quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Maravilhas do Mundo Prog: King Crimson - Red [1974]




Chegamos na última Maravilha Prog criada pelos ingleses do King Crimson. Depois de cinco Maravilhas em sequência ("Epitaph", "Pictures of a City", "Lizard", "Islands" e as duas partes de "Lark's Tongues in Aspic"), mais um perrengue aparecia para o guitarrista Robert Fripp. Dessa feita, ele via-se acompanhado apenas por John Wetton (baixo, vocais) e Bill Bruford (bateria, percussão). Brigas internas fizeram com que o violinista David Cross abandona-se a barca logo após o lançamento de Starless and Bible Black, um disco de menor valor dentro da carreira do grupo, e como uma cruz a ser carregada, a dúvida na sequência do trabalho pairou no ar novamente.

Porém, apesar de todos os problemas, a fama do grupo não parava de crescer. O último show de Cross com a banda foi no Central Park de Nova Iorque, e nos Estados Unidos, o grupo assinou um contrato de distribuição de seus álbuns com a gravadora Atlantic, além de antecipar um dinheiro extra para a gravação de um novo álbum.


Uma das últimas fotos com Cross: John Wetton, David Cross, Robert Fripp e Bill Bruford


Esse compromisso praticamente obrigou o trio a entrar nos estúdios, e Fripp não exitou em pedir ajuda para vários amigos, que auxiliaram no complemento daquele que se tornou o último álbum de estúdio do King Crimson nos anos 70.  

Fripp estava cada vez mais desiludido com o mundo da música, e agora, dedicava sua atenção para as escrituras místicas de George Gurdjieff, passando a viver quase como em um retiro espiritual, deixando para Bruford e Wetton a tarefa de comandar as sessões de gravação. Inesperadamente, quando as gravações acabaram e a mixagem estava pronta, dias antes do lançamento do mesmo álbum, Fripp veio a imprensa, em 24 de setembro de 1974, anunciar o encerramento das atividades do King Crimson. 

Bruford passou a integrar (temporariamente) o Gong, indo posteriormente parar no Genesis, enquanto que John Wetton substituiu Gary Thain no Uriah Heep, enquanto Fripp abandonou a música, mas antes, em 8 de outubro de 1974, Red, o derradeiro álbum do Crimson chegou às lojas.


Bill Bruford, Robert Fripp e John Wetton

A influência de Bruford e Wetton nas composições torna-se evidente nas duas principais faixas do Lado A do LP, que levam o nome do álbum. Uma delas é a Maravilhosa faixa de abertura, "Red", que é verdadeiramente uma obra-prima feita por um power-trio inconformado com o visível final da banda, e jogando seu suor com uma garra e raiva incomuns nas canções do Crimson, tanto que por conta dela, muitos acabam confundindo com uma banda de Heavy Metal em uma audição sem conhecimento de causa. 

A faixa-título é um petardo instrumental que surge com a guitarra fazendo um tema inicial, em um breve crescendo acompanhado pelo baixo, que imita as mesmas notas, mas carregado de distorção, enquanto Bruford detona seu kit em várias viradas. A partir de então, o baixo (sempre com distorção) e a bateria conduzem um andamento simples para Fripp criar o tema principal através de seus acordes, com muito peso sendo expelido por parte do trio. Destaca-se os bends de Wetton, a precisa marcação de Bruford e as belas mudanças de acordes de Fripp.


O tema central repete-se integralmente, e ao seu final, o andamento muda, com um crescendo dos acordes da guitarra levando ao viajante tema central, com Wetton usando um arco de violino para emitir as notas do baixo, imitando um violoncelo, enquanto a guitarra fica fazendo uma repetição de acordes que hipnotiza. O clima é de tensão e agonia, em uma espécie de filme de suspense, e o mesmo é quebrado pelo retorno do tema central, que repete-se por mais duas estrofes com Bruford novamente dando show nas suas viradas, encerrando essa Maravilhosa canção com a repetição do tema da introdução, após quase sete minutos de duração que mais parecem sete segundos tamanha sua influência dentro da mente do ouvinte.

Não à toa, "Red" tornou-se favorita dos fãs do grupo. Seu peso, sua simplicidade e principalmente, os acordes de guitarra misturados com os bends do baixo e as viradas da bateria. Tanto que depois que o grupo retornou as atividades, a canção esteve presente em quase todos os setlists dos shows da banda.

"Fallen Angel" segue o álbum sendo uma canção mais amena, trazendo na sua introdução uma gravação de improvisos por Jamie Muir e David Cross, além de Robin Miller no oboé e Mark Charig na corneta. Essa foi a última canção do Crimson a ter Fripp nos violões. "One More Red Nightmare" é a outra violenta faixa do Lado A, com a participação de Ian McDonald no saxofone, e responsável por encerrar os trabalhos.

John Wetton, Robert Fripp e Bill Bruford

No lado B estão os improvisos de "Providence", gravada ao vivo em na cidade de mesmo nome, no dia 30 de junho de 1974 e ainda com Cross no violino, e o álbum encerra com "Starless", a despedida do mellotron cercada de muita improvisação e uma interpretação vocal fabulosa de Wetton.

Em 1975 foi lançado o ao vivo USA, com a turnê de Starless and Bible Black sendo registrada em um belo álbum simples. Um longo hiato de cinco anos ocorre, e em 1980, Fripp retorna com o King Crimson, tendo na formação novamente Bill Bruford na bateria, e agora Tony Levin (baixo) e Adrian Belew (guitarra, vocais), criando uma nova etapa na carreira da banda, odiada por muitos, adorada por vários, e que lançou a trilogia Discipline (1981), Beat  (1982) e Three of a Perfect Pair (1984).

Bill Bruford, Adrian Belew, Robert Fripp e Tony Levin.
Um novo King Crimson, em 1982


Mais idas e vindas ocorreram na carreira do grupo a partir de então, mas nada de Maravilhoso pode ser encontrado na Discografia do grupo, que até o momento, está considerado como extinto por conta de Fripp, que anunciou aposentadoria em 03 de agosto de 2012. Se isso é realidade, somente o futuro poderá responder.

Daqui há quinze dias, começamos nossa viagem pelas quatro Maravilhas Prog gravadas pelo grupo Genesis, o penúltimo dos Gigantes Britânicos do Rock Progressivo.

sábado, 24 de agosto de 2013

Gilberto Franco - Agora [2013]

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O músico gaúcho Gilberto Franco lançou esse ano seu sexto CD, Agora, e comprova cada vez mais como existem ótimos artistas que deveriam ser apresentados ao grande público, ao contrário de aberrações como Naldo, MC Catra, MC Koringa, entre outros.



