury, Elvis Presley, Steve Marriot, Robert Plant, Ronnie James Dio, Bruce Dickinson... Grandes músicos, fantásticas vozes, que você não encontrará nessa edição do Consultoria Recomenda. Afinal dessa vez só o que sai dos instrumentos é que nos interessa. Tocar um instrumento, ter o controle e conhecimento sobre ele deve ser algo fantástico. No meu caso eu tenho um pouco de vergonha em dizer que toco guitarra pois não tenho todas as habilidades que acho necessárias para me considerar um musicista e me fascina a facilidade de alguns músicos de subir ao palco e tocar qualquer coisa que seja pedida ou acompanhar qualquer outro músico. Para se fazer discos instrumentais todas essas habilidades devem ser colocadas à prova, pois o músico tem que segurar o ouvinte somente com o que está tocando. Não há como enganar e fazer somente o básico aqui. Desde já tomo a liberdade de citar alguns dos discos que poderiam aparecer por aqui, mas acredito que meus colegas consultores acabaram preferindo discos menos óbvios. Como não lembrar do fantástico Tubullar Bells (1973) de Mike Oldfield? Sim, já tivemos um álbum totalmente instrumental se tornando uma sensação de vendas. Também poderia ter aparecido o álbum instrumental do Camel, The Snow Goose (1975), que apesar de não ser uma banda instrumental lançou essa maravilha que tem muito a dizer, mesmo sem ter uma palavra para contar a história. Outro disco que podemos chamar de instrumental/conceitual é The Six Wives of Henry VIII (1973) do monstro Rick Wakeman. Ele conseguiu dar uma personalidade diferente para cada uma das esposas de Henrique VIII. Para sair um pouco da Inglaterra podemos ir à Alemanha e seu Tangerine Dream com suas paisagens sonoras que ajudou muito o desenvolvimento da música eletrônica. Qual disco deles eu indicaria: Phaedra (1974). Na década de 80 tivemos o surgimento dos álbuns de guitar-heros como Steve Vai e Joe Satriani que acabou, de uma certa forma, estigmatizando os álbuns instrumentais como música para outros músicos e fazendo com que o público em geral começasse a tratar discos desse tipo como chatos. Nos comentários deixem registrados seus discos instrumentais favoritos, reclame daqueles que vocês acham enfadonhos ou reclamem por termos deixado algum de fora.


John Coltrane - Ascension (1966)
Recomendado por Alisson Caetano
A sucessão de discos mais celebrados de Coltrane tem uma característica comum, que é a sua aproximação espiritual com Senhor. A Love Supreme é uma espécie de tentativa de reconciliação entre artista e seu Deus depois de anos de excessos cometidos por ele em sua trajetória. Ascension, por sua vez, dá maiores dimensões a esse conceito. Os 40 minutos do disco podem ser levianamente encarados como uma sessão de improvisação livre entre todos os músicos ali envolvidos. Com um olhar mais sensível, é como se Coltrane tentasse "ascender", se aproximar mais intensamente de seu criador, por meio de sua música. Portanto, é bobagem tentar explicar qualquer coisa que esteja acontecendo no disco, pois está além da compreensão de qualquer um além de seu próprio criador. Nunca o rótulo de "spiritual jazz" fez tanto sentido para um disco quanto aqui.
Fernando: Claro que não podemos taxar um disco de 40 minutos baseados somente no que é apresentado nos seus primeiros 3 minutos, mas se você ouvir somente esse trecho vai ter um resumo de tudo o que vai acontecer no álbum inteiro. É como um trailer para um filme. Esse tipo de coisa é justamente o que me afasta de grande parte do jazz. Tem algum sentido imortalizar uma sucessão de improvisos em que cada músico tá pensando e fazendo uma coisa? Tentar entender esse tipo de música é como tentar equacionar o caos. Algumas passagens perdidas aqui, outra acolá ainda se sobressaem, mas acho que ouvir o disco todo foi até demais para mim.
Davi: O disco é tão chato que nem o John Coltrane aguentou. Depois do lançamento, o músico pediu para que o take fosse trocado por outro. Infelizmente, não mudou muito (a não ser que a tal versão definitiva não tem mais o solo de bateria).  Embora ousado (trata-se de uma única faixa de 40 minutos, onde cada um dos músicos sai improvisando sem direção), o trabalho é extremamente cansativo e chato. O que temos são os músicos improvisando durante todo esse tempo, muitas vezes todos juntos, o que fará com que muitas digam que é uma “desconstrução”, ou que “aí está a beleza do negócio, a liberdade, e blá blá blá”, mas que no fundo significa uma coisa só: ausência de melodia e harmonia, com uma sonoridade muito próxima ao de uma briga de pernilongos. Jesus amado, ninguém merece isso!!!
Mairon: Esse é daqueles discos Ame ou Odeie. Nessa época, o genial John Coltrane estava no auge de seus encontros românticos com o free jazz. Aqui, em particular, ele está dividindo espaço com um timaço musical, que conseguiu fazer de Ascension uma obra atemporal, mas para iniciados na arte do free jazz. Particularmente, o álbum não é de todo tão inacessível por conta dos diversos solos individuais registrados ao longo de seus 40 minutos. Porém, esses mesmos solos são carregados de fúria, técnica e muita improvisação. Os trechos chamados de "ensemble" são carregados de violência (Pharoah Sander e Elvin Jones estão com certeza encapetados) e camadas sonoras, repletas de superposições, que para alguns parece ser apenas cada um tocando o que vier a cabeça, mas que quando cai a ficha (passa o cartão, abre o gemidão, sei lá como que está isso hoje), é um oceano de inventividade e genialidade. Manter o pique de uma faixa como "Ascension", a música, não é fácil. Criar algo desse calibre é mais difícil ainda. Gravar e conseguir conquistar fãs, bom, somente John Coltrane e outros poucos conseguiram. Enfim, uma obra sensacional, que admiro muito, assim como o belo Live in Japan e parabenizo quem indicou. Mas prevejo muitas pedradas para o mesmo. Não se preocupe, estarei junto para levar algumas na cabeça. Perdoai-vos, pois eles não entendem o que acontece aqui, devido a sua mente metálica...
Nilo: Se com A Love Supreme (1965) já mostrava que a capacidade plena em sua arte só seria alcançada por vias complexas, aqui a missão ganhou níveis ainda maiores. Sem o devido conhecimento teórico, me é difícil falar de jazz sem soar muito abstrato, por vezes até romântico. Mas aqui cabe dizer que, se Ascension soa difícil, é por refletir o que foram as gravações: músicos de alto calibre (ou será que alguém vai dizer “esses aí não sabiam compor”?) se desafiando. O resultado é igualmente caótico e meditativo. Coltrane pode não ter inventado o free jazz, mas sua intensidade lhe coloca em patamar elevado no estilo – a tal liberdade que clamava não era apenas se desprender de padrões rítmicos e melódicos, era questão espiritual. Sua voz, sua visão, sua expressão sempre foi a música (olhe aí, já cedi à pieguice). Se você acha que tudo deve caber no seu gosto, delete o álbum e saia por aí vociferando que o culto ao falecido é injustificável. Caso tenha interesse na expansão da música enquanto arte, vale a pena insistir tanto no disco como na carreira de John. Sem contar o trabalho igualmente essencial de seus companheiros nesta jornada...
Ronaldo: Muitas interpretações conceituais podem ser dadas a este disco, mas não deixa de saltar aos ouvidos o quanto seu resultado é de difícil digestão. A instrumentação assumidamente desencontrada, só encontra alguma coerência por mera coincidência matemática. Você pode exercitar sua audição tentando acompanhar a trajetória isolada do trumpete de Freddie Hubbard ou da bateria de Elvin Jones, mas tentar captar o todo deste disco é quase impossível. E muito provavelmente isso ocorra porque ele de fato não faz sentido. Espero que John Coltrane tenha se divertido ao gozar da cara dos ouvintes com este disco.


