sábado, 25 de fevereiro de 2017

Consultoria Recomenda: Rock Argentino



Editado por Fernando Bueno
Tema escolhido por Davi Pascale
Com Alisson Caetano, Christiano Almeida, Diogo Bizotto, Mairon Machado, Marco Gaspari, Ronaldo Rodrigues e Ulisses Macedo

Kefren - Pecado Mortal (1999)
Recomendado por Davi Pascale
Escolhi esse tema porque sempre quis conhecer um pouco mais do rock n roll feito por nossos amigos hermanos. Os poucos artistas que conheço (A.N.I.M.A.L., Soda Stereo, V8, Spinetta, Almendra, Rata Blanca, Watchmen e esse que irei indicar hoje) sempre me chamaram a atenção por sua qualidade e alguns acabei virando fã mesmo. Caso do ótimo Rata Blanca e dessa que e minha indicação de hoje: o Kefren. Não sei se o conjunto fará a cabeça dos consultores, mas certamente agradara alguns de nossos leitores. Esse grupo começou a carreira como uma banda cover do Kiss e essa e sua principal influência. Principalmente o Kiss de álbuns como Revenge e Animalize. Perceptível, não somente nos arranjos, mas também nas linhas vocais de Sebastian Gava (conhecido atualmente no Brasil por suas participações ao lado do Bruce Kulick em algumas de suas passagens em nosso pais) e do saudoso Leonardo Moon. Os dois primeiros álbuns sempre foram meus favoritos. Escolhi esse, o segundo, porque acho que a banda estava mais empolgada e também porque me marcou, já que assisti eles lançando esse disco durante sua única passagem em nosso pais. Como era de esperar, a sonoridade e um hard rock empolgante com guitarras e vocais falando alto. Momentos de destaque:  'Pecado Mortal', 'Cama Redonda', 'Donde Vas', 'Placer Dulce', 'Mas de Tu Piel' e 'Volves a Escaparte'.
Ulisses: Um hard rock que não cheira e nem fede, mas quer porque quer ser o Kiss. Eles não exageram na farofa, o que é bom, mas as composições não têm muita força ou criatividade. Do tracklist, dou destaque somente às duas últimas, "Tu Vanidad" e "Volvió el Amor".
Alisson: É realmente um pecado mortal a pessoa ter perdido tempo valioso de sua vida para ter procurado uns b-sides ruins do Kiss e canta-las em espanhol.
Christiano: Um amigo meu, grande fã de Kiss, já tinha me apresentado essa banda. Não é difícil imaginar o motivo: o vocal é idêntico ao do Paul Stanley. Na verdade, o disco todo lembra bastante o Kiss da época do Revenge [1992]. Achei um negócio meio chato, embora soe engraçado em alguns momentos. Indicado somente para grandes fãs do Kiss.
Ronaldo:
Marco: Disco bacaninha. E só. Fui em busca de informações e encontrei blog afirmando que eles são uma espécie de KISS portenho. Será? Queria saber dos meus amiguinhos se alguém chegou a vê-los quando tocaram no Brasil?
Mairon: Opa, Paul Stanley pousou em Buenos Aires e gravou esse belo CD em espanhol? E agora é o Gene Simmons que está cantando "Placer Dulce"? Cara, essa sonzeira registrada em Pecado Mortal é a coisa mais Kiss que o Kiss nunca gravou. Gostei bastante, rock 'n' roll honesto como a banda americana, com as letras em espanhol que casaram muito bem com a proposta instrumental. Curti o álbum inteiro, mas posso destacar como centrais as canções "Pecado Mortal", bela surpresa logo de cara, a agitadona "Tu Vanidad" e a balada hard "Donde Vas". Dos discos modernos (pós-anos 90), com certeza é o melhor dos aqui recomendados. Chutaria que foi o Davi quem indicou isto.
Fernando: Impossível não identificar o Kefren com o Kiss. Não só pelo som, mas também pela voz. Não consegui encontrar muitas informações sobre eles e talvez o Davi possa nos ajudar. Estranho a nota para o disco no site Rate Your Music ser tão baixa para um disco que passa muito longe de ser ruim. O som é divertido, mas infelizmente nunca vai deixar de ser somente o Kiss argentino e ser uma curiosidade por isso.
Diogo: Conheço o Kefren por sua relação com o Kiss, abrindo shows de ex-membros do grupo e participando de suas apresentações. Pelo visto, a relação não fica apenas nisso, uma vez que o álbum vem bem na cola dos mascarados, neste caso especialmente de Revenge (1992). O timbre vocal de Sebastián Gaba, inclusive, tem tudo a ver com o de Paul Stanley e ele não faz questão de disfarçar. Pra completar, Leonardo Moon banca Gene Simmons desavergonhadamente. O som do grupo é um hard rock feijão com arroz, que cai bem na noite, acompanhando algumas cervejas. Gostaria que o quarteto fosse mais original, mas não vou negar que gostei de ouvir “Cama Redonda” e a faixa-título. Por outro lado, há canções bem fraquinhas, como “Placer Dulce”, “Alas de La Libertad” e “Volvió el Amor”. Falta originalidade e qualidade à banda para que ela se destaque em qualquer cenário. Como eu disse, ouvi-la na noite pode até ser uma boa, mas não ao ponto de acompanhar sua carreira e ouvir todos os seus discos.

A.N.I.M.A.L. - El Nuevo Camino Del Hombre (1996)
Recomendado por Ulisses Macedo
Esse tema do Davi quase me quebra as pernas: sou pouco ligado em rock argentino, mesmo o que não é cantado na língua nativa. Das bandas que conheço (V8, Rata Blanca, Hermética, Sui Generis, etc.), este disco do A.N.I.M.A.L. é um que considero no mínimo interessante dentro de sua época, injetando belas doses de groove e thrash na proposta do típico metal alternativo noventista. Pouco depois os caras se aproximariam mais do nu metal e explodiriam com o disco Poder Latino (1998), produzido pelo Max Cavalera e contando com a presença de convidados famosos, mas ainda prefiro o som um pouco mais tradicional de Nuevo Camino, com destaque para "Guerra de razas", "Antes de morir" e a faixa-título, numa época em que os caras já eram destacados na cena metálica da Argentina.
Davi: Excelente banda. Tenho alguns discos deles em casa. Esse, em questão, não conhecia. Lembro que comecei pelo Usa Toda Tu Fuerza, que comprei no escuro por conta das participação especial do Lemmy Kilmister. A sonoridade de El Nuevo Camino Del Hombre, à grosso modo, é uma competente mistura de thrash metal e hardcore. Em alguns trabalhos posteriores era possível pegar uma certa influencia de new metal, o que fez com que os fãs mais radicais torcessem o nariz para os garotos, mas nessa época ainda não existia essa onda. “Guerra de Razas” e, principalmente, “Sol” mostram bem essa mistura de thrash e hardcore. Através delas, consegue-se ter uma boa ideia do que se trata o disco.
Alisson: Difícil levar um projeto tão mal intencionado quanto este a sério. Nenhum momento sequer passa próximo de exibir algo minimamente interessante ou de bom gosto. Tudo é apenas um uso excessivo de afinações baixas e um nu-metal extremamente forçado e lotado de grooves forçados acompanhado por um vocal tosquíssimo. Se não serviu nem para mim, que gosto do estilo e defendo algumas coisas de gosto duvidoso, acredito que não servirá para ninguém. Passe longe.
Christiano: Disco interessante. As letras em espanhol combinaram muito bem com o metal característico dos anos 90, com fortes influências do Pantera, pelo menos o vocalista lembra bastante. É aquele tipo de metal cheio de groove, baseado em riffs pesados e com afinações mais baixas. Eu ficaria muito feliz se tivesse conhecido isso na época em que foi lançado. Estranhamente, era mais fácil ter acesso aos lançamentos de bandas alemãs que das argentinas. Ótima surpresa. 
Ronaldo: O rock nos anos 90 tinha muita assinatura própria. A empunhadura das guitarras e as batidas dos primeiros minutos desse disco são totalmente espírito de época. Apesar de não ser um bom conhecedor das bandas que viraram as páginas do heavy metal naquela década, como o Pantera, posso afirmar que tudo que ouvi nesse disco do A.N.I.M.A.L já me soava bastante familiar e com certeza não foi por obra da banda, da qual nunca tinha ouvido falar. Se originalidade não é uma necessidade no rock, a banda relê suas influências com propriedade e muita pegada. Há ótimos grooves como em "Guerreros Urbanos" e "Antes de Morrir", os vocais gritados só servem para pregar aos já convertidos e guitarras com afinações graves infestam o rock desde aqueles tempos.
Marco: Falar mal desse disco significa contrariar 30.000 argentinos que o compraram no lançamento, um sucesso estrondoso no país e que levou a banda a se aventurar internacionalmente. Então, por mais que não tenha achado meus ouvidos no trash, é um trabalho porreta de se ouvir e recomendado a quem gosta do estilo.
Mairon: O bom do Recomenda é que sempre surgem bandas que nunca ouvi falar. Esse grupo metálico é um exemplo disso. Claro que imaginava que se fazia esse tipo de metal nas terras hermanas, mas não pensava que ia ser algo desse nível. O trio faz um som bem competente, sem tirar nem por, que me lembra um pouco de Pantera aqui, um que de Anthrax acolá, e até um cheiro de Rage permeando as músicas. Para quem curte quebrar pescoço, é um belo disco. Destaque para as faixas "Guerra de Razas", "Guerreros Urbanos", "Sol" e "Sabia Naturaleza". O rap de "Chalito" é algo muito desnecessário mas que não acaba prejudicando o contexto geral da obra. Não é algo que eu irei comprar, mas é bom saber que há bandas decentes de metal aqui do lado.
Fernando: Achei uma mistura de Korn, Suicidal Tendencies e Charlie Brown Jr. Duas dessas bandas eu particularmente não gosto de nada. Assim é fácil descobrir o que achei do disco. A faixa que fecha o disco, “Chalito”, é o tipo de música que não me desce nem com cerveja belga.
Diogo: A primeira impressão que tive ao colocar este disco para tocar é a de que a banda soa mais ou menos como uma cruza entre Pantera e Biohazard, isto é, mesclando o lado mais grooveado do thrash metal com o mais agressivo do hardcore novaiorquino. Como era de se esperar em se tratando dessa mistura, acabei achando o disco cansativo, pois ele não possui toda aquela dinâmica que tornava o Pantera tão único, especialmente no trabalho de guitarra, que é muito mais básico que aquele levado a cabo por Dimebag Darrell. Além disso, Andrés Gimenez não é nenhum Phil Anselmo. O grupo, porém, faz um trabalho competente e deve agradar quem é mais chegado nesse estilo tão tipicamente noventista. Pra mim não funciona. Mais uma coisa: “Chalito”, que fecha o álbum, é uma tentativa meio constrangedora de criar um rap metal.

