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quarta-feira, 10 de março de 2021

Crossroads - A Vida e a Música de Eric Clapton [1995]



Michael Schumacher é um renomado piloto alemão de Fórmula 1, heptacampeão, e que infelizmente sofreu um gravíssimo acidente que acabou com sua carreira, sendo que ainda hoje sabemos pouco sobre o seu estado de saúde. Porém, é o nome também de um brilhante escritor norte americano, que em 1995, escreveu a Biografia Crossroads - A Vida e a Música de Eric Clapton, uma das melhores biografias que já li sobre o guitarrista inglês. Com 390 páginas (mais oito páginas exclusivas para fotos em preto e branco), Crossroads mergulha na vida de Clapton até o ano de 1995, sem deixar passar nenhum detalhe, mas ao mesmo tempo, sem ser maçante ou demasiadamente exagerado em termos de informações.

A edição que tenho não possui orelhas (é a edição de 1995 da Editora Record), o que já chama a atenção por fugir dos padrões normais dos lançamentos de livros. São 13 capítulos, mais prólogo e epílogo, saindo da família e infância conturbada de Clapton nos anos 40 até a morte do filho Conor em 1991, e de como Clapton teve que ressurgir das cinzas por diversas vezes ao longo de sua vida. Com o final do texto, fica a sensação de que você realmente é apresentado para toda a vida e a obra de de Clapton, já que Schumacher não deixa passar nada, e também, de como Clapton sempre foi um arroz de festa participando de shows e discos de diversos artistas.

Os Bluesbreakers - John Mayall, Hughie Flint, Eric Clapton e John McVie - numa opção de foto para a capa de seu clássico disco de 1965, The Bluesbreakkers with Eric Clapton.


Fazendo um apanhado geral do conteúdo de Crossroads, há vários pontos a se destacar sobre a vida e a música de Clapton. Quando pequeno, Clapton sofreu um trauma por saber que foi criado pelos avós, e que aquela que ele julgava ser sua irmã na verdade era sua mãe. Esse ponto da infância de Clapton é tratado de forma bastante delicada por Schumacher, mas sem perder-se em detalhes desnecessários ou fazer qualquer sensacionalismo barato. São os fatos por si só, apresentados ao leitor. O que tira a introversão de Clapton e o choque familiar é a música, mais precisamente o rock de Elvis Presley, o que o levou a comprar um violão quando tinha 13 anos, mas que não teve sucesso imediato para aprender o mesmo.

O contato com o blues, aos 17 anos, vem junto ao afastamento de Clapton da escola. Em 1962, a cena do blues estava ascendente em Londres, e Clapton passou a frequentar pubs para assistir e, por que não, aprender a tocar - ao mesmo tempo que se apresentava - por alguns trocados. Logo ele monta seu primeiro grupo, os Roosters, banda na qual Clapton aprendeu a tocar Howlin' Wolf, Robert Johnson, Freddie King e Muddy Waters, construindo assim uma reputação que o leva aos Yardbirds. Ali, ele passou a ser O cara da banda, empregando ao grupo solos de blues pouco comuns para jovens brancos ingleses, e claro, fazendo com que o nome de Eric começasse a se ampliar entre os frequentadores dos pubs londrinos. É aqui que o guitarrista realiza o sonho de tocar ao lado de um de seus ídolos, Sonny Boy Williamson, e quando ele se depara com deficiências próprias para tocar blues que só seriam saradas anos mais tarde. Além disso, o guitarrista abandona os Yardbirds logo após a gravação de Five Live, por conta do apelo comercial que o grupo rumava.

Com 20 anos, Clapton sai dos Birds para ingressar na trupê de John Mayall. Como um dos Bluesbreakers, é aqui que Clapton finalmente alcança o status de God pelos fãs. Ao lado de Mayall, Clapton teve um amigo com quem podia compartilhar igualmente sua paixão pelo blues, e também onde ele conhece os futuros colegas Jack Bruce (baixo, vocais) e Ginge Baker (bateria). A formação do Cream é narrada de forma até hilária, já que a rivalidade entre Baker e Bruce nunca foi negada por nenhum dos dois, só que a vontade de Baker tocar com Clapton era tão grande que ele aceitou o desejo do guitarrista de só formar a banda se tivesse Bruce como baixista. No Cream, a química e vitalidade do trio principalmente nos palcos era fantástica, mas pessoalmente, a guerra de egos e o excesso de shows era enorme, e infelizmente, o mundo viu o grupo em ação por apenas três anos, parindo álbuns seminais e atemporais, obras que são estudadas e referenciadas por músicos e jornalistas até hoje. Vale citar aqui a influência que Hendrix teve para Clapton nesse período, inclusive com o inglês adotando um visual mais hippie (com cabelo Black Power e tudo) por conta do Deus Negro da guitarra. Outro ponto importante é quando Schumacher cita o momento que Clapton decide abandonar o Cream: "Eu fiz uma experiência certa noite ... parei de tocar na metade de um número e os outros dois nem notaram ... então pensei, fodam-se!".

Clapton e sua guitarra, na fase psicodélica do Cream


Saindo do Cream, surge o convite para gravar "While My Guitar Gentle Weeps" com os Beatles, a amizade com George Harrison, e a formação de outra banda gigante, a Blind Faith. Ao lado de Steve Winwood, Rick Grech e o também ex-Cream Baker, temos aqui uma super banda, que fez um álbum sensacional mas que também sofreu muito na sua breve existência, principalmente pelo excesso de violência que ocorria nos shows da banda nos Estados Unidos, chegando ao ponto de em uma apresentação no Madison Square Garden, em Nova Iorque, os fãs serem implacavelmente espancados pela polícia, que ainda agrediu Baker, considerado um hippie desordeiro pela polícia, e não um membro da atração principal. A Blind Faith durou pouco mais de um ano, e Clapton novamente pulou da barca. Na entre-safra, temos outra parceria com um beatle, agora John Lennon, no álbum Live Peace in Toronto 1969 (1969), a participação de Clapton junto com o grupo Delaney and Bonnie and Friends (na gravação de On Tour with Eric Clapton, de 1970), o primeiro álbum solo de Clapton, Eric Clapton (1970), a conturbada participação do guitarrista em um projeto com Howlin' Wolf, culminando no essencial The London Howlin' Wolf Sessions (1971), e o nascimento da Derek and the Dominos.

O período no Dominos é um dos mais tristes na vida do guitarrista. Apaixonado pela esposa do melhor amigo, Pattie Harrison, vivendo um casamento frustrado, além de consumir drogas como quem respira, Clapton compôs uma das melhores letras de amor de todos os tempos, registradas no essencial Layla and Other Assorted Love Songs (1970), além de músicas marcantes como "Layla", que contaram com a mão e o talento essencial do guitarrista Duane Allman. Esse ponto do livro é interessante por que desmascara o mito de que George deixou a esposa para o amigo. Isso não ocorreu! Pattie também estava frustrada com seu relacionamento com George, que vivia cada vez mais voltado para a religião e o trabalho, praticamente abandonando o relacionamento entre eles. Clapton tentou de todas as formas conquistar Pattie, mas só foi conseguir se relacionar com ela depois que finalmente ela decidiu-se a separar-se de George. Porém, até chegar esse ponto, a vida de Clapton entrou em uma espiral declinante. Entre 1971 e 1974, Clapton teve que fazer uma reclusão forçada, gastando quase 1000 libras por semana em heroína, e levando sua esposa, Alice Orsmby-Gore, para o fundo do poço junto com ele. Musicalmente, há a participação em All Things Must Pass (disco solo de Harrison, 1970) e no Concerto for Bangladesh (1971), além de um novo amigo surgir na vida do guitarrista, o colega Pete Townshend (The Who), que veio várias vezes a ajudar Eric nos anos seguintes.

Eric e Pattie, num dos tão prezados carros esportes de Clapton


Com a ajuda de George, Clapton apresenta-se no Rainbow Theatre, gerando o álbum Rainbow Concert (1973), e assim, começa uma nova fase na carreira do guitarrista, após um longo e intenso tratamento neuroelétrico que fez ele abandonar o consumo de heroína e outras drogas. Montando uma super banda, grava um de seus discos mais bem sucedidos em carreira solo, 461 Ocean Boulevard (1974). Muito disso também está ao fato de que finalmente agora Clapton estava com o amor de sua vida, Pattie Boyd, que agora já estava separa de George. Nesse trecho do livro ficamos sabendo que o casal tinha pretensão de passar uns dias no Brasil, onde Clapton estava afim de gravar sons como samba, mas com a nova amante, ficou poucos dias, fugindo do país por conta de uma epidemia de meningite no Rio de Janeiro. Também nesse período, é relatado o acidente que quase tirou a vida de Clapton, quando o musico resolveu dar uma volta com sua Ferrari Boxer cinza-prata e acabou preso nas ferragens da mesma após atingir uma carreta. Salvo da morte por milagre, Clapton acabou temporariamente surdo de um dos ouvidos pelos cacos de vidro que penetraram nele, e só foram retirados duas semanas após o acidente. Em termos musicais, sem muito se preocupar em gravar, e curtindo o amor, lança o fraco There's One in Every Crowd (1975), e dos shows dessa tour sai o ótimo ao vivo E. C. Was Here (1975). Outro bom disco que surge após muito trabalho, e mais uma "super banda" na carreira de Clapton, é No Reason To Cry (1976), que uniu o inglês aos canadenses da The Band adicionados de Ron Wood (timaço). Porém, uma apresentação em Birmingham quase colocou fim a fama de Clapton. Totalmente embriagado, ele acabou ofendendo elogiando Enoch Powell, um político conhecido por não gostar de minorias imigrantes e relações raciais, justamente quando Birmingham passava por grande tensão racial. Ali, seguida de uma série de gafes alcóolicas,  foi o estopim para a relação Clapton + álcool começar a ter seu fim, seguida por Slowhand (1977), que eternizou mais dois clássicos na carreira de Clapton, "Cocaine" e "Wonderful Tonight".

Depois de excursionar com Muddy Waters, registra o que Schumacher chama de nadir (ponto mais baixo que uma estrela atinge no céu visível) das gravações de Clapton nos anos setenta, passar pela primeira vez pela Europa Oriental (com muitos problemas) e países da Ásia, o que culminou no álbum Just One Night (1979), humilhar Jack Bruce em uma festa de família, e uma série de brigas com Pattie Boyd - inclusive com um relacionamento extra conjugal com a modelo Jenny McLean, Clapton grava seu primeito registro nos anos 80, Another Ticket (1981), e definitivamente afundou-se no álcool. O britânico acaba internando-se na Hazelden Foundation, nos Estados Unidos, uma clínica de reabilitação para alcóolicos, um período extremamente importante para mostrar o que é a vida real para o guitarrista. A partir de então, passa a frequentar o AA, e a livrar-se gradualmente de sua dependência de álcool. Com novo ânimo, registra Money and Cigarettes (1983), que o trouxe novamente para o blues, no mesmo ano que uniu-se a Jeff Beck e Jimmy Page para participar do concerto ARMS, Movimento de Pesquisa da Esclerose Múltipla, em benefício do amigo e guitarrista Ronnie Lane (Faces), e que ficou eternizado por colocar em um mesmo palco os três grandes guitarristas da Inglaterra que o Yarbirds produziu.

Jimmy Page, Eric Clapton e Jeff Beck - todos ex-discípulos de guitarra dos Yardbirds - reuniram seus prodigiosos talentos numa série de concertos para levantar fundos para pesquisa sobre esclerose múltipla


Com um novo parceiro, Phil Collins, nasce Behind the Sun (1985) um álbum bastante diferente na discografia do britânico, em um rompimento radical com seu passado, principalmente pela entrega aos sintetizadores. O álbum surge pouco depois de Clapton gravar e excursionar com Roger Waters, durante a turnê do ótimo The Pros and Cons of Hitchhiking (1984), primeiro disco solo de Waters pós-Pink Floyd. A experiência de Clapton com Waters não foi das melhores, apesar de desafiadoras, segundo o próprio, principalmente por considerar o show pretensioso e desanimado. Uma série de aparições em shows e eventos também marca esse período, principalmente o Live Aid (1985), com o guitarrista arrasando e conquistando o mundo ao som de uima versão arrebatadora para "White Room". 85 também é o ano do nascimento de Ruth Clapton, filha do guitarrista com Yvonne Kelly, mais um dos vários casos extra conjugais que ele teve. Porém, quando a modelo italiana Lory Del Santo também ficou grávida de Clapton (1986), Pattie pediu as contas. Solteiro, papai e com a parceria ainda de Collins, Clapton registra August (1986), disco bastante criticado pela imprensa.

A partir de 1987, Clapton começa uma nova tradição, com os shows no Royal Abert Hall. (foram seis de primeira, até atingir 24 apresentações em sequência em 1991, registrada no álbum 24 Nights, lançado naquele ano). Mais uma série de participações diversas, em discos de Jack Bruce, Rolling Stones, George Harrison, trilhas sonoras, entre outros, o lançamento do incrível box Crossroads (1988) e da gravação de Journeyman (1989), Clapton fez a primeira apresentação de um artista internacional em Moçambique, vêm as duas tragédias que marcaram Clapton nos anos 90, as mortes de Stevie Ray Vaughan e do filho Conor. A morte de Vaughan, minutos após os dois se apresentarem no dia 26 de agosto de 1990 em Alpine Valley, EUA, transformou a turnê de promoção de Journeyman uma catarse emocional, obscurecendo um ano radiante para Clapton, quando recebeu o prêmio Living Legend nos Elvis Awards e foi considerado Top Rock Album Artis na Billboard Music Awards, além de uma exaustiva turnê que o levou ´para Austrália, Extremo Oriente e, pela primeira vez com shows, aqui no Brasil. Já o acidente que vitimou o pequeno Conor serviu para Clapton perceber como a vida pode acabar de repente, sem aviso, e decidir viver em bênção a cada dia que acordava, e utilizando o talento que tinha em toda plenitude.

Tendo consolidado sua reputação como um dos maiores guitarristas da época, Clapton era frequentemente chamado para se apresentar em shows como convidado especial. Nesta foto, ele conversa com B. B. King durante um dos shows de King no Café Au Go Go de Nova York.


O livro encerra-se então com a inversão dos papeis, agora Clapton trazendo Harrison aos palcos, com treze apresentações no Japão que rendera, Live in Japan (1992), o estrondoso sucesso de Unplugged (1992), recebendo seis Grammys, a inserção do Cream no Rock 'n' Roll Hall of Fame (1993), quando o trio voltou a se apresentar juntos depois de muito tempo, e, através do Epílogo, situa o leitor sobre a atual (na época) condição de Clapton, promovendo o excelente From the Cradle (1994) e voltando definitivamente para o blues, algo que os anos posteriores mostraram que não seria bem assim.