Steve Reich - Music for 18 Musicians (1974-1978)
Recomendado por Nilo Vieira
Longa peça de quase uma hora, dividida em onze seções e executada por dezoito pessoas. A repetição é a coluna dorsal e, além de gerar o ritmo hipnótico, realça as nuances de cada instrumento e sua importância dentro da obra. Ok, tem vocais no disco, mas até eles são apenas uma via melódica – se bem que, com a pouquíssima importância dada ao aspecto lírico (mesmo em português) e a proposta estética dos vocais por cá, dá para afirmar que a importância deles até em discos realmente “cantados” meio que se resume a isso mesmo. Ou seja, é o conceito de instrumental levado à risca. Music For 18 Musicians é música para ouvir com calma, prestando atenção, mas também funciona como trilha de fundo para serviços mais mecânicos do cotidiano. Há quem considere “muito cabeça”, outros acham só açucarado demais. David Bowie o tinha entre seus álbuns favoritos! Pode não ser a obra-prima do movimento minimalista, mas quiçá é a mais famosa.
Fernando: Minimalismo. É algo que sempre leio e ouço falar, mas pouco ouvi. Estou certo que muita gente acaba considerando música instrumental chato por conta de coisas do tipo. Claro que o disco todo não é somente aquela sequência de poucas notas dos seis minutos iniciais. Mas entendo quando alguém não consegue passar para frente pois quando a música parece que vai se desenvolver entra outro trecho de outras poucas notas que também parece não ter fim, mas dessa vez feitas especialmente por outro instrumento. Entendi por que foram necessários 18 músicos para gravar isso. Creio que isso tenha até influenciado alguns músicos que eu gosto como o Alan Parson e o artista do disco que eu mesmo recomendei aqui para essa edição. Mas não gostei do todo.
Davi: Sério que o cara precisou de 18 músicos para gravar isso? Eu reproduzo esse som com um teclado Cassio e uma marimba. Puuta disco chaaato! Isso aqui é ótimo para dormir. Sempre que alguém tinha dificuldade em cair no sono, eu indicava o Los Hermanos 4. Agora, temos mais uma indicação tarja preta. Parece aquelas musiquinhas que o Animal Planet usa de fundo dos documentários. Escutando isso, a imagem que vem em sua cabeça é a de um peixe nadando em direção de uma câmera ou de um macaco pendurado em uma árvore. Jeeee-sus!!!!!
Mairon: Confesso que nunca tinha ouvido falar nessa obra. A primeira impressão que achei que viria era uma orquestra de 18 músicos, mas não foi isso. Trabalho bastante minimalista, com 18 faixas, que é excelente para meditar. Por vezes, tem uma aura nostálgica de Mike Oldfield, mas com instrumentos mais diversificados. Viajei bastante durante a quase uma hora de audição, e me deu uma baita vontade de ouvir o disco de novo por horas. Ótima recomendação, principalmente para quem aprecia o estilo.
Alisson: Composto por blocos cíclicos que vão lentamente se desenvolvendo ao decorrer da peça, 18 Musicians é das poucas experiências genuinamente hipnóticas e inebriantes da música contemporânea. As repetições, ao contrário de tornar a obra estafante, dão ritmo e naturalmente vão abrindo espaço para que cada um dos 18 instrumentistas envolvidos mostre sua faceta para dar forma ao todo.
Ronaldo: Disco muito instigante e talvez mais propício a ser analisado do que exatamente apreciado. Cada faixa parece uma folha em branco na qual um artista sai desenhando; as bases, sozinhas, parecem não ter força alguma, mas sua colocação no contexto as torna propícia para um suave passeio de um instrumento por sobre o outro. Interessante notar o frequente uso da marimba e do vibrafone, instrumentos que remontam influência da música africana na obra. A participação do piano e do violoncelo nas faixas são magistrais. Aqui se fez muito em termos de música com muito poucos elementos.


Modry Efekt & Radim Hladick (1975)
Recomendado por Ronaldo Rodrigues
Disco icônico da produção eslava de rock em todos os tempos, conta com alguns dos pontos mais altos da carreira de Radim Hladick, um herói da guitarra na República Tcheca. Experimentando as "delícias" de um regime socialista, a banda que se chamava originalmente Blue Effect foi forçada a adotar o nome tcheco e várias das faixas deste álbum foram compostas com vocais, mas foram censuradas e precisaram ser adaptadas para versões inteiramente instrumentais.  Mas a banda transformou limões em limonada e fez um disco forte, cativante, com um trabalho instrumental de alta grandeza. O disco tem arestas bem aparadas nos excessos, encaixando muito bem melodias e improvisações, com a variedade rítmica e de climas tão típica do rock progressivo setentista. Radim Hladik na guitarra é um ponto fora da curva; faz solos maravilhosos e até mesmo improváveis; a segunda faixa, Cavjona, é um banho de interpretação. A faixa foi regravada anos depois e até hoje é muito reverenciada na história do rock local.
Fernando: Primeiro disco da lista que me agradou logo de cara. Não por coincidência é o primeiro que está debaixo do guarda-chuva do rock progressivo, estilo que eu gosto muito. Gostei muito do disco que chegou a lembrar um pouco do Camel em alguns trechos e talvez no timbre da guitarra. Muito bom, gostei.
Davi: Esse eu gostei. Tem horas que o cara da flauta exagera e se torna um pouco pentelho, mas o disco é bacaninha. O trabalho de guitarra do Radim é muito bom e os arranjos são muito bem elaborados. Eles fazem um rock progressivo, onde é possível pegar influências de blues, jazz e até mesmo hard rock. Não vou citar nome de música para não parecer que estou querendo xingar alguém, mas a primeira e a quinta faixa foram as minhas favoritas.
Mairon: Discaço desses tchecos maravilhosos (parafraseando Luiz Ricardo) que mostra como havia música boa além da cortina de ferro. Baseado principalmente na guitarra melódica de Radim Hladík e nos teclados de Lesek Semelska, Esse álbum da Blue Effect é um atentado de tão bom, com sonoridades chapantes que irão lhe trazer muitas alegrias nos ouvidos. Além dos teclados e da guitarra, a flauta também marca presença, seja na Focusiana "Boty" ou na malucaça "Skládanka“, méritos para Jiří Stivín. Porém, Radim é com certeza o cara no disco. Seus solos são presença constante, e trazem aquela sensação de balançar uma air guitar com frequência, com um show a parte na citada "Boty", na delicadeza de "Čajovna" e na sutil mas viciante harmonização do violão em "Ztráty A Nálezy". Essas qualidades todas são exaladas com mais ênfase na incansável "Hypertenze", faixa fabulosa, com mais de doze minutos, onde o trio citado dá um show de solos (Stivin agora no saxofone) e com uma condução jazzística para tirar o fôlego. São solos em cima de solos, que não te deixa respirar, e faz pensar por que esse tipo de material não vingou em outras terras. Mais uma fantástica audição, valeu consultor.
Alisson: Proibidos de usar um nome inglês para poder alavancar uma carreira internacional e de cantar algumas letras pelo governo soviético, restou ao The Blue Effect abordar sua sonoridade como uma banda instrumental com foco nas guitarras. Não é a gastação progressiva de sempre. Talvez o "isolamento" da cortina de ferro ajudou a dar identidade ao som dos tchecos, que vê bons laços com o jazz fusion que o que costumeiramente era feito no mesmo período.
Nilo: Efeito Modric é o fenômeno que fez o croata ganhar vários prêmios este ano, após uma temporada nem tão brilhante do meio campista. Por sua vez, o Modry Efekt já foi recomendado nesta seção e, graças a tal pesquisa, pude saber que se trata de um “instrumental por necessidade”. Após ter as letras censuradas, a banda trocou as linhas vocais por fraseados de guitarra (possuem um timbre mais agradável que o do vocalista, aliás). Mas o mais interessante aqui é constatar como a influência do jazz fusion dá dinamismo para o virtuosismo do prog: a técnica dos integrantes trabalha de forma harmônica. A aura adorniana do rock progressivo permanece, então não é um disco que vá converter detratores. Mesmo assim, boa indicação – tanto pela temática quanto pelo conteúdo.