Downfall of Nur - Umbras de Barbagia (2015)
Recomendado por Alisson Caetano
O projeto solo do italiano radicado argentino Antonio Sanna pode não ser o melhor exemplo de rock com traços argentinos, mas é, por sua vez, um interessante trabalho folk pagão dentro do black metal. Apostando em texturas e instrumentações atmosféricas entrecortadas por trechos de musicalidade nórdica, o disco consegue manter a atenção para o desenrolar de sua musicalidade de maneira interessante e sem muitos atropelos. Dado o devido desconto para o trabalho vocal deslocado (única função não desempenhada por Antônio) e a bateria desnecessariamente cheia de viradas mais complexas, Umbras de Barbagia é um trabalho muito interessante de black metal feito em solo sul-americano, mesmo que pensando em estéticas estritamente nórdicas.
Davi: Quando vi a capa do disco, trazendo o Donkey cabisbaixo, de cara fechada, usando o chapéu do Falcão, imaginei que seria um álbum de metal extremo. A introdução, trazendo uma mistura de Gypsy Kings com Resident Evil, meio que me surpreendeu positivamente, mas quando a banda entrou tocando, meu Jesus Cristinho, o vocal do cara é ininteligível, os arranjos de guitarra e bateria são repletos de clichês. A qualidade de gravação, tirando o som da caixa da bateria que parece que ele está usando uma lata da Suvinil, até que é boa. Mas os melhores momentos do disco são realmente quando eles retornam à lógica da introdução mais cinematográfica, mais experimental, os momentos heavy, não curti, não. Se bem que nunca fui fã de black metal. Se você curte, ignore meu comentário e tente.
Ulisses: Este projeto de Antonio Sanna explora a história da civilização nurágica, intercalando um black metal opressivo com melodias folk, fazendo uso, especialmente, de flautas. O resultado foi além de minhas expectativas do gênero, conseguindo evocar a atmosfera necessária e pintando algumas paisagens impressionantes, seja nos momentos mais calmos ou nos mais ferozes, onde o vocal do convidado Daniel ('Danny Tee') mais se compara a violentos ventos uivantes. É interessante ler entrevistas com Sanna, já que, apesar de morar na Argentina (e ter parcos 19 anos à época de lançamento do álbum!), nasceu na Sardenha e demonstra prazer em escavar a história de seus ancestrais.
Christiano: Difícil classificar o som praticado por essa “one man band”. Seria alguma coisa do tipo “Post Black Metal” com pitadas de música folk? As partes mais lentas, meio etéreas, são bem agradáveis, mas quando engata um Black Metal com aqueles riffs típicos de bandas como Deafheaven, a coisa fica meio cansativa. Mas isso não é um problema. Acredito que os ouvintes que estão mais familiarizados com esse tipo de som irão gostar do disco como um todo, porque parece bem elaborado e inventivo.
Ronaldo: Há predicados aqui - a bateria é soberba, a distorção das guitarras é vigorosa e consistente e os climas sombrios são explorados com propriedade, com uso de teclados e instrumentos acústicos. Contudo, a banda despenca em exageros que destroem o resultado final - músicas longas e repetitivas em demasia e vocais gritados sem nenhum pudor em uma frequência estupidamente irritante.
Marco: Alguém por aqui vai explicar que catso significa Downfall of Nur, então vou poupá-los. Mas o jovem Antonio Sanna, a pessoa por trás de todo o projeto, é nascido na Sardenha e só há pouco fixou residência na Argentina. Daí minha dúvida: se no mundo globalizado de hoje um músico italiano morando na Argentina lança um trabalho todo calcado em suas raízes, pode-se dizer que a banda (ele assina como banda) é argentina? Parece-me mais um detalhe geográfico. Quanto ao disco, é bem legal, mas a questão levantada aqui é melhor.
Mairon: Mais uma banda relacionada ao Metal, dessa feita com a turma mais dark desse grupo. Não imaginava que existia algo sequer parecido em terras hermanas. O pessoal explora sonoridades muito belas de instrumentos incomuns no Metal, principalmente a flauta, o violoncelo, algo que lembra uma gaita de fole (é uma?) e o piano, os quais se sobressaem na linda, longa e viajante "The Golden Age", com certeza a melhor do disco, junto de "Ashes" e a bonita "Intro". Uma lástima apenas esses vocais tenebrosos. Mas enfim, foi uma audição interessante, bem melhor que outras bandas do mesmo gênero que apareceram nas listas de Melhores. Alguém sabe me dizer por que o discogs diz que a banda é da Itália?
Fernando: O “cantor” demorou tanto para começar a “cantar” que cheguei a achar que era uma banda de black metal atmosférico instrumental. Imagino que o Downfall of Nur não teria problemas com preconceito em relação à língua das músicas, afinal não dá para entender nada mesmo. Se pegar duas bandas desse estilo, uma cantando em cantonês e outra em aramaico antigo vão soar todas iguais. Também não faria objeção alguma se alguém dissesse que a banda era russa, sulafricana ou venezuelana, já que o clima é totalmente nórdico.
Diogo: Este é o tipo de material que eu normalmente não esperaria ver em uma edição com essa temática. Isso é bom, pois o trabalho me surpreendeu, ainda mais ao saber que foi realizado apenas por um rapaz de 18 anos – com exceção dos vocais, gravados por um convidado. Minha compreensão do subgênero ainda é limitada, mas posso afirmar que o Downfall of Nur situa-se naquele espectro que abrange o black metal atmosférico e o post-black metal, incluindo ainda instrumentações mais puxadas para o folk e um quê de doom metal na linha do Katatonia noventista. A comparação mais óbvia para mim, que não sou um estudioso do estilo, é com o Burzum em sua fase Filosofem (1996), só que muito mais límpido, incluindo cordas, que dão um ar mais sofisticado ao trabalho (ouça a bela “IV – Ashes”). Um ótimo indicativo de um bom álbum é quando suas faixas mais longas constituem uma experiência prazerosa, não um exercício em autoindulgência que esperamos logo se encerrar. Isso ocorre com os mais de 17 minutos de “II – The Golden Age” e não é diferente com as outras músicas, mais curtas, mas ainda longas. Com exceção do clássico Artaud, é o melhor álbum indicado nesta edição.

