terça-feira, 9 de março de 2010

Aphrodite's Child


Um dos maiores nomes da música no final dos anos 70 e início dos anos 80 com certeza foi o tecladista grego Ευάγγελος Οδυσσέας Παπαθανασίου (Evangelos Odysseas Papathanassiou), mais conhecido como Vangelis. Obras como as trilhas para Chariots of Fire, Antarctica e Blade Runner tornaram o músico conhecido mundialmente, e muitos acabaram se perguntando de onde ele tinha surgido.



Pois na Grécia e na França, Vangelis fez parte de um dos mais importantes e legais grupos do rock progressivo da história, o Aphrodite's Child. A origem do Aphrodite's Child ocorreu após um racha entre outras duas bandas gregas, a Formynx (1963-1966) e a We Five. Vangelis fazia parte da Formynx, gravando principalmente trilhas para filmes e documentários, enquanto na We Five encontrava-se o vocalista e baixista Ντέμης Ρούσος (Demis Roussos), que também havia participado de outra importante banda beat grega, The Idols.


Ambos estavam decepcionados com os caminhos de seus respectivos grupos, e num encontro em um teatro de Atenas decidiram montar uma banda que se aproximasse do que estava sendo feito na Inglaterra e que fugisse da tradicional música grega (bouzoki), assim como muitos outros jovens procuravam fazer naquele país.

Assim, chamaram para completar o time o baterista e vocalista Λουκάς Σιδεράς (Loukas Sideras) e também o guitarrista Αργύρης Κουλούρης (Argyris "Silver" Koulouris). O grupo foi formado em 1967 e batizado como The Papathanassiou Set, tocando então com artistas locais como Ricardo Credi e Vilma Ladopoulou.

Participam das gravações de um disco do cantor pop grego George Romanos, onde registraram quatro canções do rarísssimo álbum In Concert and in the Studio de 1968, as quais foram "Η αγάπη μας Kοιμάται στα Nερά (I Agapi mas kimate sta nera)", "Μαρίνα (Marina)", "Όταν μou 'πες (Otan Moupes)" e "'Eι κορίτσι (Ei Koritsi)", e com o nome modificado para Vangelis & His Orchestra.

Gravam uma demo aproveitando-se de duas músicas de George: "Η αγάπη μας Kοιμάται στα Nερά" e "το ρολόι (To Roloi)", traduzindo os nomes para o inglês e gravando apenas a parte instrumental. Assim, "Our Love Sleeps on the Waters" e "The Clock" se tornaram as primeiras gravações oficiais do grupo, e que não chegaram a passar de um lançamento em pouca tiragem, tornando a bolachinha uma raridade tão cobiçada quanto o Santo Graal. No mesmo ano, a banda registrou outra demo com as músicas "Plastics Nevermore / The Other People" e a enviou para algumas gravadoras, impressionando o pessoal da Philips, que decidiu investir nos garotos, com o primeiro passo sendo ir para a Inglaterra.

Como um forte regime militar assombrava a Grécia de 1968, os garotos resolvem seguir a gravadora e partir para a ilha da Rainha. Porém, Koulouris ainda estava na idade de prestar serviço militar e, assim, fica na Grécia, com a banda seguindo como trio. Partem para Londres, mas no caminho "estacionam" em Paris, já que não haviam conseguido autorização para trabalhar na Inglaterra, ao mesmo tempo em que ocorriam os famosos eventos de maio de 68 na França, com a greve geral dos trabalhadores franceses.

Permanecem na França tocando em pequenos bares, e com a ajuda do produtor da Philips Pierre Sberro assinam contrato com a Mercury Records, assumindo então o nome de Aphrodite's Child e gravando seu primeiro single, com "Rain and Tears", uma adaptação para "Canon in D Major", de Johann Pachelbel, tendo no lado B "Don't Try to Catch a River", e que acabou fazendo muito sucesso na França, o que levou-os a tocar em outros países como Holanda, Espanha, Bélgica, Itália, Noruega e Inglaterra.

Com o pequeno sucesso obtido, a Mercury resolveu investir no primeiro álbum da banda. Antes, lançam um EP com "Rain and Tears", "Don't Try to Catch a River", "Plastics Nevermore" e "The Other People". Em outubro de 1968 era lançado o espetacular disco End of the World. Em seus sulcos, uma interessante mistura de Moody Blues, Procol Harum e bouzoki.

O disco abre com o órgão quebrando tudo em "End of the World", se transformando em uma linda balada, com belas participações de Vangelis, algumas vocalizações de Claude Chauvet e o magistral vocal de Roussos. "Don't Try to Catch a River" é uma embalada canção construída sobre o baixo de Roussos e com muitas vocalizações e arranjos orquestrais, os quais foram construídos por Vangelis e Boris Bergman, e que encerra com um empolgante solo de Vangelis, acompanhado pela percussão de Sideras.