Nascido na cidade de Santa Maria, Gilberto é um cigano musical, tendo percorrido várias cidades e sendo um exímio multiinstrumentista, já que toca piano, sintetizadores, violão, guitarra e vibrafone com ótima qualidade. Em 1972, mudou-se para a cidade gaúcha de Santa Cruz, aonde começou a tocar música, destacando uma participação no grupo Harpas (ao lado de Veco Marques, do grupo Nenhum de Nós).


Nos anos 80, virou músico amador na cidade de Pelotas, e em seguida, foi mostrar suas qualidades musicais na pequena Dom Pedrito, na região da campanha gaúcha, cidade onde vive até hoje. Somente nos anos 90 que conseguiu lançar seu primeiro disco solo, Elementos, tendo a participação de Paula Nozzari na bateria (Cidadão Quem) e diversos outros músicos da região sul do país. O segundo álbum, Passageiro, veio em 2001, trazendo novamente uma lista interessante de convidados, destacando Veco Marques. Vieram Essência (2006) e Força Vital (2009), e então, Agora, o primeiro álbum totalmente instrumental da carreira de Gilberto.

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Como sempre, acompanhado de uma série de convidados, Gilberto faz um som simples, sem virtuosismo, que vai da bossa-nova ao jazz-rock com muita naturalidade, soando redondinho e destacando a participação de Neco Eildelwein tocando saxofone em "Groovy Cafe", faixa que conta com a colaboração do baterista Prairie Prince (Journey) e Keith Graves no baixo. Graves também aparece na bonita "Aprendendo a Sonhar (Somaio Rock)", que tem também a participação do eterno amigo Veco Marques. Já "Amor Até o Final" conta com a violoncelista londrina Petra Gent.

Os pontos altos ficam por conta de "Sonata Avantgarde Opus n° 6", com mais de oito minutos de exploração da guitarra e dos sintetizadores, remetendo-nos facilmente ao rock progressivo feito no Brasil durante a década de 80, e da sensacional "Tão Longe, Tão Perto", uma balada valsa com Neco dando show na flauta.

Uma mistura musical brasileira, chamada pelo próprio concebedor da criatura de 'fusion Brasil", e que pode ser encontrada nas lojas e também pelo e-mail gilbertofranconline@gmail.com.

E compartilho a frase deixada por Gilberto quando do lançamento do álbum: "Agora é para sempre!".
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Track list

1. Groovy Cafe
2. Aprendendo a Sonhar (Somaio Rock)
3. Aura Boêmia
4. Agora
5. Amor Até o Final
6. Sonata Avantgarde Opuns N° 6
7. Tão Longe, Tão Perto
8. Vôo da Fênix
9. Delícias de Um Mundo Azul
10. Chamado
11. Super Nova Bossa Trio
12. Rádio Kim
13. Essência
14. Estrela da Sorte (bônus)

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Dave Matthews Band - Big Whiskey and the GrooGrux King (Super Deluxe Edition) [2009]




Em agosto de 2008, o saxofonista LeRoi Moore, um dos grandes nomes de seu instrumento na década passada, morreu aos quarenta e seis anos em decorrência de ferimentos sofridos em um acidente de carro na sua fazenda, localizada em Virginia, Estados Unidos. Ali, o grupo no qual LeRoi tocava, o Dave Matthews Band, estava finalizando seu sétimo álbum, o qual foi lançado em junho de 2009. 


Este álbum acabou virando uma bela homenagem ao saxofonista, e ganhou status de comoção com o belíssimo caixote que recebeu. O nome da caixa: Big Whiskey and the GrooGrux King (Super Deluxe Edition), lançada no mesmo ano.  


Big Whiskey ao abrir
O álbum em si é praticamente uma despedida para LeRoi. Comandado pelo vocalista, compositor e instrumentista sul-africano que dá nome à banda, o Dave Matthews Band, que ainda possui os músicos Boyd Tinsley (violino), Stefan Lessard (baixo), Carter Beauford (bateria), contou com a participação de Tim Reynolds (guitarra), Jeff Coffin (saxofone), Danny Barnes (banjo) e Rashawn Ross (trompete) na conclusão do álbum, já que LeRoi deixou apenas uma parte do material registrado antes de falecer. E esse time fez um disco muito emotivo, que alcançou o primeiro lugar em vendas na parada americana, sendo o quinto disco consecutivo do grupo a alcançar tal posição quando de seu lançamento, vendendo nada mais nada menos que quatrocentas mil cópias em uma semana.

A elaborada capa do álbum, totalmente desenhada por Matthews, traz ao centro um retrato de Moore como uma cabeça gigante e coroada, típica de um carro alegórico do Mardi Gras, carnaval da cidade de Nova Orleans, e dentre as canções, destaca-se a bela instrumental "Grux", um solo fantástico de LeRoi com um acompanhamento mais que perfeito da cozinha Beauford/Lessard.

Se LeRoi deixou pouco material, ele está fortemente presente nas letras. Em "Funny The Way It Is", está lá como "O último suspiro do soldado", enquanto em "Why I Am", ele aparece "dançando com o rei GrooGrux". Outras faixas a ter citações para LeRoi são "Squirm" e "Spaceman", e nos seus cincoenta e quatro minutos, temos um álbum leve e fácil de se ouvir.

LeRoi Moore, Boyd Tinsley, Carter Beauford e Dave Matthews
A edição Super Deluxe do álbum é um espetáculo a partir. Nele, estão o CD convencional, com todas as faixas, além de um CD bônus, intitulado Little Red Bird, com canções registradas para o álbum, mas não lançadas no mesmo, as quais são "#27", "Beach Ball", "Little Red Bird" e "Write a Song", e um DVD, apresentando o documentário Scenes From Big Whiskey, trazendo entrevistas com os integrantes da banda em quase meia hora de duração.

Nesse DVD, sem sombra de dúvidas o momento mais tocante é quando o nome de LeRoi vem a tona. Inclusive, cenas do primeiro show do grupo pós a morte do saxofonista certamente irão levar os mais emotivos as lágrimas. O único porém é que não há legendas, mas o inglês é de fácil assimilação para quem tem um pouco de facilidade com a língua.


Alguns itens da caixa

Complementam a bela caixa um livreto especial em homenagem a Leroi Moore chamado carinhosamente de Roi, somente com fotos do músico, e no formato de um encarte de CD; um álbum de fotos variadas, com quarenta páginas cobrindo toda a carreira da banda, quatorze artes ilustradas para o encarte original, feitas pelo próprio Dave Matthews, em formato 25,5 x 25,5 cm, e uma gravura em preto e branco da capa do álbum.