V.S.O.P. The Quintet (1977)
Recomendado por Mairon Machado
Disco de iniciação em minha formação musical, V. S. O. P. é um agregado do melhor da nata jazzística americana nos anos 70. Freddie Hubbard (trompete), Wayne Shorter (saxofone), Herbie Hancock (piano) Tony Williams (bateria) e Ron Carter (baixo), todos (com exceção de Hubbard) egressos da trupe de Miles Davis, uniram-se nesse projeto fantástico chamado V. S. O. P., que lançou 4 álbuns no fim da década de 70, sendo 3 deles ao vivo. Ou seja, dá para se perceber que o forte dos caras é mandar em improvisações e mais improvisações, e é isso o que temos nesse álbum incrível. São 8 faixas magníficas para quem ama jazz, repletas de muito virtuosismo e criatividade, e com destaque especial para um endiabrado Hancock (o que o homem faz em seus solos durante "Darts", "Jessica" e "One of a Kind" é de chorar) e uma locomotiva sem freios chamado Tony Williams, um dos maiores nome das baquetas em todos os tempos, mas ainda hoje pouco conhecido fora do mundo do jazz. Duvidam? Ouçam a potência do rapaz no solo de "Byrdlike", ou ainda, a firmeza e precisão da condução (e do solo) de "Lawra". Ainda temos o pseudo-samba de "Third Plane", a delícia sensual e suave de "Little Waltz" (que belo trabalho de Carter aqui), o fôlego sem fim de Shorter em "Dolores", enfim, musicões. Quando comecei a colecionar discos, esse era um dos primeiros discos da minha lista de compras, e hoje, é uma constante no toca-discos. Espero que meus colegas apreciem essa obra singular do jazz.
Fernando: Esse disco, diferente daquele do Coltrane, já tem bastante melodia e a banda trabalhando como uma banda de fato. Tem os momentos de cada um se destacar e até mais de um ao mesmo tempo em alguns casos, mas dá para ver que o principal foi a composição em si.
Davi: Coloquei esse disco para tocar tem uma semana, mais ou menos, e ainda não acabou. Para falar a verdade, ainda não começou. Primeiro entrou um corneteiro solando sem parar, depois entrou um pianista solando sem parar, quando terminar eu aviso vocês na seção de comentários, mas pelo que estou vendo aqui acho que o lado A só vai acabar no Ano Novo. Ainda não deu para sacar se os caras estão afinando os instrumentos ou se já começou para valer... Em alguns momentos, me lembra o desenho do pica-pau louco, mas o sentimento que fica, até agora, é que a animação faz falta. Na semana da Páscoa, dou meu parecer.
Alisson: Sempre que vejo o termo "supergrupo" sendo aplicado exclusivamente à galera do rock, fico pensando em que adjetivo devo usar para as constelações de talentos que se reuniam vem ou outra para gravar alguns dos vários clássicos do jazz contemporâneo. Herbie Hancock como pianista, Wayne Shorter ao sax, Ron Carter no baixo, Freddie Hubbard no trumpete e Tony Williams, talvez o maior baterista de todos os tempos, reunidos para executar a nata do post-bop da época. As pessoas deviam usar com mais prudência o termo "supergrupo".
Nilo: O estilo gerou excelentes vocalistas, mas não tem jeito. A real mágica do jazz mora no formato instrumental. Os tais supergrupos de rock chegam a ser mesquinharia perto da comunhão que rolava no jazz, com gênios colaborando entre si em ritmo incessante. Este registro ao vivo é um belo exemplo: apesar de não tão inventivo quanto o direcionamento que os músicos tomaram na década (Hancock e Hubbard fizeram clássicos do fusion, Shorter mergulhou no free jazz), mostra que até fazendo o básico dá para se extrair dinâmicas notáveis. Os instrumentistas dialogam entre si, e vale a pena analisar tanto as performances individuais como a química no grupo como um todo. Novamente, cá está um exemplo bem didático. Quem se descreve como FÃ DE MÚSICA™ (praticamente uma entidade mitológica) e diz que jazz é sem nexo deveria parar e repensar na vida.
Ronaldo: Puro luxo. Uma constelação dos mais gabaritados músicos do jazz americano tocando ao vivo um material de altíssima categoria. Uma gema de musicalidade, que parece congelar o tempo, entregando de bandeja sensações maravilhosas para os ouvidos. Interessante notar que todos os envolvidos passaram os 10 anos anteriores a este lançamento buscando expandir as fronteiras do jazz, explorando novas possibilidades. No fim da década de 70 se uniram para gravar este disco, digamos, mais "tradicional", uma espécie de resgate, uma leitura menos cerebral do estilo que os gestou. Não tem nem o que destacar, porque este disco todo é um destaque per se.


Jean Michel Jarre - Rendez-vous (1986)
Recomendado por Fernando Bueno
Quem tem aí seus 40 anos lembra de Jean Michel Jarre. Certamente todos viram aquelas matérias no fantástico e até mesmo assistiram à um especial de fim de ano que foi transmitido pela TV Globo em que a imagem do músico tocando teclados que as teclas mudavam de cores enquanto ele tocava, muitas imagens sendo projetadas em prédios, luzes e cores para todos os lados. E o que dizer do uso dos lasers que não era algo tão normal e que dava um clima futurista na coisa toda. Certamente aqueles que se lembram disso e que não gostam de música instrumental pode ter criado o preconceito de ser uma música cafona e nunca ter nem chegado perto. Rendez-vous talvez não seja unanimidade entre os seus fãs. Provavelmente Oxygene (1976) e Equinoxe (1978) sejam seus melhores discos. Acabei escolhendo esse pois a chance é maior de que um leitor encontre algo mais familiar aos seus ouvidos.
Davi: Trabalho altamente predominado pelo teclado, muitas vezes o instrumento aparece sozinho... Os arranjos buscam um som cósmico. Inclusive, o músico pretendia trazer a primeira gravação realizada no espaço, o que não ocorreu devido à um fatídico acidente. Sacada bacana, diferente, criativa. Musicalmente falando, o álbum hoje soa datado. Em alguns momentos, os arranjos me remetem às trilhas de pornô chanchada, em outras me remetem às trilhas de sessão da tarde, daqueles filmes repletos de jovens bagunceiros com cara de bonzinho. Resumo: audível, mas facilmente ignorável...
Mairon: Cara, esse mundo da música é pequeno. Quem diria que com tantas indicações instrumentais, alguém escolheu exatamente aquela que era a minha primeira opção. Sorte do destino que algo que me fez lembrar do V. S. O. P., e acabei deixando essa grande obra do francês Jean Michel Jarre para depois, mas aqui está ela. Os discos de JMJ são bastante "viajantes". Entrar no seu mundo de sintetizadores, e principalmente, assisti-lo em um palco, é uma aula de entretenimento. Porém, em Rendez-vous, ele apelou para o lado mais sombrio da New Wave e meditativo. O lado A da suíte, que é dividida em seis partes, é bastante profundo, com longos acordes de sintetizadores dominando os quase 16 minutos. Já o lado B abre com "Quatrième Rendez-vous", canção que marcou minha infância, e claramente, me fez virar um fã do francês quando eu tinha meus 4 anos (lembro até hoje de uma apresentação do Fantástico com essa música, e JMJ envolto de lasers, que coisa incrível para um guri que recém saiu das fraldas). Depois, o álbum retorna para climas mais introspectivos e densos, e que fizeram uma galera de gente comprá-lo (mais de 3 milhões para dizer a verdade). Frequente em balaios de sebos mundo a fora, a preço de banana, é uma bela dica de compra para quem curte umas viagens sintetizadas, e foi uma grata audição - novamente - para esse recomenda. Valeu para quem o indicou!!!
Alisson: Um dos expoentes do progressivo eletrônico em um trabalho confortável, revelando todas as características essenciais de seus trabalhos mais consagrados e bem avaliados. As atmosferas futuristas, já abraçados a estética e produções eletrônica oitentista, sustentam um clima envolvente durante grande parte das composições. Uma experiência interessante, mesmo que existam obras até mais impactantes do que essa escolhida.
Nilo: Já conhecia Oxygene (1976) e Equinoxe (1978), que consideraria boas escolhas para a rodada. São álbuns que prezam por paisagens sonoras, mas ainda com apreço pela noção tradicional de canção – para quem trabalha com sonoplastia, trabalhos de cabeceira. Fui ouvir este na boa vontade e confesso que quebrei um pouco a cara. As camadas climáticas de sintetizadores ainda existem, e a vibe cyberpunk da época se faz presente. No entanto, sinto que a aura foi de “sujeito isolado brincando com teclados” para “megaespectáculo de arena synth, com óculos escuros coloridos”. Alguns improvisos soam como exibicionismo, daqueles planejados para “surpreender” o público no meio da canção enquanto o técnico de luz faz piruetas visuais. Não à toa alguns timbres aqui influenciariam a EDM da década seguinte, e inclusive partes de Rendez-vous remetem a nomes como Gigi D’Agostino e esta música aqui. E juro que não falo na maldade!
Ronaldo: Poucas coisas conseguem ser mais datadas do que os sintetizadores polifônicos da década de 80. E Jean Michel Jarre foi um dos pilotos mais habilidosos dessas controversas máquinas. Em Rendez-Vouz ele aborda de forma muito sagaz quase todas as facetas da música eletrônica - as mais contemplativas, as minimalistas, as sinfônicas e as dançantes, com uma assinatura bastante própria. É um disco interessante, bem feito e tendo sempre por pano de fundo, boas composições. "Quatrieme Rendez-Vouz" está intimamente associada aos anos 1980, mas até hoje permanece intacta no imaginário pop.