Complementa o texto Crédito das Fontes, Discografia Selecionada entre 1964 - 1994,  com compactos e LPs de Clapton lançados oficialmente nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, bem como uma ampla seleção de compilações oficias, discos piratas e participações do guitarrista como convidado ou músico de estúdio, com as faixas que ele aparece, além da ficha técnica dos discos envolvidos. Mas acima de tudo, Essa belíssima obra, como tentei resumir acima, narra TUDO o que Clapton fez e deixou de fazer sem deixar nada de lado, mas também sem ser maçante ao ponto de aprofundar-se em detalhes por vezes desnecessários. É uma leitura obrigatória para quem quer conhecer a carreira de um dos maiores nomes da música em todos os tempos, um acervo fundamental para quem é fã de Clapton, e uma fonte riquíssima de conteúdo para quem quer pesquisar ou se aprofundar na, como diz o título, vida e música de Eric Clapton.


terça-feira, 17 de março de 2020

Cinco Músicas Para Conhecer: Baseada em Fatos Reais



Tragédias, guerras, relacionamentos, ídolos, vários são os artistas que decidiram, através de suas musicas, trazer aos fãs um fato que aconteceu na vida real. No Cinco Músicas Para Conhecer de hoje, pinçamos cinco clássicos do popular mundial que foram baseados em fatos reais.


"American Pie" - American Pie [1971] (Don McLean)

Épico de quase 9 minutos, "American Pie", colocou Don McLean nas paradas internacionais graças a belíssima letra que conta sobre o "Dia Que A Música Morreu". Esse dia é 3 de fevereiro de 1959, quando na  noite fria em Clear Lake, Estados Unidos, Buddy Holly, Ritchie Valens e Jiles "The Big Bopper" Richardson morreram em um trágico acidente de avião. Don era um entregador de jornais que sonhava em ser músico, e quando recebeu os jornais que tinha que entregar no dia 4 de fevereiro, ficou consternado com o que lia em cada jornal entregue nas portas dos nova iorquinos. Desde a tristeza da noiva de Holly, grávida no dia do acidente, passando pelos fatos marcantes na vida de McLean por conta das canções dos três, a canção passa através de inúmeras metáforas alucinógenas que o cantor jamais prestou-se em explicar, mas que deixa claro como a morte dos três causou a perda na inocência do rock dos anos 50, e levou a inspirar toda uma nova geração de roqueiros na década de 60 (Dylan, Stones, Elvis, Beatles, Byrds, ...). A tocante voz de McLean vai nos envolvendo em um rock 'n' roll sensacional, na base do piano, violão, guitarra, baixo e bateria, com um ritmo avassalador e um refrão atemporal, que fizeram da canção um grande clássico. Certamente o maior sucesso na carreira de McLean. Regravado por Madonna e tantos outros, e lançado no segundo álbum do americano e em diversos singles, a maioria com a faixa dividida nos dois lados da bolachinha, como a que ilustra a matéria.

"Smoke On The Water" - Machine Head [1972] (Deep Purple)

O dia 4 de dezembro de 1971 entrou para a história por conta de um incidente que acabou gerando um dos maiores clássicos da música em todos os tempos. Naquele dia, Frank Zappa e os Mothers of Invention apresentavam-se no teatro do Cassino Montreux, quando um fã dentro do teatro resolveu disparar um sinalizador, que atingiu o teto do local, e prontamente, incendiou tudo. O fogo acabou com o equipamento de Zappa e cia., bem como destruiu com o local. Os caras do Deep Purple estavam em Montreux para gravar Machine Head nos estúdios pertencentes ao complexo do qual o Cassino fazia parte, e tinham alugado o famoso Rolling Stones Mobile Studio. No fim da tarde do dia 4, eles descansavam em um hotel de frente ao lago Genebra, de onde viram a fumaça do incêndio sobre as águas do lago. No dia seguinte, Roger Glover (baixo) acordou com o pensamento "Smoke on the Water", e rapidamente, a música e a letra contando sobre o acontecido criaram forma. A história é narrada de forma direta, com os Mothers se apresentando e o estúpido atirando o sinalizador para colocar fogo em tudo. Claude Nobs, proprietário do cassino, aparece enoluquecido tentando salvar as pessoas (ele deu uma grande mão para o Purple terminar o álbum, tanto que é o único a ser agradecido pela banda na capa interna do disco). Graças a Nobs, a banda aluga o Grand Hotel de Montreux, e com o Rolling Truck Stones, os ingleses puderam fazer suas músicas. Simples, direto, clássico, uma aula de como contar uma história em pouco mais de quatro minutos. Algumas imagens do incêndio aparecem na capa interna de Machine Head, onde "Smoke on the Water" foi lançada originalmente, assim como em diversos singles, coletâneas e álbuns ao vivo.

"Hurricane" - Desire [1976] (Bob Dylan)

Uma das mais célebres (e inúmeras) canções baseadas em fatos reais do bardo americano, "Hurricane" destaca-se principalmente pela impecável participação do violino de Scarlet Rivera, que serpenteia com maestria os quase 10 minutos de uma audição inesquecível. Dylan revisita seu passado como trovador elétrico, e narra de forma envolvente e marcante a polêmica prisão do boxeador Rubin "Hurricane" Carter, em 1966. Para quem não conhece a história, em 17 de junho de 1966 "Hurricane" foi preso injustamente, acusado por matar duas pessoas em um bar de Paterson, Nova Jersey.  Dylan narra ferozmente todo o incidente, com detalhes de como se estivesse presenciando o mesmo. Assim, ele conta que o pretendente número um à coroa dos pesos-médios fica envolto em um circo de porcos. Rubin acaba julgado por um júri somente de brancos, e com provas falsas, foi condenado a prisão perpétua, ficando preso por mais de dezenove anos. A canção deu pano para manga, com Dylan fazendo shows para arrecadar fundos pró-liberação de Rubin, e inclusive gerando um filme (The Hurricane, 1999, tendo Denzel Washington no papel do boxeador). O bardo americano foi processado por Patty Valentine (uma das testemunhas do caso) por usar indevidamente seu nome, mas não desistiu de fazer justiça ao campeão até sua libertação, em novembro de 1985. Certamente, é para no mínimo refletir sobre o descaso racial que (ainda) impera nos Estados Unidos e no mundo. Registrada no fantástico Desire, em 1976, e em diversos singles que, assim como "American Pie", contém a faixa dividida em ambos os lados da bolacha.

"Sunday Bloody Sunday" - War [1983] (U2)

Clássico da carreira dos irlandeses, "Sunday Bloody Sunday" narra o horror sentido por um leitor ao ver as notícias do chamado Bloody Sunday (Domingo Sangrento), na cidade de Derry durante o Conflito na Irlanda do Norte (em inglês, The Troubles). Esse conflito entre protestantes (maioria), em favor de preservar os laços com o Reino Unido, e os católicos (minoria), em favor da independência ou integração junto a República da Irlanda, acabou sendo feito a base de armas, e durou mais de 30 anos, a partir do final da década de 60 e encerrando-se em 10 de abril de 1998, com a assinatura do Acordo de Belfast. No dia 30 de janeiro de 1972, domingo, cerca de 10 mil manifestantes caminhavam em protesto pacificamente pelas ruas de Derry, quando soldados ingleses passaram a atirar contra o grupo. 13 pessoas (6 menores de idade) morreram durante o incidente, e um dos 26 feridos acabou falecendo semanas depois. Os detalhes daquele dia não são contados na letra da canção, apenas a visão pensativa do personagem central sobre o quanto a violência torna-se mais valorizada que a vida por motivos fúteis. O ritmo marcial da bateria de Larry Mullen Jr., o riff (sempre) inigualável de The Edge, o baixo estourando as caixas de som, a interpretação emocionada de Bono, e o violino de Steve Wickham tornam a faixa extremamente grudenta, e o refrão é preparado para fazer arenas tremerem. Paul McCartney ("Give Ireland Back To The Irish", 1972) e John Lennon & Yoko Ono ("Sunday Bloody Sunday", 1972), também narram os fatos acontecidos naquele dia, mas nenhum dos ex-Beatles conseguiu impactar tanto o mercado da música e os fãs para o lamentável evento como o U2. Está em War (1983), em diversos álbuns ao vivo e coletâneas, saiu como single (tendo vários lados B) e é uma das faixas essenciais nas apresentações do quarteto até hoje.

"Empire of Clouds" - The Book Of Souls [2016] (Iron Maiden)

A história de tragédia do Titanic não é exclusiva. O maior dirigível do mundo na época, o R101 Airship, sofreu um acidente no seu primeiro voo, em 5 de outubro de 1930, quando saiu de Cardington (Inglaterra) em direção a Karachi (Índia). Próximo a cidade de Beauvaise, França, o dirigível sofreu grandes turbulências durante uma forte tempestade, caiu aproximadamente 300 metros e explodiu logo após atingir o solo, matando 48 dos 54 tripulantes da aeronave. Uma das maiores tragédias na história da aviação, até por que assim como o navio Titanic, o "Titanic dos ares" era considerado inderrubável. A longa introdução surge como um "Overture" para o desenvolvimento, onde piano e orquestra fazem o papel central. Ao longo dos 18 minutos, somos levados pela história do dia do acidente, com os ricaços embarcando pomposos para a viagem até os fatídicos minutos da queda do R101, passando por detalhes da formação da tempestade, as probabilidades da aeronave cair (um milhão para um) e as 48 almas que foram morrer na França. Na parte instrumental, o Iron traz desde a sensação de levantar voo ao som de acordes triunfais até os minutos de tensão, com o S. O. S. do telégrafo no dirigível pedindo socorro e informações sobre a rota da tempestade. Uma canção com um aparato de construção progressiva muito além do que o Iron já havia apresentado, um pouco quanto repetitiva em alguns momentos, mas que não há uma definição específica para o estilo, já que é exclusiva em toda a vasta obra dos ingleses. Lançada em The Book of Souls e também em um belo EP Picture Disc, com uma entrevista de Dickinson ("Maiden Voyage") no lado B contando detalhes da gravação, da história do dirigível, além de imagens do acidente que saíram no jornal Daily Mirror no dia seguinte ao acidente.

Imagens do acidente com o R101

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Livro: Bob Dylan - No Direction Home (A Vida E A Música De Bob Dylan) [2010]



Há algum tempo, escrevi sobre o belíssimo DVD duplo No Direction Home, que trata sobre a carreira do músico americano Bob Dylan no período entre seu nascimento em 1941, e o final da década de 60. Esse DVD tem como parente próximo o igualmente belíssimo livro No Direction Home (A Vida E A Música de Bob Dylan). Lançado primeiramente em 1986 pelo escritor Robert Shelton, em 2010 o livro recebeu uma nova edição revisada, que irei tratar hoje sobre ela.

Shelton foi o responsável, digamos assim, por apresentar Dylan ao mundo. Escrevendo para o New York Times, com o título Bob Dylan: Um Cantor de Folk com Estilo Distinto (29 de setembro de 1961), o jornalista foi o primeiro a traçar um perfil positivo para o jovem Dylan, exatamente um ano após o mesmo ter chegado em Nova Iorque. Desde então, acompanhou fielmente a carreira de Dylan, e teve autorização para publicar o livro ainda na década de 60. Porém, No Direction Home demorou quase 20 anos para ficar pronto, e quando estava, Shelton recebeu uma dura missão: ou ele cortava 180 mil palavras da edição apresentada a editora, ou reduzia 35 mil dólares de seu orçamento.


O texto de Robert Shelton, que praticamente apresentou Bob Dylan ao mundo

Isso foi em outubro de 1983, e Shelton preferiu reduzir 35 mil dólares de direitos autorais. Com 210 mil cópias vendidas de imediato, em setembro de 1986 foi lançada a primeira edição, de grandioso sucesso. A edição de 2010 foi atualizada por Elizabeth Thomson e Patrick Humphries. Nela, foram adicionados novos textos, assim como um Prelúdio e uma atualização da Discografia, Bibliografia e Cronologia da carreira de Dylan até 2010.

A edição de 2010 apresenta então o Prelúdio, totalmente inédito, uma Introdução de 10 páginas, Notas da primeira edição, Discografia Selecionada, incluindo participações especiais em discos de alguns autores, mais de 60 fotos distribuídas ao longo de 48 páginas, além da Bibliografia Selecionada e da Cronologia de Dylan a partir de 1979 (ano que Shelton encerrou a escrita de No Direction Home) a 2010 (ano da edição), bem como treze capítulos. A nova edição totaliza 736 páginas.

A introdução deixa clara que na edição de 2010 há uma melhor organização cronológica, adicionando cerca de 20 mil palavras e anedotas advindas dos manuscritos originais de Shelton de 1977. Além disso, são feitas adições aos capítulos Um, Quatro e Dez, além da celebrada entrevista do voo entre Lincoln e Denver, na qual Dylan afirma que era viciado em heroína, estar na íntegra. Por outro lado, em relação ao original, as partes das gravações piratas e Os Novos Dylans foram removidas.


Peter, Paul and Mary, Joan Baez, Bob Dylan, the Freedom Singers, Pete Seeger e Theodore Bikel, cantando “We Shall Overcome” no Newport Folk Festival de 1963.

Os capítulos são divididos por nomes relacionados à frases que aparecem em canções de Dylan, e assim temos:

I - Não Levante A Voz Aqui
II - O Extremo Errado Do Mississippi
III - Talking Greenwich Village Blues
IV - Positivamente 161 West Fourth Street
V - Não Sou Um Fantoche Laureado
VI - Rola, Gutenberg
VII - Diversas Temporadas No Inferno
VIII - O Orfeu Elétrico
IX - No Coliseu
X - Um Pé Na Estrada
XI - Escutando O Silêncio
XII - Correndo Livre
XIII - Trovão, Furacão E Chuva Forte


Robert Shelton e Bob Dylan

Depois do prelúdio e da introdução, Não Levante A Voz Aqui traz ao leitor a vida do pequeno Bob na pacata cidade de Hibbing, Minnesota. A dura vida no interior, bem como o relacionamento com a primeira namorada, Echo Helstom Shivers, são os únicos momentos de atração inicial. É a partir de O Extremo Errado Do Mississippi que o Dylan que conhecemos passa a sair das páginas de No Direction Home. Percebe-se a inteligência e, por que não, arrogância do adolescente Dylan quando ele rouba cerca de 20 discos do amigo John Pancake, colega de faculdade em Dinky Town, apenas por que considerava que o amigo não era um apreciador de música como ele. Esse capítulo traz também informações sobre raras gravações de Dylan em 61, além de algo que chama a atenção durante todo o livro, que é um resumo biográfico da vida / obra de algum artista ou pessoa citada no texto. Nesse capítulo em especial, surgem breves resumos da vida de Woody Guthrie e Chuck Berry, dois nomes fundamentais e influentes na carreira de Dylan.