Sem sombra de dúvidas, a edição Big Whiskey and the Groogrux King Super Deluxe Box Set é essencial para todos os fãs da banda, que complementada pelo Box Europe 2009, é um aperitivo e tanto para os que ainda não mergulharam na arte dessa grande banda americana.


Material completo de Big Whiskey Super Deluxe


Track list

CD 1

1. Grux
2. Shake Me Like a Monkey
3. Funny the Way It Is
4. Lying in the Hands of God
5. Why I Am
6. Dive In
7. Spaceman
8. Squirm
9. Alligator Pie (Cockadile)
10. Seven 
11. Time Bomb 
12. My Baby Blue
13. You and Me

CD 2

1. # 27
2. Beach Ball
3. Little Red Bird
4. Write a Song

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Maravilhas do Mundo Prog: King Crimson - Lark's Tongues in Aspic (Part I & II) [1973]


O Maravilhas do Mundo Prog essa semana avança dois anos na carreira do King Crimson, e chega no seu quinto álbum de estúdio, talvez o melhor deles, Lark's Tongues in Aspic

Lançado no dia 23 de março de 1973, esse álbum é uma incrível amostra de como um grupo, com cinco diferentes formações em cinco LPs, conseguiu manter uma incrível qualidade em todos os seus álbuns, agregando diferentes músicos e talentos com a finalidade exclusiva de fazer música de alto nível. 

Dois anos antes, o grupo havia lançado o lindo Islands, talvez o mais belo álbum da carreira do grupo, detentor da Maravilhosa faixa-título, e no ano seguinte, com uma formação estável tendo Robert Fripp (guitarra, mellotron), Boz Burrell (baixo, vocais), Mcel Collins (safonone, flautas, mellotron) e Ian Wallace (bateria), o primeiro álbum ao vivo, Earthbound.


A formação de Islands: Robert Fripp, Peter Sinfield, Mel Collins, Boz Burrell e Ian Wallace 

Porém, como tudo na vida de Mr. Fripp não era um mar de rosas, o inesperado aconteceu. Fripp despediu aquele que havia sido seu principal colega, o letrista Peter Sinfield, alegando divergências musicais. Sinfield acabou unindo-se ao Emerson Lake & Palmer, escrevendo as letras para o fantástico álbum Brain Salad Surgery, enquanto mais mudanças ocorreram na formação do Rei Escarlate.

Para piorar, uma briga interna ocorreu durante a turnê de divulgação de Islands (registrada no citado Earthbound), já que Fripp recusava-se a ensaiar canções que não fossem de sua autoria. A turnê progrediu devido as causas contratuais que exigiam o lançamento de um mais um LP, mas logo depois, o trio Burrell, Wallace e Collins decidiu não mais seguir com Fripp. Porém, o guitarrista tinha mais uma carta na manga. Tratava-se de um novo direcionamento musical para seu grupo, e assim, novos membros precisariam ser agregados. Apesar disso, o relacionamento de Fripp com o trio Collins, Wallace e Burrell (principalmente) nunca mais foi o mesmo.


Robert Fripp, Jamie Muir, David Cross e Bill Bruford (sentado)

O primeiro passo na reformulação foi a retirada dos instrumentos de sopro. Agora, a bola da vez seria a percussão e ritmos descompassados. Indo direto ao seu objetivo maior, Fripp convenceu o percussionista Jamie Muir a fazer parte do novo projeto. Muir havia trabalhado antes com o grupo Sunship and Derek Bailey, além de ter participado de diversos álbuns como músico de estúdio, e convenceu Fripp de que para melhorar seu projeto, o baterista Bill Bruford deveria fazer parte do mesmo.

Bruford estava vivendo o auge da sua carreira. Liderando as baquetas do Yes, o baterista havia acabado de gravar Close to the Edge, e durante a turnê de promoção do mesmo, foi persuadido por Fripp pouco depois de uma apresentação do grupo. Muitos não entenderam como Bruford teve a coragem de sair de um grupo que estava vendendo como água, lotando shows como nunca antes na história do rock progressivo, para fazer parte de uma barca afundada como o Crimson. A resposta veio anos depois pelo próprio Bruford, que sentiu, nas palavras de Fripp, a capacidade de ter liberdade para inovar com sons diferentes, além de aplicar novos ritmos e improvisações que não cabiam no perfeccionismo do Yes (além de o estilo vegetariano que Jon Anderson e cia. viviam na épica ser totalmente o avesso do estilo de vida de Bruford).


Jamie Muir, Robert Fripp, David Cross e Bill Bruford, nos primeiros ensaios da nova formação

Por fim, o andarilho John Wetton, que havia saído do Family, e tinha gravado no álbum solo do ex-vocalista do Crimson Gordon Haskell, It Is and It Isn't (1971), foi chamado para fazer as linhas de baixo e os vocais, enquanto o desconhecido violinista (e eventual tecladista) David Cross surgia do nada para completar a terceira e mais importante formação do King Crimson, que foi complementada com um novo letrista, Richard Palmer-James (guitarrista que havia fundado o Supertramp).

Os ensaios para o novo álbum começaram no inverno de 1972, marcados por longas improvisações e por um ser iluminado que se sobressaía sobre os demais, a figura de Jamir Muir. O homem simplesmente assombrava, e incrementava a parte percussiva com instrumentos bizarros, como panelas, cornetas de bicicleta, carrilhões, chocalhos, abanadores ou qualquer outro objeto que reproduzisse um som através de batidas. Além disso, sua performance durante os ensaios (e que veio a se repetir nos palcos) era endiabrada, saltando no meio do seu kit como um doido, batendo em vários objetos ao mesmo tempo e gerando uma barulheira muito estranha. 


Jamie Muir, Bill Bruford, Robert Fripp, David Cross e John Wetton

Pouco a pouco, o novo King Crimson começou a aparecer em shows e a chamar a atenção da mídia especializada. Nada de instrumentos de sopro, passagens de piano ou melodias trabalhadas. O que se via e ouvia eram performances selvagens, com o peso comendo solto e uma guerra de egos jamais vista em cima dos palcos, cada um tentando superar o outro em termos de barulho, apesar de ficarem quase estáticos (com exceção de Muir, que perambulava batendo por tudo, seja no seu próprio kit, seja no kit de Bruford ou até mesmo no microfone de Wetton).

