segunda-feira, 28 de abril de 2014

War Room: The Last Day - The Last Day [1972]



Por Mairon Machado
Convidados: Adriano "Groucho" KCarão e Marco Gaspari

O War Room desse mês é dedicado ao leitor Elardenberg, que nos indicou o álbum The Last Day, do grupo de mesmo nome, durante a matéria sobre os Melhores de Todos os Tempos do ano de 1972. Adriano KCarão, Marco Gaspari e Mairon Machado, conhecidos por admirar bandas um tanto obscuras, toparam conhecer o grupo ao mesmo tempo. Vamos para as opiniões do trio sobre o álbum dessa desconhecida banda de rock cristão dos anos 70.

1. God's Nature

Adriano: Ouvindo já.

Mairon: Soltei o play.

Marco: O Adriano com sua conexão movida a carro de boi.

Adriano: Legalzinho esse sax.

Mairon: Procurei nomes dos integrantes, historia do grupo ou qualquer outro fato mais importante relacionado a essa obra, mas não encontrei nada, somente o arquivo que o Elardenberg nos passou.

Adriano: Melhor assim. É legal experienciar obras de arte sem nenhuma informação prévia. A única informação prévia que considero essencial é: NÃO EH METÁU!!

Marco: Não nega que é americana... e vão pro céu, porque é bem legal essa primeira música.

Adriano: Eu tô bebendo cerveja enquanto escuto. É pecado?

Mairon: Eu to bebendo uisque, acho que também posso estar pecando.

Marco: Alguém sabe o ano?

Adriano: 72, não?

Mairon: Sim, 1972. Gostei desse início. Vocalizações suaves, uma boa guitarra e com certeza, o saxofone se destacando.

Adriano: Só o Elardenberg sabe as informações. Acho que é a banda dele.

Mairon: Pior que pelo que consta, nem ele sabe mais nada além do link.

Marco: Meio atrasado o som... pensei que fosse antes de 70.

Adriano: É muito jazz. Jazz pop.

Mairon: Não encontrei nada de progressivo até agora, mas é bom de ouvir. A letra pelo jeito é muito evangélica, mas não vou me deter nisso.

Marco: Sax'n'jazz'pop&roll, segundo o progarchive.

Mairon: O site nos passado indica: Classic Rock/Folk Rock.

Adriano: Curti as vocalizações. Melhor do que quando o rapaz canta sozinho. Eu não levo a sério a minha própria opinião quando escuto algo pela primeira vez, então também não levem, leitores.

2. I Hear The Lord

Mairon: Oh, uma moça cantando. Essa já é mais folk. Me lembra Joan Baez.

Adriano: Opa, essa vai ser power pop??

Mairon: De novo o saxofone se destacando.

Adriano: Só sei que é boa! Essa eu tô curtindo mais. Violãozinho, uns tímpanos meio deslocados, mas esse vocal e o sax.

Mairon: Creio que o único pecado é a letra evangélica, pois o som é bom.

Adriano: "I want you, I need you, I love you" haha.

Marco: Putz. Joan Baez? Forçou agora... incrível como tinha banda boa e desconhecida...

Mairon: Isso é verdade Marco.

Adriano: Acho meio tosco essas coisas de letra romântica que a galera transplanta pra letras evangélicas. Mas o próprio termo rock 'n' roll tem origem evangélica e foi transplantado pro rock "pagão", então tá perdoado. Em nome do Senhor!

Marco: Mas insisto que esse disco tem cara de anos 60.

3. Cloud Of Glory

Mairon: Oh, Lynyrd Skynyrd com saxofone. Muito bom.

Adriano: Não fosse o sax, eu ia pensar que era Lynyrd Skynyrd agora.

Mairon: Bah, mudou tudo, que misturança. Esse saxofone está fazendo misérias.

Adriano: Opa, mudou haha!

Mairon: Eu acho que tem uma cara flower-power mesmo.

Adriano: Mas é bem soft, bem pop, bem fresco. haha.

Mairon: Olha só que vocalizações.

Marco: Acho normal o sax. Melódico e safadinho, como todo padre mal intencionado.

Adriano: Hahaha!

Mairon: Ahuahuahauhauauau!

Adriano: Tá parecendo o Sly & the Family Stone.