El Reloj - El Reloj (1975) 
Recomendado por Christiano Almeida
Primeiro disco dessa grande banda de Hard Rock/Progressivo da Argentina. Sempre gostei muito de coisas como Uriah Heep, Deep Purple etc. Por outro lado, nunca consegui assimilar as bandas que adotavam o espanhol como idioma em suas músicas. Foi necessário escutar bandas com Vox Dei e El Reloj para que eu deixasse essa bobeira de lado.Este é o primeiro disco da banda, e impressiona pela alta qualidade tanto das composições, execução e da boa gravação. O estilo das músicas transita entre o Hard Rock, o Progressivo e algumas pistas de psicodelia. Os ótimos vocais de Willy Gardi são um destaque a parte. Depois de escutar o disco todo e conhecer outras bandas no mesmo estilo, é inevitável não ceder à tentação de reconhecer que a Argentina não ficava devendo nada para o que era produzido no Brasil na mesma época. Talvez até estivessem bem à frente...
Davi: Bacana esse som. Tinha escutado algumas coisas do trabalho seguinte, aquele de capinha preta. Banda de rock n roll progressivo, em algumas passagens, especialmente de teclado, é possível pegar uma influencia de Deep Purple (sim, eu sei que o Deep Purple não é prog. Não precisa salivar). Um exemplo claro é “Alguien Mas Em Quien Confiar”. Mas o que me chamou atenção de verdade foi o trabalho de guitarra / voz e, principalmente, o de bateria. Juan Esposito dá umas quebradas lindas nesse disco. Bom álbum.
Ulisses: Sólido disco de rock setentista que chama atenção na parte instrumental - algo que fica bem evidenciado em faixas como "Hijo del Sol y la Tierra" e "Haciendo Blues y Jazz". Mas o vocal é bem pouco interessante, e falta mais direcionamento nas composições, que ainda têm certa cara de jam.
Alisson: O som do álbum de estreia desses argentinos é uma série de cacoetes do rock psicodélico inglês, cantado em espanhol. As faixas ainda tem uma estranha aparência desconjuntada, como se foram montadas por vários blocos musicais independentes uns dos outros. "Hijo del Sol y la tierra" deixa isso claro, pois de uma tensão musical, ela se torna uma faixa bem estranha e esquizofrênica baseada em tempos acelerados. Os vocais são estranhos pela afinação, e deixam claro o amadorismo do letrista. Por fim, os teclados foram mal trabalhados tanto em tom quanto em evidência, pois soam datados e passam de protagonistas para o completo esquecimento de uma hora para a outra. Definitivamente não recomendo isso nem para fãs de hard rock dos mais aficionados.
Ronaldo: Uma banda competente, com pique e energia de sobra para interpretar a mesma linha sonora de Uriah Heep e Deep Purple, mas que parece um bocado subnutrida para tal fim. A produção sonora dos discos não ajuda, a banda derrapa em clichês e acaba ficando estereotipada, e os timbres de teclado são enfadonhos e deslocados do conjunto. Ainda assim, há bons momentos e composições bem empolgantes. O disco seguinte, também autointitulado e lançado no ano seguinte, representa melhor os adjetivos que a banda possuía.
Marco: Na Argentina, El Reloj é mito, como é um Made in Brazil por aqui. Mas pelo fato dela ser uma das primeiras bandas de hard rock pesado da América do Sul, fala-se muita merda a respeito, tipo compará-la ao Deep Purple. Seus dois primeiros discos são excelentes, mas o vocal, na minha opinião, destoa da qualidade do instrumental. Eles gravavam pela RCA e, na metade dos anos 70, a matriz da RCA Brasil ficava em São Paulo, próximo da casa da minha namorada, depois esposa. Pois a banda, na época em que lançou seu segundo disco (1976), esteve hospedada num hotelzinho miserável próximo da gravadora. Cheguei a conhecê-los e meu primo ganhou até disco deles autografado. Não me recordo de terem obtido algum sucesso na empreitada, pois a RCA não lançou o disco deles no Brasil, e nem de haver rolado algum show.
Mairon: Banda clássica de Buenos Aires, liderada pelo guitarrista, vocalista e talentosíssimo Willy Gardi, em seu álbum de estreia. Comparados com o Deep Purple, o quinteto possui muita veneração nos sebos da capital, e esse álbum em especial é tratado como Bíblia. E realmente, quem quer conhecer o rock argentino tem que ouvir essa pérola musical. As similaridades com Deep Purple devem-se principalmente ao fundamental Luis Valenti nos teclados, o qual emula sem piedade Jon Lord logo na primeira faixa, a épica "El Viejo Serafín", e fazendo uma espécie de "Lazy" portenha na abertura de "Alguien Más En Quien Confiar", mas não é só o quinteto britânico a referência dos argentinos. Por exemplo, o percussionista Juan Espósito traz uma cara de Santana para o som da banda na envolvente "Hijo Del Sol Y De La Tierra", e ao ouvir "Haciendo Blues y Jazz" percebe-se que a banda também era capaz de criar algo novo usando de ideias diversas. As qualidades são várias, sejam as harmonias vocais bem trabalhadas entre Gardi e Valenti, assim como o casamento perfeito dos instrumentos de ambos com a guitarra ácida de Osvaldo Zabala, uma cozinha azeitada e quebrando tudo (também, tendo um batera com o nome de Juan "Locomotora" Esposito), e acima de tudo, canções que ficam na nossa mente depois das audições. Melhores faixas para o pesado rock de "Más Fuerte Que El Hombre" e a baladaça bluesy "Blues Del Atardecer", contando ainda com um longo e assustador solo do "Locomotiva". Excelente recomendação!!!
Fernando: Começou de uma forma que lembrou alguns discos do Pink Floyd. Mas depois vemos que o progressivo do El Reloj é mais puxado para o hard rock como nas músicas mais progs do Deep Purple. Passagens interessantes, mas no geral não dá aquela sensação de “tenho que ouvir de novo”. E solos de bateria em shows eu já acho chato, no meio de discos de estúdio então é dose! Acredito que na época pode ter até sido bastante aclamado na Argentina. Hoje, no meio de tantos outros passa batido.
Diogo: Normalmente gosto de artistas que se aventuram pelo hard com uma pegada prog e neste caso não é diferente. O grupo do baterista Juan Esposito – destaque da formação – carece de um vocalista melhor, mas faz um trabalho digno. Tem toda aquela pinta de terceiro escalão e produção condizente com esse fato, mas não esperava algo muito diferente. Esposito, apesar de não ser creditado como compositor em nenhuma faixa, exerce seu domínio como instrumentista e tem direito a um grande solo de bateria que justifica o apelido de “Locomotora”. Não vou indicar destaques entre as faixas, pois o tracklist que ouvi difere em ordem daquele que encontrei na Wikipédia, mas posso afirmar que se trata de um bom trabalho, que poderia ser bem superior caso tivesse uma produção melhor.

Espíritu - Crisálida (1975)
Recomendado por Ronaldo Rodrigues
Não sei quanto do rock progressivo italiano chegou até os ouvidos dos argentinos, mas ouço com nitidez uma relação umbilical entre o rock progressivo dos dois países. Talvez isso se deva até pela presença maciça de imigrantes italianos lá. Se alguém me dissesse que o Espíritu tratava-se de uma (boa) banda italiana, acreditaria facilmente. Apenas a produção sonora é diferente. Nisso, o Espíritu soa mais como banda inglesa - bateria e baixo tem uma sonoridade muito polida e forte, simultaneamente. Quanto ao som do grupo, talvez este disco esteja no pódio dos melhores representantes do rock progressivo de toda a América Latina nos anos 1970. Tudo o que faz o estilo ser igualmente amado e detestado está aqui com sobras - dezenas e dezenas de convenções e mudanças de andamento, os timbres típicos do estilo, o uso de reprises textuais, virtuosismo e temáticas viajandonas.
Davi: Fantástico. Rock n roll progressivaço com uma puta influencia de Yes, banda que eu adoro. Não conhecia o trabalho desses caras, mas achei o disco fantástico. Traz todas as características do gênero. Por ser um álbum dos anos 70, percebe-se bastante uso de moog. Abusam da variação rítmica, misturam violão com guitarra, hard rock com folk rock. Trabalho vocal bem agradável. Todos os músicos são excelentes e o disco é muito bem gravado para os padrões da época. Faixas preferidas: “La Casa de La Mente” e “Sabios da Vida”.
Ulisses: A primeira coisa que me veio à mente ouvindo esse disco, é que tirando os vocais, o som não parece se diferir do prog europeu, claramente remetendo ao Yes. A banda constantemente intercala entre momentos folk, sinfônicos e roqueiros, embora pareça não conseguir desenvolver as progressões das composições de uma forma que soe menos previsível e pouco impressionante. Ainda assim, a audição não deixa de ser agradável.
Alisson: São notáveis as boas intensões, mas a produção não joga um segundo sequer a favor da banda. Violão que mais soa como cerca de fazenda tocada com um pedaço de madeira, guitarras mal timbradas e som muito espaçado. Os momentos em que o guitarrista se mete a solar são de uma fritação ridícula, pois dá para notar cada palhetada se embolando em um som que quase não se distingue. O que se salva são algumas ideias sinfônicas e algumas intervenções de piano (não os teclados, estes são extremamente caricatos e quase cômicos). Em última instância, seria recomendado aos fãs de progressivo obscuro e cabeçudo, dados os avisos antecedentes quanto a ruindade da produção de algumas execuções.
Marco: Uma das grandes bandas do progressivo argentino, ao lado de Crucis, Aucan, Pablo El Enterrador, Alas… Um disco fantástico, de destreza instrumental acima de qualquer crítica, e que soube vestir de timbres arrojados uma invejável qualidade poética. Para muita gente, Crisálida é um disco muito avançado considerando a Argentina de então (1975). Só posso dizer que ouvi-lo na época foi uma experiência e tanto.
Mairon: Tradicionalíssima banda do rock progressivo argentino, levada pelo violão e guitarra de Osvaldo Favrot e com belíssimas harmonias vocais, inspiradas em Yes, essencialmente nos timbres Wakemanianos dos teclados de Gustavo Fedel. Foi um dos primeiros grupos de rock argentino que conheci, e ainda hoje, curto bastante essa sonoridade da banda, que pegou também boas referências nos conterrâneos do Vox Dei, vide a bela "Prolijas Virtudes Del Olivido" e a intrincada "Tiempo de Ideas". As faixas emendadas tornam o álbum um audição como se fosse uma única canção, mas depois de ouvi-lo atentamente, destacam-se o lindo solo de baixo em "Sueños Blancos Ideas Negras", o exímio trabalho de teclados na igualmente bela "Hay Un Mundo Luminoso", além das harmonias vocais excelentemente trabalhadas em "Eterna Evidencia" e "La Casa De La Mente". O violão aparece como peça central da curta "Sabios De Vida" e "Hay Un Mundo Cerrado Dentro Tuyo", e no geral, Crisálida tem uma sonoridade bem versátil e agradável durante todo este que é mais uma grande recomendação nessa edição.
Christiano: Um dos melhores discos da lista. Nunca tinha escutado, mas estava em minha fila de espera. Som altamente elaborado, com incursões pelo progressivo e o folk rock. Talvez a referência mais direta, só para efeito de comparação, sejam os grupos de Progressivo Italiano, como Le Orme e New Trolls. Se fosse pra eu indicar uma única faixa para apresentar o disco, seria “Sueños blancos, ideas negras” uma das melhores, em minha opinião.
Fernando: Apesar da clara influência de nomes ingleses em seu som é fácil perceber quando as bandas progressivas são argentinas ou brasileiras. Há algo nos timbres ou algum efeito de gravação que sempre se faz presente. É uma pena eu não ter conhecido isso no auge do meu tempo como ouvinte e pesquisador de progressivo. Certamente seria uma banda de cabeceira hoje. A capa e o clima também remetem ao progressivo italiano.
Diogo: Meu conhecimento sobre o rock argentino é pequeno, mas suficiente para saber que, desde seus primeiros passos, nunca ficou devendo para aquele feito em território brasileiro. Crisálida é um belo exemplo disso, um álbum com aspirações de grandiosidade, levado a cabo por músicos talentosos que miravam no rock progressivo europeu e desenvolviam suas ideias com talento. Claro, há um quê de Gentle Giant aqui, outro de Yes acolá e umas pitadas de Genesis, mas isso é normal e não arranha o mérito do quinteto. “Sueños Blancos, Ideas Negras” puxa mais para o hard e é uma pena que não se estenda por mais alguns minutos, pois quando engrena empolga bastante. Felizmente, dá lugar a “Sabios de Vida”, que mostra um ótimo trabalho do baixista Claudio Martinez. Certamente se trata de uma ótima adição à coleção dos proggers que gostam de fugir do predomínio europeu e buscam trabalhos que se destacam mais pela qualidade do que pelo simples fato de ser produzido fora do eixo.

