terça-feira, 2 de junho de 2009

Marcio Rocha


Sou um cara que, como expresso aqui no
Baú do Mairon, amo vinil e o som dos anos sessenta e setenta. Dificilmente consigo me apegar em algum som recente, mesmo tentando. Claro, respeito o trabalho de bandas como Nightwish, Therion, Dream Theater entre outros, mas, mesmo assim, pra mim fica faltando um tempero no meio do som dos mesmos, o que faz meu ouvido acabar preferindo curtir o bom churrasco dos 60/70 aos Macs dos 90/2000. Porém, não abro mão de conhecer trabalhos diferentes. Como grande fã do rock nacional, fiquei muito feliz ao ouvir bandas como Los Hermanos, Trem do Futuro, Magnum Opus, Quaterna Réquiem, Tempus Fugit e Octophera, e mais ainda, quando tive o prazer de receber em minhas mãos o CD Juno, do músico carioca Márcio Rocha, que para mim é um dos melhores trabalhos dos últimos anos.

Márcio formou-se em música no
Instituto Villa-Lobos, e teve sua carreira apresentada ao público ao entrar, em 1995, no magnífico projeto Luz da Ásia, que possuía uma influência dos sons orientais bem diferente do que já havia sido visto no Brasil, e infelizmente ficou perdido no subúrbio da decadência musical que viveu o nosso país no final dos anos noventa, envolto em "tchans" e "Pires". No Luz da Ásia, Márcio se encantou com o talento dos demais músicos da banda e com instrumentos como craviola, cítara e swaramandal. Com o grupo, registrou o álbum Amistad (1999), mas dois anos antes Márcio empregava seu talento e carinho num lento e dedicado trabalho de gravação de seu álbum solo.

 
 
 
Por fim, em 2000 Márcio lançou, através da Odisséia Records e com a ajuda de Alex Frias, o CD Juno, no qual empregou todos os elementos que o Luz da Ásia tinha e mais as pitadas de clássico que havia aprendido no Instituto Villa-Lobos, fazendo uma espetacular mistura entre harmonia e sonoridade em um disco praticamente instrumental.

Contando com a participação de músicos de bandas como Cláudio Cepeda (Anima Dominum), André Mello (Tempus Fugit), Alexandre Fonseca (Cheiro de Vida e Pepeu Gomes) e até mesmo do próprio Luz da Ásia, bem como diversos convidados, Juno abre com a vinheta "Samadhi", onde o destaque fica para o uso do swaramandal de Sílvia Brasil e do e-bow de Alex Frias, dando um clima espacial para o que vai vir pela frente, com a linda e complicada "Desolation of Fools", a qual começa com os violões de Márcio acompanhado pela banda (bateria de Alexande Costa e baixo de Cepeda) fazendo a base para o solo de violino de Daniel Andrade. A melodia da canção é belíssima, principalmente pela levada. Violino e guitarra solam juntos, seguidos pelo andamento cadenciado. O timbre de guitarra lembra Robert Fripp. Sintetizadores abrem a sequência mais
Crimsoniana, onde Márcio utiliza um violão para solar em uma escala flamenca, com um andamento de bateria/baixo/violino muito quebrado. Após a doideira, entram os instrumentos orientais, com a tabla e a cítara fazendo a sua parte, acompanhadas pelo dedilhado de Márcio. Castanholas mudam o clima para mais uma sessão flamenca do violão acompanhando uma linda participação da cítara. Por fim, a quebradeira volta novamente, em uma sessão onde a craviola introduz uma sequência de riffs complicadíssimos, que lembram muito o King Crimson, retomando o tema inicial ao violino e com a guitarra solando junto. Uma bela amostra do que estaria por vir nas demais faixas do CD.

Após a porta se abrir com "Desolation of Fools", temos "Horizonte", onde a guitarra de Márcio comanda essa linda balada. Alex Frias também participa da canção, executando um dos solos. Claro, as quebradeiras aparecem durante o solo de teclados feito por Márcio, mas que dão um tempero excelente para a balada. Violões tomam seu espaço, encerrando a faixa com os teclados viajando.

Agora a porta se fecha, com a tabla introduzindo a setentista "Vento". Cheia de cordas e violões, a introdução nos traz a voz suave de Márcio em uma típica canção para acampamento. As cordas dão um clima ainda mais belo para a linda melodia criada por Márcio, que conta ainda com a participação de clarinete e flautas.