Mairon: Não, o Sly era do coisa-ruim.

Marco: Se entender as letras estraga.

Adriano: Eu escuto Catedral, com seus hits "Chame a Deus", "Bendize Ó Minh'Alma" e tô achando tudo lindo. Não sei por que o Mairon se incomoda com as letras. Logo ele que escuta tanto Yes!

Mairon: Imaginem ir para uma igreja e ouvir esse lindo solo de guitarra.

Marco: Gostoso esse solinho. Elardenberg vai pro céu.

Mairon: As letras do Yes são ótimas. Essas letras evangélicas não combinam com o meu pensamento, me desculpem.

Adriano: Cara, isso é Lynyrd Skynyrd convertido pelo pastor Sly Stone.

Marco: Também pode ser o Grateful dead de 71/72, com outros vocais.

Adriano: Pow, Mairão, vc não curte nem os Byrds cantando "I like the christian life"?

Mairon: Não curto Byrds.

4. Come On Home

Mairon: Essa é mais flower-power impossível.

Adriano: Voz e violão.

Marco: Muito bom... muito bom... muito bom... acho que vou gastar os muito bom aqui pra não ter que ficar me repetindo.

Adriano: A cerveja acabou aqui. Mas Deus proverá!

Mairon: Essa levadinha acústica, e esse vocal feminino com o masculino, são belíssimos. Estou sendo levado pelos braços do Senhor ouvindo esse álbum. Grata surpresa. Muitas variações.

Adriano: Indo pegar mais cerveja.

Mairon: O Elardenberg não irá gostar , aheaheoiea

Marco: Eu quero que progressivo se foda. Pau na bunda do Magma. Vou me converter.

Mairon: Cara, esse saxofonista é o David Jackson cristão.

Marco: Muita maconha na casa do senhor.

Adriano: Hahaha! Gente, sério, tô achando o disco legal, mas por enquanto nada impressionante. Bom mermo são as banda gospel brasileira.

Mairon: As bandas gospel americanas são excelentes. Aquele filme, Matadores de Velhinha, tem uma trilha sonora foderosa.

Marco: Eu gosto... quero que você se dane, Adriano.

Adriano: De que adianta ir à missa se você manda seu colega consultor se danar?

Mairon: Eu estou gostando também. Bom de ouvir em um dia como hoje, chuvoso

Adriano: Aqui não tá chovendo. Quer dizer, tá chovendo graças do Senhor

5. Saxiano

Mairon: Uma balada com piano. Acho que o disco caiu um pouco seu nível nesse momento. O início foi muito bom, mas agora começa a ficar meio maçante. O nome representa bem o que é a canção, apenas sax e piano, nada de mais. Bonito até, pensei errado no seu início.

Adriano: Hahaha!

6. What Ya Gonna Do


Mairon: Boas vocalizações, mas o que se destaca mesmo é o saxofone, não dá para negar.

Adriano: Bem, depois da "Saxiano", o sax entra arrasando corações. Parece música de comercial! Esses caras estavam à frente de seu tempo. Isso é a cara da música genérica dos anos 90.

Mairon: Será que são dois saxofonistas?

Adriano: Parecem ser 2 sax, sim.

Marco: O cara do saxofone comprou o sax por aqueles dias. Só ele quer tocar.

Mairon: Esse som da bateria para mim é algo que me encanto totalmente. Olha a virada da canção. Agora sim, as vocalizações tem força.

Adriano: São dois sax. Resta saber se são dois saxofonistas ou se é um aloprado, como o Ara Tokatlián do Arco Iris.

Mairon: Belo disco Adriano, aliás.

Adriano: Hahaha! Verdade! Mas se fosse guitarra ninguém tava estranhando.

Mairon: Mas com o saxofone ficou muito bom e diferente.

Adriano: O Gaspari tem algo contra sax presente. Três sessões de análise e eu descubro por que ele odeia Supertramp!

Marco: Nada contra, Adriano, não precisa ofender citando o Supertramp.

Mairon: É que o Marco gosta só do David Jackson. Nem o Coltrane é um bom saxofonista para ele.

Adriano: Mas ele ama o Van der Graaf Generator. É amor e ódio!

Mairon: Essa baladinha não agradou.