Talking Greenwich Village Blues traça a vida de Dylan pegando carona para chegar em Nova Iorque, e seus desaforos com imprensa e pessoas em geral. Destaca também uma importante amizade com o músico Dave Van Ronk, um dos responsáveis por incentivar Dylan a gravar, e o encontro com Guthrie, que deixou Dylan muito emocionado, já que seu ídolo estava vivendo os últimos dias de vida. Por fim, surge o contrato de 5 anos com a Columbia e uma opinião faixa a faixa de Shelton sobre Bob Dylan (1961). Positivamente 161 West Fourth Street relata a parceria calorosa de Dylan com o empresário Albert Groosman. Temos também um faixa a faixa de Freewhellin' (1963) e destaque para o boletim de protesto mimeografado, que divulgou muitas canções de Dylan no início de sua carreira, bem como o raro álbum Broadside Ballads Vol. 1, com faixas de Dylan e diversos outros artistas.


Imagens do livro

Não Sou Um Fantoche Laureado passa a comentar sobre o período do auge da carreira de Dylan no Folk Rock. Aqui aparecem comentários sobre a participação do músico no Newport Folk Festival de 1963, a profunda amizade com Joan Baez, algumas entrevistas, sempre com humor mordaz, e um discurso fracassado no Tom Paine Award de 1963, apresentado na íntegra, e que deixou muita gente indignada com o comportamento agressivo e arrogante do músico, principalmente quando ele alegou ter empatia por alguns sentimentos de Lee Harvey Oswald, isso dias depois do assassinato de John Kennedy.

Rola, Gutenberg traz um faixa a faixa de The Times They Are A-Changing (1964), uma profunda análise das 11 Outlined Epitaphs (textos que aparecem na contra-capa do mesmo disco), um faixa a faixa de Another Side of Bob Dylan (1964) e detalhes sobre a escrita do livro Tarantula, lançado por Dylan somente em 1971. Diversas Temporadas No Inferno tenta mostrar um outro lado de Dylan, ligado as causas sociais e com alguma roda de amigos. Aqui são relatados a participação do artista junto ao comitê de emergência pelas liberdades civis, um longo passeio atravessando os EUA com amigos, a ida para Londres (documentada no já citado DVD No Direction Home) bem como a polêmica apresentação no Newport Folk Festival de 1965, onde realizou seu primeiro shows com uma banda elétrica.


Mais algumas imagens do livro, destacando a capa de Tarantula

Essa fase elétrica tem mais detalhes (e desgastes) em O Orfeu Elétrico. Dylan passa a ser considerado o pai do folk rock, e recebe muitas vaias dos fãs mais antigos, por onde passa. O ápice das vaias ocorre no show de 10 de maio, no Albert Hall, onde é chamado de Judas por um dos fãs (conforme registrado no belíssimo CD da Bootleg Series - Bob Dylan Live 1966, The “Royal Albert Hall” Concert, que apesar do nome errado, registra o show suparcitado. Entrevistas problemáticas para o New York Post e KQTP TV, a complicada turnê inglesa, a filmagem de Don't Look Back e um faixa a faixa de Bringing It All Back Home (1965) e Highway 61 Revisited (1965) também estão presentes nesse que é um dos melhores capítulos do livro para quem gosta de saber podres de seu ídolo.

No Coliseu destaca o grupo canadense The Band, como eles influenciaram na sonoridade de Dylan na segunda metade dos anos 60, inclusive acompanhando o mesmo em shows e gravações de discos, e faz um faixa a faixa detalhado de Blonde On Blonde (1966), considerado por Shelton um dos melhores discos de Dylan. No capítulo Um Pé Na Estrada está a entrevista completa dada por Dylan à Shelton no vôo entre Lincoln e Denver (1965), bem como detalhes da primeira visita de Dylan à Austrália, e uma turnê europeia ainda sob muitas vaias.


Com a companheira Suze Rotolo, em meados dos anos 60

O acidente de moto que Dylan sofreu em 29 de julho de 1966 aparece em Escutando O Silêncio. Aqui, Shelton descreve com detalhes a cidade de Woodstock, e como foi a recuperação de Dylan pós-acidente. É interessante que ele não se envolve em melodramas ou heroísmos para contar o que aconteceu, passando pelo acidente como se aquilo fosse uma situação corriqueira. Shelton se prende na musicalidade e na recuperação de Dylan, gravado com a The Band o ótimo The Basement Tapes e fazendo uma inesquecível participação de retorno aos palcos no Isle of Wight Festival de 1969. Ainda há um faixa a faixa de John Wesley Harding (1967) e uma pequena parte dedicada a parceria de Dylan com Johnny Cash, outro que tem uma breve biografia apresentada ao leitor. Também há breves comentários sobre Nashville Skyline (1969).

Na reta final do livro, Shelton começa a apressar o passo. Correndo Livre abrange a primeira metade da década de 70, e cinco álbuns: Self Portait (1970, esculachado pelo autor como um dos piores discos de Dylan), breves comentários sobre New Morning (1970), Dylan (1973) e Planet Waves (1974) e um faixa a faixa de Blood on the Tracks (1975), ressaltando que esse último não é um disco em homenagem à Joan Baez como muitos atestam. Também há a brilhante participação de Dylan no Concerto para Bangladesh, que levantou e muito os fundos adquiridos em auxílio ao país, e como Dylan desenvolveu seu lado de ator no filme Pat Garret and Billy the Kid, interpretando o personagem Alias. Ainda há espaço para um breve comentário sobre a grande turnê americana de 1974, e assim, chegamos ao último capítulo de No Direction Home.


Com Joan Baez, na Rolling Thunder Revue

Trovão, Furacão E Chuva Forte resume a segunda metade da década de 70, narrando com precisão diversos momentos da gigantesca turnê Rolling Thunder Revue, que iniciou no final de 1975 e atravessou o EUA ao longo de 1976, totalizando 57 shows e tendo nomes como  Joan Baez, Jack Elliott, Roger McGuinn, Mick Ronson, entre outros, um pouco sobre a história do boxeador Rubin "Hurricane" Cartes, e de como Dylan ficou bastante indignado ao ponto de compor uma canção para o mesmo, e comentários sobre Desire (1976). Ou seja, se em dez capítulos Shelton traça a vida de Dylan durante a década de 60, dois capítulos para uma década tão importante quanto a dos anos 70 acaba sendo pouco, e essa é uma falha importante no livro, já que muitos dos detalhes expressos na década de 60 poderiam ter sido tirados, e fatos como as gravações ao vivo da década de 70, ou até mesmo a conversão cristã de Dylan já no final da década de 70, início dos anos 80, poderia aparecer.

O Poslúdio até tenta fazer isso, principalmente quando comenta sobre a gravação de Live at Budokan, originalmente pensando somente para o Japão, mas que devido ao grande número de lançamentos piratas, acabou sendo lançado no ocidente, tudo em 1978, e breves comentários sobre Street Legal (1978), o último álbum analisado por Shelton na época do lançamento do livro. A fase cristã ficou totalmente de fora, sem se quer um comentário sobre o mesmo, o que considero uma pena, pois é um fato muito relevante na carreira do americano.


Contra-capa

Claro, essa resenha é apenas um resumo de um livro com muitas histórias. Há os relacionamentos de Dylan, passagens interessantes de gravações dos álbuns, diversos e diversos trechos de entrevistas, enfim, muito material. Caso decida adquiri-lo, tenha certeza que você terá em mão um livro grandioso tanto em tamanho quanto em informações, mas essencialmente, um livro crucial e fundamental para quem quiser conhecer detalhadamente a carreira de um dos maiores gênios da arte do século passado.


sábado, 11 de março de 2017

Melhores de Todos os Tempos - Aqueles que Faltaram: por Bernardo Brum

O jovem Caetano Veloso

Por Bernardo Brum

Com Alexandre Teixeira Pontes, André Kaminski, Christiano Almeida, Davi Pascale, Fernando Bueno, Flavio Pontes, Mairon Machado, Ronaldo Rodrigues e Ulisses Macedo


Não deixe esta seleção te enganar: ela passa longe de ser definitiva. Ela é o resumo de um apanhado de mais de 30 discos cuja ausência senti. Quando havia passado dos 20, o coração já tinha começado a pesar. Mas amo com força cada um desses dez discos – muitos deles foram primeiros ou segundos lugares em listas minhas, e vê-los de fora foi tipo ver o time perder um gol, com o perdão da metáfora cretina. Ainda que esses “acertos” e “erros” sejam altamente subjetivos, foi uma dádiva que os editores da Consultoria tivessem essa ideia para que façamos nossa própria justiça ao invés de reclamar. Então, pois bem, em ordem cronológica, aí vão meus dez escolhidos e os respectivos comentários.

The Stooges - Fun House (1970)
Bernardo: Se The Stooges (1969), gravado em Nova York e produzido por John Cale (Velvet Undergroud), privilegiava a experimentação, a atmosfera de microfonia, a repetição estilística e a postura vanguardista tentando parecer meio The Doors e meio Velvet Undeground, Fun House foi gravado em Los Angeles e produzido por Don Gallucci, tecladista da banda de garage rock Kingsmen (do clássico "Louie, Louie"), e com a adição na banda do saxofonista de jazz Steve MacKay. O resultado da “californização” dos Patetas é a banda no volume máximo, mais livre do que nunca em um disco de fúria demencial que ainda soa completamente despirocado. Canções como “Down on the Street”, “T.V. Eye” e “1970” mostram a banda completamente imersa em atonalidade, improvisação e distorção. Um dos discos mais excessivos da mais excessiva das épocas.
Alexandre: Guitarras mal gravadas, com efeito de “delay curto” irritante, vocal (mal) gritado, baixo e bateria que qualquer iniciante com pouquíssimos meses de instrumento e um mínimo de talento poderia reproduzir. Quando Iggy Pop não está berrando, parece Jim Morrison, e isso não é um elogio. Há de se discernir energia e atitude de barulheira. Energia e atitude podem conter musicalidade, o que eu não encontrei aqui. E ao pesquisar a história do álbum e até o seu legado, entendi que o errado era eu. “Dez milhões” de artistas citam este disco como um de seus preferidos. Nenhum desses artistas (entre eles Joey Ramone e Jack White) tem alguma relevância fundamental para mim. As harmonias de guitarras (não o solo propriamente) no fim de "Dirt" salvam a monotonia que permeia o álbum todo. E é só. O que é aquele saxofone em "1970 (I Feel Alright)"? O que é aquele final do disco? O lado B é literalmente intragável. Se o errado era eu, continuo sendo.
André: Vai ser um pouco difícil comentar os discos do Bernardo pelo fato de termos gostos completamente diferentes (e acredito que ele sentirá a mesma coisa quando ouvir os meus). Felizmente, ele recomendou o Stooges, banda que, apesar de não ter ouvido muita coisa, possui o meu respeito devido à sua influência e inspiração para tantas outras. Fun House é um disco curto, tem uma pegada garageira bacana e uma levada jazzística bem legal. A canção da qual mais gostei foi a título, "Fun House", em que o naipe de metais se destaca junto àquela pegada rock 'n' roll típica dos anos 1960. Pena que o vocal de Iggy Pop não ajuda muito a eu apreciar mais a obra.
Christiano: Mesmo não tendo muita familiaridade com o punk rock, tenho que admitir que estamos diante de um clássico. Um disco seminal para o desenvolvimento do estilo. Lançado em 1970, Fun House é mais uma prova do grande ecletismo que caracterizava as bandas daquela época, sendo até meio difícil encontrar um rótulo para o som dos Stooges. Ao mesmo tempo em que percebemos elementos de hard rock e rock 'n' roll, um certo clima de psicodelia dá as caras em algumas músicas. Um bom exemplo disso é “Dirt”. Por outro lado, a sujeira de faixas como “Loose” e “1970” mostra que algo até então inclassificável estava sendo apresentado por esses jovens rapazes de Michigan. Ótima escolha.
Davi: Confesso que o debut do Stooges é o meu preferido deles, mas Fun House é um disco bacana. Pesado, com bastante atitude e inovador. O arranjo mais cadenciado e viajado de “Dirt” é muito bacana. A ideia de adicionar sax ao som da banda, que pode ser conferido em faixas como “1970”, é genial, já a bagunça sonora de “L.A. Blues” poderia ter sido limada. Destaque para o trabalho vocal do sempre endiabrado Iggy Pop e para o trabalho de guitarra de Ron Asheton. Faixa preferida: “Down on the Street”.
Diogo: Não soubesse antecipadamente, mesmo assim não seria difícil adivinhar que os Stooges são crias de Detroit e suas vizinhanças. Por mais que cada grupo tivesse suas diferenças, a crueza e o peso de suas composições, além de uma atmosfera evidentemente urbana, eram ponto de intersecção entre grupos como MC5, Grand Funk Railroad, Alice Cooper (egressos do Arizona, bem sei disso) e Stooges. Com um som muito baseado em riffs de guitarra, a banda desenvolve suas músicas ao redor do trabalho de Ron Asheton, algo bem evidente na maior parte do tracklist, especialmente em "Down on the Street", grande destaque. Quando resolve dar uma "viajada", o grupo também se sai bem, vide a ótima "Dirt", que traduz a psicodelia para um mundo cinza de chaminés de indústrias e laranja e vermelho vivo das caldeiras (tal qual sua capa) que derretiam o metal que dava vida a toda essa cena, distante do bucolismo idealista californiano. Fun House é um produto de sua época e de sua região, mas fez e continua fazendo sentido para muita gente ao redor do mundo.
Fernando: Em algum período no meio da faculdade eu conheci Syd Barret e fiquei maluco. O interesse por Iggy Pop e Lou Reed veio nessa época também. Porém, por mais que eu os achasse divertidos, não conseguia curtir tanto esses dois últimos. Assim, o interesse pelas carreiras regressas dos músicos quase nunca passou pelos meus ouvidos. Ouvir Stooges agora me parece algo legal para animar um bar, um pub inglês ou uma reunião de amigos, mas não creio que seria o ideal para ouvir em casa sozinho. Algumas coisas remetem aos Rolling Stones, como em “Loose”, por exemplo, mas, no geral, é o tal garage rock em sua essência.
Flavio: O disco começa de forma interessante com "Down in the Street", um rock básico bem marcado, privilegiando o vocal rasgado de Iggy Pop.  No momento do solo a coisa dá uma complicada, quando já se percebe que a guitarra não vai ajudar muito. Daí pra frente não vejo muita novidade: apesar de relevar a qualidade do som gravado, limitado em função do ano de lançamento, o grupo soa muitas vezes com uma banda de garagem, em um ensaio despretensioso. Alguns berros exagerados aqui e ali, a bateria apenas na base da animação. O baixo cumprindo o papel mais básico possivel e as guitarras por vezes dando até "tiro pra fora". A melhor música talvez seja a quarta, "Dirt", um pouco mais psicodélica e só. Não há dúvidas de que em 1970 tivemos coisas bem melhores que isso.
Mairon: Os Stooges foram precursores do punk rock e revelaram ao mundo a identidade maluca de Iggy Pop. O segundo álbum não é tão bom quanto o primeiro (que poderia ter sido lembrado para a edição dedicada a 1969), mas ainda assim é uma bela de uma pancadinha nos joelhos. Sempre é legal ouvir e sacudir a cabeleira (hoje não mais existente) durante "Loose" e a faixa-título, bem como os chapantes solos de guitarra em "Down on the Street" e o andamento arrastado de "Dirt". Fico pensando o que se passava na mente dessas quatro criaturas quando criaram este disco. Para eles, viva a existência de insanidades do porte de "T.V. Eye", "1970 (I Feel Alright)" e "L.A. Blues", sendo que, nas duas últimas, o saxofone de Steve Mackay e os gritos de Iggy são muito doentios. Poderia ter entrado pelo menos no lugar de Déjà Vu (Crosby, Stills, Nash & Young). Baita lembrança, Bernardo.
Ronaldo: Quase todas as bandas de proto-punk são melhores que as bandas punk propriamente ditas. E o motivo é que, na época, ainda era necessário tocar razoavelmente bem para convencer a plateia. É o caso do Stooges. Todos os elementos do rock raivoso que infestaria a segunda metade dos anos 1970 estavam já ali cristalizados e mais bem acabados do que a obra de todos os discípulos dos Stooges juntos. Rock possante e rasgante, visceral e louco, como o bom rock praticado em 1970.
Ulisses: Uma cacetada caótica na forma de um blues rock garageiro contorcido e de variada intensidade, em que Iggy Pop se resume a balbuciar e gritar redundantemente. É mais divertido do que parece, ainda mais por causa da guitarra faiscante de Ron Asheton e da bizarra presença do saxofone. O disco tem um clima de loucura que abarca o ouvinte de primeira e funciona muito bem.