Vinnie Moore - Mind´s Eye (1987)
Recomendado por Davi Pascale
Quando foi lançado o tema, pensei em indicar o clássico Passion & Warfare do gênio Steve Vai ou ainda o álbum do Joe Satriani com uma pegada meia blues (aquele de capa vermelha lançado na década de 90 – 95, I guess), mas eis que me recordei desse disco que parece ter caído no esquecimento. Esse foi um dos primeiros álbuns instrumentais que comprei e reescutando agora me causou o mesmo sentimento da época. Sim, Vinnie é um shredder, mas utiliza a técnica com muito bom gosto. É impressionante nos recordarmos que esse LP foi gravado em apenas 11 dias e que Vinnie, na época, era um garoto de 21 anos. Na ocasião, ele era muito comparado ao Malmsteen e muitas revistas o acusavam de ser um clone. Maldade!!!! Realmente em muitos momentos vamos nos lembrar do sueco... Afinal, a jogada é a mesma. Misturar música clássica com heavy metal, mas o rapaz sempre teve personalidade. Também é possível pegarmos influências de Al Di Meola fácil, fácil. Como se não bastasse o impressionante trabalho de guitarra daqui, o garoto ainda trouxe para junto dele 3 feras: o baixista Andy West (Dixie Dregs), o monstro Tony MacAlpine nos teclados e o animalesco Tommy Aldridge na bateria. Não tinha como dar errado, né?
Fernando: Foi uma grande surpresa esse disco para mim. É claro que eu conhecia o trabalho do Vinnie Moore no UFO e no Vicious Rumors, mas nunca tinha ouvido um tabalho solo dele. Esperava um som mais setentista e o que ouvi foi algo muito mais para Yngwie Malmsteen do que para Richie Blackmore. Também surpreende a ótima banda que o acompanhou nessa empreitada e sua pouca idade, apenas 21 anos. Pelo jeito tenho trabalho de casa para fazer.
Mairon: Fabulosa estreia de Vinnie Moore em estúdio. O menino aqui já mostra por que era um precoce talento para sua idade. Com apenas 21 anos, Moore já traz uma técnica e um feeling impressionantes, indo na contramão do egocentrismo de Malmsteen, da fritação de Satriani ou dos exageros técnicos de Vai, só para citar alguns. É melodia somada a velocidade e belas composições, e diversas escalas, seja a egípcia em "Daydream", na pentatônica padrão da pesada faixa-título, ou nos hammers de "Lifeforce". Os grandes sucessos ficaram para "In Control" e a ótima "Shadows of Yesterday". A participação dos sintetizadores de Tony MacAlpine, outro talentoso virtuose, dá ainda mais fúria ao álbum, o que fica mais claro durante "N. N. Y." e na pérola “Hero Without Honor“, repleta de referências à música clássica. Até mesmo no violão, Moore exala virtuose, como podemos conferir na linda “Saved by a Miracle” (com um show de bateria por Tommy Aldridge) e na balada "The Journey". Apesar de hoje soar datado com o som dos anos oitenta, Mind’s Eye é um disco perfeito, que ainda intimida nas primeiras audições justamente pela potencialidade do jovem Moore. Não à toa, o LP foi eleito pela revista Guitar World como terceiro melhor álbum de shred guitar em todos os tempos, ficando atrás de Live: Extreme Volume (do grupo Racer X) e de Rising Force (Yngwie Malmsteen), e a frente de potências comoSurfing with the Alien (Joe Satriani) ou Passion and Warfare (Steve Vai)
Alisson: Uma espécie de "Malmsteen" norte-americano, em resumo. Pra não dizer que estou sendo injusto, esse aqui possui menos referências incisivas de música clássica e aposta mais acertivamente em passagens de hard rock. Mas a impressão é a mesma, a de música pra video aula de guitarra.
Nilo: Absorver de fato a música erudita é tarefa árdua, mas a turma do metal neoclássico não ajudou em nada suprimindo as longas sinfonias em canções de quatro, cinco minutos. Moore preza pela veia melódica da canção, mas opta por preencher espaços curtos com tanto sweep que tais trechos... perdem toda melodia. Sua banda de apoio também segue a cartilha do típico metal oitentista, clima épico com aquela produção reverberada e os famigerados TECLADÕES. Pra quem gosta de composições “tudo em seu devido lugar”, especialmente guitarristas, cá está um prato cheio. De minha parte, não entendi muito o apelo do sujeito perto de nomes como Yngwie Malmsteen (fica aí a pergunta para quem indicou, na humildade) e sigo preferindo músicos que usem da técnica aprimorada para romper com regras, e não jogar dentro do limite destas.
Ronaldo: Bululu, bululu, bululu. O mesmo timbre de guitarra em todas as músicas e os mesmos trejeitos de velocismo guitarrístico em todas elas. As bases das músicas são até boas, e caso fossem cantadas poderiam render boas faixas de hard/heavy metal. No fim das contas, a audição é cansativa pois falta criatividade e sobra auto-indulgência neste álbum.


Kiko Loureiro - Sounds of Innocence (2012)
Recomendado por Adrian Dragassakis
Nota do editor: Não temos o comentário do Adrian para o Disco.
Fernando: Sou fã do Angra, mas nunca tive vontade de ouvir um disco solo do Kiko Loureiro. Sei que a técnica do cara é absurda, mas tinha medo de encontrar apenas malabarismo musical. Muito riffs são bastante na linha do que ele faria para sua ex-banda. Em alguns momentos parece que esperamos a entrada de uma voz cantando em notas lá em cima. Porém ele varia bastante dentro de uma mesma música. Durante a audição fiquei me perguntando se não foi um pouco de comodismo ele usar timbres muito próximos aos das guitarras do Angra. Isso joga a favor da identidade musical, mas vai contra a ideia de “tentar novos caminhos musicais” que é o que se espera de um disco solo de um artista. No todo passou longe de desagradar, mas é algo que dificilmente eu ouvirei novamente.
Davi: Em seu quarto disco solo, o menino Kiko demonstra mais uma vez sua imensa habilidade nas 6 cordas. Em uma perfeita mistura de heavy metal, jazz, fusion e música brasileira, o rapaz comprova sua excelência. Para mim, ele e o Edu Ardanuy são os 2 melhores guitarristas do Brasil na atualidade. Como o menino é ‘chique no urtimo’, ele gravou o disco fora do Brasil e trouxe músicos do calibre de Virgil Donati, Doug Wimbish, além de seu velho parceiro Felipe Andreoli para acompanha-lo. Disco foda!!! Técnico, melódico, criativo, cativante... Essa foi a melhor indicação da lista. Faixas de destaque: “Gray Stone Gateway”, “Reflective”, “Ray of Life”, “Mãe D´Água” e “Twisted Horizon”.
Mairon: Discos de guitarristas virtuosos dificilmente me atraem. Exceções surgem, mas no geral, acho bastante cansativo ouvir um disco instrumental de guitarrista fritador, ainda mais quando acompanhado de músicos igualmente virtuosos. É o caso aqui. Não é que Sounds of Innocence seja um disco ruim. Pelo contrário, acho até que o Kiko mostra bem as qualidades que o levaram a dividir as seis cordas com o Dave Mustaine, mas cara, falta uma certa "preliminar" para eu poder me aquecer com esse tipo de som. Até que a coisa começa muito bem com a bela vinheta ao violão de "Awakening Prelude", mas quando começam as músicas mesclando solos de guitarra e teclados com escalas na velocidade da luz, fico bem perdido e sem tesão. Pior ainda, parece uma versão amadora e limitada de discos do Steve Vai, vide "Gray Stone Gateway", "The Hymn" ou "Twisted Horizon". Admito que o batera Virgil Donato me surpreendeu positivamente, mas no mais, destaco a bela "A Perfect Rhyme", com boa participação de piano, e as influências brazucas no ritmo percussivo de "El Guajiro" e na ginga de capoeira de "Mãe d'água", algo que Kiko já usava com sabedoria e diferencial no Angra. Indicado para apreciadores do estilo, e só.
Alisson: Esse disco tem seu público cativo muito claro, que são os aprendizes e profissionais de guitarra e frequentadores de workshop. Não me fugiu a impressão de que o disco tem mais cara de portfólio do que um esforço artístico maior. Nada econômico ao mostrar seu talento, Kiko Loureiro apenas usa as variações de andamentos e alguns enxertos de música tradicional brasileira para demonstrar o quão técnico é. Nada parece natural e a banda de apoio é apenas coadjuvante para que o malabarismo corra solto. Para quem gosta apenas de skills, será uma experiência quase orgásmica.
Nilo: De inocência isso não tem nada. Goste ou não dele, Kiko é um profissional da música e sabe distinguir o que vale a pena mostrar em workshops e o que incrementa composições. O que poderia ser um desfile de fritações se revela um álbum coeso, com voicings de guitarra prevalecendo sobre solos pra impressionar garotada. Sounds of Innocence inclusive não se distancia muito do universo do Angra (até os ritmos regionais dão as caras), e algumas canções até poderiam ter sido usadas em sua banda principal. A pior parte aqui é mesmo a capa, no estilo digital já enjoado do Gustavo Sazes.
Ronaldo: Este disco contém ótimas ideias e todo o virtuosismo e inteligência musical de Kiko Loureiro. Contudo, o que ele tem de melhor é tudo o que não fica envolto na grande farofa que é o power-metal. Os arranjos de bateria destroem todas as qualidades das músicas, além de soar exatamente igual a bateria de outras centenas de bateristas do mesmo estilo. Há bateria demais, baixo e teclado de menos, a despeito do natural protagonismo da guitarra. "Conflicted" e "The Hymn" tem ótimas introduções, por exemplo e "Mãe d'Água" é uma boa fusão com a música brasileira. "Twisted Horizon" é um belo tema destruído por um aranjo equivocado e exibicionista e "A Perfect Rhyme" mostra um pouco do que Kiko Loureiro é capaz de fazer de bom fora do estilo.

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Consultoria Recomenda: Bandas da Cortina de Ferro


SBB em 1974: Jerzy Piotrowski, Josef Szrek e Apostolis Anthimos


Por André Kaminski


Tema escolhido por Mairon Machado


Com Davi Pascale, Diogo Bizotto, Fernando Bueno, Marco Gaspari, Ronaldo Rodrigues e Ulisses Macedo


Finalmente chegou a vez do último integrante do Consultoria Recomenda dar a sua sugestão de tema desde que começamos lá em dezembro de 2014. Dessa vez foi o nosso conhecido doutor Maironislav Machadovisky que sugeriu a escolha de bandas originárias do leste europeu. Embora a época preferida da maioria dos consultores foi justamente o período da Guerra Fria, o Mairon deixou claro que não era obrigatório que a banda tenha surgido ou gravado nessa mesma época. Diferente de outros temas e sugestões em que as épocas e estilos de rock eram mais variados, dessa vez tivemos uma presença mais marcante do rock progressivo, aparentemente o estilo que melhor driblava a forte censura soviética. Como de costume, coloque suas sugestões de bandas do leste europeu nos comentários e fique a vontade em palpitar sobre as nossas escolhas!