Assim, começaram as gravações do quinto álbum do grupo, mas pouco antes do lançamento do mesmo, quando já estava o álbum concluído e mixado, quando tudo parecia que Fripp poderia tranquilamente dizer: "Agora vai!", Muir anunciou que estava saindo do grupo. Influenciado pelas palavras de Paramahansa Yogananda (as quais Muir apresentou para Jon Anderson, que inspirou-se nas mesmas para cômpor o essencial Tales from Topographic Oceans, lançado pelo Yes no mesmo ano), Muir foi viver a vida como um monge budista, vivendo durante um bom tempo em um mosteiro na Escócia, saindo posteriormente, nos anos 80, para participar de raras gravações e dedicando-se a pintura.

A saída de Muir atrapalhou temporariamente a vida do Crimson, mas, como o álbum já havia sido gravado, era hora de lançá-lo. Lark's Tongues in Aspic é um caso raro de como a insanidade musical pode soar Maravilhosa. São apenas seis faixas, três instrumentais e três com vocais. Na parte vocal, Wetton exibe-se com graciosidade na linda pela jazzística "Book of Saturday", acompanhado apenas pela guitarra de Fripp, solta a garganta na pesada (e complicada) "Easy Money" e simplesmente estraçalha na arrepiante "Exiles", rememorando os tempos dos dois primeiros álbuns do grupo e cuja introdução é um verdadeiro teste de sanidade mental para o ouvinte. 


As letras no encarte de Lark's Tongues in Aspic

A parte instrumental revela o talento de Muir ao lado de Bruford no duelo "The Talking Drum", que apesar de não fazer a bateria falar, liquida com qualquer pretensão que o nome possa sugerir, com Cross e Fripp mostrando em estúdio toda a violência egocêntrica que aparecia nos palcos, e Wetton pisoteando o wah-wah, extraindo sons enigmáticos de seu baixo.

Mas são nas duas partes da faixa-título, também instrumentais, que curiosamente abrem e encerram o LP, que estão os minutos capazes de serem chamados de Maravilhosos. Não que as demais canções de Lark's Tongues in Aspic não sejam capazes de merecer esse título, só que "Lark's Tongues in Aspic (Part One)" e "Lark's Tongues in Aspic (Part Two)" são tao cavalares que ainda hoje, as estruturas dos recintos nos quais ela é tocada permanecem balançando. 

A canção surge com os barulhos percussivos, repetindo um tema por diversas vezes entre diversos barulhos indecifráveis, com o volume praticamente inaudível, que vai aumentando a medida que uma marcação no prato surge, a la Soft Machine de Third. Os pratos ficam sozinhos, fazendo um barulho ensurdecedor, e dele, surge o violino de Cross e a guitarra estridente de Fripp. 

O violino faz acordes que são uma espécie de marcação, muito tensa, enquanto mais barulhos percussivos preenchem o vazio da canção junto com a delirante guitarra, explodindo no pesadíssimo riff central com uma violência demolidora, na qual a guitarra uiva como uma gata no cio. A marcação do violino retorna, seguida por mais barulhos percussivos, e Wetton fazendo notas pesadas, com o baixo carregado de distorçãoe wah-wah. O riff pesado retorna, com a guitarra dando mais uivos, e então, Fripp começa a saltitar seus dedos em uma escala impossível de ser reproduzida, enquanto ao fundo, o Crimson abusa dos barulhos percussivos através de Muir e Bruford, destacando também uma performance muito interessante de Wetton.

Quando a sanidade retorna para as caixas de som, surge uma sequência de escalas e marcações, com Wetton solando utilizando-se de muita distorção e wah-wah, enquanto Bruford e Muir demolem ao fundo. Fãs de Cliff Burton, entendam, de onde o baixista do Metallica tirou suas inspirações para fazer petardos como a introdução de "For Whom the Bell Tolls" e "Anesthesia (Pulling Teeths)". O barulho cresce absurdamente, como um ritmo perverso e cheio de quintas intenções, até que repentinamente, o silêncio quebra tudo.

Lá no fundo, uma tímida e angustiante marcação de guitarra acompanha notas de violino, jogadas ao vento por Cross sem sentido algum. O violino fica sozinho, solando notas lentas e preguiçosas, predominando as sobre um silêncio paradisíaco. Barulhos de guitarra aparecem novamente, enquanto o violino faz um bonito solo, com poucas notas, mas muito emocionante. Mais barulhos de guitarra, com um pouco de percussão, e Cross passa a usar escalas orientais em seu instrumento, em um trecho belíssimo, com inclusão do koto (instrumental oriental) acompanhando as notas do violino.

Alguns segundos para respirar e o violino volta, agora de forma agressiva, solando sobre vozes e uma marcação tensa, estourando em uma pancada no prato de Bruford, para Wetton fazer um tema no baixo, utilizando o pedal de wah-wah, enquanto Fripp dedilha sua guitarra e Cross desliza o arco no seu violino, concluindo a primeira parte com barulhos de sinos.


John Wetton, David Cross, Robert Fripp e Bill Bruford
A segunda parte vem depois de "The Talking Drum", começando com uma barulheira infernal, trazendo a guitarra pesadíssima de Fripp, com Wetton e Bruford fazendo as mesmas batidas que o guitarrista executa em seu instrumento, repetindo as escalas e trazendo novamente o clima de apreensão. 

Rapidamente, chegamos no riff central, o qual fica repetindo infinitamente duas notas entre o violino e a guitarra, enquanto baixo e bateria fazem a marcação. O riff é repetido por duas estrofes. A marcação de Fripp retorna, e Wetton e Bruford fazem um pequeno duelo, retornando ao riff central, agora com mais barulhos percussivos.

Fripp esbanja distorção em mais um riff, seguido por baixo e bateria através de uma marcação complicada, com Cross delirando no violino, quase arrancando as cordas do instrumento com o arco, e assim, retornamos ao riff central, com um espetáculo a parte feito pela percussão de Jamie Muir, encerrando nossa Maravilha com uma imponente sequência de batidas nos pratos, bumbos, cordas da guitarra e o baixo sendo estraçalhado, enquanto Burford faz viradas rápidas em seu kit. 


John Wetton, David Cross, Bill Bruford e Robert Fripp
Anos depois, no álbum Three of a Perfect Pair (1984), "Lark's Tongues in Aspic" recebeu sua terceira versão, e dezesseis anos depois, em The ConstrucKtion of Light, tivemos a quarta e última parte dessa Maravilhosa peça musical, porém sem os mesmos valores progressivos que destacaram a canção na década de 70.

Depois de Lark's Tongues in Aspic, o grupo seguiu como um quarteto, e sofrendo uma crise de identidade, lançou o disco mais fraco da primeira fase do grupo, Starless and Bible Black (1974), o qual contém bons momentos, como "The Great Deceiver", "Fracture" e "The Night Watch" mas nada digno de fazer parte dessa seção. 