The Kinks - Lola Versus Powerman and the Moneygoround, Part One (1970)
Bernardo: É com este álbum conceitual carregado do melhor senso de sátira inglês que os Kinks e particularmente Ray Davies conseguiram unir toda sua proficiência melódica e toda sua ambição conceitual em um disco que tem algumas das melhores linhas melódicas já compostas pelo grupo (como nas baladas “Strangers, “Get Back in the Line” e “This Time Tomorrow”), mas o grande destaque é, obviamente, o peso cadenciado de “Lola”, uma música romântica de um homem que se vê apaixonado por uma mulher transexual. Começando leve e bem humorada, a música vai ganhando power chords e vocalizações emocionais com uma evolução natural e um cuidado tão esmerado que o resultado não poderia ser diferente: um clássico instantâneo e hino do rock setentista.
Alexandre: É evidente que os estilos musicais de preferência do Bernardo e o meu são bem díspares. Desta maneira, antes de tudo é um grande aprendizado passear por esta lista, talvez mais do que de vários outros consultores. Assim, optei por não fazer considerações acerca de que este ou outro determinado disco poderia ou não estar na lista final, pois provavelmente seriam pouquíssimos os citados. Melhor fazer uma análise pura e simples. Nesse propósito, gostei do que ouvi, em especial do uso de instrumentos como violões do tipo National Steel, banjos, timbres de teclados mais tradicionais e pianos. A sonoridade e a atmosfera do rock dos do fim dos anos 1960 e primeira metade dos anos 1970 está latente e é bem vinda. E é até surpreendente, pois associava a banda a um estilo mais antigo, já que o pouquíssimo que conhecia deles vinha de regravações cover (em especial "You Really Got Me", em versão matadora do Van Halen). Bons vocais, backings, bom instrumental, nada fora do lugar. Um álbum que hoje em dia pode soar um tanto genérico, apesar do cuidado em ter letras voltadas a um mesmo conceito (críticas à indústria fonográfica), mas é agradável. Destaco as faixas "Get Back in Line", "Powerman" e, especialmente, "Got to Be Free".
André: Vejo muita gente louvando este disco, mas confesso que o considero apenas um bom álbum do Kinks. Sim, eu sinto saudades dessa época, mas acho que o Kinks já tinha dado o seu melhor entre três e cinco anos antes deste disco ser lançado. Tem lá boas sacadas de teclado, como em "Top of the Pops", mas já me soa como um disco de banda veterana fazendo apenas álbuns sem aquela gana do iniciante. Ou fazendo músicas mais piadinhas, como "The Moneygoround". Sim, eu sei que alguns podem me malhar nos comentários, mas me perdoem e pensem "ele não sabe o que faz".
Christiano: Mais um grande disco lançado em 1970. Para o ouvinte desavisado, Lola Versus Powerman... pode parecer uma colcha de retalhos, tamanha a variedade de estilos explorados pela banda. Na verdade, este álbum é um ótimo exemplo da passagem dos anos 1960 para a década posterior. “Get Back In Line”, por exemplo, traz um clima que pode lembrar nomes como The Beach Boys. “Rats”, por sua vez, tem uma pegada mais próxima do hard rock setentista. Como o The Kinks era uma banda muito acima da média, esse ecletismo tem como resultado um álbum musicalmente muito rico, que cresce a cada nova audição. Definitivamente, indispensável.
Davi: Ótima lembrança. Gosto muito do Kinks e este LP é realmente um clássico. Em termos de sonoridade, ele mistura as guitarras do hard rock com o violão do folk. A faixa de abertura, “The Contenders”, mostra bem essa mistura. Quem gostava daquela sonoridade mais suja dos britânicos, como em “You Really Got Me” ou “All Day and All of the Night“, se identificará com “Top of the Pops”, “Rats” e “Poweman”. Entre os momentos mais “calmos”, também temos ótimas faixas como “Get Back in Line”, “This Time Tomorrow” e o clássico “Lola”.
Diogo: Os Kinks pertencem àquele grupo de bandas britânicas que não morreram (criativamente ou encerraram atividades) no fim dos anos 1960, fazendo uma boa transição para a década seguinte, mostrando crescimento, perspicácia e ambição, sem abrir mão do típico senso de humor. A banda escreve a sério sem se levar tão a sério, resultando em muito boas canções, como "Lola" e "Top of the Pops", que brincam na temática e na interpretação, mas mostram esmero instrumental e conquistam pelo ouvido. Dave Davies tem a chance de brilhar com sua voz na pesada "Rats" (hard setentista pra ninguém botar defeito) e em "Strangers", balada que encontra par em "Get Back in Line" e mostra a variedade do álbum, que ainda assim soa homogêneo em sonoridade e qualidade. Destaco ainda as duas canções que encerram o disco, "Powerman" e "Got to Be Free". Não posso dizer que morro de amores pelos Kinks, mas a banda acertou a mão em Lola... e fez por merecer o espaço.
Fernando: Não conheço o Kinks da forma que eles merecem. Sei que a partir de Face to Face (1966) até este aqui está o crème de la crème do grupo, mas eu sempre fiquei mesmo no disco de 1969, Arthur (Or the Decline and Fall of the British Empire). Toda vez que me dá vontade de ouvir a banda, é nele que eu vou. Sei que é um pouco de comodismo da minha parte, mas é a verdade. Tentarei me redimir. Aos mais sabidos aí, me respondam: não encontrei uma segunda parte: ela existe ou não? Deve haver alguma história por trás disso.
Flavio: Ao ouvir outro disco do mesmo ano, mesmo entendendo que a proposta é totalmente diferente, vejo uma produção um pouco melhor que a de Fun House. Há presença de banjos, pianos, vocais dobrados em um western rock 'n' roll que agrada em boa parte da bolacha. O vocal cumpre bem o papel antenado com o estilo. Gostei de "Denmark Street", "Got to Be Free" e quase todas desceram bem. A apontar como negativo, um momento ou outro um pouco mais lento, como em "Strangers", soando enfadonho. Apesar de não surpreender, Lola... é um disco agradável sem ser um destaque do ano e merecer aparecer por aqui.
Mairon: Conheço pouco de Kinks e sempre ouvi falar bem deste álbum conceitual. Foi-me surpreendente o que ouvi, principalmente pelas melhores faixas, com a harmônica e o piano destacando-se em "The Contenders", as guitarras hardonas e os vocais gritados de "Rats", "Powerman" e "Top of the Pops" (as melhores do disco), a linda "A Long Way From Home", que poderia estar facilmente em Beggars Banquet (The Rolling Stones, 1968) e aquele delicioso órgão de "Get Back in Line". Ainda temos a sutil "Strangers", o bom arranjo vocal da veloz "This Time Tomorrow", também com uma ótima participação do órgão, e a clássica "Lola", faixa que com certeza você já deve ter ouvido alguma vez na vida, bem como as inspirações country de "Got to Be Free" e "Denmark Street". Esqueça as piadas "Apeman" e "The Moneygoround", nada acrescentam ao disco. O ano de 1970 foi bem concorrido, mas apesar de a lista ter permitido a entrada de dois discos que não aprecio tanto assim (Déjà Vu e All Things Must Pass, este último de George Harrison), não sei se Lola conseguiria um lugar.
Ronaldo: Creio que os Kinks foram uma espécie de The Who do segundo escalão, pois fizeram a mesma migração do som mod adolescente para uma maturidade musical construída em cima de histórias conceituais. E também com o mesmo senso aguçado para criar músicas grudentas e com poucas firulas. Neste caso, as batidas de violão e os acompanhamentos de piano dão um tom mid-tempo a todo o trabalho, que não é eloquente por esbanjar decibéis, mas sim por se gastar em melodias detalhadamente esculpidas.
Ulisses: Bem tocado, bem produzido, com boa variação de sonoridade e que flerta com vários outros gêneros, sendo bastante sólido e consistente do começo ao fim. Não é lá uma audição impressionante, mas a predileção da banda por arranjos espertos e agradáveis a faz descer suficientemente bem.

Caetano Veloso - Transa (1972)
Bernardo: Cercado por alguns dos melhores músicos do Brasil à época – Jards Macalé, Tutti Moreno, Moacyr Albuquerque e Auréo de Sousa – o Caetano de Transa faz, segundo ele mesmo, seu primeiro disco de grupo, gravado durante seu exílio em Londres e apresentando o auge da sua maturidade artística. A Tropicália aqui recebe os habituais banhos de rock psicodélico e samba, mas dessa vez de maneira bem mais introspectiva, como reparamos no confessional reggae “Nine Out of Ten”, nos nove minutos de “Triste Bahia”, que vai do lamento acapella ao delírio percussivo, e na abertura provocante, “You Don’t Know Me”. Em um álbum no qual inglês e português competem espaço, a regravação do samba “Mora na Filosofia” faz uma ponte entre gerações e transforma o samba de desilusão romântica de Monsueto Menezes em um semi-rock que provoca todo o establishment político-social brasileiro sem mudar uma letra da música. Ainda soa tremendamente rebelde. Transa é o verdadeiro disco rock and roll de Caetano, através do qual ele perdeu os próprios limites e virou artista do mundo, artista de música, sem bandeira, sem gênero.
Alexandre: Em minha opinião, e eu realmente não sei se o considero o melhor álbum de Caetano, apesar de ser praticamente uma unanimidade entre a crítica, mas dentro desta lista ele sobra, e fácil. Gosto bastante das faixas conhecidas dos álbuns da volta de Veloso ao Brasil, nos anos 1970, mas tenho certa dificuldade de ouvir seus discos na íntegra. O que mais me chamou atenção neste trabalho, e não sei se isso é algo subjetivo e muito da minha interpretação, mas me pareceu que a saudade do Brasil (e da Bahia, talvez mais especificamente em "Triste Bahia") transbordou dos sentimentos do cantor para o vinil. A mistura entre os idiomas inglês e português durante várias faixas e a citação explícita aos elementos de suas raízes brasileiras corroboram essa interpretação. O disco vai muito bem até a quinta faixa, "Mora na Filosofia", que aparece em uma regravação emocionante e com belo arranjo por Caetano e banda. As primeiras faixas compostas majoritariamente em inglês ("You Don’t Know Me", "Nine out of Ten" e "It’s a Long Way") também me agradaram. O final neolítico do álbum passou um pouco do ponto pra mim.
André: Sempre acharei Caetano Veloso um porre. E agora é um porre cantando em inglês. Mas como metaleiro acéfalo, aceito que me enviem o link dele lá me chamando de burro.
Christiano: Escutar este disco foi um exercício curioso. Não suporto Caetano Veloso, mas tive boa vontade para tentar esquecer minha resistência. Musicalmente, é interessante. Tem uma banda muito boa e composições bem inventivas. O grande problema, pra mim, é a voz de Caetano, que azeda as músicas em dois idiomas, mostrando que o cara é chato por essência. Mesmo assim, não tem como ignorar faixas como “It’s A Long Way” e “You Don’t Know Me”, dois dos melhores momentos do disco.
Davi: Caetano é, sem dúvida, um dos melhores letristas/compositores do Brasil. Apesar de não concordar com algumas de suas posições, sou um admirador de sua obra. São poucos os erros (tudo bem que alguns graves, como o torturante Araçá Azul, de 1973) e muitos acertos. Transa é um belo álbum, criado no período em que o músico ainda vivia seu exilio em Londres. Ele mistura inglês com português, sonoridade inglesa com brasileira, citações de Beatles e Edu Lobo. Não esperava vê-lo nesta série e fiquei feliz com sua menção. Faixas preferidas: “You Don't Know Me”, “Triste Bahia” e “It's a Long Way”.
Diogo: Mais que um cantor, músico e compositor, Caetano tornou-se um personagem da cultura nacional. É difícil ignorá-lo, seja em sua música, suas declarações e posições políticas. Talvez esse primeiro item seja, atualmente, o menos comentado pelo grande público. Da minha parte, nunca me dei ao trabalho de explorar sua carreira (esta é a primeira vez que escuto um álbum seu na íntegra), mas o que ouvi até hoje não me causa rejeição, algo que poderia ocorrer considerando meu background. Minha simpatia por sua valorização da norma culta já era um bom começo, que ficou ainda melhor ao dar play na canção que abre Transa, "You Don't Know Me", mesclando português e inglês de uma maneira que eu gostaria de ver mais gente fazendo (com qualidade, por favor) e soando difícil de rotular. Além dela, "Triste Bahia", "It's a Long Way" e "Mora na Filosofia" mostram não apenas Caetano, mas uma banda no caminho certo rumo a uma música brasileira de compreensão universal.
Fernando: O início do disco, com Caetano cantando em tons mais baixos, nem parece o baiano, mas quando ele eleva os tons vem aquele timbre de sua voz com o qual estamos acostumados. Acredito que tenha sido gravado durante ou logo após seu exílio na Inglaterra, explicando as letras se revezando do português para o inglês. Algo que nunca li foi sobre esse período que ele esteve na Inglaterra. A única coisa que me lembro dessa fase é “London London” porque eu a conheci pelo RPM. O que tenho curiosidade é saber se ele teve uma carreira real lá, se chegou a tocar, qual a recepção que teve dos ingleses, etc. Sobre o disco: ouvi sem problemas, mas não é para mim.
Flavio: Como quase qualquer brasileiro, conheço parte do repertório e da carreira de Caetano, e pelo período suponho que aqui esteja uma parte importante da fase internacional do cantor, pois, com o exílio, surgiram as canções londrino-brasileiras. Deixo claro que essa "mistureba" deve fazer sentido para uma "galera", inclusive o Bernardo, pela escolha como um disco esquecido. Bom, sinto dizer que pra mim não agrada. Não gosto do efeito da mistura, nem da pronúncia de Caetano, então, apesar de curto, o disco desceu "a fórceps". Vou salvar com muita boa vontade a brasileira "Mora na Filosofia" e olhe lá.
Mairon: Este álbum foi eleito aqui na Consultoria como um dos dez melhores discos brasileiros da década de 1970. Sofrendo do "Uol Host Incident", o comentário que fiz naquela feita foi perdido, então vamos comentar novamente. Gravado praticamente todo em uma mistura de frases em inglês e português, é um dos últimos grandes discos de Caetano, e com uma banda afiadíssima, na qual Jards Macalé só não faz chover com a guitarra. É um disco sensacional, trazendo o embalo suingado de "Nine Out of Ten" e "It's a Long Way", um show de mistura de inglês e português por Caetano, a psicodelia alucinante de Araçá Azul já começando a dar o ar da graça em “Neolithic Man” e o blues sutil, curtinho, mas encantador de "Nostalgia (That's What Rock 'n' Roll Is All About)", com a participação de Gal Costa. Falando nela, destaque principalmente para a linda "You Don't Know Me", com participação da cantora (que também vivia uma fase sensacional) e citações a "Reza", e a perfeita “Triste Bahia”, misturando elementos do candomblé e da capoeira com o rock e o samba em um crescendo de deixar sem fôlego, que foi eleita por Caetano a melhor música do LP, o que não é mero exagero de pai coruja. Porém, para mim, “Mora na Filosofia” é a melhor do disco, também com um crescendo fantástico, saindo de uma dolorida balada para uma empolgante levada, com aquele som peculiar da bateria brasileira dos anos 1970 e uma interpretação magnífica de Caetano. Uma baita lembrança do Bernardo, mas em uma lista que teve Yes, Sabbath, Purple, Bowie, Stones, Jethro Tull, Gentle Giant, Captain Beyond, Neil Young e Stevie Wonder, a concorrência era muito difícil. Mas caberia bem no lugar de Harvest e Talking Book, pelo menos para meu gosto.
Ronaldo: O sumo mais refinado da musicalidade e do lirismo de Caetano Veloso. Suas transições inglês-português e sua salada miscigenada de estilos são os principais charmes dessa transa.
Ulisses: Música bilíngue e multicultural que entrelaça MPB, bossa nova, rock, reggae e baião. A audição é interessante não só por trazer uma musicalidade rica e extensa, mas também porque sua execução é precisa e criativa; "Triste Bahia", com seu jeitão de roda de capoeira, mas trazendo um instrumental cuidadoso e arrasador por trás, é o melhor exemplo disso. Boa indicação.