Phoenix
Phoenix - Cantofabule [1975] [Romênia]
Por André Kaminski
Já que falamos da Cortina de Ferro, é bom deixar claro que dentre todos os ditadores comunistas apoiados pelos soviéticos na Europa Oriental, o presidente romeno Nicolae Ceausescu era o mais brutal de todos eles. Tanto é que foi condenado a morte logo após deposto. Com 60 mil executados sob suas costas, não creio que haja muita margem a se esperar algo diferente. Logo, o Phoenix para poder existir tinha que tomar um cuidado imenso para que seus discos escapassem da forte censura. E fizeram isso muito bem em Cantofabule, em que se utilizam de elementos regionais para que o disco fosse classificado como "romeno o suficiente" mas que também o rechearam de rock e de psicodelia, além de utilizar temas do folclore local nas letras de suas canções. "Norocul Inorogului" e "Pasarera Roc... k and Roll" estão aí para comprovarem que a música de qualidade sempre sobressairá independente de situação política.
Davi: Grupo romeno. Mais uma banda que aposta no rock progressivo. Os arranjos são bem desenvolvidos. Vale destacar o trabalho de bateria de Ovidiu Lipan e o trabalho de guitarra de Nicolae Covaci. O disco original foi lançado como um LP duplo. Saquei que cada lado do LP tinha meio que uma particularidade. Tipo, o lado 2 com arranjos mais complexos. O lado 3, com uma sonoridade mais direta. O disco é bem feito, mas não gosto do trabalho vocal da banda. Interessante, mas não compraria.
Diogo: Tenho cada vez mais tendido a valorizar o uso que os artistas fazem de seus idiomas natais, mas confesso que nunca havia ouvido nada em romeno que não fosse o megasucesso “Dragostea Din Tei”, do grupo moldovo O-Zone. Se eu disser que morri de amores pela sonoridade de Cantofabule, estaria mentindo descaradamente (o vocalista é especialmente fraco); mesmo assim, agradeço a quem fez essa indicação, pois proporcionou uma audição verdadeiramente diferente. Dentro de algumas convenções daquilo que conhecemos como rock/música progressiva ocidental, é verdade, mas com elementos que parecem conversar com o folclore romeno e soam novos a ouvidos pouco acostumados com a música da terra do conde Drácula.
Fernando: Mais progressivo na lista, mas dessa vez sem virtuosismo evidente e com um pouco de hard rock em alguns momentos. A viagem sonora é mais baseada em riffs e progressões sem malabarismos. Achei um pouco enfadonha em algumas passagens, ainda mais que ouvi pelo youtube que impossibilita de identificarmos as faixas, ainda mais que devo ter pego uma versão com faixas extras.
Mairon: Magnífico álbum duplo conceitual dos romenos insanos, que mostram como o progressivo na década de 70 estava anos-luz de distância em composições. O disco de despedida dos romenos conta a história de livros que evocam animais de origem medieval, e quem o houve pela primeira vez, certamente irá chocar-se com canções cantadas em romeno, uma língua não muito comum. O som concentra-se nos teclados de Günther Reininger, mas o resto do quinteto (Nicolae Covaci - guitarras e voz, Iosif Kappl - baixo e voz, Mircea Baniciu - voz, violões, e Ovidiu Lipan - bateria) são exímios músicos que complementam uma obra atemporal no rock romeno. Destaque para a linda "Invocatie", os trabalhos intrincados da "Delfinul, Dulce Dulful Nostru", o rockzão Purpleano de "Uciderea Balaurului", as insanidades da "Zoomahia", o peso desgraçadamente espancador de "Filip și cerbul" (que baita riff) e a puta merdiante introdução da maravilhosa "Pasărea Roc...k And Roll", que coloca a casa abaixo por conta dos saltos que você dará com esse musicão. Na realidade, todo o disco é excelente, e ele não é nenhuma novidade no meu playlist, já que é um dos melhores álbuns da Cortina de Ferro.
Marco: Sempre que vão buscar o homem (ou a mulher) mais velho do mundo, ele aparece vindo de algum país satélite da Rússia.  As bandas também não ficam atrás, estão todas com o pé na cova. Esta aqui, por exemplo, foi formada em 1962. Mesmo ano do Rolling Stones e da húngara Omega. E todas existem até hoje ou ontem cedinho. A Transylvania Phoenix ressurgiu das cinzas de uma banda chamada lá na língua deles The Saints e que, por motivos óbvios, os comunas ateus invocaram com o nome.  Não conheço muitos discos deles, mas este aqui é um dos mais famosos e faz justiça à fama.
Ronaldo: Grupo referência de rock na Romênia e bem conhecido em outras partes do mundo por pesquisadores de sons “fora do eixo”. Este é o terceiro disco do grupo, um álbum duplo e conceitual, o primeiro no qual a banda conta com um som de sintetizadores (e faz muito bom uso deste). Habilmente, a banda conseguiu uma longa carreira, despistando censores e outras dificuldades de países fechados. Além de ser uma competente banda de rock, o som do Phoenix é bastante original ao agregar melodias emprestadas de cantos folclóricos de sua região e usar estruturas de vozes divididas, que fazem alusão a esta influência mesmo nos momentos em que a banda emula um rock na linha do Deep Purple e do Uriah Heep. Também são notáveis as influências de Jethro Tull no som do grupo, mas de modo geral, o som do Phoenix é muito bom por ser isso.
Ulisses: Misturando progressivo, psicodelia, hard e folk, o Phoenix apresenta um disco desnecessariamente longo e com produção fraca, mas com performances sólidas. A criatividade musical do grupo, explorando diversas influências em conjunto com o uso de sintetizadores e passagens atmosféricas (com presença de instrumentos como flauta e violino) mantém a audição recheada.

Vanilla Ninja
Vanilla Ninja - Traces of Sadness [2004] [Estônia]
Por Davi Pascale
Trago dessa vez uma polêmica banda da Estônia que durante um tempo conseguiu um certo destaque aqui no Brasil. Seus discos, inclusive, foram lançados por aqui. Sim, as meninas são bonitas. E era isso que fazia os roqueirinhos à entrarem nas lojas de discos querendo ouvir o trabalho das garotas. Era engraçado quando víamos aquela pessoa que dizia somente ouvir rock n roll comprando um disco delas. Por que? Porque o som delas é extremamente comercial. E a influencia de pop é pesada. Elas faziam um hard rock cruzado com pop, mas de maneira descarada. Quase tão pop quanto os Bangles. De toda forma, acho o disco bacaninha. Não é perfeito, não é um clássico, mas tem bons momentos. Vamos ver o que a turma daqui tem a dizer...
André: O som é até bacana e talz, tem ótimos vocais de apoio de todas as integrantes, mas sinto que o disco parece seguir com o freio de mão puxado. Muitas baladas, músicas mais atmosféricas, porém a energia do pop ou do rock é muito baixa. Nem mesmo "Liar" a que parece ter mais cara de hit do disco tem força. "Don't You Realize" tenta dar uma progressão hard rock, mas também soa sem pegada, malícia, sujeira ou mesmo em melodias empolgantes se fosse tentar algo próximo do AOR. "Metal Queen" é a melhor do disco, me soa como se fosse uma boa faixa de um disco da Doro, por exemplo. Não sei como a banda soa nos outros trabalhos, mas vejo que essas gurias tinham potencial para fazer algo muito melhor.
Diogo: Quem comprava a revista Roadie Crew pelos idos de 2004/2005 conhece ao menos de nome esse grupo, que ilustrou diversos anúncios, com destaque, e chamou atenção pelos belos rostos de suas integrantes antes mesmo que se travasse contato com sua música. Pois bem, o quarteto faz um pop rock legalzinho com algumas pitadas hard. Não é nenhum primor, mas canções como “Tough Enough” e “Liar” são boas de ouvir de vez em quando, assim como “Heartless”, com uma pegada mais AOR, minha favorita. Comparando com tudo que se apresentou nesta edição, trata-se e algo menos pretensioso, mas isso não é necessariamente ruim. Prevejo críticas, mas recomendo ao leitor que tire suas próprias conclusões sem preconceitos.
Fernando: Tá aí algo que eu não esperava nessa sessão: uma banda feminina. A banda já foi formada depois da queda do muro de Berlim e do fim propriamente dito da Cortina de Ferro, talvez isso tenha facilitado a vida das belas garotas. Gostei bastante do pop rock e me pergunto porque isso não é sucesso por aí. Faria um enorme sucesso nas rádios e estaríamos muito melhor servidos que o que toca hoje.
Mairon: Esse é um álbum que não pode ser considerado da Cortina de Ferro, já que a banda só surgiu depois que o muro de Berlim foi pro chão. Fui ouvir com a maior boa vontade, mas as Spice Girls estonianas só tem de bom a beleza. Salva-se com esforço a faixa "Metal Queen". A Estônia pertenceu a antiga URSS, mas ao julgar por essa banda, percebe-se quão ruim em termos comerciais foi a queda do muro de Berlim...
Marco: Gente, é cortina de ferro, não de renda! Cadê os comunas dando porradas nas meninas porque cantam em inglês e o nome da banda não é húngaro?  Ah, entendi: estamos em 2004! Nem o Rocky Balboa surrando o Dolph Lundgren soou mais fake.
Ronaldo: Atualizaram o Roxette, com algumas guitarrinhas mais pesadas e um grupo todo de garotas estonianas. Tem até algumas boas composições, alguns solos ganchudos, mas os backing vocals são irritantes; totalmente clichês e com um ar demasiadamente colegial. Acho que as garotas já passaram dessa idade e poderiam estar fazendo algo mais a favor de si próprias e dos ouvidos alheios; os arranjos são os mais medíocres possíveis e nada surpreende no disco.
Ulisses: Vão achar que fui eu que indiquei esse disco, só porque é uma banda feminina dos anos 2000... de qualquer forma, as garotas trazem um pop metal/AOR até legalzinho. "Stay", "Heartless", "Liar" e "Metal Queen" são as melhores do disco, que mesmo assim não é tão cativante.