Adriano: Cara, é sério. É comercial de quê? Maio é o mês das noivas e tal...

Marco: Como toda missa, não vejo a hora em que acaba... vamos lá, Aleluia...

Mairon: O álbum começou muito bem, mas caiu bastante nesse que suponho seja o Lado B

7. Sittin On A Thought

Mairon: Outra baladinha.

Adriano: Já passou a hora das ofertas.. Já pegaram o dinheiro, tão se lixando pra qualidade..

Marco: Não tem esta mýusica aqui...

Adriano: "mýusica" O Gaspari tá falando kobaïan.

Mairon: Opa! Sério?

Marco: Achei... tava se confessando. Já voltou.

Mairon: Heuaheuaheuhueae. Acho que vamos perder um leitor depois dessa.

Marco: Esqueceu que tô sem dedo?

Adriano: Cara, eu repito: não levem a sério meus comentários em uma primeira audição. Eu só iria elogiar o disco se ele fosse MUITO MUITO diferente de tudo o que eu já ouvi.

Marco: Esse disco podia acabar na quinta música. seria perfeito. Top 10 pra se levar no bazar da paróquia.

Adriano: Tô só ouvindo e dizendo com que eu acho parecido.

Mairon: Decepcionante esse Lado B. Ainda mais depois do ótimo início.

Adriano: O início não me agradou tanto, mas era bem diferenciado. Agora tá muito genérico. Prefiro o Pe. Fábio de Melo.

Marco: Que raio de comentário é esse, Adriano?

Adriano: Qual, Marco?

Marco: Diferenciado, genérico...

Mairon: Eu prefiro a Mara Maravilha

Marco: Mãe, falta muito? tô apertado!

8. One In The Spirit

Adriano: Opa!

Mairon: Finalmente, voltou a pegada do início.

Adriano: Ei, essa eu gostei! hahaha. Parece o quê? Me lembra algo..

Mairon: Lembra The Band.

Adriano: "It's the time of the season for loving..." ... The Zombies

Mairon: Também.

Adriano: Enfim, é bem peculiar. Interessante. A construção em cima dos violões ficou bacana. A alternância entre vocal masculino e feminino também. Preciso falar do sax? Haha! A bateria já tava enchendo o saco.

Mairon: Disse tudo Adriano.

Adriano: Opa! Mudaram. Já era tempo, de fato.. Sou o cara do sax. hahaha

Marco: Boa!

Adriano: Olha isso!

Marco: Só o Adriano quer comentar... tô ficando acuado aqui

Adriano: Sax e violão fazendo dueto em riff de encerramento. Essa banda sabia inovar de vez em quando!

Mairon: O problema é que não me identifico com a letra, e acho que isso está comprometendo a audição.

Adriano: Pow, Mairão. É hora de aceitar Jesus, cara! Jesus te ama, e o Marco também!

Mairon: Eu amo o Marco, mas não consigo me simpatizar com Jesus, O Senhor!

Adriano: Eu nunca tive problema com letras cristãs. Quando digo que sou fã de Catedral e Oficina G3, todo mundo pensa que é onda, mas é sério.

Mairon: Catedral é a banda aquela que o vocalista imita o Renato Russo?

Adriano: Mas Catedral >>> Legião Urbana (PEDRAS, MICAEL!!!)

Marco: Vocês falam muito, eu não consigo escutar a música.

9. Heaven In Your Heart

Mairon: Mais uma balada, essa bem folk.

Adriano: O vocal dessa moça no fundo fica interessante. O vocal do rapaz em primeiro plano nem tanto.

Mairon: Essa não tem saxofone, vocês perceberam?

Adriano: O saxofonista deve tá rezando ajoelhado no milho. Pecado da Soberba. Ou então foi comungar.

Marco: Tô achando decepcionante esse lado 2... vou prum centro espírita.

Mairon: Eu também Marco. Viram a capa do LP? Muito "bonita". Parece que foi meu enteado que pintou.

Adriano: Vi não!

Marco: Já comi.

Adriano: Já comeu quem?

Marco: A Soberba. Um pecado!

Adriano: Essa capa é um cenário da She-Ra? Tem que encontrar aquele bichinho?