"Mister Thomas" conta a história de um senhor que guardava margaridas nos bolsos, como se fosse uma história em quadrinhos, repleta de órgão, cravo, percussão e um refrão repetitivo e marcante, seguida por "Rain and Tears", outra linda balada, que começa com o órgão e o cravo de Vangelis acompanhados pelas orquestrações de Bergman. Os vocais de Roussos são suaves, em um clima bem delicado e tranquilo, que conta também com as vocalizações de Claude.

O lado A encerra com a psicodélica "The Grass is No Green". Barulhos de vento são ouvidos sobre camadas de teclados, trazendo a voz distorcida de Roussos acompanhada de percussão e órgão. O baixo entra, criando um clima viajante para o vocal de Roussos deslizar a letra da canção. A canção muda de velocidade, ganhando um tema mais rápido, que dura poucos segundos, voltando para a sua viajante parte inicial. O tema rápido é repetido, e assim a música vai se alternando, sempre com uma sonoridade moderna para a época, terminando com uma delirante sessão instrumental onde baixo e bateria duelam para acompanhar os solos de Vangelis, enquanto Roussos grita alucinado. Demais!

O relógio introduz e acompanha "Valley of Sadness", mais uma balada com um interessante refrão e que conta com Roussos tocando guitarra grega, abrindo o lado B e seguida por "You Always Stand in My Way", uma interessante faixa construída na tradicional escala de terças, com destaque para o baixo e os gritos alucinados de Roussos, bem como intervenções psicodélicas de Vangelis.

"The Shepherd and the Moon" é construída em cima dos temas gregos da bouzoki. Com Roussos dividindo os vocais com Claude, é uma canção bem interessante, com belos arranjos orquestrais e mais uma viajante sessão onde Roussos conta a seguinte história - "That the Gods put the moon high up in the sky so that the men might not be tempted to steal it" -, tendo um empolgante final com violinos e percussão, antecedendo a outra viajante canção, "Day of the Fool". O início com órgão e violino é de lembrar os bons tempos do Pink Floyd dos anos 69/70 (se bem que essa introdução foi feita antes disto), caindo então em uma louca canção que alterna momentos calmos feitos com cravo, violino e baixo, e outros rápidos com bateria, órgão e vocalizações. A letra está presente em ambas as partes, com Roussos cantando suave na parte lenta e gritando muito na parte rápida. Uma longa sessão somente com teclados se faz presente no meio da canção, encerrando com a participação de percussão e com acordes de um órgão tocados de forma aleatória. Delírio total!

O bom disco de estreia acabou rendendo mais shows para a Aphrodite's Child, que acabou excursionando por vários países da Europa, entre eles a Itália, onde a banda fazia muito sucesso, tanto que o single de "Rain and Tears" alcançou a posição número um por lá. Em homenagem aos italianos gravam um single especial para o festival de San Remo, isso já em janeiro de 1969, contando com as músicas "Lontano dagli occh i/ Quando l'amore diventa poesia", ambas cantadas em italiano (não é preciso citar o valor dessa raridade). Porém, não participam do festival devido a problemas pessoais de Vangelis.

Gravam mais um single, contando com "I Want to Live", um arranjo para "Plaisir D'amour" e "Magic Mirror", em junho de 69, e vão para Londres finalmente, onde nos famosos estúdios da Trident registram seu segundo álbum, It's Five O'Clock, o qual foi lançado em setembro daquele ano. O disco mostra uma banda mais madura, com um pé mais forte no progressivo inglês que estava começando a nascer.

A balada e faixa-título "It's Five O'Clock" abre a bolacha, com um lindo arranjo dos teclados de Vangelis, seguida por "Wake Up", um rock intoduzido pelo piano, com vocais acompanhados por violão, órgão e pandeiro meia-lua. Roussos exibe um tímido solo de guitarra, utilizando ora pedal wah-wah ora guitarra limpa, enquanto Vangelis expande seus instrumentos, tocando agora com tubular bells, em uma empolgante sessão instrumental.

"Take Your Time" é um country engraçado, com Roussos tocando violão de cordas de aço acompanhado pelo piano de Vangelis e por um andamento estranho da bateria de Sideras. Ainda é possível ouvir um solo de harmônica, o qual foi tocada por Vangelis. A faixa encerra com um verdadeiro clima de cabaré, com mulheres falando, homens dando risadas e a gaitinha sendo acompanhada pelo piano.