A faixa seguinte é um petardo. Uma aula de construção de uma composição é o que ouvimos na suíte "Concertino". Tocando violão clássico, Márcio mostra todo o seu talento acompanhado pelas cordas de Daniel Andrade (violino) e Luciano Rocha (violoncelo). A flauta de Celso Ramos sola acompanhada pelas escalas clássicas de Márcio, agora no sintetizador, executando o tema principal e que traz a parte mais agitada da canção, onde o guitarrista Mindinho sola sobre a levada do tema principal. Porém, é na sequência da faixa que entendemos o porque de Márcio ter demorado tanto para lançar o álbum. O carinho e a atenção em cada nota executada no seu solo de violão clássico é simplesmente fantástico. O violoncelo muda o clima da canção com um pequeno solo, para o violão executar um complicado dedilhado . Flautas executam um segundo tema, que abre espaço para o trêmolo perfeito de Márcio. Violinos voltam a ser o centro da atenção, voltando ao trêmolo. A construção de Márcio, sozinho ao violão, está ao nível de Turíbio Santos e Elomar, mestres na arte de interpretar e compôr ao violão clássico. Os dedilhados clássicos voltam, executando um terceiro tema, para então as cordas e flautas acompanharem a mesma melodia deste terceiro tema. Por fim, o violão dedilha acordes mais agressivos, voltando ao tema principal, com guitarra, violino e violoncelos dividindo democraticamente seus espaços, terminando com violão, violino e violoncelo executando o mesmo acorde. Uma incrível faixa, com certeza!

A música clássica se faz presente na intrincada "Juno". Composta em homenagem a seu filho, Márcio Rocha Jr, "Juno" apresenta uma linda melodia no violão de nylon, mostrando que um grande artista não escreve somente uma única peça de fundamento. As escalas de Márcio variam entre a espanhola e a de blues, mas o clima clássico é mantido em toda a faixa, terminando com uma risada gostosa do homenageado.
"Instante", alternando os vocais de Márcio com os de Beth Pellicione, lembra bastante as faixas de Jane Duboc no Bacamarte. Destaque especial para o solo de violoncelo de Luciano. Nessa canção, Márcio nos mostra seu talento como multi-instrumentista, tocando craviola, violão, guitarra e moringa.

A linda "Odisséia" retoma o clima clássico. Nela não temos a participação de Márcio em qualquer instrumento, mas a sua composição, lembrando "Jesus, Alegria dos Homens" de Bach, na flauta de Djalma, com os acompanhamentos de violino, violoncelo e contrabaixo acústico, faz nos sentirmos em um castelo da realeza, tomando chá e comendo
cakes enquanto casais dançam em nossa volta.

"Fly With Your Wings" é a única faixa que destoa das demais, mas não por ser uma música ruim, pelo contrário, é uma bela faixa que somente foge das qualidades acústicas das canções anteriores. Com letra em inglês, é uma faixa pesada, onde Márcio toca guitarras distorcidas enquanto Mindinho executa o seu solo. Nela, encontramos a participação de André Mello tocando mini-moog, o que deu um toque diferente para a composição de Márcio. Uma boa faixa, principalmente pelas quebradas de bateria e guitarra, além claro de ser muito progressiva, com viajantes intervenções de moog.

Uma releitura em inglês para "Vento" é ouvida em "Wind", com o mesmo acompanhamento de sua irmã em português.

Por fim, a vinheta "Samadhi" encerra o álbum, contando com a participação do pequeno Juno dizendo "
acabou, eeeee", vibrando com o magnífico trabalho feito por seu pai e que deixa a sensação de que é possível existir cabeças pensantes e talentosas na música brasileira, basta saber aonde procurar.

O álbum contém ainda um belo trabalho gráfico feito por Michel Mujalli. Márcio participou ano passado do álbum
A Memória das Naus, do grupo Roque Malasartes, tocando violão e craviola, e atualmente está desenvolvendo o projeto Juno ao lado de Cláudio Cepeda, tendo uma sonoridade um pouco mais à brasileira, mas com elementos que participaram do álbum Juno, devendo lançar em breve seu segundo disco.

Ao final de
Juno temos a sensação de sair de uma experiência que ficará para sempre no sangue e no cérebro. Em épocas onde a principal atração na TV aberta é uma famigerada representação sobre casamentos no oriente, Juno é uma lua cheia em um dia sem nuvens, caindo como uma luva em quem quer realmente aprender o que existe de bom na cultura do outro lado do mundo.

Termino essa sessão citando o jornalista Marcelo Valença: "
Diferente de quem leva a vida na flauta, o carioca Márcio Rocha optou por reverenciá-la nos sons da guitarra e do violão (...)  o músico cercou-se de talentosos artistas, e fez de Juno um vôo ousado e ao mesmo tempo único".

Boa viagem!!!

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