10. Joyful Noise

Mairon: Para quem gosta de Jorbe Ben, esse início é perfeito!

Adriano: Haha. O saxofonista voltou.

Mairon: Mas já mudou. Essas inclusões de Jesus para lá, jesus para cá, não me agrada. Os saxofonistas mandando ver.

Marco: Sei lá Mairon, acho bom você não publicar esse War Room...

Mairon: Claro que vou, somos homens para assumir nossas opiniões.

Marco: Que opinião? Paramos na quinta música. O resto foi o Adriano pregando.

Mairon: UAHOEHOAIHEOAIHEO. Os discos gospel do Bob Dylan são melhores que esse!

Adriano: Cara, eu acho legal a construção sobre bases do violão

Marco: Faltou força no martelo.

Mairon: Taí Marco, uma guitarrinha para encerrar o álbum com estilo.

Adriano: Opa! Tem um guitarrista, galera! É o George Benson?

Marco: Hehe... parece.

Mairon: Lembra bastante.

Adriano: Esses violões não lembram o Arco Iris, Mairão? Com bem menos qualidade, claro, por que Arco Iris > Jesus

Mairon: Não, Arco Iris é melhor.

Adriano: Próximo war room vai ser com Catedral.

Mairon: O Marco escolhe o próximo.


Considerações Finais

Mairon: Gostei muito do início do disco, mas depois, as baladas diminuiram bastante o tesão que o álbum havia provocado.

Marco: Mi consi fin é q gos d dis pe meta .

Mairon: GENIAL MARCO!

Adriano: Caralho, o Marco perdeu todos os dedos???

Mairon: E tam gos d dis pe meta, a pri meta.

Marco: Adriano, vou ter que contar a piada?

Mairon: Adriano, não peça isso, por favor

Adriano: E n gos d dis, M gos d Elard.

Mairon: E tam gos do Elard.

Adriano: Desculpem, eu estava distraído. Colocando pra ouvir "Where Is Yesterday" do United States of America, faixa que começa parecendo uma missa

Mairon: Esperava bem mais do álbum, mas agora entendo por que ele é tão raro.

Marco: Bom, o disco lembra um monte de coisas bacanas que eu não consigo lembrar. Depois cansou. E muito. Vou cumprimentar só o lado A do Elardemberg.

Mairon: Não é algo que eu vá ouvir diariamente, mas não posso negar que o lado A é muito bom.

Adriano: Falando sério - o quanto a cerveja permitir -, a princípio só não gostei de o disco ser bem soft, bem pop. Depois ele ficou meio qualquer coisa, mas a banda surpreende às vezes. Sei lá, esses anos de 68 a 75 oferecem tantas coisas maravilhosas, que é meio apelação comentar esse disco assim principalmente se for o Tago Mago. Programem-se.

Marco: É isso aí... agradeço a oportunidade de me reunir com tão nobres companheiros, mas a mulher me chama...

Adriano: Até o próximo culto. Paz do Senhor, irmãos!

Mairon: Valeu meus caros, até a próxima. Em nome do senhor Steve Howe e da deusa David Bowie.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Maravilhas do Mundo Prog: O Terço - Solaris [1976]


Depois de ter conquistado seu espaço como um dos principais nomes do rock nacional, o quarteto O Terço recebia a difícil tarefa de manter-se no topo. Com a concorrência acirrada do Mutantes de Sérgio Dias, Flávio Venturini (vocais, teclados), Sérgio Hinds (guitarra, vocais), Luiz Moreno (bateria, percussão, vocais) e Sérgio Magrão (baixo, vocais) precisavam ir além das inspirações britânicas, e a solução foi voltar às raízes do grupo, ou seja, adicionar as culturas nacionais ao rock 'n' roll setentistas.

As explorações de "Amanhecer Total" e "1974" eram perfeitas, e eram o caminho honesto, mas como todo grande empreendimento, audácia foi empregada pelo quarteto, e assim, em 1976, o grupo trancou-se em um sítio no interior de São Paulo, localizado no km 48 da BR 116, para gravar e compor as novas canções. O local foi apelidado de Casa Encantada, devido a alta energia emanada por lá, e foi esse apelido que batizou o quarto álbum do quarteto, mais um clássico do rock nacional.