Miguel Abuelo & Nada – Migel Abuelo & Nada (1973)
Recomendado por Marco Gaspari
Miguel Abuelo praticamente inventou o rock argentino em 1967 junto com Litto Nebia, Tanguito, Spinetta e mais alguns pioneiros. Entre 1972 e 73, levando uma vida de hippie errante na Europa, forma um grupo com expatriados chilenos e argentinos, entre eles o guitarrista Daniel Sbarra, e grava o disco Miguel Abuelo & Nada, produzido pelo multimilionário Moshé Naim para seu selo francês. O disco só sairia em 1975 e nunca foi editado em vinil na Argentina. É considerado um dos melhores discos gravados em castelhano nos anos 70, transitando entre o progressivo sinfônico, baladas folk medievais e um furioso hard rock. É ouvir para crer.
Davi: Lembro que nosso amigo Marco Gaspari havia citado esse disco em uma matéria justamente sobre esse tema. O legal dessa seção é que nos força a ouvir o disco. Algo que nem sempre fazemos quando lemos sobre um artista que não conhecemos. E que ótima surpresa. Puta disco! Mesmo! Foi um dos que mais gostei dessa leva. Mistura momentos calmos, meio folk, - com direito até à uma flauta, me soa como aquelas feitas de bambu, não vou recordar o nome nem a pau, mas o instrumento casou muito bem na sonoridade do grupo – com uma pegada de hard rock. Não parei para ler as letras com a atenção que merece, mas percebi que ele escreve meio que poesias. Parecem ser interessantes. Sei lá porque, mas embora sejam grupos totalmente distintos em todos os aspectos, algumas linhas vocais me remeteram um pouco ao Secos & Molhados. Não sei se estou viajando muito, mas... Trabalho extremamente bem feito e cativante. Faixas de destaque: “Tirando Piedras Al Rio”, “Estoy Aqui Parado, Sentado Y Acostado” e “Octavo Sendero”.
Ulisses: Que disco bastante interessante! Misturando um belo dum hard rock com folk e psicodelia, destacam-se a entrega (mas não a técnica) vocal e o trabalho de guitarras, postos em composições bem fluidas.
Alisson: Um hard psicodélico bem estranho e sem foco em muitos momentos. De riffs faiscantes o disco passa para um folk nos moldes do Jethro Tull sem muita cerimônia. Não é necessariamente horrível, mas passa longe de eu sentir vontade de querer ouvir isso algum outro momento.
Ronaldo: A impressão que eu tenho é que tanto a voz de Miguel Abuelo quanto a inclusão de alguns violinos e violoncelos são pura ironia face ao rock pesado que a banda executa. Há aquelas típicas inteligências musicais comuns ao rock setentista - variações de clima, fortes interações entre bateria e baixo e uso criativo de instrumentos acústicos, contudo o encaixe dessas peças parece tirar sarro desse tipo de criação, anarquizando-as. O conjunto do disco as vezes soa insólito; o tempo todo, soa exagerado. Mas como não é o tipo de coisa na qual eu faça dieta, aprecio sem moderação.
Mairon: O vovô Miguel teve uma vida sofrida, refugiado na França e falecendo de AIDS. Na época desse álbum, registrado em 1973, ele era um dos pais do rock na Argentina, ao lado de Spinetta e Tanguito, e foi com o Los Abuelos de Nada que registrou uma obra secular. Sua voz esganiçada e chorosa, acompanhada de uma banda foderosa, rasga as caixas de som com guitarras ácidas, uma cozinha que pega junto na pancadaria, um violoncelo marcante e alucinante, e canções para comemorar os bons tempos onde praticamente tudo o que se criava no hard rock mundial era perfeito. Mas o LP tem de tudo um pouco. Hard sujo e com muita distorção em "Señor Carnicero", influências zeppelianas na épica e linda balada "Estoy Aquí Parado, Sentado Y Acostado", o folk suave de "El Largo Día De Vivir", levada por violões, violoncelo, harmonias vocais e flauta, e que lembra um pouco o Secos & Molhados de sua primeira fase, as passagens progressivas de "Recala Sabido Forastero" e a maluquice de "El Muelle", com Miguel ora gaguejando, ora emulando animais da floresta, e uma sonoridade muito sinistra. Além disso, "Tirando Piedras al Rio" traz um solo de guitarra de Daniel Sbarra - outro nome essencial para o rock portenho - que deixaria Jimi Hendrix com um sorriso maior que o Everest, e "Octavo Sendero" é uma faixa tão Uriah Heep que até Mick Box deve ter pensado: "Será que quem criou isso foi eu?", mas daí ele ouve os solos de violoncelo e se dá conta de que a magia heepiana conseguiu ser ampliada por esses argentinos. Como meu chapéu se quem indicou esse fantástico álbum não foi meu amiguinho de ASPABROMI Marco Gaspari, o maior fã de Nada que conheço.
Christiano: Belo instrumental de Hard Rock setentista, mas o vocal estraga tudo. As músicas são muito boas, bem executadas e com arranjos criativos. Se tivessem outro cantor, seria um bom álbum. Uma pena.
Fernando: Gostei da adição de outros instrumentos que normalmente não são muito relacionados com o rock. Achei a sonoridade muito próxima ao que tínhamos no rock aqui no Brasil; aquele rock que o povo da MPB se interessava também. Até a capa me lembrou algo da Tropicália. Destaque à guitarra de Miguel Abuelo. “El Muelle” tem a cara da psicodelia inglesa com adição de uma pequena excentricidade latina.
Diogo: Este disco pode não ser o mais diferente da lista (posição ocupada pelo Downfall of Nur), mas é o mais peculiar. É dotado de um lirismo muito diferente, que o torna um álbum mais difícil de assimilar com poucas audições. Em momentos, é direto e visceral, em outros, delicado e bem trabalhado. Também é isso tudo ao mesmo tempo, como na melhor canção, “Estoy Aqui Parado, Sentado e Acostado”, com uma interpretação muito boa do tal Miguel vovô. Em alguns momentos, descamba para o rock mais pesado e apresenta ótimos resultados, caso da aptamente intitulada “Señor Carnicero”, uma das canções que bem ilustram o talento do guitarrista Daniel Sbarra, assim como “Octavo Sendero”. Parabenizo o Davi pela escolha da temática, pois revelou vários bons discos dos quais nunca havia ouvido falar, como este.