Cross não aguentou a pressão interna (e principalmente o ego de Fripp) e saiu do grupo, e assim, somente como um trio, o King Crimson lançou seu sétimo disco, e com uma sétima formação diferente. Wetton, Bruford e Fripp poderiam fazer mais uma Maravilha prog? A resposta é sim, como veremos daqui a quinze dias, através de "Red".

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Datas Especiais: 45 Anos de Cheap Thrills

     
Hoje, um dos álbuns mais vendidos na história da música completa quarenta e cinco anos, o clássico eterno Cheap Thrills. Lançado pelo grupo californiano Big Brother & The Holding Company na data de 12 de agosto de 1968, na sua época foi a consolidação de uma estrela chamada Janis Joplin entre os grandes nomes do rock californiano, e hoje, é tido como um dos discos essenciais para se compreender o som da Califórnia, ao lado de Surrealistic Pillow (Jefferson Airplane) e Moby Grape (Moby Grape).
Para entender o por que de Cheap Thrills ser tão relevante, voltamos no tempo, mais precisamente em 1965, quando o ex-colega de banda de Jerry Garcia, o guitarrista Peter Albin, conheceu outro guitarrista, Sam Andrew. Albin possuía influências do blues e do country, enquanto Andrew vinha de uma formação jazzística, muito influenciada pelo período de dois anos que ele viveu morando em Paris. Porém, a afinidade musical da dupla surgiu de imediato, e logo, como muitos garotos da época, decidiram formar uma banda.
O primeiro a entrar no grupo foi mais um guitarrista, James Gurley. Gurley era o mais velho dos três, tendo como experiência uma passagem pelo grupo Progressive Bluegrass Boys, onde chamou a atenção de uma pessoa que também foi muito importante para o surgimento do Big Brother: Chet Helms. Helms era um famoso produtor da região de San Francisco, e quando descobriu que uma nova banda estava surgindo, foi ele quem sugeriu de apresentar Gurley aos dois garotos.
O encontro foi feito entre o quarteto e mais um jovem baterista, Chuck Jones, e ali, nascia o Big Brother & The Holding Company, com Albin e Andrew se alternando nas vozes e no baixo., tendo o nome inspirado no famoso jogo Banco Imobiliário. O grupo começou a fazer shows pela região da bay area, e em janeiro de 1966, Jones foi substituído pelo baterista David Getz. Getz também vinha de uma carreira ligada ao jazz, e sua habilidade com as baquetas chamou a atenção, principalmente pelo seu estilo irreverente e sempre alegre.
A entrada de Getz deu um novo gás, e logo, o Big Brother & The Holding Company passou a figurar como atração principal na famosa casa de shows Avalon Ballroom. O som do grupo era puramente psicodélico, inspirado bastante em longas improvisações instrumentais. Porém, sob o comando de Helms, o quarteto foi obrigado a escolher um vocalista, com a justificativa de que só assim iriam conseguir um bom contrato. Assim, surge o nome de Janis Joplin.
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Uma das primeiras fotos do Big Brother & The Holding Company:
Chet Helms (produtor), Sam Andrew, Peter Albin, Chuck Jones e James Gurley
Janis começou a sua carreira muito cedo. Nascida em Port Arthur (Texas), com apenas 10 anos, já era a cantora principal no coral da Igreja de Cristo, onde passou a ter contato com cantoras como Billie Holliday, Big Mama Thorton e aquela que Janis dizia ser sua maior influência: Bessie Smith. Além diss, Janis tinha uma incrível habilidade com a pintura, chegando a expor alguns quadros em um café de Port Arthur, pouco depois de completar 16 anos.Enquanto cursava o ensino médio na escola Thomas Jefferson, passou a ter contato com o folk, e começou a fazer seus primeiros mini-shows. Logo após concluir o ensino médio, entrou para a Lamar State College Technology, em Beaumont (Texas), passando a transitar por Los Angeles e Venice, ambas na Califórnia. Janis acaba fugindo da escola, e vive um período de experimentações para Janis, sobrevivendo graças a um bico de telefonista em Los Angeles. É por lá que começa a ter contato com anfetaminas e drogas mais pesadas, além de, por abuso de álcool, ser internada em um hospital na cidade de Beaumont, para poder fazer uma desintoxicação. Janis viveu na Califórnia até 1961, quando completou 18 anos, e voltou para Port Arthur, onde passou a investir na música, realizando seu primeiro show justamente na virada do ano de 1961 para 1962, no Halfway House, em Beaumont.
No ano seguinte, Janis passa a cantar regularmente no Purple Onion, na cidade de Houston, e no já citado Halfway House, apenas com seu violão, até decidir mudar-se para Austin, onde passa a integrar a University of Texas, ganhando a vida como garçonete em um boliche e sendo a cantora de um grupo de blues, batizado de The Waller Creek Boys, ao lado do amigo Powell St. John. É nesse ano que ela gravou suas primeiras canções: um jingle para um banco local, que ficou conhecido como "This Bank Is Your Bank", e o seu primeiro compacto, o blues "What Good Can Drinkin' Do".
Em 63, Janis abandona de vez a universidade, e muda-se para San Francisco, onde conhece o produtor Chet Helms, o qual é responsável por colocá-la no cenário musical da cidade no dia 25 de janeiro de 1963 (seis dias após completar 20 anos), com Janis fazendo sua primeira apresentação no Coffee and Confusion,  ao lado do guitarrista Jorma Kaukonen (que depois iria fazer parte de uma das principais formações de outro grupo extremamente relevante de San Francisco, o Jefferson Airplane). A partir de então, Janis peregrinou por botecos e estúdios, criando um círculo de amizades com pessoas como David Crosby, Nick Gravenites, Peter Albin entre outros. São os amigos que fazem de Janis uma das atrações centrai do Monterey Folk Festival daquele ano.