Anúncio do lançamento de
Casa Encantada na revista Pop, em 1976
Nele, temos de tudo um pouco. Logo no início, surpreendem cantando em espanhol o sucesso "Flor de la Noche",  tendo a participação do percussionista Zé Eduardo e vocais de Moreno, em um belíssimo jazz rock que é seguido pelo rock empolgado de "Luz das Velas", também cantado por Moreno e recheado com naipe de metais comandado por Rogério Duprat.

"Guitarras" lembra canções da Mahavishnu Orchestra, com Hinds demolindo o instrumento que dá nome à canção, mas surpreendendo com a inclusão de instrumentos típicos do samba, no caso o agogô e a cuíca, ambos tocados por Zé Eduardo, e que assaltam a canção entre as viajantes escalas do moog e da guitarra, em um daqueles momentos mágicos que a história da música fornece aos seus apreciadores.

Os violões e as vozes de "Foi Quando Eu Vi Aquela Lua Passar" parecem ter saído dos álbuns do Secos & Molhados, mostrando a versatilidade que o quarteto gerou na Casa Encantada, e temos novamente o maestro Duprat na linda "Sentinela do Abismo", com destaque para a introdução medieval de Venturini ao piano e flautas tocadas por César de Mercês, ex-músico do O Terço. "Flor de La Noche II" encerra o lado A com a letra em português de "Flor de La Noche", em um ritmo bluesy.

A clássica faixa-título abre o lado B, e assim como "Criaturas da Noite", essa canção ficou marcada entre os fãs do O Terço principalmente pelo emocionante arranjo vocal construído por Venturini e Luiz Carlos Sá. Mercês participa na canção executando um animado solo de flauta, e a partir de então, O Terço desbanca de vez para o progressivo, com "Cabala", um épico construído por Venturini junto com Zé Geraldo - que também trabalhou nas orquestrações e tocou violão na mesma  - cheia de quebradas indecifráveis, os sintetizadores enigmáticos e sua letra citando bruxas, rituais e magia, chegando na Maravilhosa "Solaris".

Capa dupla interna de Casa Encantada

Essa curta faixa instrumental "Solaris", composta por Luiz Moreno, tem uma potência delirante mais forte que qualquer coquetel de LSD com cogumelos. Venturini surge dedilhando o piano acompanhado por leves acordes de violão, deixando o piano comandar os acordes que "aquecem" a canção com os solos individuais de moog e guitarra, feitos ao mesmo tempo.

A bateria de Moreno surge timidamente entre os solos, retornando ao dedilhado do piano e aos acordes de violão, agora com leves batidas nos pratos, para Magrão socar seu baixo e começar uma insana sessão na qual o moog nos leva por horizontes infinitos de galáxias desconhecidas, com a bateria de Moreno sendo o motor da nave que atravessa as estrelas, constelações, planetas e nebulosas em uma viagem assustadora.

Repentinamente, o piano surge dedilhando novamente, e acompanhado do moog, encerra a canção com um majestoso solo, mas o suficiente para deixar seu queixo caído pela sala.

Flávio Venturini, Luiz Moreno, Sérgio Hinds e Sérgio Magrão

"O Vôo da Fênix" é outra canção famosa deste álbum, mesclando novamente elementos do samba com o progressivo britânico e com um refrão tão conhecido como o número de dedos do Ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva principalmente pela parte percurssiva de Zé Eduardo. Uma homenagem aos amigos Sá e Guarabyra encerra o álbum, com o velho folk rock dos tempos de O Têrço, em "Pássaro", outro grande sucesso do O Terço, contando com a participação de  Venturini no acordeão.

Após o lançamento de Casa Encantada, O Terço participou do do programa global Sábado Som. A banda fez uma média de 400 concertos entre os anos de 1975-1976, lotando teatros e eventos. Além dos festivais citados acima, vale a pena lembrar da homenagem que fizeram para os Beatles, junto com os Mutantes, em 1976.