Pescado Rabioso – Artaud (1973)
Recomendado por Mairon Machado
Luis Alberto Spinetta é, ao lado de Charly Garcia, o principal nome do rock argentino para os nossos hermanos. Em 1971, ele fundou o grupo Pescado Rabioso, uma sequência do fabuloso Almendra, o qual ao lado do Vox Dei, pariu as sementes de tudo o que está sendo discutido nessa postagem de hoje. No formato power trio, o Pescado lançou seu primeiro disco em 1972, a paulada Desatormentándonos, um dos principais álbuns do hard rock daquele país. Ainda em 72, mas agora como quarteto, lançam o fantástico álbum duplo Pescado 2, que assim como seu antecessor, é outra pedrada inacreditável, e considerado pela imprensa especializada da Argentina como um dos 20 melhores discos de rock da história do país. O grupo se dissolveu depois do lançamento de Pescado 2, mas o contrato com o selo Microfón exigia mais um álbum. Spinetta chamou a responsabilidade para si e criou essa obra prima da loucura portenha. Ao lado do irmão Carlos Gustavo Spinetta (bateria), e dos ex-colegas de Almendra Rodolfo García (percussão e voz) e Emilio del Guercio (baixo e voz), Spinetta derrama canções emotivas,, em um disco repleto de variações climáticas, indo desde rocks alegres ("Supercheria",  "Sed Verdadera" e “Las Habladurías del Mundo”) até as mais profundas lamentações ("Todas las Hojas Son Del Viento", "Por" e "Bajan"), com as letras construídas basicamente em cima dos poemas do poeta francês Antonin Artaud. Gravado praticalmente ao vivo, Artaud tem ainda um lindíssimo blues "Cementerio Club", que deveria rodar diariamente nos barzinhos de Puerto Madero, para alegrar a mocidade argentina, a psicodelia beatle de “Starosta, el Idiota”, e o auge da dramaticidade de Spinetta fica por conta dos quase dez minutos a épica "Cantata de Puentes Amarillos", onde apenas com violão e voz, Spinetta encarna um Bob Dylan de bombacha e cuia, botando para fora toda sua genialidade em um blues folk que nos faz senti-lo sentado diante de seus olhos, enquanto absorvemos uma boa e gelada Quilmes envolto de uma grande fumaceira de Marlboro. Para fechar, ter a oportunidade de ver e tocar na capa original de Artaud dá uma emoção e indignação indescritível, pois a complexa peça, em formato de peixe, é inimaginável de ter sido criada e aprovada para ser fabricada em um país que vivia em um momento onde cultura significa ser contrário ao retorno do Peronismo. Um álbum para ser consagrado, admirado, mas principalmente, ser absorvido aos poucos, e que traz a genialidade de um dos monstros sagrados que a arte mundial já viu.
Davi: Bacana terem se lembrado desse disco. Esse eu já conhecia. Meu pai trouxe uma vez de uma viagem que ele fez à Argentina. Tinha pedido para ele me trazer alguns CDs do Rata Blanca e quando o vendedor descobriu que ele era do Brasil e estava comprando disco argentino ficou feliz e recomendou esse álbum que era um dos preferidos dele. Naquela época, não existia os Spotify da vida, então às vezes comprávamos alguns álbuns no escuro para descobrir coisas novas. O CD realmente é excelente. Embora seja creditado como Pescado Rabioso, trata-se de um trabalho solo do Spinetta (Almendra). Difícil definir esse trabalho. Tem um ‘q’ de psicodelia - conforme nota-se em faixas como “Las Habladurias Del Mundo” - de progressivo e até de hard rock, mas na maior parte do tempo é meio que acústico. Loucura total. Minha faixa preferida é “Supercheria”. E bah... sensacionais os samplers dos Beatles em “A Starosta, El Idiota”.
Ulisses: Arranjos de folk e blues rock, melodias competentes e voz embriagante. Embora eu não dê destaque a nenhuma faixa em particular, o trabalho todo é interessante e bastante agradável.
Alisson: Há uma tentativa de aproximação sentimental entre o músico e o ouvinte na forma de instrumentações mais versáteis do que o usualmente visto no folk acústico. É tudo muito inventivo e bem executado, mas não me adaptei tanto ao vocal extremamente evidente na produção (sem entrar nos méritos da língua). Recomendação muito interessante.
Ronaldo: Grupo do lendário compositor e instrumentista Luis Alberto Spinetta, que ocupa posição de destaque nos corações e mentes dos rockeiros argentinos ao longo das décadas. O disco em questão é o mais interessante dentre a trilha de discos gravados sob a alcunha de Pescado Rabioso (o disco na verdade é um trabalho solo de Spinetta), sendo o último antes de desaparecer e Spinetta montar o grupo progressivo Invisibile. O disco tem um tom confessional, um belo som de guitarra passeando em blues lentos e belas canções acústicas, sempre destacando a voz expressiva de Spinetta balbuciando lentamente todas suas letras. Um clássico.
Marco: Não vou questionar se esse disco é do Pescado Rabioso ou solo do Spinetta porque o Mairon fica nervoso, mas a obra é tão boa, tão fundamental para o rock sulamericano, que me permito divagar: que raios significa Pescado Rabioso? Trata-se de uma contradição, um paradoxo. Explico: a hidrofobia (está escrito lá no google) é o medo doentio de água ou líquidos. Sua causa pode ser psiquiátrica ou virótica. Quando ocorre na forma virótica é também conhecida como a doença “raiva”. O homem e vários outros animais podem se contaminar com a raiva, mas alguém consegue imaginar um pescado raivoso, um peixe contagiado pela hidrofobia?
Christiano: Logo na primeira faixa, “Todas la hojas son del viento”, já é possível perceber que estamos diante de uma obra prima. Durante o restante do disco, essa impressão só se reforça: desde o Blues de “Cementerio Club”, passando pela semi-acústica “Cantata de puentes amarillos”, somos presenteados com passagens de Hard Rock, psicodelia e uma forte veia Blues. Além de ótimo guitarrista, Luis Alberto Spinetta tinha também uma grande voz. Coisa fina.
Fernando: Na hora de procurar o disco teve um conflito de informações e ele é atribuído somente ao Spinetta e não ao Pescado Rabioso. Imagino que seja alguma coisa parecida com o primeiro disco do Van der Graaf Generator que também pode ser visto como um disco solo de Peter Hammil. Lembro de ter ouvido alguns discos da banda – não me lembro quais – quando saiu uma ótima matéria do Mairon há um bom tempo aqui na Consultoria e também emuma do Marco sobre o Almendra, essa já mais recente. Tanto que fui ouvir com o maior prazer, por que na minha memória eu tinha gostado, mas agora não achei tão bom. Estranho, já que se esse o disco que foi escolhido para representar a banda deveria ser o melhor, não é?
Diogo: Este é o único álbum que já havia ouvido entre os indicados. Trata-se de um clássico, uma obra-prima do rock argentino. Todas as faixas são boas, mas algumas são ainda melhores, caso de “Cementerio Club”, “Cantata de Puentes Amarillos” e “Las Habladurías Del Mundo”. É complicado – e desnecessário – rotular Artaud. É acústico, progressivo, psicodélico, folk, melódico, sensível e vanguardista, tudo ao mesmo tempo. Basicamente, um disco de rock, e dos bons. Em comparação com a grande maioria dos aqui citados, é muito melhor cantado, e não me refiro apenas à voz de Luis Alberto Spinetta, mas às melodias vocais que superam o jeitão mais “quadrado” do idioma espanhol, percorrendo caminhos sinuosos e agradáveis. Tenho certeza que não faltarão elogios vindos de meus colegas a este álbum. É uma obviedade? Sim, mas merecidíssima e necessária.

Rata Blanca - Rata Blanca (1988)
Recomendado por Fernando Bueno
Quando recebi o tema que o Davi tinha escolhido eu não tinha a menor ideia do que indicar. Nem as coisas que são consideradas mais óbvias do rock argentino eu conheço direito e também achei que as obviedades seriam indicados por algum outro participante – no fim dos que eu achei que teriam, só o Pescado Rabioso apareceu, mas Almendra e Pappo não. Mas daí lembrei do Monsters of Rock de 1995, em que uma banda argentina que abria o festival cantava sobre a cidade de Jerusalém, em espanhol, para uma plateia que ficou o show todo tirando sarro disso. Estarei mentindo se eu disser que conheço a banda plenamente. Lembro de ter ouvido na época do festival citado e em algumas ocasiões ao longo desses 20 anos. Seu som é bastante influenciado pelas bandas que Richie Blackmore teve desde os anos 70. Em “Preludio Obsesivo” você vai achar que algum disco do Malmsteen começou a tocar sem que você percebesse. Mas ouvindo de novo agora para esse texto vi que perdi muito do meu tempo já que a qualidade da banda nesse disco de estreia é notável. Inclusive o nível de produção e gravação é muito superior ao que tínhamos aqui no Brasil nessa época.
Davi: Álbum de estreia do Rata Blanca. Ótima banda e bom disco. Heavy metal cru, feito com extrema competência. Os solos de Walter Giardino nesse disco, nas músicas mais pesadas, me recordam o guitarrista sueco Yngwie Malmsteen. Um exemplo seria o de “Solo Para Amarte”. Em outros momentos, me remete ao Ritchie Blackmore, como no caso de “El Sueño De La Gitana”. A sonoridade da banda trazia influencia de hard e heavy como Judas Priest, Deep Purple, Accept. Nesse álbum de estreia, mais voltado para o metal. Trabalho vocal de Saul Blanch é bem bom, mas em se tratando de Rata Blanca, gosto mais do Adrian Barilari. Prefiro eles a partir do Mago, Espadas Y Rosas, mas sem duvidas é um bom disco e é um nome que não poderia ficar de fora dessa lista.
Ulisses: Outra das bandas mais influentes que conheço do metal argentino, o Rata Blanca pratica um cruzamento de heavy metal e hard rock, com aproximação neoclássica. Apesar de todos serem músicos competentes, o som fica aquém do esperado, contando com algumas composições sem força e, certas vezes, esticadas ao ponto de serem enfadonhas. Não é tarefa fácil aguentar faixas como "Gente del Sur" e "El Sueco de la Gitana" do começo ao fim. Os álbuns posteriores, com um novo vocalista e puxando um pouco mais para o power metal, conseguem ser um pouco melhores do que este disco de estreia.
Alisson: Não dá pra levar a sério esse metal sem fibra, zero originalidade e mal executado. Se está na obscuridade do nonagésimo escalão do hard rock, é puramente por falta de merecimento.
Ronaldo: Esse disco me ofereceu um prato de cheio de tudo o que não consigo apreciar no rock pesado dos anos 1980, com uma rítmica maçante, guitarras 100% do tempo distorcidas se contorcendo para não pisar sempre nos mesmos clichês e uma produção sonora paupérrima, com um som abafado. Sem destaques a destacar.
Marco: A grande banda argentina de metal. Tem quem considere o segundo disco deles insuperável dentro da discografia. Eu, por outro lado, gosto muito dessa estreia, mas tenho dificuldade de entender a merda de mixagem que jogou os vocais lá embaixo. Será que o cantor era baixinho demais e não alcançava o microfone?
Mairon: O Black Sabbath argentino. Assim que me foi apresentada a banda. E que decepção. De Black Sabbath a banda tem apenas o selo Vertigo em sua história, e mais nada. Os vocais agudos de Saúl Blanch são muito irritantes, e não consigo entender como essa se tornou a banda de metal mais famosa do país. O álbum é longo, quase uma hora de duração, tem canções chatinhas como "Gente del Sur", e demasiadamente muito cansativo. Claro que Walter Giardino é um animal nas guitarras, o que ele faz no solo de "Rompe el Hechizo" e durante as instrumentais "Preludio Obsesivo", uma aula de como tocar guitarra na melhor linha dos Malmsteens da vida, e "Otoño Medieval", essa última um singelo dedilhado acústico, é digno de aplauso, mas não o suficiente para me fazer exaltar a banda. Outros nomes são bem melhores que ela, e inclusive alguns deles estão nesse Recomenda. Espero não ouvi-los novamente.
Christiano: Do Rata Blanca eu só conhecia o Guerrero Del Arco Iris [1991]. Aliás, um disco bem melhor que esse primeiro. Não entendi a escolha. A gravação é bem precária, quase amadora, assim como as músicas, que são bastante repetitivas. Talvez um bom momento seja “El Sueño De La Gitana”, por conter fortes doses de AOR.
Diogo: Esta é uma menção que eu aguardava por aqui, não necessariamente com este álbum. Pelo pouco que conheço do grupo, trata-se de uma formação de qualidade, um tanto na cola do Rainbow, mas sem os exageros do Kefren em relação ao Kiss. Além disso, suas composições geralmente são bem melhores, destacando a guitarra de Walter Giardino, uma cruza de Ritchie Blackmore e Yngwie Malmsteen. É uma pena que a qualidade de gravação seja tão precária, pois há muita coisa boa no tracklist. Mesmo em canções mais previsíveis, como a heavy “Sólo para Amarte”, existe material empolgante. “Rompe el Hechizo” soa como uma mistura de Judas Priest com o lado mais power metal de Yngwie Malmsteen e deve ser muito bem recebida ao vivo. “El Sueño de La Gitana” é ótima e poderia muito bem estar encaixada em Stranger in Us All, disco lançado pelo Rainbow em 1995. Por mais que a banda não seja um primor de originalidade, gostei do álbum. Não dá pra ficar impassível aos bons riffs de “El Último Ataque” e aos solos de pegada neoclássica de Giardino, que dão um gás todo especial a essa faixa, provavelmente a melhor do álbum. Vale conferir o restante da discografia dos caras.