A linda "Annabella" começa com as ondas do mar chegando na praia, e Vangelis acompanhando os vocais dramáticos de Roussos nos sintetizadores que imitam flautas, assim como violões e uma orquestração construída por Vangelis e G. Fallec. Uma bela faixa, que antecede o encerramento do lado A, o qual é feito com o rock de "Let Me Love, Let Me Live", onde o baixão de Roussos surge estourando os alto-falantes. Uma canção diferente, com baixo, bateria, violão e piano acompanhando os vocais, inercalados por solos alucinantes de guitarra, com rápidas viradas de bateria, e que termina com a repetição do nome da canção em um crescendo do solo de guitarra e do ritmo da faixa.

O lado B abre com a doideira de "Funky Mary", um bom aperitivo para admiradores de bandas como Can, onde a bateria e a percussão fazem a base para os vocais de Roussos. Vangelis sola no xilofone (mostrando que era um grande multiinstrumentista), e a canção segue sempre com a percussão sendo o eixo para Roussos cantar. A faixa encerra com um solo de piano, e o clima de piração geral sobre uma escala blues sendo absorvido nos estúdios.

Sopros introduzem "Good Time So Fine", um jazz rock inspiradíssimo nas bandas inglesas, que conta ainda com um solo de trompete, seguida por um grande sucesso do trio, a balada latina "Marie Jolie", recheada por percussão e vocais dramáticos e que é muito conhecida na Europa, principalmente na Espanha e na Itália.

O disco encerra com "Such a Funny Night", onde a guitarra grega de Roussos volta a aparecer, acompanhada de piano, baixo e bateria. Vangelis usa uma espécie de flauta para executar pequenas estrofes, e a canção permanece sempre embalada, como em um final de festa, como sugere o título.

O primeiro single do álbum foi lançado em outubro de 69, com "Let Me Love, Let Me Live / Marie Jolie". Em dezembro era lançado o segundo single, com "It's Five O'Clock / Wake Up", que novamente colocou a Aphrodite's Child no posto número um na Itália.

Em 1970 partem para uma longa turnê de divulgação do álbum entre Espanha e Itália, sem Vangelis, que preferiu se trancar nos estúdios franceses para compor a trilha sonora do filme Sex Power, de Henry Chapier. Vangelis foi substituído nos shows por Harris Chalkitis, e enquanto a turnê ocorria começou também a pensar no próximo álbum da banda, ao mesmo tempo que compunha a trilha para o Rose D'or Festival na Suiça, a qual foi performada pela orquestra de Raymond Lefevre. Ainda nesse meio tempo, Vangelis cômpos uma canção para o cantor grego Tassos Papastamatis e produziu o álbum do cantor francês Paul Labbey, esvaziando a mente para poder começar o ambicioso projeto do terceiro álbum da Aphrodite's Child.

Com o progressivo em alta na Europa, os integrantes reunem-se novamente para começar a gravar o novo LP. Antes, a gravadora insiste em mais um single, que acabou se tornando "Spring, Summer, Winter and Fall / Air", que inclusive foi lançado no Brasil. A épica faixa do lado A acabou tornando-se um verdadeiro sucesso na Europa, alcançando o número um na Itália uma semana após seu lançamento, ocorrido em agosto de 1970.

Após a gravação deste single, no final de 1970 começam as sessões para o próximo álbum, o qual seria uma adaptação ao Livro das Revelações da Bíblia, baseado no Apocalipse de São João, do Novo Testamento. Para isso, recrutaram para a guitarra o sargento Koulouris, que acabara seus serviços militares e, assim, dedicaram-se a construção daquela que seria a principal obra da banda, totalmente criada por Vangelis e com letras do cineasta grego Costas Ferris.

Costas escreveu um livro conceitual para o álbum, 666 (The Apocalypse of John, 13/18), e a ideia era simples: um grande circo com acrobatas, dançarinos, elefantes, tigres e cavalos mostrando um espetáculo refente ao fim do mundo. Enquanto o show ocorre com diversos efeitos de luz e som, algo estranho começa a acontecer fora do circo, que é a revelação da destruição do planeta Terra. O público acredita que o que acontece fora do picadeiro faz parte do show, mas o narrador começa a alertar a plateia que aquilo é real. Então, uma imensa e densa batalha entre o bem e o mal passa a ser travada, até que um deles vença!!

O ano de 1971 começava com o clima entre os integrantes se tornando cada vez mais pesado, já que as composições e o intelecto de Vangelis exigiam muito dos demais, além do fato de que Roussos estava se tornando incomodado com o brotamento de inspiração do tecladista. Durante três meses, as gravações ocorreram entre diversas brigas, sem nenhuma fala sendo trocada entre Vangelis e Roussos, o que culminou com o fim da banda após o término de gravação do disco, que ocorreu em meados de março daquele ano. O interessante é que, segundo relatos, quando o grupo começava a gravar juntos era como se fossem os velhos amigos de sempre, rindo, trocando olhares e sentindo a harmonia entre eles, mas bastava acabar a música para as caras fechadas surgirem novamente.