Bob Dylan - Blood on the Tracks (1975)
Bernardo: Quem não tem um fraco por discos confessionais? Só sei que eu tenho. Ainda que Dylan negue que os escreva e que tenha ironizado em entrevistas de rádio que pessoas gostavam do disco por “gostar desse tipo de dor”, a fase inspirada do artista – o segundo momento iluminado da sua carreira, que recuperava o momento revolucionário entre The Freewheelin’ Bob Dylan (1963) e John Wesley Harding (1967) – estava de volta, que ainda renderia a obra-prima Desire (1976). Menos bem cuidado e mais sangue nos olhos que seu sucessor, Blood on the Tracks exorciza demônios pessoais de Dylan através de música – seja no lamento de “Tangled Up in Blue”, a raiva épica e um tom acima, cheio de versos cortantes de “Idiot Wind” (“nós somos idiotas, querida/é um mistério que ainda saibamos nos alimentar”) e nas mais suaves “Shelter From the Storm” e “You’re Gonna Make Me Lonesome When You Go”. Para muitos, pode soar um tanto homogêneo; para mim, é um artista no auge da sua sensibilidade nos convidando para uma jornada sem volta pelos lados mais escuros, feios e frágeis de seu coração.
Alexandre: Nunca fui um grande admirador de Bob Dylan, apesar de reconhecer seu mérito indiscutível como compositor. Ainda assim, a tendência era que eu desaprovasse o álbum. No entanto, posso atestar que Blood on the Tracks até soou bem em boa parte, embora não tenha propriamente me entusiasmado. O disco é tido como o crème de la crème, um dos “masterpieces” do compositor, mas para mim o grande mérito dele é não abusar dos tons altos e anasalados e ter poucos momentos de gaita, dos quais eu normalmente não gosto. Destaco "Idiot Wind" e "Tangled Up in Blue". "Simple Twist of Fate" tem a mais bonita harmonia do álbum, poderia ter menos gaita. Os belos timbres de violão durante todo o disco também me agradaram bastante.
André: Este é um belo disco de Dylan. Folk delicioso, espontâneo, de uma qualidade ímpar. Vai dizer que "Tangled Up in Blue" não é uma das melhores canções que ele gravou na carreira? O cara faz chover com um violão na mão. O menino Bernardo mandou muito bem aqui.
Christiano: Sempre achei que Bob Dylan é letra demais e música de menos, mas esse não é o caso de Blood on the Tracks, um disco que traz coisas tão bonitas como “You’re a Big Girl Now”, “Tangled Up in Blue” e “Buckets of Rain”. É inegável que um ar melancólico percorre boa parte das faixas, o que, neste caso, torna o álbum ainda mais belo.
Davi: Bob Dylan é sempre genial. Acredito que este talvez seja o álbum mais confessional de sua carreira. As letras deixam claro o momento turbulento pelo qual passava a relação com sua esposa, Sara. O próprio Jakob Dylan (líder do Wallflowers e filho do cantor) já afirmou publicamente que, quando ouve este LP, a imagem que vem à sua mente é a de seus pais. As gaitas dos tempos de The Freewheelin' Bob Dylan voltam a aparecer em faixas como “You're Gonna Make Me Lonesome When You Go” e “Lily, Rosemary and the Jack of Hearts”. Depois de ter realizado vários álbuns apoderado de sua guitarra, como o antecessor Planet Waves (1974), Dylan volta a explorar os violões nos arranjos. Faixas como “Tangled Up in Blue”, “You're a Big Girl Now” e “Meet Me in the Morning” destacam-se durante a audição.
Diogo: Entre todos os álbuns aqui mencionados pelo Bernardo, Blood on the Tracks é o único que incluí em listas minhas. Após o quase perfeito período de 1963 a 1969, seguido por alguns discos de qualidade bem abaixo da média, ele significou uma retomada em alto estilo, desfilando composições intensas que pouco ou quase nada devem para os melhores momentos de Highway 61 Revisited (1965) e Blonde on Blonde (1966), suas obras máximas. Não me importa se ele viveu ou não as emoções representadas em suas canções, o que importa é que a autenticidade é inquestionável. A vontade que tenho é de empilhar destaque sobre destaque, pois a sequência de ótimas faixas vai quase do início ao fim do álbum, sendo "Meet Me in the Morning" a única quebra mais evidente. As quatro primeiras tiram o fôlego por completo, enquanto o country de "Lily, Rosemary and the Jack of Hearts" termina de derrubar o cidadão. Sei que Bob Dylan recebeu um bom espaço em nossa série, especialmente em suas primeiras edições, mas a citação a Blood on the Tracks é justa. Gosto um pouco mais dele do que de Desire, que também citei e deu as caras na lista dedicada a 1976.
Fernando: Bob Dylan é um daqueles artistas que me faz ter vontade de aprimorar meu inglês. Consigo me comunicar, ler e me viro bem quando viajo, mas entender poesia ou mesmo absorver literatura ainda não consigo completamente. Falo isso porque sua música é simples, basicamente voz e violão, com a adição eventual de algumas camadas de outros instrumentos, e é totalmente focada na mensagem que ele está passado. Quando a mensagem é recebida de forma truncada, acredito que perdemos muito do ato de ouvi-la.
Flavio: Vou (novamente) "ir contra a maré" aqui e me expor ao "linchamento público" ao dizer que nunca entendi essa idolatria a Bob Dylan. Tá, ele foi um grande representante do movimento da contracultura, em defesa dos mais fracos e da filosofia paz e amor da virada dos anos 1960/70, e há algumas boas composições na sua carreira, principalmente no aspecto lírico, mas pra mim é só. Não conseguiria montar um boa coletânea de 60 minutos do artista. Ao me depararar com este álbum de 1975, além de manter tudo exposto, ainda o vejo como dono de um som datado até para a época, já carente de outro panorama. Particularmente, soam bem desagradáveis as inserções de gaita e vocal, em alguns momentos até semitonando. Enfim, daqui não vou destacar nada e mantenho minha posição de afastamento em relação ao repertório do cantor. Passo!
Mairon: Cara, quando ouvi Blood on the Tracks pela primeira vez, através de um amigo meu fã de Dylan, ele me avisou: "Preste atenção nas harmonias instrumentais e nas letras". Bom, isso é o básico para se ouvir Dylan, mas em especial aqui está o fato de que ele está despejando todo o seu sentimento por conta da separação de sua esposa Sara. Sendo assim, as letras assumem um teor pessoal tão dolorido que fica difícil pensar como ele conseguiu gravá-las sem chorar. Claro, ele sempre afirmou que o disco não tem nada a ver com sua vida pessoal, mas essa lenda irá perdurar para sempre, principalmente ao ouvirmos joias tão lindas como "Simple Twist of Fate", "Idiot Wind" e a mais clássica do disco, "Shelter From the Storm". Dylan solta a voz no longo country de "Lily, Rosemary and the Jack of Hearts" e ainda se dá ao luxo de voltar aos tempos de trovador solitário em "You're Gonna Make Me Lonesome When You Go", em que a nostalgia come solta. Como não se maravilhar com "Buckets of Rain", "Tangled Up in Blue", as linhas bluesy de "Meet Me in the Morning" e segurar a emoção no dedilhado de violão da tocante "You're a Big Girl Now" e na doloridíssima "If You See Her, Say Hello". Tinha certeza que este disco entraria na edição dedicada a 1975, por isso tirei-o na última hora para que entrasse Wish You Were Here (Pink Floyd) na minha lista. E não é que Dylan ficou de fora? Entraria fácil no lugar de Bruce Springsteen e de Neil Young, quiçá até do Rainbow. Um dos melhores discos do norte-americano prêmio Nobel de literatura, essencial para qualquer pessoa que goste de música em geral.
Ronaldo: Um feliz casamento entre letra e música. As férias forçadas que Bob Dylan teve no início dos anos 1970 lhe fizeram um bem danado. Sua música voltou oxigenada com um novo lirismo e seu violão encontra-se cada vez mais particularizado e posto em um quadro sonoro caprichado. Só ouço acertos em Blood on the Tracks.
Ulisses: Musicalmente, Bob Dylan nunca me disse nada, é apenas razoavelmente agradável de se ouvir, e não é Blood on the Tracks que vai mudar isso. Liricamente, a história sempre é diferente com o bardo: a prosa é bastante pessoal e vívida, detalhando turbulências de relacionamentos e separações. Acompanhando as ótimas letras e sabendo a história por trás de seu casamento, a audição fica bem mais apreciável.