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Janis Joplin e Jorma Kaukonen, em 1965
Mas San Francisco era pouco para a jovem Janis, e ela decide mudar-se para Nova Iorque, onde envolve-se com heroína. Na Terra da Maçã, Janis permanece por um ano, até  voltar para San Francisco, pesando pouco mais de 40 quilos e consumindo uísque com anfetaminas sem parar. Doente, a solução foi voltar para o Texas, onde fez um tratamento de desintoxicação que durou seis meses, quando surgiu o convite para Janis integrar a linha de frente do Big Brother & The Holding Company.
Janis saiu do Texas e voltou para San Francisco. No dia 04 de junho de 1966, ela fez seu primeiro ensaio com o grupo, e seis dias depois, já estava cantando no Avalon. A entrada de Janis acabou mudando o som do Big Brother. Se antes o grupo era levado pelas longas experimentações instrumentais, agora fazia um som mais convencional, bem característico de outros grupos que começavam a surgir, como o já citado Jefferson Airplane, Moby Grape e Quicksilver Messenger Service.
Janis
Sequência de imagens de Janis nua
Assim, começa a surgir uma pequena legião de fãs do grupo, e no final de 1966, a gravadora Mainstream, cujos lançamentos eram caracterizados principalmente por pertencerem ao jazz, fechou contrato para o primeiro disco. O Big Brother & The Holding Company tornou-se o primeiro grupo de rock a assinar com a Mainstream, e nos dias 12, 13 e 14 de dezembro, o quinteto vai para Chicago, onde gravam todo o material para ser lançado na estreia.
Porém, algumas divergências quanto a produção e mixagem final acabaram atrasando o lançamento do mesmo. Antes de ver o álbum na íntegra, o compacto com "Blind Man" / "All is Loneliness" chegou no mercado em junho de 1967, mesmo mês que o grupo foi uma das principais atrações do Monterey Pop Festival.
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Sequência de imagens da Big Brother em Monterey

Apresentando-se no dia 17 de junho, o grupo foi o segundo a entrar no palco, e colocou o local abaixo. Com uma performance estonteante, e com uma Janis Joplin alucinada, era a apresentação perfeita da banda para o mundo. Naquela tarde, o grupo apresentou as seguintes canções: "Down on Me", "Combination of the Two", "Harry", "Roadblock" e "Ball and Chain". A apresentação foi muito bem recebida, mas problemas contratuais fizeram com que os membros do grupo não concordassem com a gravação do áudio e do vídeo da mesma, sendo a mesma até hoje perdida na mente dos presentes. Porém, no dia seguinte, o grupo voltou ao palco para fazer uma curta apresentação, onde tocaram "Combination of the Two" e "Ball and Chain", e finalmente foram filmados. Ainda hoje, todos os que assistem ao vídeo de "Ball and Chain" arrepiam-se com os gritos encapetados de Janis, que parece estar sozinha no palco, mesmo estando em frente à milhares de pessoas. Era a consagração logo na sua estreia diante de um grande público.
O sucesso em Monterey ocorreu semanas antes da Mainstream Records lançar o primeiro álbum, apressando também o segundo compacto, com "Down on Me" / "Call on Me", que chegou na quadragésima terceira posição, permanecendo entre as cincoenta mais por oito semanas. O problema é que a Columbia Records já havia entrado na jogada.
Em agosto, finalmente a estreia vinílica. Batizado apenas de Big Brother & The Holding Company, o disco já saiu entre os 100 mais vendidos no Estados Unidos, onde permaneceu por 30 semanas. Os destaques do LP ficam por conta de "Bye Bye Baby" (creditada para Janis e Powell St. John), "Light is Faster Than Sound" e "Down On Me". A guitarra lisérgica de Andrew e Gurley, a endiabrada cozinha de Getz e Albin, e a voz marcante de Janis, marcaram época, e fizeram com que o LP vende-se relativamente bem na região de San Francisco. Um terceiro compacto chegou a ser lançado, com "Women is Losers" / "Light is Faster Than Sound", mas que não fez sucesso.
Ao mesmo tempo, um importante passo era dado pela Columbia Records, passo esse que levou ao texto de hoje. Motivada pelo enorme sucesso de Monterey, a gravadora decidiu investir no quinteto, bancando o contrato inicial de cinco anos que a Mainstream tinha, e relançando o álbum de estreia com duas canções novas. Depois, organizou uma extensa turnê de promoção pelo Estados Unidos, com o grupo sendo um dos primeiros do lado oeste a se apresentar no lado leste do país, mais precisamente em Nova Iorque, no dia 17 de fevereiro de 1968. Esse show fez com que a imprensa especializada pagasse pau de vez para Janis. Se antes era mais uma a fazer parte da banda, agora ela era tratada como a estrela soberana, com jornais e rádios enaltecendo suas performances cada vez mais incendiárias, e destruindo a performance dos demais membros do Big Brother & The Holding Company, chamando-os de fracos e incapazes de acompanhar Janis.
Mesmo assim, isso não atingia (a princípio) os integrantes, e eles continuaram firmes com a turnê, voltando novamente para Nova Iorque, onde inauguraram a casa Fillmore East, no dia 08 de março de 1968. Nessa turnê, a Columbia percebeu logo no início que a banda mão era preparada para os estúdios, e assim como outro seminal grupo de sua geração, o Grateful Dead, o ponto alto eram os shows. Capturar o que o quinteto fazia em cima dos palcos era fundamental para o vinil, e não levá-los para um ambiente onde não estavam adaptados. Era no palco que o grupo improvisava, Janis soltava a voz e principalmente, as guitarras de Andrew e Gurley fundiam-se em uma massa sonora, apelidada por Gurley de freak rock, e que fazia o diferencial do Big Brother & The Holding Company das demais bandas.
O projeto então foi lançado: gravar um disco ao vivo. Assim, o show no Grande Ballroom de Detroit foi registrado, assim como outros que no geral, tiveram os resultados finais das gravações não agradando nem a banda e nem o produtor John Simon.
O projeto foi cancelado, e então, começou o período de dez dias nos estúdios, que claramente não era o lugar de Janis e cia, onde as canções foram gravadas ao vivo, e depois mixadas com gritos de público e aplausos. Além disso, todos os cinco estavam incomodados com a produção de Simon, alegando divergências musicais. Outro problema surgiu no nome do mesmo. Inicialmente, a ideia era Sex, Dope and Cheap Thrills, mas a Columbia achou o título ofensivo demais.
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Dave Getz, Peter Albin, Janis Joplin, James Gurley e Sam Andrew
Então, em 12 de agosto de 1968, Cheap Thrills chegou às lojas, e chegou chegando. Um álbum sensacional e essencial. Barulhos de guitarra afinando, assim como bateria, trazem a voz de Bill Graham apresentando o grupo, e os aplausos de uma plateia falsa abrem espaço para a percussão e o tema marcado de baixo e guitarra, deixando Gurley solar com sua guitarra ardente e regada de lisergia, chegado ao rápido ritmo da canção, onde as vocalizações de Janis e Albin acompanham a letra cantada por Andrew. O ritmo dançante muda, ganhando o peso dos tons de Getz, e com Janis dando gritos alucinantes, acompanhada pelo tema marcado de guitarras e baixo. Andrew retorna à letra, que homenageia as casas de shows de San Francisco, sempre acompanhado pelas vocalizações de Albin e Janis, levando novamente para o tema dos gritos de Janis, onde podemos perceber a juventude de sua voz exalando em cada poro de seu corpo. A introdução é repetida, para ouvirmos mais um solo de Gurley, onde com notas muito rápidas, tendo um efeito em seu instrumento que é representativo das doses de LSD que consumiam as mentes hippies do final da década de 60, ele dá uma pequena amostra da evolução técnica que havia ganho desde o primeiro álbum. Destaque também para as importantes linhas de baixo de Albin, e assim, “Combination of the Two” encerra-se com a última estrofe de Andrew, fazendo muitas vocalizações, levando as vocalizações gritadas de Janis, puxando o grupo para cantar com ela, e finalmente, com uma melodia vocal de Andrew, Janis e Albin.
Os aplausos finais de “Combination of the Two” abrem “I Need a Man to Love”, e mais aplausos surgem após o riff de Andrew surgir nas caixas de som, começando seu breve solo introdutório. Janis passa a cantar sobre a levada bluesística da canção, com sua voz rouca e triste na primeira estrofe, e de forma mais aberta na segunda, na qual conta com a parceria vocal de Andrew e Albin. O que Janis faz com a voz, alargando as cordas vocais o máximo que faz, é quase que impossível de acreditar que estamos ouvindo um ser humano. O blues leve e sensual segue, com Andrew fazendo intervenções, e mantendo a mesma linha da primeira parte da canção, apenas adicionando mais vocalizações, influenciados pelo estilo gospel trazido por Janis. O solo de Andrew é bem diferente do estilo de tocar de Gurley, com notas mais claras, sem tantos efeitos e bem mais técnico, voltando então para a estrofe inicial que leva para o final de um grande clássico.
Outro clássico vêm na sequência, com a cover “Summertime” (original dos irmãos Gershwin). O arranjo feito por Andrew para essa canção é fantástico, tornando-a uma depressiva canção desde seu clássico tema inicial feito pela guitarra de Andrew, acompanhado pela leveza do baixo e bateria. As guitarras sobrepostas, entoando temas distintos, apresentam a voz mais que chorosa de Janis. Se o que ela faz em “I Need a Man to Love” é sobre-humano, “Summertime” é ainda absurdamente superior. Janis solta a voz como se fosse um tigre atrás de um prato de comida, e faz de uma alegre (na versão dos irmãos Gershwin) canção, uma das mais corta-pulsos que o mundo já ouviu. Andrew também está tocando muito, justificando a sua escolha para seguir ao lado de Janis, pois nessa época, sem dúvida ele era o mais técnico do quarteto instrumental. Maravilhosa faixa, com uma maravilhosa interpretação, em uma versão definitiva para a mesma.
E como não podia ser diferente, o lado A encerra-se com outro grande clássico, “Piece of My Heart”, mais um cover, agora para a canção de Bert Berns e Jerry Ragamov, começando com o belo solo de Andrew sobre a levada agitada de baixo, bateria e guitarra, trazendo as vocalizações de Janis e Albin e virando uma tímida balada sessentista, que aos poucos, levada pela interpretação vocal de Janis, cresce, e como um Tsunami, derruba tudo o que vem pela frente. O refrão, um dos mais fortes da carreira de Janis, grita “take another little piece of my heart baby” com uma dor dilacerante, acompanhado pelas vocalizações muito bem trabalhadas de Albin e Andrew, demonstrando mais uma vez a evolução técnica que o grupo ganhou de um álbum para outro. Mais uma vez, temos a oportunidade de conferir um pouco da técnica de Andrew, apesar de ele engasgar bastante em seu solo, e voltamos para o refrão, com Janis cantando forte a frase cita, encerrando a canção com a repetição da introdução.
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O Lado A de Cheap Thrills