V8 - Luchando Por El Metal (1983)
Recomendado por Diogo Bizotto
Como meu conhecimento sobre o rock argentino é muito restrito, restou-me indicar uma obviedade, que é o primeiro álbum do V8, quarteto responsável por colocar a Argentina no mapa do heavy metal mundial. Felizmente, essa tarefa foi bem executada, não se limitando a apenas emular o que vinha sendo feito nos países com mais tradição no estilo. Isso fica bem claro desde a primeira faixa, “Destrucción”, que chega a beirar o thrash metal, isso quatro meses antes do Metallica lançar Kill ‘em All. Como era de se esperar, a produção é precária, prejudicando especialmente o som de bateria, mas a banda compensa com garra e boas performances, especialmente do guitarrista Osvaldo Civile, que encaixa um longo solo na arrastada “Si Puedes Vencer al Temor” e muda os rumos dessa ótima canção. É admirável que o primeiro passo que o estilo deu no país já seja tão empolgante. Há certa inocência nas letras, mas em quase tudo o trabalho é bem resolvido, mostrando que o time havia feito sua lição de casa com louvor, aprendido as lições dos grandes e, principalmente, sabia compor. Civile não cansa de surpreender e mostra que é um solista de gabarito (ouça “Muy Cansado Estoy”). O V8 não perde tempo nem tem aspirações de soar muito ambicioso; as canções são curtas, agressivas e sem firulas. Não sei a quantas anda o heavy metal argentino hoje em dia, mas ele começou muito bem.
Davi: Assim como o A.N.I.M.A.L. conhecia a banda, mas não o trabalho citado. Tenho um disco ao vivo deles que acho bacaninha, esse achei mediano, mesmo sabendo da importância do trabalho em questão e notando que tem alguns ‘hits’ como “Destrucción” e “Brigadas Metálicas”. Não gostei muito da produção do disco e nem do trabalho vocal. Os arranjos são bons e bebem bastante na sonoridade de bandas como Motorhead e Black Sabbath. Fazem um som honesto, bem tocado, foram uma banda importante para a cena argentina, mas esperava um pouco mais do disco.
Ulisses: Inegavelmente um dos discos mais importantes do metal argentino. Os caras foram uns dos pioneiros em popularizar tanto o som quanto a estética do metal para a cena roqueira do país. O álbum de estreia tem garra e energia, tendo performances sólidas do começo ao fim e faixas icônicas que marcaram os hermanos para sempre.
Alisson: Do nome da banda para o nome do disco, uma coisa já fica clara: isso foi feito por um bando de pivetes cheios de vontade e zero qualidade de ideias. Não bastasse a produção ser muito ruim, o som não faz nada além de reproduzir de maneira sofrível um speed metal safadíssimo e sem vergonha, que não consegue esconder em momento algum a pieguice de sua habilidade técnica nula e de seus versos ridículos de exaltação ao true heavy metal. Podia muito bem ter vivido sem essa.
Ronaldo: Aqui salvam-se as guitarras e seus riffs, que desfilam pesadamente e rapidamente por sobre batidas que parecem saídas de caixas de papelão. O rock é um bocado excitante, mas esse tipo de som é difícil de atingir quem está fora dos grotões do heavy metal tradicional, por mais que seus chutes e pontapés se esforcem para ir além. O título do disco e de algumas das músicas chegam a ser caricatos de tão autorreferenciados que são.
Marco: Mais uma prova de que o metal na Argentina é farto e de ótima qualidade. Não fui lá tentar entender as letras, mas o título do álbum é curioso: quer dizer que em pleno ano emblemático para o gênero (1983) alguém precisa sair por aí “Lutando Pelo Metal”? Fosse pelo rock progressivo que estava meio caído eu até entendo. É como se no começo dos anos 60, Pery Ribeiro lançasse um disco chamado “No combate pela Bossa Nova”. Tá, vão me falar que é a atitude épica e belicosa das bandas heavy, mas hoje em dia, quando a testosterona dos então jovens headbangers foi substituída pelo Viagra, me soa engraçado.
Mairon: Sonzeira metálica na linha da NWOBHM, mas cantado em espanhol, e que arregaça as caixas de som. O disco é curtinho, menos de meia hora, a maioria das músicas não chega aos três minutos, mas é legal de ouvi-lo, e surpreendentemente, muito bem produzido para os padrões da América do Sul, ainda mais que foi lançado em 1983. O quarteto se sai muito bem principalmente em "Brigadas Metálicas" e na longa "Si Puedes Vencer al Temor", que inclui teclados e torna o som bem diferente dos padrões metálicos. Conheci o V8 lá em 2009, quando tirei uma temporada em Buenos Aires, e lembro que o magrão que me apresentou a banda, um dos funcionários do hostel onde fiquei, era apaixonado por ela, tendo todos os discos da banda. Reescutar Luchando Por El Metal foi uma boa simbiose nostálgica para meu cérebro. Impressionante que em um país com tanto rock influenciado pela cultura popular argentina, os colegas consultores conseguem se puxar para manter o Metal em evidência por aqui.
Christiano: Metal oitentista clássico. Não podemos esquecer que este disco foi gravado em 1983, quando várias bandas moldavam o estilo. Por isso, não cabe chamar o V8 de cópia barata de nomes da N.W.O.B.H.M. O mais adequado seria dizer que temos aqui uma boa - e divertida - manifestação sul-americana do que vinha rolando nas terras de Steve Harris e Biff" Byford. Interessante.
Fernando: Pelo ano que foi lançado achei que seria uma desgraça na parte sonora. Os discos de metal dessa década aqui na América do Sul são marcados por isso. Gostei do metal - seja ele speed, tradicional ou proto-thrash - sem frescuras, direto e bastante enérgico. Disco com uma duração agradável e que nos faz ter vontade de ouvir de novo.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Entrevista Exclusiva: Fernando Cardoso (Tecladista do grupo Violeta de Outono)



O grupo paulista Violeta de Outono (VdO) voltou ao cenário musical mundial com força na última década. Muito de sua nova sonoridade deve-se a entrada do músico Fernando Cardoso, o qual foi responsável por tornar o som psicodélico do VdO mais próximo ao progressivo sinfônico, e que atraiu ainda mais fãs. A banda lançou ano passado seu nono álbum Spaces, e irá fazer essa semana o encerramento de um festival ao lado de O Terço Lado B, Monstro Amigo e Bombay Groove. 

Em um bate-papo com a Consultoria, o em breve Dr. Fernando conta um pouco sobre sua carreira musical, sua formação, os projetos em paralelo com o VdO e as expectativas pessoais para o ano de 2017.


1. Olá Fernando, bem-vindo a Consultoria do Rock e obrigado por nos conceder essa entrevista. O Violeta estará participando essa semana do festival Brasil Prog (mais informações no site do evento), ao lado dos grupos O Terço Lado B, Monstro Amigo e Bombay Groove. Como surgiu a ideia do evento, e como está a preparação da banda para a grande apresentação de encerramento do Festival?

O show foi idealizado pelo Klaus Porlan, que tem trabalhado com algumas bandas como o Casa das Máquinas fazendo diversos shows no Interior e aqui em Sampa, mas não cheguei a conversar pessoalmente com ele. Enquanto isso os ensaios do Violeta já estão a todo vapor!

2. O que os fãs podem esperar de novidades no palco?

Como se trata se um festival prog, a maior mudança será no repertório. Vamos privilegiar nossas músicas mais elaboradas.

3. Há a possibilidade de festivais ou apresentações semelhantes com essas bandas acontecerem pelo país?

Seria incrível, mas a demanda é pequena e a verba então, nem se fala... Porém, nada é impossível, vai que dá “samba” (ou “prog”)!



4. Você recentemente teve a oportunidade de tocar junto com Sergio Hinds no projeto Os Três Guitarristas, em apresentação deste com os ícones Luiz Carlini e Nuno Mindelis, bem como acompanhou o líder d’O Terço no show Sérgio Hinds e 3HD, e fez parte da apresentação dos 40 anos do grupo Apokalypsis, ambos em 2015. Conte-nos um pouco sobre essas e outras apresentações, e principalmente, qual a sensação de ter a honra de dividir o palco com monstros sagrados da música nacional?