Jorge Ben - África Brasil (1976)
Bernardo: Jorge Ben é um titã da música brasileira. Do nível de Chico, Caetano, Tim Maia, você nomeie. Aprimorando seu inimitável “samba soul” disco a disco, África Brasil tem o título perfeito: une a sonoridade tradicional africana com o caldeirão brasileiro de maneira impressionante, no que a crítica chamou de um disco de “samba rock”, cheio de guitarras vigorosas mas também cheio de percussões pesadas, viradas impressionantes e de chacoalhar a alma e um baixo que ronca como um trovão. “Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)” é daquelas entradas que chegam derrubando tudo e te mostra em alguns segundos a razão de ser um clássico instantâneo, os clássicos “Taj Mahal” e “Xica da Silva” embalaram gerações em sua celebração da história além-Ocidente, e ainda tem outras pérolas como “Hermes Trimegisto Escreveu”, “Meus Filhos, Meu Tesouro” e a autorregravação furiosa de “África Brasil (Zumbi)”, que já havia aparecido mais suave em A Tábua de Esmeralda (1974), encerrando o álbum com o peso de mil hard rocks e heavy metals que penam para igualar a intensidade da sessão rítmica de Jorge. Rei é rei, né, mores?
Alexandre: Os discos brasileiros desta lista estão entre os que mais me agradam. Não tenho uma (salve) simpatia absoluta pelo estilo proposto por Jorge Ben, mas o álbum passou bem durante as várias vezes que o pus pra tocar enquanto pretendia analisá-lo. O cantor está muito bem acompanhado de músicos como Marcio Montarroyos, Dadi e José Roberto Bertrami, por exemplo, que estiveram em bandas como A Cor do Som e Azymuth. É um senhor predicado, sem dúvida, pois o instrumental é de qualidade, sem qualquer questionamento. Dentro desse instrumental, Ben vai divagando acerca de suas viagens entre reinados africanos e partidas de futebol. Em alguns momentos, a viagem me parece além da compreensão, mas o álbum entrega várias faixas conhecidas até para o menos informado sobre a carreira do músico, entre elas "Xica da Silva", "Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)", algumas regravações, como "Taj Mahal" e "O Camisa 10 da Gávea", a minha favorita, já que sou rubro-negro confesso e feliz acompanhador da melhor fase do Flamengo e do seu maior ídolo, Zico. O disco é tido e conceituado por ser pioneiro em trazer algo da black music, do soul e, principalmente, o tal samba rock em sua essência, e pela troca do violão pela guitarra pelo próprio Jorge, trazendo mais suingue para um som recheado de elementos percussivos. A questão do uso da guitarra (sutilmente temperada com alguns efeitos, como o phaser – acredito que seja o Phase 90 da MXR) não é o que mais me chama atenção, e, apesar de perceber que isto serviu para modernizar a sonoridade à época, prefiro entender o uso do instrumento como um coadjuvante entre os demais elementos da mistura na busca do estilo pretendido.
André: É, definitivamente, este é um dos caras que realmente conseguiu misturar samba e rock e criar discos no mínimo interessantes, mesmo que não goste do estilo dele. Não me é marcante, mas dá para curtir uns grooves legais como em "Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)" e a clássica e conhecida "Taj Mahal" (pena que tem cuíca, eu realmente não gosto de cuíca).
Christiano: Acho Jorge Ben um cara menosprezado. Talvez isso aconteça por conta dos rumos que sua carreira tomou já no fim dos anos 1970. África Brasil é uma amostra do quão original um artista pode ser: já nos primeiros segundos da primeira faixa, “Ponta de Lança Africano”, é possível identificar um tipo de sonoridade muito própria cunhada pelo futuro Sr. Benjor. É aquela história de assinatura musical muito particular. Ao longo do disco, o que temos é um desfile de ótimas músicas, com um clima meio despojado, brincalhão e original. Destaque para “Xica da Silva” e “Hermes Trismegisto Escreveu”, grandes momentos deste grande álbum que, ao lado de Força Bruta (1970)está entre os meus preferidos da carreira do grande Jorge.
Davi: Clássico da música brasileira e um marco na carreira de Jorge Ben. Foi a partir daqui que ele abandonou de vez os violões, assumindo a guitarra como seu principal instrumento. Fundiu a música negra brasileira com a música negra norte-americana. Ou seja, mistura seu samba rock com funk e soul, criando uma sonoridade cativante. O LP apresenta alguns hits, como “Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)”, que os mais jovens vão conhecer pelo Soulfly, e “Taj Mahal”. Outros momentos marcantes ficam por conta de “Meus Filhos, Meu Tesouro” e “Xica da Silva”.
Diogo: A presença de Tábua de Esmeralda na edição dedicada a 1974 foi uma das maiores (e mais desnecessárias) polêmicas desde que a série teve início, se não a maior de todas. Pergunto-me, caso este álbum desse as caras duas edições depois, e Tábua de Esmeralda nunca houvesse aparecido, qual seria a reação. Particularmente, considero África Brasil um disco superior, mais gostoso de ouvir, com um trabalho de baixo, bateria e percussão mais envolvente. Apesar da inegável brasilidade do trabalho, Jorge promove uma fusão muito natural da música negra brasileira com a norte-americana e, não fossem instrumentos tipicamente nossos trabalhando forte na percussão, seria muito fácil encaixar suas bases em pancadões soul/funk lançados pelas gravadoras Stax e Motown. As letras são dotadas de um lirismo todo particular, que pode soar estranho a muita gente, mas que eu curto. Respeito Jorge por ter criado um estilo próprio não apenas em sua música, mas em suas letras também. Pouca gente consegue fazer isso.
Fernando: Quando as músicas ficam apenas nas partes instrumentais me lembra o funk setentista, mas basta as vozes aparecerem para me desanimar com o som. Não gosto da interpretação de Jorge Ben, essa “malandragem” que ele passa na voz não me agrada.
Flavio: Jorge Ben em talvez o seu álbum de maior sucesso, com pelo menos quatro músicas clássicas, se não me engano. Eu, que me lembro vagamente da época no Brasil, recordo-me de seu sucesso. Foi uma experiência interessante reouvir o disco, com olhar mais criterioso, anos depois. Ouvir os sucessos "Xica da Silva" e a homenagem ao craque Zico, em "Camisa 10 da Gávea", foi agradavelmente nostálgico. Percebe-se claramente a influência soul (na época um sucesso importado dos EUA) no samba rock de Ben. O disco soa leve com os tons irônicos, folclóricos e futebolísticos das letras. Não dá para ficar alheio à importância da bolacha e encontrar boas qualidades nas composições. Boa produção, com bastante presença de elementos percussivos, como cuíca, chocalhos, surdos, apitos, além da guitarra elétrica quase sempre com função de base, e poucos solos aqui e ali, acertada para o estilo, com a procura pop que trouxe maior sucesso para a carreira de Jorge. Como não gosto de Ramones nem de Bob Dylan, o encaixaria tranquilamente na edição da série dedicada a 1976, mas vejo outros que o substituiriam tranquilamente nesse ano, inclusive o Judas Priest, com Sad Wings of Destiny, sugerido pelo Ulisses.
Mairon: Jorge Ben ter entrado na lista abordando 1974 foi um dos maiores absurdos da série. Já em 1976, com África Brasil, o brasileiro não figurou entre os dez mais, até porque, como eu disse na edição dedicada ao Ulisses, 1976 foi um baita ano. África Brasil me foi mais simpático que A Tábua de Esmeralda logo de cara, pois começa com a sensacional "Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)", uma das melhores canções da carreira de Jorge Ben, com vocalizações femininas e um embalo sensacional. As outras canções clássicas, "Taj Mahal", "Xica da Silva" e "África Brasil (Zumbi)", também soam muito agradáveis. Agora, o grande mérito de África Brasil é a banda que está acompanhando Jorge Ben. A metaleira em "Hermes Trismegisto Escreveu" e "A História de Jorge" (essa ainda com uma baita tecladeira) é de primeira, e a cozinha Dadi Carvalho (baixo) e Gustavo Schroeter (bateria) faz misérias nos ritmos suingados, criando um groove contagiante do que podia ser um belo disco, além de Dadi ser o centro das atenções na agitadérrima "Cavaleiro do Cavalo Imaculado". Mas daí veio a choradeira desafinada de "O Filósofo", "Meus Filhos, Meu Tesouro" e, putz, só a cozinha mesmo se salvou, pois isso me traz as piores lembranças de A Tábua de Esmeralda. A cuíca na simpática "O Plebeu" e na homenagem a Zico em "Camisa 10 da Gávea" também não me soou nada bem. Não entraria na edição dedicada a 1976 nem a pau, nem na lista de melhores brazucas da década de 1970.
Ronaldo: Este disco é como se fosse Jorge Ben saindo do campo de grama para o futebol de salão. Seu swing ficou ainda mais acentuado na guitarra elétrica, embalando seus contos hilários. Um discaço caricaturalmente brasileiro em tudo – no balanço, nos arranjos, na temática. Golaço com as camisas rubro-negra-tricolor-alvinegra-cruz-maltina.
Ulisses: Conheço bem pouco da música de Jorge Ben (além de África Brasil, só ouvi Tábua de Esmeralda e Samba Esquema Novo, de 1963), mas o som desse cara sempre me pareceu algo bem curioso e inventivo, e tão divertido quanto inovador. Não sei como anda o som dele atualmente, mas África Brasil segue provocando impressões positivas, ainda, quatro décadas depois, com seu samba rock que traz, de bandeja, funk e psicodelia.

Talking Heads - Remain in Light (1980)
Bernardo: Mistura de punk com afrobeat, de jazz com disco, de rap com fluxo de consciência, Remain in Light é a prova que “geração perdida” é o escambau quando se fala de década de 1980, pois é quando os Talking Heads lançaram sua obra-prima, um discos mais ambiciosos do pop e do rock em geral, desconstruindo concepções básicas de rock, dando independência a instrumentos, criando ritmos inacreditáveis, um bate-estaca tão envolvente quanto imprevisível, como dá pra ouvir nos dois hinos do disco “Born Under Punches (And the Heat Goes On…)” e “Once in a Lifetime”.
Alexandre: Bem, a New Wave me passou longe nos anos 1980, absorto que eu estava naquela catarse de grupos de hard rock e metal que invadiram e arregaçaram o Rock in Rio de 1985. Curioso a ser forçado aqui a ouvir mais do estilo New Wave, esperava algo mais calcado no gênero em si, mas foi colocar o disco pra tocar e perceber uma mistureba embrionária de world music, cheia de atabaques africanos e sons eletrônicos, com um vocal chato às vezes falado, às vezes com linhas vocais até interessantes, mas que se repetem demais. Confesso, eu estava entregando o jogo... Aí vieram dois solos de guitarra (em especial o segundo) na faixa "The Great Curve" com um timbre “animal” e muito fora da curva. Saí da letargia e fui ver quem era esse guitarrista, pois ele lembrava Adrian Belew. Triste a constatação, pois era o próprio, convidado da banda. Ou seja, do grupo em si eu não gostei de muita coisa. É como eu já citei, algumas linhas vocais, por exemplo em "Crosseyed and Painless", mergulhadas nessa world music sem muita variação de acordes durante as canções. A banda, recheada de convidados (em especial o próprio Belew), cresce bastante durante as apresentações ao vivo da turnê subsequente, mas como a análise é sobre o álbum em si, eu vou contabilizar mais contras que prós. No entanto, a proposição por tentar entender os caminhos que o grupo percorreu até chegar a este Remain in Light me deixa em aberto a possibilidade de fazer uma pesquisa mais apurada sobre a totalidade de sua obra.
André: Uma daquelas bandas ditas como "inclassificáveis", visto a variedade de estilos que usam. Tem quem goste (e são muitos), mas não é para mim. Mas gostei da faixa "The Great Curve", que possui uma melodia de baixo, bateria e teclado bem carismática.
Christiano: Depois de escutar este disco, senti-me um E.T. Tanta gente elogia o Talking Heads, destacando a importância da banda, de David Byrne etc. Mas eu só achei chato. Foi uma tortura ter que escutar até o fim. Tudo bem que é um troço diferente, meio experimental, mas é chato de doer, sem pé nem cabeça, repetitivo. Não entendi.
Davi: Banda extremamente cultuada, mas na qual nunca consegui ver muita graça. O álbum com o qual sou mais familiarizado deles é Talking Heads: 77 (1977), já tive que tocar “Psycho Killer” na noite, e também tenho em casa um ao vivo chamado The Name of this Band Is Talking Heads (1982). Ouvi o disco e, mais uma vez, não foi algo que tenha me tocado profundamente. Bem produzido, bem tocado, mas as composições são bem chatinhas. “Crosseyed and Painless” é a melhor do disco, na minha opinião.
Diogo: Deste álbum, conhecia apenas o quase sucesso "Once in a Lifetime", que é uma música inteligente, imprevisível, magnífica e curiosamente memorável. Escutei o restante do disco e nenhuma delas me soou tão bem quanto ela, mas a impressão geral foi boa. Como fã do King Crimson de Discipline, lançado dois anos depois, fica evidente a inspiração que Robert Fripp encontrou no Talking Heads, um sinal de grandeza que poucos músicos com sua bagagem se dão ao luxo de demonstrar. As canções baseiam-se bastante na repetição de determinados temas, mas isso felizmente não as torna enfadonhas, pois o grupo sabe trabalhar muito bem os arranjos e as melodias (e as não-melodias) vocais sobre esses temas. Não é o tipo de som que pretendo escutar com grande frequência, mas me estimulou a conhecer melhor a carreira do Talking Heads. Consiste, sem dúvida, em uma indicação muito superior e mais importante que outras que deram as caras na série em se tratando na nossa popular "cota alternativa".
Fernando: Muita gente considera o Talking Heads uma daquelas bandas "one hit wonder" por conta de “Psycho Killer”, que TODAS as bandas covers de TODOS os bares tocam. Conheço algumas pessoas que gostam do grupo e sei que a música citada nem sempre é considerada entre as melhoras deles, mas quase nada além dela me agradou. Ouvi o disco todo esperando mudar de ideia, mas é isso mesmo.
Flavio: Um disco revolucionário para a época, com destaque absoluto do guitarrista Adrian Belew, que, pelo que vi, nem era da banda, sendo portanto um convidado. O uso de repetições de segmentos, frases musicais, predomina na bolacha toda, determinando o início do estilo eletrônico, que é prenchido com bastante percussão, em estilo tipicamente africano. Não sou fã do timbre de David Byrne, apesar de entender a influência do seu trabalho no Talking Heads naquilo que viria depois, como o eletrônico e todos os seus afiliados. Podem ser destacados os bons vocais dobrados e a produção, que acerta em cheio o objetivo de fazer um álbum inovador. Não destaco música em especial: em geral não é um disco que me agrada, já que o estilo não é o meu predileto. Ficou a referência do trabalho para a entrada de Adrian Belew no King Crimson, o que por si só já é um ponto positivo.
Mairon: Assim como o The Police, o Talking Heads é outra banda que não consigo curtir. David Byrne é um cara genial, disso não duvido, mas as músicas da banda são muito "experimentais" para minha cabeça. Neste caso, o grupo parece estar fazendo um embrião do que veio a ser o King Crimson meses depois, até porque a presença do malucaço Adrian Belew nas guitarras junto da loucura magnífica de Brian Eno é a união da fome com a vontade de comer. Soma-se a isso toda a capacidade criativa de Byrne e temos um disco muito diferente do usual. Instrumentos africanos perambulam aqui e acolá, batidas ritmadas para ficar na mente da criatura, mas falta algo que me dê um tesão na audição. É muita repetição de frases na mesma música, o ritmo não muda, sei lá, não consegui achar nada de bom aqui. Em um bom dia, acho que apreciaria somente "The Overload", por conta da sua soturnice. Portanto, sem chances de entrar na lista dedicada a 1980.
Ronaldo: Uma espécie de pop irreverente que se tornou muito influente no pós-punk e New Wave, mas que, assim como quase 100% do estilo, carece de um pouco mais de imaginação. Quase todas as músicas do disco parecem apostar todas suas fichas em um único e pequeno fragmento musical, repetindo-o infinitas vezes. As canções terminam exatamente como começam e apenas a voz consegue trazer algo que te faça achar graça. Destaque para a faixa "Once in a Lifetime"; ainda que apoiada sobre a mesma premissa do restante do disco, o faz com bons ganchos.
Ulisses: Não vou negar que o som New Wave do álbum, banhado em ritmos africanos e funk, é deveras chamativo em um primeiro momento. Porém, no decorrer da audição, ficou bastante claro que, embora apresente uma boa diversidade de ritmos e climas, Remain in Light não possui quilate para ser algo mais que um registro interessante de experimentação sonora.