O Lado B abre com “Turtle Blues”, a qual conta apenas com a participação de Albin no violão, John Simon no piano e Janis nos vocais. A impressão que essa canção passa é a de ter sido gravada em um boteco qualquer por causa dos samplers de copos quebrando, conversas e barulhos típicos de um bar. O piano de Simon abre a canção, trazendo a voz debochada de Janis em um blues anos 20, onde Albin apenas faz a marcação dos acordes E, A e B, enquanto Simon dedilha o piano, e Janis, obviamente, detona sua garganta. O solo de violão feito por Albin surpreende, pois afinal, o baixista do grupo toca muito bem as seis cordas, deixando Janis concluir a letra de um blues único dentro da lisergia californiana, já que não existe nenhum outro grupo daquele estado que tenha gravado algo tão raiz quanto “Turtle Blues”, em um ritmo entusiasmante, onde o suposto público começa a acompanhar com palmas os vocais de Janis, concluindo com gritos, tosses e alguns aplausos.
Depois, o grupo reaproveitou “Coo-Coo” (que ficou de fora da versão original do álbum de estreia) e transformou-a em “Oh Sweet Mary”, uma das melhores canções do grupo, que também surpreende por trazer Albin na guitarra solo e Gurley no baixo. Uma batida no prato traz o melodioso solo de Albin logo no início, com Getz batendo nos tons, Andrew tocando a gutiarra como uma cítara e Gurley destruindo em escalas velozes no baixo. Andrew canta a letra da canção, acompanhado pelo ritmo viajante da canção, e então, um longo grito de Janis muda tudo 180º, virando uma lenta balada regada de vocalizações, para então, voltar à doideira inicial. Albin sola com um conhecimento do instrumento impensável para um baixista, e Gurley participa muito bem com suas velozes escalas no baixo. Lisergia pura, característico do período. Vocalizações permeiam os bends, escalas rápidas e vibratos de Albin, enquanto Getz delira nos tons e pratos, para Andrew voltar à letra,repetindo o longo grito de Janis, com as vocalizações, levando para mais um grande solo de Albin, agora variando acordes com fúria, acompanhando as batidas fortes de Getz, e encerrando com vocalizações em crescendo, acompanhadas por batidas marcadas de guitarra, bateria e baixo.
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O Lado B de Cheap Thrills