Tormentor
Tormentor - Anno Domini [1988] [Hungria]
Por Diogo Bizotto
Entre os primeiros lançamentos de grupos como Hellhammer/Celtic Frost e Bathory, desbravadores daquilo que viria a ser conhecido como black metal, e a consolidação da cena norueguesa, vital para o reconhecimento do gênero, algumas formações muito peculiares também trilharam caminhos pioneiros, ao colocar em prática ferocidade e rispidez praticamente sem precedentes. Os brasileiros do Sarcófago estão entre elas, assim como os húngaros do Tormentor. Elevando alguns degraus o que grupos alemães como Kreator e Sodom vinham fazendo – riffs thrash abundam – e pesando a mão no extremismo, a banda chamou atenção dos noruegueses, que se inspiraram na agressividade de faixas como "Tormentor I", "Elisabeth Bathory" e "Damned Grave" e nos vocais de Attila Csihar, verdadeiramente um dos melhores do estilo. Não à toa, após o suicídio de Dead, o guitarrista Euronymous o convidou a se juntar ao Mayhem, tendo registrado o clássico De Mysteriis Dom Sathanas (1994) e retornado ao grupo em 2004. Tente ouvir os riffs cortantes de "Tormentor II" e ficar impassível. Se você não gostar do que escuta, pergunte-se: "Será que eu realmente curto metal extremo?".
André: Esse tipo de banda não me vai. Em alguns momentos as guitarras respiram, mas no geral, tem muita daquela velocidade de bateria absurda e vocais rasgados que não me apetecem. Os poucos momentos calmos das canções são bons, mas não são suficientes para segurar a minha atenção. Mas deve ser bom para quem curte black metal.
Davi: Nunca gostei de black metal. Para completar, isso aqui é uma demo de qualidade razoável de uma banda húngara. Como era de esperar, bateria estilo martelada (hoje em dia, poderíamos chamar de estilo pancadão, já que o termo está em moda e esses caras transformam a bateria em um saco de pancadas), vocal estilo vomitado. Tão ruim quanto o Mayhem.
Fernando: Black metal húngaro. Isso deve ser coisa do Diogo que é adepto ao capiroto. A fraca gravação é na linha das bandas que criaram o estilo. A voz fica um pouco encoberta e os instrumentos não estão todos no mesmo volume. Tá bom, o registro é apenas de uma demo, mas pela capa que encontrei, muito bem feita e legal, não esperava isso. Mais uma banda que utiliza da lenda/história de Elizabeth Bathory para uma música, que é a melhor do disco e a mais diferente das outras.
Mairon: Fiquei curioso de saber por que enviaram a demo, e não o álbum original. Guitarrista estúpido, e baterista endiabrado. "Heaven", "Apocalypse", a pequena instrumental "Lyssa", "Elisabeth Bathory" e as duas Tormentor (I e II) são as que mais me chamaram a atenção. Lembra o Possessed de Seven Churches, mas com mais agressividade - se é que isso é possível. Death Metal como manda o figurino, nos belos tempos que o estilo era referência musical. Surpreendente!
Marco: O povo, pelo que eu pesquisei, gosta muito. E isso conta positivamente. Mas cá entre nós, esse disco (na realidade uma fita demo, confere?) acaba com qualquer regime. Os comunistas fugiram todos para as montanhas.
Ronaldo: Qualidade de fita cassete para uma performance provavelmente gravada na garagem de casa. Gritos e fritação de instrumentos ao longo de quase sufocantes 40 minutos. Desse não posso pra aproveitar nada e nem recomendar para quem não é fã (e nem quer ser) desse estilo de heavy metal. Passo.
Ulisses: Tosco, cru, grosso... o vocalista é um brutamonte. É só o típico black metal; bem tocado até. "Elizabeth Bathory" e "Trance", mais assombrosas, são bem interessantes.

After_Crying_-_Megalázottak_És_Megszomorítottak
After Crying - Megalázottak És Megszomorítottak [1992] [Hungria]
Por Fernando Bueno
Lá na minha iniciação prog, por volta de 1999-2000, o After Crying foi uma das primeiras bandas que acabei conhecendo, tirando as bandas consideradas os pilares do estilo. Acredito que me indicaram porque era cool indicar algo fora do eixo Inglaterra/Itália. Gostei logo de cara e só depois descobri que não era uma banda tão conhecida, mesmo do povo que era mais experiente no progressivo. Claramente influenciada pelos medalhões da Inglaterra e bastante fiel ao tipo e estrutura sonora dessas bandas setentistas mesmo que o grupo tenha se formado só no fim da década de 80, período em que o prog já era dado como moribundo. Podia ter indicado também o disco seguinte Föld És Ég, mas é esse daqui, com um nome impronunciável, que é a obra prima dos húngaros.
André: Conheço o After Crying há alguns anos. A melodia de cordas e sopros são lindos, o piano dá aquele toque doce e as canções nos trazem sempre essa atmosfera calma e encantadora, intercalada por momentos mais sombrios e tensos por parte dos teclados. Tirando alguns pequenos deslizes de desafinações pelo sujeito que toca o que aparentemente seria uma viola na primeira canção, não há o que reclamar do esmero e da riqueza musical que esses húngaros tem a oferecer. E apesar do disco ser de 1992, a sonoridade é claramente setentista.
Davi: Bem gravado, mas chatíssimo. Arranjos arrastados, sonolentos. Quem estiver sofrendo de insônia, não precisa mais ir até uma farmácia comprar remédios. Basta entrar em uma loja de discos e comprar esse do After Crying ou o 4 do Los Hermanos. Tiro e queda!
Diogo: Bom disco de rock progressivo mais puxado para o lado sinfônico, incluindo muitos instrumentos comuns à música erudita. O foco do After Crying parece ser criar belas paisagens musicais. Senti também influências jazz, na linha do que o King Crimson fez em Lizard(1970) e, especialmente, Islands (1971). Precisei, inclusive, conferir novamente o ano de lançamento do álbum para me certificar que não se trata de uma obra concebida na primeira metade dos anos 1970. Soa um pouco cansativo para quem não está habituado, mas valeu a audição.
Mairon: Jamais esperaria que esse disco fosse uma viagem tão enigmática. Quando coloquei ele para ouvir, e começou a introdução de "A Gadarai Megszállott", confesso que fiquei na expectativa de o que iria sair das caixas de som. Eis que urge um emocionante violoncelo sobre as camadas de teclados, e uma singela lágrima brotou em meus olhos. A entrada dos instrumentos de sopro (fagote, oboé e flauta) acalentaram ainda mais a audição. Foram vinte e dois minutos de um deleite e massagem para os ouvidos totalmente inesperado, como chegar em um restaurante e nele ser ofertado gratuitamente o melhor vinho da casa. Depois dessa joia, vieram três músicas curtinhas, a saber "A Kis Hõs", apenas com vocalizações e violoncelo, a curtinha "Végül" e a pop "Noktürn" e o delírio musical de "Megalázottak És Megszomorítottak", pequena e agitada suíte onde o violoncelo é o centro das atenções. Que disco fantástico, baita escolha!
Marco: Gosto bastante do After Crying, pelo menos daquilo que conheço. Os músicos conseguem uma sonoridade muito pessoal para uma banda progressiva da época. Mas tem passagens em que o nome da banda deveria mudar para "Before Dreaming".
Ronaldo: Já sacava qual era a dessa banda, mesmo antes de ouvir um disco todo do pessoal com atenção. Um disco bastante contemplativo e introspectivo, com boas melodias cinzentas e fortes influências de prog-folk. As coisas mais interessantes são as combinações entre violoncelos e violas e sons que emulam seções orquestrais feitos com teclados, soando como analogias, como se um estivesse sutilmente encarando o outro. Os bons solos que preenchem as faixas não deixam a coisa ficar tão atmosfera a ponto de soar estéril e trazem um bom resultado no panorama das composições.
Ulisses: Interessante o instrumental deste grupo. O violino, o trompete e os instrumentos de corda criam melodias mesméricas na abertura "A Gadarai Megszállott", enquanto que o vocal, pouco presente e melancólico, se assimila à atmosfera do disco. No começo da faixa-título os caras ensaiam algo mais intenso, mas logo voltam às sombras - por incrível que pareça, eu prefiro as partes mais quietas. Audição interessante e recompensadora.