The Jesus and Mary Chain - Psychocandy (1985)
Bernardo: Uma muralha intransponível de ruídos. Muitos mencionarão isso como um defeito, mas, para ser sincero, minha alma sofre um novo abalo sempre que ouço “Just Like Honey”, “The Living End”, “The Hardest Walk”, “My Little Underground” e tento entender como eles fizeram essa mescla de pop onírico com atmosfera perturbadora; enquanto o melhor do noise/shoegaze cerca nossos ouvidos, Jim Reid sussurra de maneira quase sessentista, quase como se The Jesus and Mary Chain fosse a bad trip dos Beatles e dos Beach Boys, sendo românticos em uma terra de pesadelo. Disco com o peso de um sussurro e a leveza de uma bigorna.
Alexandre: Bem, como eu só conhecia a banda de nome, fui “providenciar” o álbum e achei que havia errado de arquivo, porque o que estava ouvindo era uma fita demo gravada no estúdio caseiro daqui de perto. E gravado em 1985, ou até antes, porque hoje nem o estúdio caseiro grava algo com um som tão tosco como esse. Tentei outras fontes, a barulheira continuava. Ou seja, era isso mesmo, era esse o arquivo sim... “Holy mother of reverbering vocals!!!!”, diria o menino prodígio para o homem-morcego. Mas a primeira música ainda não era o pior em qualidade de som. Quando começou a segunda faixa, com o apropriado nome "The Living End", saíram os guitarristas, entraram um bom punhado de apiários e um sem-número de enxame de abelhas que ficaram até o fim do álbum. Como se não bastasse, o produtor declarou guerra às frequências graves e resolveu deixá-las de fora do álbum, fazendo com que o baixista, cujo nome atende por Douglas Hart, tivesse de promover uma rebelião para que pelo menos os seus timbres pudessem dar as caras por aqui. É seu o melhor (?) momento do álbum, lá pra perto dos dois minutos da faixa "The Hardest Walk", em que as abelhas ficaram no “mute” e da bateria restou o bumbo. Pena que são apenas cerca de dez segundos. De resto, foi puro sofrimento em 39 minutos intermináveis. Pior disco da lista.
André: Sem chance, acho essa banda e esse estilo vocal de rock alternativo enfadonhos. Mais sussurro do que canto. Eles pelo menos têm o mérito de possuir um pouco mais de energia, a exemplo de "Cut Dead", mas me dou o direito de desgostar mesmo de bandas consagradas e consideradas importantes quando se trata de um estilo que me desagrada.
Christiano: The Jesus and Mary Chain é uma banda bem esquisita e Psychocandy (1985) é indicado por muitos como um dos melhores momentos de sua carreira. Não é um tipo de som muito fácil de ser assimilado, por conta do uso excessivo de recursos como microfonia e barulhos meio caóticos, mas era uma proposta bem inovadora para a época. Além disso, as composições são boas, têm um clima interessantemente claustrofóbico. Acho que a banda é um tipo de versão suja do The Church, só para citar uma fonte de comparação, e isso é bom.
Davi: Lembro-me de ver alguns vídeos deles nos anos 1980 e também no início dos anos 1990, sem que nunca me chamassem atenção. Escutei o disco e realmente não me cativou. Influência latente de Joy Division e Velvet Underground. Dois artistas dos quais nunca gostei. Definitivamente, não é minha cara. Sem momentos de destaque para mim.
Diogo: Os caras pegaram aquilo de que menos gosto na psicodelia californiana sessentista e adicionaram um mar de microfonia e um oceano de ambiência tipicamente oitentista. Muito difícil gostar disso. Ouvir música é como degustar um prato de comida: não adianta desafiar o convencional e tentar criar algo original se o resultado não apetecer, seja ao paladar ou à audição. A mim, Psychocandy não apeteceu. Há boas melodias cá e lá, a proposta é inovadora e bem executada, mas não há nada que me faça querer ouvir o álbum novamente, pelo menos a curto e médio prazo. É uma peça importante para entender alguns rumos que a música tomaria algum tempo depois, mas, assim, como um artefato bélico em um museu, é melhor que permaneça como uma memória do que seja novamente colocado na ativa.
Fernando: Depois do grunge e de aprender as origens do movimento da cidade de Seattle, busquei conhecer os precursores do chamado rock alternativo. Encontrei Pixies, Sonic Youth, The Jesus and Mary Chain, entre outros. Porém, eu nunca consegui gostar deles como gostava de Nirvana, Pearl Jam, Soundgarden etc. “Just Like Honey” tem uma sonoridade etérea que engana no começo e, a partir de “The Living End”, a barulheira causada pela distorção saturada começa e chega no seu auge em “You Trip Me Up”. Serviço de utilidade pública: não ouçam com fone de ouvidos! 
Flavio: Bom, aqui a coisa desanda: o The Jesus and Mary Chain faz um disco por vezes muito lento, com um vocal sussurante, com aquela guitarrinha limpa bem "basicona", ou às vezes puxada para o punk, com o uso de um timbre de overdrive insuportável. O resto da banda compõe sem melhorar o panorama. O desepero foi aumentando quando vi que haveria quinze músicas, e o alívio quando acabava cada uma era maior. Não posso destacar nada aqui. Desculpe-me, Bernardo, mas esse vocal foi de matar, onde gravaram isso? Dentro de uma tubulação de gás com uma britadeira em compressão? Minha esposa perguntou que ruído é esse que entrou sem querer no disco e por que não tiraram? Para finalizar, gostei do título da última música, que reflete o meu sentimento ao ouvir o disco:  "It's So Hard".
Mairon: Essas bandas do pós-punk não me causam uma impressão muito forte. Claro que admiro e respeito a história de grupos como o Jesus, mas não consigo ouvir um álbum inteiro sem pensar que o que está ali é uma ampliação piorada do que o punk propôs uma década antes. Tem momentos bons ("My Little Underground", "The Living End", "Never Understand", "Something's Wrong" e "The Hardest Walk", que me lembrou Pixies), momentos que não fedem nem cheiram ("Taste of Cindy" e "You Trip Me Up") e momentos que poderiam nem existir ("Taste the Floor", "Inside Me",  "It's So Hard" e "In a Hole", que parece ter sido o avô do Nirvana). Ou seja, é mais sem gosto que sopa de nabo. Gostei do estilo Lou Reed de "Cut Dead", a melhor do disco. Ah, e quando pintou "Just Like Honey" e "Sowing Seeds", juro que ouvi a voz de Raul dizendo: "Um dia, numa rua da cidade, eu vi um velhinho sentado na calçada, com uma cuia de esmola e uma viola na mão". É um disco legalzinho, mas mesmo com RPM em primeiro em 1985, não entraria de nenhuma maneira na lista dedicada àquele ano.
Ronaldo: Para quem conhece bem o rock psicodélico norte-americano dos anos 1960, o tipo de som do The Jesus and Mary Chain neste disco não surpreende. Nada aqui é novidade em termos de construção sonora e primitivismo musical. A roupagem, esta sim, totalmente oitentista, é que é a impressão digital do trabalho. E isso não é um predicado positivo neste caso, porque aqui se encontram em abundância os piores lugares-comum daquela década – som abafado, timbres horríveis de bateria, guitarra e teclados e vocais entendiantes, apáticos, sem um pingo de pegada.
Ulisses: Eu estava com essa banda há algum tempo no meu PC e esta lista foi o empurrão necessário para que eu a ouvisse propriamente, pois eu já havia lido vários comentários positivos em relação a ela. Trata-se de um pop rock encoberto por uma grossa camada de reverb, microfonia e distorção que, embora dê vida a um resultado inegavelmente engenhoso, não escapa de soar repetitivo e pouco refinado, dando a entender que os caras haviam desenvolvido mais o conceito sonoro do que as composições que fariam parte dele. Entretanto, logo de cara fica marcada a (óbvia) influência deste registro para bandas posteriores, que souberam trabalhar melhor esse tipo de sonoridade.

Primal Scream - Screamadelica (1991)
Bernardo: Os Stones foram pra Manchester na época do filme “A Festa Nunca Termina” (2002), trocaram a heroína por ecstasy e resolveram fazer Screamadelica. Só isso explica. Brincadeira. Na verdade não: é fruto da mente insana do ex-baterista do The Jesus and Mary Chain Bobby Gillespie. O sujeito pegou o blues rock e misturou com o batidão da nascente cena dance, pegou andamentos de dub para a cozinha e fez um dos discos mais viajados e rebeldes de sua época, com uma justa homenagem ao rebelde eterno Peter Fonda em um trecho de áudio no início de “Loaded”, no qual reproduz sua fala do filme “Os Anjos Selvagens” (1966) em que prega liberdade e chapação. Por isso, a simpática “Movin’ on Up” pode até soar atraente, mas nada te prepara para o literal “rock de rave” de “Slip Inside this House”, as duas partes de “Higher than the Sun”, na qual tudo é vertido em uma viagem digna do Funkadelic em sua obra-prima Maggot Brain (1971), entre outros momentos de puro brilhantismo. Que discão da porra. Continua tão despirocado, rebelde eanticonvencional quanto era na época. É tão característico mas não ficou datado um dia. Como diria uma das próprias canções… “Don’t Fight It… Feel It”.
Alexandre: É uma questão de estilo, provavelmente. Até que a primeira música não é de todo ruim, uma mistura de "Sympathy for the Devil" e o coral gospel de "Oh! Happy Day". Entraram a bateria eletrônica e todos os elementos mais eletrônicos no álbum e eu invariavelmente comecei a torcer o nariz. A tal questão de estilo. A voz de Bobby Gillespie, por vezes um “fiapinho” frágil, também não contribuiu para alguma melhoria na avaliação. Uma mistura de Rolling Stones e The Black Crowes com sons mais pasteurizados. As músicas são um tanto genéricas e também não me chamaram atenção, a despeito do arranjo mais modernoso. Quanto mais eletrônico, pior, como em "Higher than the Sun". A coisa descamba para o tal estilo “dub” de "Inner Flight" e isso é quase o fundo do poço. Entra "Freedom '90", eu me lembro do saudoso George Michael, mas aí descubro que não é a faixa solo do cantor inglês de ascendência grega e sim "Loaded". Desculpe-me, Bernardo, quando eu trouxer uma boa saraivada de álbuns de hard e metal, você pode dar o troco. Este ficou difícil.
André: Mais uma banda que venera drogas e que provavelmente gravou o álbum sob o efeito das tais. Mais vocais arrastados. Mais chatice. Mais florzinha. Mais hippies. Mais... Paro por aqui.
Christiano: Outro disco bem conceituado no meio da galera mais “descolada”. Outro que me fez sentir desconfortável. Só achei chato, cheio de barulhinhos engraçadinhos e bobos, que servem para ornamentar músicas muito mais ou menos. Uma tortura.
Davi: Início dos anos 1990, as raves e os ácidos tomavam conta da noite e parecem ter feito a cabeça dos músicos do Primal Scream. Resolveram se afastar um pouco do rock e entrar de cabeça na música eletrônica que começava a ditar moda. Há quem considere este álbum um clássico, mas sempre o considerei um disco de mediano para baixo. Extremamente confuso e bastante cansativo. “Movin' on Up”, com sua pegada Rolling Stones, é uma ótima canção e é, de longe, a melhor do disco. “Slip Inside this House”, embora já esteja na pegada da house music, ainda agrada. Outro momento interessante é a balada “Damaged”, na qual Bobby Gillespie volta a encarnar Mick Jagger. O resto do álbum é bem chatinho.
Diogo: Mudanças podem ser muito positivas. Como a que Bobby Gillespie fez ao deixar de ser baterista do supracitado The Jesus and Mary Chain para assumir a linha de frente de sua própria cria, o Primal Scream. Não que eu tenha achado Screamadelica uma maravilha (longe disso), mas se trata de uma expressão artística bem mais audível que Psychocandy. O álbum tem geografia e temporalidade bem estabelecidas – Grã-Bretanha da virada dos anos 1980 para a década seguinte –, isto é, trata-se de algo bem datado; mas quantos discos ainda mais datados idolatramos sem restrições? Não vejo problema nisso. Screamadelica parece ter sido concebido tendo em vista as pistas de dança, explorando bem alguns ganchos vocais e instrumentais e estendendo as faixas a durações mais longas que o normal (às vezes demais, como em "Come Together"). "Don't Fight It, Feel It" é um ótimo exemplo disso, assim como "Jaded". Na boa, eu nunca fui muito chegado em casas noturnas "alternativas" (de nenhum tipo, na realidade) e pistas de dança me são territórios hostis, mas é muito, muito melhor ouvir músicas de grupos como o Primal Scream (e EMF, The KLF...) nesses ambientes do que aquele indie rock pau molenga pós-Strokes que infesta esses ambientes há muitos anos. Há momentos que destoam disso, como a surpreendente "Inner Flight" e "Damaged", uma totalmente diferente da outra e remetendo a épocas distintas.
Fernando: Da mesma forma que o The Jesus and Mary Chain é um precursor do grunge, podemos dizer que o Primal Scream é antecessor do britpop. Mas aqui a coisa já é diferente. Começa totalmente calcada em um som setentista, tem melodia e um trabalho vocal bastante agradável. Porém, é muito variado ao longo do tracklist. Tem uma mistureba que, se em algumas músicas vai bem, em outras não. “Come Togheter” (que poderia ter uns três minutos a menos) é daquelas músicas que todos já ouviram, mas quase a totalidade não faz ideia de quem seja o artista.
Flavio: O disco começa com a animada pop "Movin' on Up", obviamente influenciada pelos Stones, recheada de vocais femininos em tom gospel, acompanhada de um solo de guitarra que poderia entrar em qualquer disco da banda influenciadora.  Entretanto, esse panorama neo-Rolling Stones não prossegue no restante da bolacha. O disco traz em seu "core" elementos de pop/techno/dance/lounge/eletrônica, misturando instrumentos tradicionais com o uso extremo de sintetizadores e samplers. Apesar de não ser adepto do estilo, encontro bons elementos harmônicos em Screamadelica e entendo-o como um disco influenciador até para artistas que não se ambientavam nesses elementos citados, como Madonna em Erotica (1992) ou mesmo o U2 (muitos anos depois) em Pop (1997). O vocal de Bobby Gillespie é agradável e funciona bem no estilo. Há momentos mais interessantes, como o solo em "Damaged" e o baixo em linha simples, mas agradável, em "Higher than the Sun", e outros nem tanto, como a chata "I'm Comin' Down". Enfim, um bom disco, influenciador, porém um pouco longo demais, o que cansa um pouco no fim.
Mairon: Screamadelica foi o primeiro contato que tive com o Primal Scream, há algum tempo. A versão de "Slip Inside this House" (original do The 13th Floor Elevators) já mostra que os escoceses gostavam de beber na psicodelia, adicionando samples e batidas de acid house, enquanto "Come Together" (não a dos Beatles, e em sua versão editada, porque a completa é um saco) e a clássica "Loaded", com a levada de "Sympathy for the Devil", tocavam direto nas rádios FM do Rio Grande do Sul, então era fácil saber quem estava ali. É interessante perceber que apesar de usar samples de muitas canções antigas, os guris estavam bem influenciados pelos nomes em voga no cenário musical, como George Michael na gospel "Movin' On Up", um pouco de R.E.M. em "Damaged" e até o Depeche Mode de Violator (1990) misturado com um pouco de Genesis na sensacional "Higher than the Sun". Mérito nesse caso, claro, para a produção de The Orb, que dá um ar ainda mais nostálgico sobre a década de 1990. Cara, na época se criticava isso para quem era fã do hard setentista, mas o amadurecimento das pessoas faz perceber que, pôxa, os caras fizeram algo bem significativo para a música. Curti a psicodelia simpática de "Shine Like Stars", a ousadia de misturar eletrônicos e sintetizadores de forma simpática na instrumental "Inner Flight", que soa como um "bem vindo, Pet Sounds, aos anos 1990", as percussões e o saxofone na intimista "I'm Comin' Down". Desnecessária mesmo só "Higher than the Sun (A Dub Symphony in Two Parts)" e a tosca "Don't Fight It, Feel It", com Denise Johnson nos vocais, tornando Screamadelica um disco longo demais, mas nada que destrua este álbum que marcou época e poderia realmente ter entrado por conta de sua importância no lugar do Death. Teria sido muito bem visto.
Ronaldo: Na década de 1990, houve um salutar resgate de sonoridades mais orgânicas e o Primal Scream é um expoente desse tipo de releitura. Ainda que usando francas novidades ao sabor da época, como as batidas eletrônicas, as bases usam bem pianos e violões acústicos e se valem de belos backings vocals. Suas melodias buscam reler o soul e o funk dos anos 1960/70 de forma muito autêntica, incorporando frases do reggae-pop e da disco music, em uma fusão bastante rica. Algumas faixas são desnecessariamente longas ("Come Together" é de uma chatice inacabável), mas compreensíveis no contexto de uma pista de dança.
Ulisses: Dentre os caminhos sonoros que o rock noventista explorou, o do Primal Scream é um dos mais chamativos: a sonoridade nebulosa do disco é resultado de um amalgáma de rock britânico com música eletrônica e psicodelia. Há momentos mais dançantes ("Don't Fight It, Feel It") e outros mais suaves ("Damaged"), garantindo que o registro entretenha o ouvinte de várias formas. Apesar da forte (e representativa) lista do ano de 1991, vejo que havia espaço para o Primal Scream no lugar do Teenage Fanclub ou do U2, por exemplo.