Fico muito feliz de estar ao lado dos “Três guitarristas”. A responsabilidade é grande, pois houve seleção de tecladistas na montagem do grupo. São três mestres diferentemente exigentes, mas acredito que a experiência através do convívio ainda deva moldar bastante o grupo. Adiantando um pouco a questão a respeito da Química, parece mesmo com uma reação: primeiro entre os três, mas também entre eles e banda (que ainda conta com o Bruno Falcão no baixo e o Fred Barley na bateria). Se a reação der certo, nasce algo que é novo, e eu espero muito que isso aconteça; mas isso dependerá da ‘reatividade’ dos caras, e ao bem da verdade, a história de cada um – que é venerável! – importará menos do que a vontade, a disposição e o prazer de transformar, de criar algo. Potencial há de sobra!
Quanto aos show, por enquanto estamos todos empenhados em realizar este repertório misto de composições dos três, além de algumas homenagens, da forma mais técnica e expressiva, buscando dinâmica em todas as músicas, e acho que vamos bem nisso; os colegas da cozinha são muito talentosos!
Também toquei com outros mestres da antiga, desde Pedro Baldanza e Manito, no Som Nosso de Cada Dia, passando pelo próprio Golfetti e outros como Zé Brasil, Gerson Conrad, Cezar de Mercês. Tenho diálogo mais fácil como o Fábio, que é de uma geração mais próxima, tanto em termos gerais como musicais, fruto de um longo convívio. Como sou uma pessoa pouco extrovertida, construo as relações aos poucos. E admiro muito, neste pessoal da antiga, exatamente o fato de serem muito extrovertidos; é muito agradável tocar com todos eles.

5. Além da arte, você também é Doutor em Química Orgânica pela USP. A carreira de Químico ainda existe em sua vida ou tornou-se apenas um hobbie?

A Química passou pela minha vida e se foi. Abri mão da Química para me entregar à Música. Se fiz algo de errado foi tentar servir às duas, ao mesmo tempo. Sempre fui músico, mas procurava uma profissão “normal”. Nunca me entreguei por completo à Química, exceto por um período de seis meses, durante o meu Doutorado, abdicando plenamente da Música. E aí que entrei em uma profunda depressão. As coisas tomaram um rumo estranho, culminando em eventos ruins. Até que me veio uma luz (literal) e me vi com a oportunidade de seguir uma nova vida, reassumindo o que de fato eu era, músico. Durante o processo de mudança, aconteceu algo maravilhoso. Conheci alguns grupos de música que se reuniram ao CompaCta TriÔ (minha antiga banda instrumental, com o Fred Barley e o Gabriel Costa, além do Eduardo Leal, à época) para criamos uma grande companhia de música, o MEFISTO (Movimento Experimental Fantástico de Integração Sonora Total), que realizou uma proeza ao juntar em palco doze músicos como instrumentos digitais, elétricos e acústicos, além de iluminação, cenografia, VJ, e uma atriz, em um festival na cidade de Araraquara (SP). O acontecimento me deu tanto estímulo que, ao chegar em São Paulo, assinei minha carta de desligamento da bolsa de estudos e da pesquisa em Química, em definitivo.



6. Você também participa do grupo de pesquisa “Teoria da Música”, da UNESP. Quais as principais diferenças em fazer doutorado nos dias de hoje em relação ao início dos anos 2000?

O doutorado em música tem sido um prêmio para mim. Pouco tempo após sair da Química, fui morar em uma vila do Butantã onde descobri que um vizinho meu era cravista. Conheci então o Sérgio Carvalho, que foi meu mestre por alguns anos, e em pouco tempo já estava tocando em orquestras. Entrei na graduação em Cravo na FAAM, onde estudei com Regina Schlohauer; em 2011, após me formar, foi ela quem em estimulou a prestar o mestrado em música naquele ano, mas não consegui me preparar. Em 2012 nasceu a Luíza, minha filha, e com o apoio da Renata, minha esposa, me preparei para as provas. Acontece que fiz um curso preparatório na UNESP com o prof. Marcos Pupo Nogueira, que se dispôs a me orientar e, sabendo de minha vida pregressa, considerou que eu seria capaz de entrar direto no Doutorado. Fui aprovado e iniciei a pós em 2013, ainda enquanto tocava com a Orquestra Arte Barroca, em paralelo às aulas no EMT. Em 2014 saiu minha bolsa de estudos, e então abdiquei da orquestra e do EMT para me dedicar integralmente aos estudos. Atualmente estou escrevendo a versão final da tese, tratando do desenvolvimento da música instrumental no Renascimento.
Há muita diferença entre os dois doutorados que fiz. Sinto falta do laboratório, admito; na época, tinha muitos amigos no Instituto de Química da USP, onde eu integrava, só para se ter ideia, a confraria dos “Insetos Nocivos”. No Instituto de Artes da UNESP, grande parte da pesquisa em música é teórica, e as pessoas são mais reservadas. Mas com toda a convicção estou muito mais debruçado em meu trabalho atualmente.

7. Sua pesquisa envolve o estudo da teoria e análise de música medieval e renascentista, o que culminou com o apelido “O Renascentista do VdO”. Como fazer para trazer a renascença de uma formação em cravo para o rock progressivo?

O que se traz são alguns elementos característicos desse período. Isso já acontece o bastante no Classic Rock, mas em relação aos períodos barroco, clássico ou romântico, como na passagem instrumental de “Burn” do Deep Purple, onde o duelo de arpejos entre órgão e guitarra tem base em um “ciclo de quartas”, uma arquitetura típica do compositor “barroco” Antonio Vivaldi. Já no Rock Progressivo os elementos renascentistas são mais comuns, como passagens imitativas ou até em cânone e em contraponto inversível (ex.”Just the Same”, “Proclamation” e “On Reflection” do Gentle Giant). No Violeta de Outono, há ocorrências especialmente em “Cidade Extinta” do novo álbum Spaces, como em uma seção que chamamos de “A lousa”, onde há um encadeamento complexo de harmonias, típico de madrigais do renascimento tardio de Gesualdo e Monteverdi. Também há nesta música um motivo melódico, formado por quatro notas (ré, mi, si e si bemol), que se transforma por meio de processos contrapontísticos como aumentação, inversão e retrogradação, que foram desenvolvidos no período Medieval e influenciaram todos os períodos históricos.



8. Ano passado, você fez uma apresentação na Igreja da Boa Morte, em Campinas, junto ao grupo FICTA, ao lado de Ligiana Costa (voz), Giulia Tettamanti (flauta) e Gilberto Chacur (viola da gamba). Conte-nos um pouco sobre esse projeto e como é “girar o botão” em relação as gravações com o VdO e as apresentações com o FICTA.

Tenho feito algumas apresentações com o FICTA em SESCs e igrejas. Agora em 2017 fomos selecionados no edital do SESI, e teremos uma série de apresentações com data ainda não definida. Em breve poderemos divulgá-las em nossa página no Facebook e devem estar disponíveis também no site do SESI.
Interpretar dois estilos musicais tão distantes na linha do tempo é como você começar a estudar latim e descobrir que ele é a base de muitas línguas atuais. O latim, por sinal, era linguagem corrente no Renascimento, sendo utilizado na igreja e nos meios teóricos de diversas áreas, como em diversos tratados antigos que tenho estudado no doutorado. O repertório de motetos renascentistas, por exemplo, é todo baseado no latim, e a música funcionava como uma espécie de ornamentação para o texto. Daí que, se o texto não se repete nem em verso, nem em expressões (como é o caso de muito textos litúrgicos), a música também não se repete ao longo de seu roteiro. Isso gera uma sensação mosaical em sua percepção, o que torna muito difícil manter a atenção durante sua escuta, caso esta não seja amparada pelo próprio texto, que funciona então como um guia. Esta é uma das característica mais distintivas desse repertório, ao meu ver. 
Já o repertório do FICTA é baseado em madrigais renascentistas, que tem como língua o Italiano arcaico; tratam-se de obras para quatro ou cinco vozes, em escrita polifônica, passível de instrumentalização (ou seja, substituir vozes por instrumentos) e também de improvisação. Conexões entre música antiga e estilos atuais como o Progressivo (como dito anteriormente) e mesmo o Jazz (pela improvisação), são possíveis sim, apesar de serem raras; passar de um estilo para o outro, contudo, é como guiar ora uma bike, ora um carro, ora uma moto: uma vez aprendido, não se esquece.

9. Você pretende lançar algum material exclusivo, apenas com peças para cravo?

No momento não. Após o doutorado, penso em abrir um pouco mais os horizontes para daí formular uma ideia mais atraente, seja ao cravo, seja como trabalho autoral solo.



10. Falando agora sobre sua carreira junto ao Violeta, você entrou na banda em 2005. Como surgiu essa oportunidade e como era sua relação com o Violeta antes disso?
Na primeira vez em que pisei num palco para tocar rock, toquei Violeta de Outono (como baixista). Eu e outros colegas éramos aficionados pela banda, e estive mesmo em alguns shows. O Fabio Golfetti me conheceu por conta do Yessongs (a banda tributo ao Yes da qual fui tecladista entre 2000 e 2007). Eles procuravam um tecladista para substituir o Fabio Ribeiro. O primeiro show foi em Abril de 2005, no Café Piu-Piu.

11. Logo de cara, você participou do show em homenagem a Syd Barrett, realizado dias após a morte do eterno fundador do Pink Floyd (2006) e que foi lançado no DVD SeventhBringsReturn : A Tribute toSyd Barrett. Quais as suas principais lembranças desse show?
Tivemos a ideia de tocar o Syd Barrett no final de 2005, pois além ser uma das maiores influencias da banda no inicio, queríamos resgatar a sua musica numa homenagem, já que ele estava recluso há um bom tempo. Fizemos uma série de shows de Janeiro a Julho e para nossa surpresa veio a noticia do falecimento uma semana antes do show do SESI... Lembro de ter tocado em um piano Bösendorfer Imperial do Teatro do SESI que era fantástico. Mas o que mais me tocou foi a nostalgia da platéia, como dando um adeus ao ídolo. Foi bem legal. 