Cheap Thrills encerra com a melhor canção já gravada pelo Big Brother & The Holding Company, e um dos principais momentos da carreira de Janis Joplin, a clássica “Ball and Chain”. Original de Big Mama Thorton, aqui ela recebeu um arranjo todo especial, com acordes menores que transformaram um alegre jazz em um blues escaldante, sofrido e assustadoramente arrepiante. Em uma longa versão ao vivo, "Ball and Chain" é a única canção realmente gravada em um show. Apesar de constar na capa como sendo uma gravação de um show no Fillmore, na verdade a versão de Cheap Thrills foi registrada no Winterland Ballrom, em 1968, sendo esta a mesma versão que aparece em Live at Winterland '68, lançado em 1998, porém com um overdub em relação ao solo inicial.
Um tema marcado de guitarra e bateria, e alguns segundos de expectativa, dão espaço para a a insana sequência de notas da guitarra de Gurley, começando um sensacional blues, de arrancar os cabelos tamanha a dramaticidade exalada pelos timbres tenebrosos da Gibson SG de Gurley. O curto solo inicial irá competir com a interpretação vocal de Janis, que surge logo após, cantando baixo, e com um quase inaudível andamento de bateria, baixo e guitarra. Lentamente, Janis vai dando corpo para a canção, aumentando a densa cama sonora junto com os acordes da guitarra, para entoar o famoso refrão “And I say, oh, whoa, whoa, now hon 'Tell me why Why does every single little tiny thing I hold on to go wrong?", onde as marcações de bateria, baixo e guitarra acompanham os “whoa-whoa” de Janis, que capricha no sentimento.
A primeira estrofe é concluída, voltando então para a repetição da letra, e aqui começa o show particular de Janis. Se em “Summertime” temos uma interpretação vocal absurdamente superior a tudo o que você já ouviu na vida, em “Ball and Chain” a casa cai. Janis bota no chão todas (eu digo todas mesmo) as cantoras de rock, jazz, blues, ..., qualquer estilo, como que se sozinha em sua casa, agonizasse os últimos minutos de sua vida, defendendo-se através de um canto. O que a mulher faz não da para descrever em nenhuma palavra.
Baixinho, ela sussurra a letra da canção, junto do leve acompanhamento do quarteto instrumental, chegando no refrão, e sai de baixo. Os “Tell me, tell me” sofridos, seguidos de gritos roucos, agudos, botando o útero para fora, são capazes de fazer uma pedra chorar. É ouvir e gozar de um dos momentos mais sublimes da música popular mundial.
Mais gritos levam ao rasgadíssimo solo de Gurley. A inspiração do homem também é sobrenatural. Os longos bends, com a ajuda de uma distorção suja mas polida, completam essa obra de arte, voltando então para o refrão, com Janis fazendo aquilo que ela dizia ser “sexo com mil pessoas ao mesmo tempo”, cantando muito, soltando palavras soltas e muito alucinada.
O ritmo diminui para Janis mais uma vez repetir a letra, agora com o volume muito baixo (outra demonstração da evolução técnica do grupo), partindo para o crescendo final, que explode no refrão mais uma vez. Ouvir “this can't be”, e os “no no no”, fora todos os gritos extraídos sabe lá Deus da onde, deixam o ouvinte arrepiado por dias, e finalmente, o longo grito final de Janis a deixa a capella, em um show só seu, diante de um público que aplaude e ovaciona encantado com a ainda jovem garota, e é possível ouvir a emoção de Janis, chorando ao microfone, quando fala as duas últimas palavras, que são o nome da canção, com o público inteiro aplaudindo muito o que acabou de presenciar. Depois disto tudo, ouvimos uma pequena vinheta, que era a responsável pelo encerramento das apresentações em Winterland.
O relançamento em CD na caixa Box of Pearls veio com mais quatro canções bônus: “Roadblock”, “Flower in the Sun”, “Catch Me Daddy” e “Magic of Love”, as duas últimas gravadas ao vivo no The Grande Ballroom (02/03/1968).
Big Brother and The Holding Company
Janis Joplin (acima), James Gurley, Peter Albin, Dave Getz e Sam Andrew (sentido horário a partir de Janis)
A capa original, assim como o nome, também foi modificada. Pensada primeiramente como uma foto dos membros do grupo totalmente nús em um quarto de hotel, as imagens não agradaram a nenhum dos membros. Então, surgiu a pessoa de R. Crumb, que criou uma das capas mais famosas do rock. A ilustração final, planejada como sendo a contra-capa, acabou virando a capa verdadeira, trazendo diversas caricaturas dos membros do grupo, refletindo momentos da banda fora dos palcos e também no palco, além de citar o nome de todas as canções de alguma forma.
O disco alcançou a oitava posição nas paradas da Billboard dois meses depois de seu lançamento, chegando ao número 1 por oito vezes, mas não consecutivas. O single de "Piece of My Heart" se tornou o mais vendido daquele ano de 1968, e não demorou muito para atingir a surpreendente marca de um milhão de cópias vendidas, conquistando disco de ouro.
Oito canções acabaram ficando de fora do LP, as quais são: "Catch Me Daddy", "Farewell Song", "Magic of Love", "Amazing Grace", "Hi-Heel Sneakers", "Harry" (todas lançadas posteriormente no álbum Farewell Song, de 1982), "It's a Deal" e "Easy Once You Know How", essas duas lançadas posteriormente na caixa Box of Pearls. Das gravações originais ao vivo, "Down on Me" e "Piece of My Heart" foram lançadas posteriormente em Janis In Concert (1972).
O enorme sucesso de Cheap Thrills fez aumentar os holofotes sobre a figura de Janis Joplin, que no final do verão de 1968, após o grupo se apresentar no Palace of Fine Arts Festival, em San Francisco, anunciou aos demais colegas de grupo que iria sair no final do outono daquele ano, desejando seguir uma carreira solo mais voltada para a soul music.
Em novembro daquele ano, saiu o compacto "Coo Coo" / "The Last Time", o qual era sobra de estúdio de Big Brother & The Holding Company, e no primeiro dia de dezembro, Janis e Sam Andrew fizeram o último show com o grupo, tocando no Family Dog Benefit, em San Francisco. 20 dias depois, Janis aparecia com a sensacional Kosmic Blues Band, tendo nas guitarras Sam Andrew, e mais poderosíssimo suporte de um fabuloso naipe de metais e vários músicos convidados.
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Capa interna de Cheap Thrills

A saída de Janis e Andrew abalou as estruturas do Big Brother & The Holding Company, que chegou a encerrar as atividas, com Getz e Albin passando a integrar outro grande expoente do rock psicodélico californiano, o Country Joe and The Fish, gravando o álbum Here We Go Again (1969) e participando da turnê de divulgação do mesmo.
Porém, a vontade de ter identidade própria era maior do que as loucuras de Joe McDonald e cia, e então, Getz e Albin decidiram retomar com o Big Brother & The Holding Company, ao mesmo tempo que Janis se consagrava (mais uma vez) com o fundamental I Got Dem 'Ol Kosmic Blues, Again Mama (1969). Mas isso é papo para outra data especial.
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