Tom Waits - Bone Machine (1992)
Bernardo: Um disco para os amigos da série odiarem: o esquisitão Tom Waits em uma vibe meio rock, meio folk, meio country, meio... Industrial. Isso aí. Seja no peso absurdo e ridiculamente “machão” de “Goin’ Out West”, a apocalíptica dobradinha de abertura composta por “Earth Died Screaming” e “Dirt in the Ground”, no proto-punk resmungão de “I Don’t Wanna Grow Up” (que você já ouviu com os Ramones) e até o quase-gospel “That Feel”.  Dá até pra entender por que o sujeito fica tanto tempo sem lançar disco: o esmero, a ambição e a pretensão poética, a mentalidade anticonvencional para pegar a música tradicional e desconstruir ela do jeito mais esquisito possível… Sim, ainda é aquele Tom Waits piradaço de Rain Dogs (1985), que se afastou do jazz para tornar maluquice musical uma marca registrada, mas provando que mesmo a música moderna não estava a salvo do seu olhar acurado, outsider e singular.   
Alexandre: A segunda música até passa, mesmo a voz super bêbada de Waits se adequou ao instrumental belo de "Dirt Ground". Há outros poucos momentos bonitos, em especial "A Little Rain (for Clyde)", um blues com bonito piano e acentuações de pedal steel guitar. O restante do álbum, quase que inteiramente mergulhado na esquisitice que atende pelo nome de música experimental/alternativa e nos brinda com ruídos estranhos, elementos de percussão desagradáveis e vocais de gosto pra lá de duvidoso, eu passo, serve para entrar no rol de premiações sem sentido do Grammy. É melhor que Mule Variations, de 1999, além do fato de ter quase 20 minutos a menos que aquele, o que pra mim é um bônus, mas é evidente que isso não pode ser considerado um mérito.
André: Mais um disco que apenas fortalece meu desgosto pelo Tom Waits.
Christiano: Um disco complicado. Tem alguns momentos interessantes, como “A Little Rain”, “Black Wings” e “Who Are You this Time”, mas a maioria das faixas é cheia de ruídos e altamente fragmentada. Não é o tipo de coisa que me agrada.
Davi: Toda vez que escuto um disco desse cara tenho a sensação de que ele está tirando uma com a minha cara. Pelo menos, serviu para ressaltar que os Ramones eram mesmo geniais. Os caras pegaram uma brincadeira de mau gosto, nesse caso “I Don't Wanna Grow Up” (me recuso a acreditar que ele fez aquele trabalho vocal a sério) e transformaram em uma ótima faixa punk rock em seu álbum de despedida ¡Adiós Amigos! (1995). O trabalho vocal dele soa como o de um bêbado raivoso (esse cara não canta, ele grunhe), os arranjos são piores do que os da Yoko Ono (achei alguém que conseguiu a proeza). Meu Jesus cristinho. Papai do céu, se assim me permitir, quando tiver um tempinho, por favor, me explique o culto em cima de Tom Waits. Amém!
Diogo: Há de se admirar Tom Waits em pelo menos um aspecto: o cara faz o que quer. Vai pro estúdio, convida uma penca de gente e os une em prol de sua música maluca e peculiar. Ainda por cima sustenta-se muito bem, obrigado, com sua arte e tem uma grande quantidade de admiradores, muitos dele o considerando um verdadeiro gênio musical. Da minha parte, Bone Machine não é algo que escuto ou pretendo começar a escutar em casa, mas não consigo achar seu trabalho ruim ou qualquer coisa do tipo. Tom tem estilo próprio, faz seus experimentos parecerem muito naturais e de vez em quando sai alguma coisa da qual eu até consigo gostar, como "Who Are You", "A Little Rain"e "Whistle Down the Wind", honestamente melancólicas.
Fernando: Toda vez que ouço Tom Waits eu fico me perguntando se existe mesmo alguém que chega em casa e pensa em ouvir alguma coisa dele. Sinceramente, eu duvido. Diz muito sobre um disco de um cantor e compositor quando as melhores partes são as que não têm voz, não é? Algumas partes me lembraram o Morphine. “Who Are You” me parece uma música cantada por alguém com uma forte dor de barriga. Fico me imaginando o cara se sentindo um gênio enquanto compunha um troço chamado “In the Colosseum”. Uma coisa que ficou na minha cabeça é que se Bruce Springsteen um dia perder a voz e gravar um disco com uns 90 anos soaria desse jeito. Sei que vai ter gente aí que vai citar um bar enfumaçado e um copo de whisky, mas, sinceramente, esse é um bar em que eu nunca iria.
Flavio: Tom Waits, reaparecendo cinco anos depois de seu disco anterior, traz em Bone Machine uma mistura forte de elementos percussivos e sons processados (vocais, guitarras) para "experimentalizar" o tradicional blues rock, modernizando-o para os anos 1990. Novamente, é uma mistura para os adeptos do rock alternativo e suas vertentes.  Para mim, ao realizar essa mistura há a perda do vocal e da base natural blues, descaracterizados pelos efeitos aplicados. Em alguns momentos, há o aparecimento de elementos de forma mais natural, como em "Who Are You" e "Jesus Gonna Be Here", mas essa não é a tônica da bolacha.  Enfim, o restante do experimentalismo todo não ajuda a tornar o estranho vocal de Waits agradável ou o álbum em si como interessante para a edição abordando 1992.
Mairon: Tão de brincadeira. Isso aqui é música? Achei que esta nova parte da série fosse para os discos bons que faltaram aparecer, e não os álbuns que ainda bem que não apareceram. Que coisa bem horrorosa, não se aproveita nada, nem o Keith Richards cantando em "That Feel", que tô para dizer, é uma das coisas mais terríveis que já ouvi neste ano. Tem louco para tudo...
Ronaldo: Algo capaz de estragar a semana de qualquer um.
Ulisses: Tom Waits trafega por caminhos tortuosos e indefiníveis, e em Bone Machine isso não é diferente. Acho as baladas "Who Are You" e "A Little Rain" até bem aceitáveis, porém o restante do álbum é uma espécie de blues primitivo e percussivo assombrado que causa grande estranhamento. Louvo a criatividade bizarra de Waits, mas o som é avant-garde demais (ou talvez nem isso) para meus ouvidos frescurentos. Até agora, das vezes em que a Consultoria me obrigou a ouvi-lo, ele só me agradou naquele álbum de 1985 (Rain Dogs), quando seu som era mais de boteco e menos de pesadelo monolítico.

Nick Cave and the Bad Seeds - Let Love In (1994)
Bernardo: E pra fechar, Let Love In, a magnum opus de Nick Cave lançada em uma crescente qualitativa em que combinou ambição artística com acessibilidade midiática, se tornando um ícone dos “cults” e “independentes”. O australiano alcançava a maturidade musical incorporando o mais sombrio dos blues do delta do Mississippi ao seu característico pós-punk gótico. Indo fundo em temas sombrios e desconfortáveis, pega pesado em “Jangling Jack” e “Thirsty Dog”, evoca uma atmosfera legitimamente soturna e assustadora em “Red Right Hand” (uma música para te fazer acreditar no sobrenatural), explode em intensidade em “Do You Love Me” e na ambiciosa letra e interpretação rasgada de “Loverman” e cheio de lamentos à beira da melancolia em “Nobody’s Baby Now”, “Ain’t Gonna Rain Anymore” e “Lay Me Low”. Se quer saber, este pode não ser o disco “raiz” de Nick (aí você tem que ouvir a porrada desgovernada que é Your Funeral… My Trial, de 1986), mas é o seu maior clássico para o público ao lado de Tender Prey (1988) e Henry’s Dream (1992). Quem acha que década de 1990 se resumiu a Seattle ou L.A. não sabe o que está perdendo: um dos maiores compositores do século XX, com seu universo todo próprio à volta com fé, amor, luto, sexo e violência… E às vezes tudo isso de uma vez só.
Alexandre: Bem melhor que o outro disco do projeto Cave e banda que ouvi, The Boatman’s Call, de 1997. Aquele entrou na lista final, este não. Se eu pudesse, trocava. O que não gosto são dos timbres mais bêbados de Nick. Quando ele se mantém nos registros graves e tem como aliadas boas melodias, a coisa funciona. Ao vivo é outro assunto, muito mais delicado, portanto vou me ater ao que ouvi aqui. Acho interessante o começo do álbum, com "Do You Love Me?" e "Nobody’s Baby Now". A versão de "Loverman" é melhor no Metallica, mas não chega a comprometer e tem o mérito de ser a original. "Right Red Hand" poderia ter um solo de órgão menos óbvio ou então com menos espaço dentro da canção, mas de resto funciona. A acelerada "Thirsty Dog" também passou bem. "Ain’t Gonna Rain Anymore" talvez seja a que mais me agradou, em especial a orquestração sutil no refrão em contraponto aos timbres graves de Nick. No fim do álbum, em especial em "Lay Me Low", o vocal passou dos níveis alcoólicos desejáveis e parece que estamos ouvindo um cantor de karaokê que "encheu o pote". Nesta lista, Let Love In não é nenhuma maravilha, mas se salva.
André: Ufa, finalmente uma banda da qual gosto, pensei que ficaria restrito ao Kinks. Gosto dos teclados deste disco, dos ótimos arranjos e da doce voz de Nick Cave, como em "Nobody's Babe Now". É uma banda que sabe possuir a atmosfera de "exótica" ao mesmo tempo que produz faixas em que usa essa estranheza a favor do ouvinte, embora não seja lá fácil de digerir logo de primeira. Bem, fico aliviado que pude elogiar mais de um disco nesta edição ou eu me sentiria o mala da rodada.
Christiano: Denso, mas muito interessante. Nick Cave é uma figura soturna, e isso fica muito evidente em boa parte dos discos que lançou. De fato, Let Love In está entre os melhores que já escutei de sua longa carreira. As músicas são densas, mas possuem uma beleza melancólica. As faixas mais interessantes são justamente as mais introspectivas, que são a maioria neste bom disco. Pessoalmente, prefiro o álbum posterior, Murder Ballads (1996), mas gostei da indicação.
Davi: Lembro de ouvir a bacaninha “Red Right Hand” no filme "Débi e Lóide" (1994), estrelado pelo hilário Jim Carrey. Por algum motivo, a música acabou não entrando na trilha do filme, assim como aconteceu com a faixa do The Cowsills e a do Apache Indian. "Bacaninha" também é um termo que serve para definir o disco. Sua audição não é uma tortura, mas também não é algo emocionante e inesquecível. Além da já citada “Red Right Hand”, colocaria como destaque as simpáticas “Nobody's Baby Now” e “I Let Love In”. Interessante, nada mais.
Diogo: Estivesse eu vivendo uma fase mal resolvida em relacionamentos amorosos, talvez gostasse muito mais de Let Love In. Como não estou, a identificação é menor e a apreciação também, mas isso não me impede de destacar o bom trabalho levado a cabo por Nick e seus asseclas. Faixas como "Do You Love Me?" (as duas partes), "Nobody's Baby Now", "Loverman" e "I Let Love In" são bem interessantes e interpretadas com honestidade, algo que faz muita diferença nesse tipo de canção. Assim como Tom Waits, Nick desenvolveu um estilo muito peculiar e trafega bem sobre esse terreno, oferecendo obras únicas, que não remetem a esse ou aquele artista. Isso sempre é um mérito. Talvez a médio prazo dedique um tempo a explorar melhor sua discografia.
Fernando: O vozeirão de Nick Cave nunca me agradou muito. Mas logo de cara, com a faixa “Do You Love Me”, rompi essa premissa e achei legal. “Nobody's Baby Now” também surpreendeu com seu piano bem evidente. Pelo que eu lembro de outros discos, achei este um pouco diferente do habitual. Não é algo pelo qual morri de amores, mas posso voltar a ouvir de novo sem problemas.
Flavio: Pra finalizar, Nick Cave and The Bad Seeds trazem em Let Love In um disco de rock básico sem muitas novidades, porém às vezes lento demais. Podemos destacar a produção simples e limpa que mantem o som básico cozinha+guitarra/piano bem ajustadinho. Encontrei músicas interessantes como "Do You Love Me" e "Nobody's Baby Now", mas quando Nick foge da linha vocal mais calma ou mesmo limitada e se aventura ou a abrir um falatório ou cantar de forma mais vigorosa, percebe-se que há muitas limitações no seu vocal, que começa a fugir da afinação ou trazer desagradáveis timbres, como em "Jangling Jack" e "I Let Love In", muitas vezes cobertos com backing vocals na tentativa de salvar a evidente falha. Apesar da banda ser ajustadinha, o resultado começar a "ir para o vinagre" nesses momentos. Novamente, não vou aprovar o trabalho como uma boa escolha.
Mairon: Clássico álbum da década de 1990, regado a muita psicodelia e sonoridades envolventes na linha que vai de Bowie a Joy Division. Nick Cave é um nome que ou me agrada ou me provoca ódio, e este álbum em especial gostei de ouvir. Adorei escutar as canções acessíveis, que são a balada "Nobody's Baby Now", linda por sinal, a sutil "I Let Love In", com uma bela performance vocal de Nick, o rock pegado de "Jangling Jack" e "Thirsty Dog" e a forte explosão de emoção de "Lay Me Low". Mas foi nas faixas mais incomuns que me encontrei em Let Love In, seja na voz sofrida e explosiva durante o refrão da primeira parte de "Do You Love Me?", o andamento arrastado de "Red Right Hand" e a pancadaria ignorante do refrão de "Loverman". Mesmo não tendo apreciado algumas músicas, no caso a segunda parte de "Do You Love Me?" e "Ain't Gonna Rain Anymore", este álbum teria feito uma bela parceria com Grace (Jeff Buckley) e eliminado pelo menos uma das várias absurdices que inventaram na edição abordando 1994, mas não votaria nele de jeito nenhum.
Ronaldo: Nick Cave tem uma voz de cantor country de raiz, o que dá um tempero bem interessante para o pop rock esquentado de sua banda. Algumas passagens são climáticas e mais pesadas, outras vão ao ponto direto demais e se tornam esquecíveis. Mas há momentos em que a banda casa belas linhas vocais com arranjos espertos e o resultado fica bastante apreciável.
Ulisses: Tenho um problema com os chatérrimos momentos em que o cara dá uma de roqueirão agitado ("Jangling Jack", "Thirsty Dog" e partes de "Loverman") mas, tirando coisas assim, o restante do álbum revela-se banhado em arranjos lentos, sensuais e blueseiros, que demonstram efetividade em tragar o ouvinte nesse clima. É interessante o suficiente para não se tornar uma audição tão cansativa quanto parecia ser. O registro tem seus méritos e entrega sua mensagem com solidez, mas ainda não estou nem um pouco mais próximo de me interessar, em geral, pela música de Nick Cave.
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