12. Outro show marcante foi o ocorrido em 03 de maio de 2009, no Theatro Municipal de São Paulo, o qual registrou na íntegra o álbum Violeta de Outono, o clássico de estreia da banda, e ainda o EP Reflexos da Noite. Conte-nos um pouco sobre as emoções e ensaios para essa apresentação, já que ambos os álbuns são venerados pelos fãs do grupo.

Toquei em duas oportunidades no Teatro Municipal de São Paulo, uma em 2008 com o Som Nosso de Cada Dia e no ano seguinte com o Violeta de Outono. Não tive (ainda) oportunidade de tocar lá como músico erudito, ironia do destino. O repertório dos primeiros discos do Violeta não é muito simpático ao órgão, de modo que foi difícil chegar em um arranjo equilibrado. Lembro que alguns fãs não curtiram, mas foi uma minoria que se expressou contra; penso que qualquer arranjo do álbum clássico ofenderia puristas, mesmo aqueles com orquestra, de 2004.



13. O novo álbum, Spaces encerra uma trilogia que começou lá em 2007, com o ótimo Volume 7. Como está a divulgação e o retorno de feedback pela imprensa e fãs tanto aqui no Brasil e quanto no exterior?

Bastante diversa. Tanto os fãs brasileiros como os de fora gostam do álbum, mas tendem a preferir o Vol. 7 ou o Espectro. Em breve, suponho, haverão aqueles que gostarão mais do Spaces, em especial aqueles que estão conhecendo a banda (ou a sua nova fase, essa da trilogia) somente agora. A imprensa segue a mesma linha. Ficamos entre os vinte e cinco melhores álbuns nacionais do ano de 2016 pela Revista Rollling Stone, e estamos no momento em 54º melhor álbum prog de 2016 pelo Prog Archives, um dos melhores sites dedicados ao grande gênero; acredito que essa cotação ainda possa melhorar, visto que o álbum saiu apenas no final de 2016, e mais pessoas irão escutá-lo.

14. O que ficou mais cravado na mente dos fãs foi a guinada prog que sua entrada forneceu ao grupo, saindo bastante do lado mais psicodélico dos anos 80? Quais os principais fatores que você considera importantes para essa mudança?

De um lado, desde meus primeiros dias na banda eu via no Fabio a proposta de mudar o som da banda, de desgarrar-se do modelo inicial. Foi o Fabio que abriu esta perspectiva, da banda ficar mais prog. De outro, eu já vinha com a formação prog, erudita, e de composição no CompaCta TriÔ (a banda instrumental supracitada que, após o Edu Leal, teve como guitarrista o Emiliano Alvarez, com quem inclusive fizemos um tributo ao King Crimson, o que foi uma grande escola para nós). Por fim, o órgão Hammond passou a ser um ponto comum em quase todo o repertório que fazíamos no Violeta, e acabou de certa forma tornando-se uma marca registrada desta nova fase. Mas acho que o Gabriel Costa também merece bastante crédito pela guinada; sendo um grande entusiasta e conhecedor dos gêneros prog, acabou por alavancar ainda mais as ideias do Fabio Golfetti.

15. Como foi trabalhar com Andy Jackson, um dos principais nomes da masterização, responsável entre outros pelo trabalho de engenheiro de som de álbuns como A Momentary Lapse of Reason e The Division Bell.

Tenho uma opinião bem concisa sobre esta masterização... Foi uma das poucas vezes que percebi uma diferença “espacial” entre a mix e a master, como indo do 2D para o 3D... Não conheci o Andy, que é um contato atual do Fabio, mas acredito que se a mix estivesse sob sua produção também, teríamos um resultado ainda superior.



16. Você utiliza vários efeitos no decorrer do álbum, principalmente na belíssima suíte “Imagens”. Qual a sua visão sobre a utilização de apenas um único sintetizador que emula diversas sonoridades distintas e a utilização de vários teclados no palco. Particularmente, acho bonito ver o palco cheio de teclados, como Wakeman e Downess, por exemplo, mas como doutor em Física, confesso que é muito interessante do ponto de vista tecnológico ver a aplicação dos efeitos em apenas um simples instrumento.

Todos os timbres sintetizados do disco foram criados em um mini-moog Voyager. Procurei fugir de uma timbragem muito caricata, digamos, muito similar à Wakeman ou Emerson, e algo mais na linha Tim Blake (do Gong setentista) em relação aos efeitos sonoros. O mini-moog em si não é um emulador, sendo de fato um gerador de ondas sonoras. 
Particularmente, prefiro um Moog no palco, mas para viagens minha opção é um instrumento mais leve, o SH-201 da Roland, também um gerador sonoro, que não deixa tanto a desejar. Porém atualmente não consigo utilizar timbres de synth “pré-programados”, assim como raramente utilizo algum órgão que não seja da Hammond, seja em estúdio, seja ao vivo. 
Quanto a estas configurações maiores ou menores, penso que para o Violeta de Outono o que basta é o “quarteto fantástico”, como Moog, Hammond, Fender Rhodes e piano acústico; para estes dois últimos, por questões de logística, costumo utilizar emuladores.

17. Outro ponto que me chama a atenção em Spaces são as passagens jazzísticas destacadas em “Imagens”, “Cidade Extinta” e principalmente na instrumental “Parallax T-Blues”, que também traz fortes lembranças de grupos da Cena de Canterbury. Essas ideias surgiram espontaneamente em jams ou foram trabalhadas ao longo de processo de concepção das canções?

Elementos de Jazz são mais presentes neste disco, por influências diversas mas também por uma aptidão especial do José Luis Dinola a esse direcionamento. No meu caso em específico, me baseio muito no Nektar, em como eles misturam rock e jazz. Em geral as passagens jazzísticas são incorporadas às musicas depois de prontas, servindo como um tempero que dá aquele cheirinho de Cantebury. Tentamos com isso resgatar um tanto da atmosfera presente no Vol. 7; algumas dessas passagens, contudo, poderiam ter sido um tanto mais rock, mas ficamos receosos de um resultado final estereotipado.



18. O fato do Fábio estar tocando com a Gong trouxe de alguma forma influências para algumas faixas de Spaces?

A influência gongiana no Fabio é prévia à entrada dele na banda. Mas “Parallax” é de longe o melhor exemplo, no disco.

19. Por que a ideia de homenagear o pintor e poeta suíço-alemão Paul Klee, principalmente na faixa “A PainterOf The Mind”?

A arte sutil de Paul Klee é bem influente no Fabio. No Spaces, tem um certo caráter simbólico, que ajuda a definir o conceito do álbum. “A Painter” foi uma experiência bem sucedida do Fabio em aproveitar material poético desse autor em uma das músicas.

20. E quanto a turnê? No site oficial da banda não constam datas para divulgação pelo país. O que está determinando a ausência da banda nos palcos nacionais? É algo pontual?
Ainda estamos dialogando acerca da agenda. O Fabio terá diversas viagens internacionais para as turnês com o Gong, e precisaremos aprender a conciliar as agendas.



21. Quais as expectativas da VdO para 2017, bem como as suas expectativas particulares?

Acho que a próxima fase da banda dependerá de um intenso laboratório de ensaios, em paralelo ao trabalho de divulgação do Spaces, que precisa ser melhor articulado. Pessoalmente, pretendo defender minha tese de doutorado em março deste ano, e aí devo embalar em outros projetos, possivelmente didáticos.

22. Para encerrar, conte-nos alguma história curiosa ou engraçada envolvendo alguma apresentação sua, seja do ponto de vista musical ou do ponto de vista dos estudos.

Algo que foi curioso nos meus estudos foi em um certo dia, quando apresentava um seminário no grupo de pesquisa “Teorias da Música”. Apresentei a imagem de uma peça (um “Et in terra pax...”) de um manuscrito de 1430, que havia encontrado em um códice italiano (atualmente é relativamente fácil encontrar esses códices digitalizados, em sites de bibliotecas europeias), contudo sem indicação de autor ou origem. Após o seminário, meu orientador tomou um livro de sua biblioteca particular, e disse ao grupo que era algo que podia nos interessar, mas que ele mesmo nunca havia lido: tratava-se de uma edição de 1950 de obras medievais compiladas na Catedral de Milão, com cerca de 700 páginas, e detalhes de todas as obras. Um outro colega tomou o livro, abrindo-o em uma página qualquer. Após fitá-la por instantes, disse-me que podia ser do meu interesse. Só então eu me detive sobre a partitura, e notei alguma semelhança com a peça que eu havia apresentado no seminário. Comparei então as duas, e percebi que tratava-se, de fato, do mesmo “Et in terra pax”!!! Bom, isso nunca teria acontecido caso: 1) eu não desse o tal seminário; 2) meu orientador não tivesse comprado o livro em um sebo, décadas atrás; e 3) meu colega não estivesse ali para abrir o livro, na exata página. Aconteceu há dois meses atrás, e pareceu-me como um sinal divino, de que eu estava indo no caminho certo, e que eu devia continuar.



23. Muito obrigado por sua atenção e por favor, deixe um recado para os nossos leitores.

Agradeço muito a Consultoria do Rock pela oportunidade de expor essa trajetória pouco comum que aqui relatei. Meu recado aos leitores é para que sejam perseverantes naquilo que fazem com amor, mesmo que por vezes pareça difícil. As dificuldades são parte do aprendizado e muitas vezes irão definir os rumos de nossas vidas. Mais uma dica: se forem ouvir música vocal renascentista, façam isso acompanhando o texto original, mesmo que em latim. Ou seja: não escutem enquanto estiverem dirigindo.
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