SBB disco
SBB - SBB [1974] [Polônia]
Por Mairon Machado
Por que esse simplesmente um dos melhores discos da história da Cortina de Ferro. Gravado ao vivo, ele é o primeiro registro da carreira do grupo polonês Silesian Blues Band, ou SBB. No vinil original, são apenas três petardos estupidamente incríveis, nos quais Josef Szrek e cia demolem tudo o que o rock progressivo já havia propiciado de improvisação até então. Elas dividem-se em um blues fantástico, "I Need You Baby", com Josef fazendo o que quer com a voz, e duas longas faixas, as incríveis "Odlot" e "Wizje". Para quem ouve o disco pela primeira vez, fica o impacto da distorção carregadíssima e da velocidade estonteante que Josef imprime em seu baixo, em duelos fora do comum com o exímio guitarrista Antymos Apostolis, tendo ao fundo a locomotiva sonora da bateria de Jerzy Piotrowski. Os demais álbuns dessa longeva banda lançados "behind the iron curtain"são ainda mais inspirados (os discos lançados no ocidente já não são tão bons assim), voltados para o uso dos teclados que comprovam ainda mais o talento de Josef, mas a estreia é o recomendado para quem quer entrar nas viagens de um trio majestoso e que está para ser descoberto por muitos.
André: Eu adoro o SBB, mas para conhecer a banda, Ze Slowem Biegne Do Ciebie [1977] é um álbum muito melhor. Aqui há um excesso de viagens deles, que talvez quisessem chamar muita atenção de algum produtor ou empresário na plateia com malabarismos instrumentais e muita "empolgação". Mas independente disso, a qualidade desses poloneses acaba germinando no seguimento das três canções, sendo "Odlot" a que eu mais aprecio.
Davi: Trabalho ao vivo da cultuada banda polonesa. Os músicos realmente são excelentes, mas a banda abusa dos improvisos. Sim, gosto de ouvir músico improvisando, mas tem que ter cuidado para não se transformar em uma masturbação sonora. Aquela velha história, tudo que é exagerado cansa. Essa é a melhor definição para o disco em si: um LP cansativo. Dificilmente irei ouvir algo desse grupo novamente.
Diogo: Então esse é o famoso SBB? Confesso que esperava algo diferente, com uma identidade mais evidentemente do Leste Europeu, mas me deparei com uma banda bem única, apesar de Jósef Skrzek ser como uma espécie de Keith Emerson do grupo. Não pelo estilo de tocar, vejam bem, mas pelo tipo de protagonismo exercido. Inclusive, em alguns momentos, esse protagonismo poderia ser dosado com mais parcimônia, servindo mais às canções e menos a si. Gostei, porém, da maior parte do que ouvi, tanto em temas mais delicados quanto em sessões de porradaria, caso do solo de bateria que encerra “Wizje”. Não me fisgou de vez, talvez por ser um pouco longo demais como primeira audição de um artista, mas o saldo é positivo.
Fernando: Não sei se é porque não estava no clima para ouvir blues, mas achei chato num primeiro momento. Porém ao longo do disco muita coisa de prog e principalmente jazz apareceram, mas o excesso de improvisos acabaram tornando tudo muito confuso.
Marco: Essa é poderosa e este disco, em particular, é muito bom. A única coisa que sempre me incomodou é que a música que abre o disco parece programa de calouro onde uma polaca metida a besta tenta emular alguma crioula do jazz americano.  Nunca ouvi uma música tão fora do contexto em um disco de banda de país comunista.
Ronaldo: Vou gastar algumas linhas para falar primeiro dos defeitos desse disco do SBB. É o primeiro disco da banda e logo de cara um disco ao vivo; notam-se alguns exageros típicos da catarse propícia ao palco. Alguns solos muito longos e que perdem a direção. Também não se notam muito bem as composições e sua estrutura, já que o álbum basicamente consiste de música contínua em ambos os lados do LP. O que sobra então é um disco fabuloso, com timbres perfeitos de bateria, baixo (especialmente baixo, um som maravilhosamente distorcido), guitarra e teclados, excelente qualidade de gravação e a performance genial de Józef Skrzek, um músico que o mundo deveria reverenciar. Progressivo como poucos na Europa Ocidental.
Ulisses: Rapaz, os caras têm talento, mas acho que faltou foco. O excesso de viagens, meio psicódelicas, meio jazzísticas, acaba deixando a audição cansativa, apesar de também ter vários bons momentos.

Flamengo disco
Flamengo - Kuře v Hodinkách  [1972] [República Tcheca]
Por Marco Gaspari
Este som não é nada comum. Muito menos para os padrões de Praga, na Checoslováquia, nos anos 70. É o único LP lançado por uma banda acostumada a emplacar sucessos beats nos anos 60. Com nova formação neste Kuře v Hodinkách (Vladimír Mišík  era vocalista do Blue Effect) o Flamengo cometeu a mistura perfeita de prog inglês, blues branco, hard e jazz rock. Tem flauta, então lembra Jethro Tull. Tem sax ensandecido, daí o sotaque vandergraffiano. Mas se procurar onde está Wally, vai achar John Mayall, Traffic, Colosseum... Enfim, um grande disco.
André: O saxofone e a bateria chamam toda a atenção para si. Por sinal, o baterista Jaroslav "Erno" Šedivý foi o integrante que eu mais gostei. O álbum fica naquela veia do jazz-progressivo bem tipicamente setentista. Percussão marcante, belas lapadas de baixo, um swing delicioso e uma flauta que lembra muito o Jethro Tull como em "Stále Dál", só posso dizer a quem está lendo este texto para ouvir e se maravilhar.
Davi: Rock ‘n’ roll progressivo dos anos 70. Não tenho a menor ideia sobre o que falam as letras, mas achei a banda muito boa. Vocal manda bem, guitarrista é muito bom também. Senti bastante influência de Jethro Tull no som da banda. Apesar da veia progressiva, as faixas não são muito compridas. Disco bem bacana de se ouvir.
Diogo: A primeira coisa que me veio à mente segundos após dar o play no disco foi Lizard! Sim, o terceiro disco do King Crimson, lançado dois anos antes da obra em questão desses tchecos, fazendo um rock progressivo de inegável tendência jazz, tal qual o grupo aqui presente. A dobradinha com a faixa que dá nome ao álbum e “Rám Prístích Obrazu” não me deixa negar. No decorrer do tracklist há mais variação, outras cores, mas há um predomínio dessa fusão, com o saxofone em destaque e instrumental caprichado. “Doky, Vlaky, Hlad a Boty”, em especial, é um musicão. Boa indicação.
Fernando: O nome da banda tira todo o interesse, mas deixando o clubismo de lado ouvimos um prog bastante interessante, cheio de metais como se o VdGG tivesse acrescentado mais alguns músicos, com bastante elementos da vertente mais sinfônica do estilo. Ao longo do álbum notamos que a banda teve muita influência dos medalhões ingleses e conseguir transmitir isso de maneira muito legal. É ruim elogiar algo com o nome Flamengo, mas a melhor coisa dessa lista.
Mairon: Quando pensei no tema da Cortina de Ferro, pensei exatamente em algo como esse discaço do Flamengo. Fusion de primeiríssima qualidade, destacando os instrumentos de sopro de Jan Kubík. Lembra os melhores momentos do King Crimson em sua fase embrionária, com o diferencial sendo o sotaque tcheco de Vladimír Mišík. Álbuns de faixas curtas para se ouvir com o som no volume máximo, do início ao fim, destacando várias faixas: "Kuře v hodinkách (introdukce)" e a própria "Kuře v hodinkách", "Rám příštích obrazů" e as lindíssimas "Pár století" - bela participação do vibrafone - e "Já a dým", melhores faixas do álbum. Obrigado pela escolha, exatamente o que eu queria!
Ronaldo: Um grupo bem interessante que começou na onda do som beat, animando bailinhos em Praga e lançando vários compactos. Álbum mesmo, apenas esse, na linha do Blodwyn Pig...não era exatamente brass-rock, mas que usava largamente o saxofone para riffs e solos, apoiado por uma sólida base de bateria e baixo. A diferença neste caso é que os teclados tem mais destaque e até dão um ar mais sinfônico às composições. A mistura funciona bem e o resultado é empolgante e agradável. Destaque para um forte som de baixo e o trabalho de todo o instrumental na faixa “Stále Dál”.
Ulisses: Prog-jazz com forte presença de orgão, sax e flauta. Momentos doces se alternam com lapadas de hard setentista, com destaque para "Já A Dým" e "Doky, Vlaky, Hlad A Boty". Disco bem gostoso de ouvir!