Dois momentos do O Terço em 1976:
Sérgio Magrão,  Luiz Moreno, César de Mercês e Sérgio Hinds  (à esquerda);
Sérgio Hinds, Flávio Venturini, Sérgio Magrão e Luiz Moreno (à direita)

Novas músicas começavam a surgir, como "Raposa Velha" e "Suíte". Porém, Venturini decidiu sair e tentar a sorte ao lado de Beto Guedes. Mercês retornou definitivamente e junto com ele apresenta o novo tecladista, Sérgio Kaffa, que trabalhou muito na gravação do compacto "Amigos"/"Barco de Pedra" e também do álbum Mudança de Tempo, lançado em 1978.

Contendo músicas instrumentais e belos arranjos, esse disco completa uma trilogia essencial em qualquer armário de colecionador, destacando "Terças e Quintas", que lembra bastante as canções progressivas de bandas como Gentle Giant e PFM, com bastante marcações e viradas, "Mudança de Tempo", com dois temas e momentos muito distintos, e a jazzística "Descolada".
É neste álbum que surge o logotipo que caracterizaria a banda nos anos oitenta e noventa, e que foi criado por Guernot. A capa do álbum também teve duas versões, assim como Criaturas da Noite; uma com o logotipo sobre um fundo azul, e outra com o grupo olhando por uma janela, sendo que a primeira é muito rara.

As duas capas de Mudança de Tempo

Na divulgação de Mudança de Tempo, O Terço fez os seus primeiros shows internacionais, no chamado Concerto Latinoamericano de Rock. Foram três no Brasil (São Paulo, Campinas e Belo Horizonte) e dois na Argentina (em Buenos Aires, no Luna Park e em Rosário), sempre acompanhados pela banda Crucis, que iria ganhar uma homenagem no futuro álbum do O Terço, chamado Time Travellers (1993), com a faixa "Crucis".

Problemas com a gravadora e também a sensível mudança na sonoridade acabaram abalando as estruturas da banda, bem como o grave acidente de Hinds, que o impossibilitou de continuar a tocar por um bom tempo, sendo substituído para completar a turnê de divulgação do álbum por Ivo de Carvalho. Ao fim da turnê, ainda em 1978, O Terço anunciava seu término. Luiz Moreno montou a banda Original Orquestra e participou do álbum de Elis Regina Ao Vivo, de 1979. Sérgio Magrão fundou, ao lado de Flávio Venturini, Cláudio Venturini, Vermelho e Hely Rodrigues, o famoso conjunto 14 Bis, enquanto Hinds lançou seu primeiro álbum solo.

Anúncio do lançamento de Mudança de Tempo, na revista Pop

O Terço retornou em 1982, com Hinds, Ruriá Duprat (teclados), Zé Português (baixo) e Franklin Paolillo (bateria), lançando Som Mais Puro, com destaque para a faixa "Suíte", dos tempos de Venturini. O grupo seguiu com diversas mudanças de formação, lançando material regularmente e chegando a fazer os shows de abertura do Asia e do Marillion quando os mesmos passaram por aqui. Depois de Som Mais Puro, foram lançados O Terço (1990), o já citado Time Travellers (1993), Compositores (1996), Spiral Words (1998) e Tributo a Raul Seixas (1999), além do ao vivo Live at Palace (1994). 

Em 2001, A formação clássica - Sérgio, Venturini, Mercês, Magrão e Moreno - se reuniu para participar de um show de Venturini. Foi o pontapé inicial para uma reunião, que começou a tomar forma rapidamente. Porém, devido a uma parada cardíaca, Moreno veio a falecer em 2003, adiando o retorno por mais algum tempo.

Sérgio Hinds, Sérgio Mello, Sérgio Magrão e Flávio Venturini, em 2012

Em 2005 O Terço voltou a ativa com Hinds, Venturini, Magrão e Sérgio Mello substituindo Moreno, feito registrado no CD/DVD Ao Vivo, onde o grupo tocou, entre outras, "1974", "Tributo ao Sorriso" e "Criaturas da Noite", e também teve a participação especial do talentoso Marcus Vianna (Saecula Saeculorum, Sagrado Coração da Terra). Venturini retornou para sua carreira solo, mas O Terço continua fazendo shows, tendo a presença certa da Maravilha "1974", e por muitas vezes, a apresentação de "Solaris", comprovando o valor dessas duas Maravilhas criadas em terras brasilis. 

terça-feira, 22 de abril de 2014

Review Exclusivo: Coca-Cola Vibesound (São Borja, 20 de abril de 2014)