Blue Effect - Modry« efekt & Radim Hlad’k [a]
Modrý Efekt & Radim Hladík - Modrý Efekt & Radim Hladík [1975] [República Tcheca]
Por Ronaldo Rodrigues
Se alguém desabona o rock progressivo por ser uma música muito aérea e viajandona, precisa rever seus conceitos ao se oferecer para tomar um tapa na orelha do Modrý Efekt. Começaram com algum envolvimento com o jazz na República Tcheca (antiga Tchecoslováquia), país que era mais liberal que a média dos demais da Cortina de Ferro. Depois, foram migrando o som para se alinhar ao rock que ouviam clandestinamente do Ocidente. Com a presença de um guitarrista cheio de calibre como Radim Hladik (um herói local, que já era membro da banda desde o início, ainda que o título do disco sugira o contrário), a banda solta boas composições, com peso e vigor, interpretações cativantes e até algum apelo fusion. O disco é instrumental, mas isso deve-se a censura sofridas pelas letras. Contudo, de forma inteligente, a banda adaptou as partes vocais e substituiu-as por frases de guitarra, flauta ou teclados. O destaque fica com a formidável canção “Boty”, que abre essa pérola.
André: Uma das coisas que eu mais admiro em disco instrumental é quando o guitarrista faz o seu instrumento "cantar" aquilo que deveria ser o trabalho de um vocalista. Satriani sempre fez isso e aparentemente o mesmo era feito lá nos confins da República Tcheca. Vá ser feliz escutando "Boty", "Ztráty A Nálezy" e "Hypertenze".
Davi: Excelente álbum instrumental. O grupo fazia uma sonoridade mesclando elementos do hard rock com o rock progressivo. As influências passam por Yes, Uriah Heep, Pink Floyd e, mais nitidamente, Deep Purple. Os músicos são excelentes, mas o grande destaque fica por conta do ótimo trabalho de guitarra de Radim Hladik. Melhor disco da lista!
Diogo: Como eu já imaginava, o que não falta entre as recomendações são grupos progressivos. Ao menos esses tchecos têm uma pegada mais blues que os diferencia e torna a sonoridade mais atrativa, ao menos para mim. Não à toa, o destaque do grupo é o guitarrista Radim Hladík, que tem feeling de sobra e sola com sapiência. Nada imprevisível, considerando que ele dá nome à empreitada. Guardadas as devidas proporções, o cara é como o Steve Howe (Yes) da banda, só que com os holofotes especialmente voltados para ele. Interessante descobrir esses talentos pouco reconhecidos mundialmente. Mais interessante ainda seria conferir possíveis obras literárias a respeito das cenas progressivas de cada país do Leste Europeu, desde suas origens ao reconhecimento, décadas depois, permitido graças à internet.
Fernando: O que mais gostei dessa banda foi o protagonismo da guitarra nas principais passagens. No progressivo é normal as guitarras perderem um pouco a vez para os teclados. Alguns solos de flauta são bastante inusitados por serem totalmente caóticos. Som completamente instrumental, muitas passagens legais, mas em alguns momentos acaba dispersando o interesse, principalmente se você estiver fazendo qualquer outra coisa ao mesmo tempo.
Mairon: Outro álbum que figura na minha playlist há algum tempo. A guitarra de Radim Hladík é uma flor de maracujá roxo envolvida por lindas paisagens esverdeantes criadas pelo Modrý Efekt, em um álbum clássico dos anso 70, que mistura hard rock com o progressivo soberanamente. Todas as canções são instrumentais e destacam-se em absoluto, sendo impossível não se encantar pelas lindas passagens de steel guitar e flauta em "Boty", o estilo quase Focus de "Ztráty A Nálezy", bem como a quebradeira de "Skládanka", trazendo uma flauta trafficaniana para ninguém botar defeito. O melhor momento fica por conta do fusion experimental da estonteante "Hypertenze"m onde o saxofone de Jiří Stivín e o piano elétrico de Martin Kratochvíl travam um duelo de tirar o fôlego com a guitarra de Radim por mais de doze minutos, conduzidos pela cozinha precisa de Josef Kůstka e Vlado Čech. Como os anos 70 foram inspirados. E tem gente que acha que hoje em dia se faz música boa e criativa. Ah, vão catar coquinho...
Marco: Não conheço disco ruim do Blue Efect / Modry Efekt / M. Efekt. Os grupos checos para mim eram tops, melhores que os húngaros e poloneses.  É um país que venerava Frank Zappa (tem até estátua dele por lá), daí podemos entender de onde vem a inspiração para a sonoridade da maioria das bandas.
Ulisses: Guitarra vibrante na cara e uma banda entrosada trazendo jazz rock do bom. "Boty" e "Hypertenze" são as jóias épicas do registro, enquanto que "Čajovna" apresenta uma guitarra linda e emotiva. As outras duas faixas também não ficam muito atrás. Não sou lá grande apreciador de jazz, mas gostei deste álbum.

Aspid
Аспид - Кровоизлияние [1992] [Rússia]
Por Ulisses Macedo
Apesar de formados em 1988, o quarteto Аспид (ou Aspid) só pôde mostrar ao mundo sua obra quatro anos depois, quando a Cortina de Ferro já havia caído. Os caras trazem um thrash metal bem técnico e progressivo, soando como uma mistura de Artillery, Coroner e Destruction. A competência instrumental é notável, e o canto no idioma nativo torna o som ainda mais cavalo. A fluidez de execução das mudanças de andamento e a criatividade das composições mantém a atenção do ouvinte até o fim, com destaques para "К цели одной", "Там где ночь" e a faixa-título. Mas fiquem ligados: a versão da Sitgmartyr Records de 2007 (Aspid - Extravasation), com os títulos em inglês, traz tom e velocidade diferentes. Melhor ficar com a original ou com a remasterização da Metal Race.
André: Me impressionei com a técnica e mesmo umas intervenções de teclado/sintetizador que apareceram logo na introdução e em alguns momentos durante o disco. E isso logo na Rússia? E logo em 1992? O Death - praticamente um pioneiro nessa mistura de técnica com algo mais pesado e extremo - estava ainda começando a caminhar nesse sentido. Facilmente o melhor disco de thrash que eu ouvi nesses últimos 5 anos. Para quem gosta, pode ouvir no talo.
Davi: Banda de thrash metal da Rússia. Misturam momentos mais velozes com momentos mais cadenciados. Possui uma sonoridade bem oitentista. Influências de Sodom, Kreator e Destruction são sentidas em todo o álbum. Os músicos são muito bons, os riffs de guitarra são bem legais, mas o trabalho vocal poderia ser um pouco melhor, assim como a qualidade de gravação do disco. De todo modo, interessante.
Diogo: Grandíssima surpresa esse grupo russo com seu thrash metal técnico e envolvente. A estirpe é legitimamente europeia, mas não espere algo tão na linha dos alemães Kreator, Sodom e Destruction, pois a associação mais evidente é com os suíços do Coroner. Músicos ótimos como os do Аспид me fazem cada vez mais crer que o problema nos países do Leste Europeu nunca foi a competência dos artistas, mas sim os regimes fechados e repressores que impediam que formações assim florescessem e dessem frutos. O baixista Valdimir Pyzhenkov chamou especialmente minha atenção, não devendo nadica de nada em relação aos grandes instrumentistas do gênero egressos dos Estados Unidos. O vocalista Vitaliy Holopov é outro destaque, soando na linha de Kelly Shaefer, do Atheist. Inclusive, os vocais em russo casam muito bem com o instrumental. Discão pra guardar e ouvir muitas vezes.
Fernando: Se alguns consideram que se você cantar em português, por exemplo, significa que você abriu mão de uma possível carreira internacional, imagine se sua banda tem um nome que ninguém consegue ao menos ler. Pelo que eu percebi Аспид significa aspid, ou áspide em português que é uma espécie de víbora. Pronto! Está aí o que mais de interessante eu consegui passar sobre a banda. Não gostei muito do thrash metal do grupo, que tem uma abordagem parecida com o Atheist, cheio de mudança de andamento, velocidade e muita técnica. Mas não me apeteceu.
Mairon: A banda se chama Aspia, e o nome do álbum significa hemorragia. Portanto, só podíamos ter metal por trás disso, e é um thrash metal cru, mal gravado por um jovem quarteto russo, que diferencia-se dos grupos americanos apenas pelo vocal cantado em russo. O baterista é muito fraco, me desculpem. Por mais que as canções lembrem um pouco o Metallica da fase inicial, principalmente pelo estilo de cantar do vocalista, e apesar de apreciar uma que outra canção, como "Дай мне (Пьеса для балета)", da linda instrumental que é a faixa-título, e da belíssima introdução de "Там, где ночь", foi um disco que passou sem deixar muitas marcas na memória. Essas três realmente foram as que mais gostei. Nota 3 em 5, tá bom?
Marco: Não conhecia. Não é a minha praia. Não tenho boas experiências com thrash. Mas que legal esse disco. Banda muito criativa, som de muita personalidade. O vocal, como sempre, é típico do saneamento básico... atrai moscas, mas quem liga pra isso? Uma ótima surpresa!
Ronaldo: Tem horas que é até difícil entender o que está acontecendo com este som extremamente pesado, rápido e furioso. E arrisco apostar alguma grana com alguém que se digne a pronunciar corretamente o nome desse disco. Contudo, dá um ânimo perceber que existem bons riffs no miolo disso tudo e algumas influências sinfônicas bem encaixadas. Não saberia destacar em qual vertente de heavy metal este som se encaixa, mas tem uma boa qualidade de gravação e um trabalho de bateria primoroso (exagerado, porém primoroso).
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