São Borja é uma cidade localizada na fronteira entre o Rio Grande do Sul e a Argentina, com pouco mais de 60 mil habitantes e de fundamental importância histórica para o Brasil. Afinal, em sua "terra vermelha" foram dados os primeiros passos de dois importantes presidentes brasileiros: Getúlio Vargas e João Goulart. Ainda na política, nomes ilustres como o atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro e o ex-senador Ibsen Pinheiro também são são-borjenses, e o ex-governador do Rio de Janeiro Leonel Brizola está enterrado na cidade. São Borja também foi a primeira cidade do Rio Grande do Sul, fundada em 1682 pelos padres jesuítas, caracterizando o primeiro dos Sete Povos das Missões, período de grande efervescência cultural, na qual índios, espanhóis e portugueses viviam em harmonia, empregando a inteligência e o saber para o bem do coletivo.

Um cidade com uma rica história cultural, quase desconhecida no resto do país, colocou seu primeiro pé na história do rock no último domingo de Páscoa, através da realização do festival Coca-Cola Vibesound. O mesmo já ocorre há algum tempo em várias cidades do país, levando sempre bandas que fizeram sucesso em um passado recente, e chegou pela primeira vez a Capital do Linho (forma como São Borja também foi conhecida). 

Como eventos de tal porte na cidade são raros, não pude deixar de conferir, apesar do cast ser pouco atrativo. Porém, dentro desse cast tinha um nome de peso, e ele foi o responsável por investir os quarenta mangos e me prestar a aguentar os demais artistas programados para um espetáculo que prometia dez horas de muito som e divertimento. Esse nome era Raimundos.

O grupo brasiliense está promovendo seu último álbum, Cantiga de Roda, e certamente, foi o responsável por levar mais de quatro mil jovens (uns nem tanto assim) para lotar o Parque de Exposições da cidade. 

Antes da apresentação dos Raimundos, rolou quatro shows: Abriram Maskavo (que eu não assisti) e o "cantor" Rodrigo Ferrari, que tocava exatamente na hora que cheguei ao local, e que fez eu descobrir que era possível sair e voltar a vontade, e prontamente, sai para comprar umas cervejas, as quais fiquei saboreando no estacionamento do parque de exposições enquanto ouvia a terrível apresentação desse artista.

Rodrigo Ferrari

Depois veio a ex-cantora Luka, afastada dos holofotes há anos, e que tentou animar a gurizada com covers para Cindy Lauper, Shakira e Adele, que soaram intragáveis. Desafinada, Luka me fez pensar que da sua época, ninguém daqueles grupos de "Um Sucesso Só" conseguiram se firmar, com exceção do Los Hermanos, que mudou sua sonoridade apelativa em "Anna Julia" para se tornar a maior banda brasileira da década passada. Quando a cantora cantou seu único sucesso, "Tô Nem Aí", foi a primeira vez que o Parque levantou, mas não o suficiente para agradar. Ouvi Luka enquanto derrubava algumas Polares (cerveja tradicional no Rio Grande do Sul), e então veio a quarta apresentação.

O movimento foi intenso para ver os gaúchos do Reação em Cadeia. Meninas entre 16 e 18 anos juntaram-se a moças de quase 30 para melarem calcinhas e derreterem-se em lágrimas com sucessos radiofônicos que marcaram a minha adolescência, dentre elas "Me Odeie", "Letargia", "Minha Vida" entre outros. O Reação em Cadeia sempre rolava nas festas que eu ia em Pedro Osório, e nunca me agradou. Na quarta canção, sai novamente do local e fui comprar mais cerveja para beber no estacionamento, mas não posso evitar de dizer que apesar de não gostar da música, o quarteto toca muito bem seus instrumentos, e ainda carrega uma fama que parece não ter morrido no passado, como foi com Luka. 

Reação em Cadeia

A segunda saída foi mais demorada, já que o trânsito aumentou assim como a expectativa para o show dos Raimundos, a próxima atração. Cheguei ao Parque e nem consegui beber a cerveja que havia comprado, já que os alto-falantes já anunciavam a principal banda da noite.

O quarteto Digão (guitarra, vocais), Canisso (baixo, vocais), Caio Cunha (bateria, vocais) e Marquinhos (guitarra, vocais) entrou detonando duas canções do novo álbum, "Cachorrinha" e "BOP", e a partir de então, começou a desfilar seus grandes clássicos, começando com "Mulher de Fases" (levantando a poeira do local), "Pitando no Kombão", "Me Lambe", "A Mais Pedida", "I Saw You Saying (That You Say That You Saw)", "O Pão da Minha Prima", "Palhas do Coqueiro", "Eu Quero É Ver o Oco", "Esporrei Na Manivela", "Deixa Eu Falar", junto de canções do Cantiga de Roda. Ainda teve a cover de "Será" (Legião Urbana") e muitas risadas de um grupo animado e parecendo realmente estar feliz pelo que estavam fazendo, ao invés de outros que fazem uma interpretação burocrática, recebem seu dinheiro e vão embora sem nem dar importância aos fãs. 

Raimundos em São Borja

O som pesado e altíssimo das caixas de som fez o chão tremer, e pouco a pouco, os jovens começaram a se soltar, formando rodas punk que pareciam liberar anos de trancamento de uma geração acostumada a ouvir seus ídolos apenas nos computadores, através dos MP3 e youtubes da vida, mas que agora tinham a oportunidade única de ver um show de tamanho porte diante de seus olhos. Eu mesmo, que não sou grande fã dos brasilienses, dei minhas quebradas de pescoço e agitei bastante, principalmente naquelas canções mais consagradas. 

Vale ressaltar a profissionalidade do grupo. Depois de tocaram para milhares de pessoas Brasil a fora, o grupo fez um show impecável. Digão não deixa em nada sentirmos saudades de Rodolfo (primeiro vocalista e imagem marcante na formação do Raimundos), cantando e tocando muito bem, assim como Marquinhos sola como um animal, e Caio certamente poderia estar tocando em uma banda de Thrash Metal que não iria fazer feio. Canisso, o mais tímido dos quatro, toca e canta com habilidade, e no seu canto, faz as bases pesadas que sacodem as caixas de som. 

Em uma hora e meia de apresentação, os Raimundos detonaram, mostrando estar em excelente forma, e ainda tiveram a alegria de ver que alguns, no meio da multidão insana que assistia ao show, levantaram cartazes dizendo: "Eu apoiei o Cantiga de Roda" (leia a história sobre o álbum aqui). 

O Bis foi feito com "Boca de Lata" e "Puteiro em João Pessoa", já com a grade de separação entre a pista vip e a pista comum devidamente derrubada pelas diversas rodas punks que rolavam pelo local, fazendo a unidão dos mauricinhos e patricinhas que estavam ali para aparecerem nas redes sociais da cidade junto aos famintos roqueiros são-borjenses, que aguardaram ansiosamente para ver algo de tal intensidade, e assim o quarteto se despediu, deixando a marca de que pela primeira vez em sua história, São Borja pôde afirmar que uma grande banda de rock fez um espetáculo do tamanho de sua história.

Raimundos em São Borja (visão do palco)

Ainda houve a dupla Erlon e Marcos depois dos brasilienses, mas aí eu já estava em casa curtindo meu cansaço.

Já passaram pela cidade nomes consagrados da música nacional, como os "sertanojos" Paula Fernandes e Luan Santana ou até o pop rock de Jota Quest, mas foram os Raimundos, em um show impecável, que colocaram tudo abaixo, respeitando seus fãs e fazendo valer toda a espera de anos da gurizada, e por que não, da minha adolescência em uma cidade ainda menor que a Terra dos Presidentes.

Como um aluno meu disse ao final do show: "Isso foi um coice nos ouvidos!". 

Set list (em ordem alfabética)

A Mais Pedida
Andar na Pedra
Baculejo
Boca de Lata
BOP
Cachorrinha
Cera Quente
Cintura Fina
Deixa Eu Falar
Descendo na Banguela
Esporrei Na Manivela
Eu Quero É Ver o Oco
Gato da Rosinha
I Saw You Saying (That You Say That You Saw)
Me Lambe
Mulher de Fases
O Pão da Minha Prima
Palhas do Coqueiro
Pitando no Kombão
Puteiro em João Pessoa
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