Roussos partiu para uma bem sucedida carreira solo, começando com o single de "We Shall Dance" (ao lado de Sideras) e com o lançamento de seu primeiro álbum solo, On the Greek Side of My Mind ainda em 1971. Sideras também partiu para carreira solo, lançando em fevereiro de 1972 o disco One Day, enquanto Vangelis permaneceu na Mercury, onde viria a gravar em 1973 a trilha de L'apocalypse des Animaux, além de se esconder sob o pseudônimo de Alfa e lançar, ao lado da namorada Vilma Ladopoulou (Beta), o single "Alfa Beta".

Porém, Vangelis queria que o material gravado entre 1970 e 1971 fosse lançado de alguma forma. A autorização de Sideras e Roussos foi imediata, mas Vangelis barrava na própria Mercury, que rejeitou o álbum desde o início, a começar pelo título do disco, 666. Os chefões da Mercury achavam o nome muito sugestivo, e além disso o álbum continha algumas músicas "pesadas" para a época. No final, depois do lançamento dos trabalhos solos de Sideras e Roussos, a Mercury concordou em lançar parte do material, o que desagradou, e muito, principalmente Vangelis.

Então, em junho de 1972, através de uma subsidiária da Mercury (que não queria se expor com aquele trabalho), a Vertigo, chegava às lojas o hoje cultuado álbum duplo conceitual 666, trazendo na capa a primeira das polêmicas em torno do mesmo. Originalmente, Vangelis queria que a capa fosse a mesma elaborada para o livro de Costas, onde o número "666" era escrito como que feito por gotas de sangue sobre um fundo totalmente negro, sem nada mais. Infelizmente essa capa foi arquivada, e o que temos é apenas o "666" gravado em letras brancas sobre um fundo negro e com um envoltório vermelho em volta. Uma capa próxima a original foi lançada na primeira versão inglesa, mas rapidamente a versão do resto da Europa passou a constar nas prateleiras. Essa versão inglesa é raríssima.

Nas notas, algumas linhas diziam que o disco havia sido concebido sob a influência de sahlep, o que para os produtores da Mercury era uma evidência clara do uso de drogas nos estúdios ou, então, da realização de um ritual satânico entre os membros da banda (na verdade, sahlep é uma espécie de chá turco feita com raiz de orquídea).

Deixaremos as polêmicas de lado por enquanto, e vamos partir para o maravilhoso mundo registrado em 666, sem dúvida alguma uma das melhores obras criadas no século XX. Vale lembrar que temos nele a participação especial de vários convidados, entre eles John Frost (voz), Harris Halkitis (baixo, percussão, conga, bateria, sax alto, sax tenor e caixa), Irene Papas (voz), Michel Ripoche (trombone, saxofone, sax tenor) e Vannis Tsarouchis (voz), além de textos gregos feitos por Yannis Tsarouchis.

Totalmente diferente dos álbuns anteriores, principalmente pela inclusão de Koulouris, o disco abre com os polêmicos vocais de "The System", "we got the system, to fuck the system", mostrando que ali está uma obra carredada de ironia e sarcasmo, seguida por "Babylon", onde Koulouris traz o riff principal acompanhado por gritos de plateia, seguido por bateria (a qual foi tocada por Vangelis), baixo e os vocais de Roussos em um ritmo muito confuso. Metais são adicionados, executando notas curtas. A estrofe é repetida, encerrando essa primeira canção com um curto solo de Koulouris.

A deliciosa "Loud, Loud, Loud" vem com os vocais ingênuos de uma criança acompanhados pelo piano de Vangelis e as vocalizações com o nome da canção, para então surgir o hit "The Four Horsemen". Essa canção parece ter sido gravada nos dias de hoje, principalmente pela levada de bateria. A faixa começa com barulhos de talheres batendo em copos e os vocais agonizantes de Roussos sendo acompanhados por acordes de teclados. O clima é de viagem total em uma das letras mais diretas e fáceis da banda. Após as duas primeiras frases, citando o primeiro e o segundo cavaleiro do apocalipse, bem como suas posses, surge o refrão, narrando a cor dos cavalos e com um acompanhamento simples de baixo, teclado e bateria (bem atual). Mais duas frases são cantadas (agora citando o terceiro e o quarto cavaleiro e suas posses), e voltamos para o refrão, para nesse embalo simples Koulouris detonar um maravilhoso solo de guitarra sobre os "pá-pá-pá-pá-pá-rá-rá" cantados por todos. Uma ótima faixa que me apresentou a banda através dos saudosos podcasts da Collector's Room (valeu Cadão!) e que me contagiou de cara!

A instrumental "The Lamb" apresenta instrumentos gregos, com destaque para o solo de guitarra grega feita por Koulouris e o acompanhamento de sax e vocalizações. A sequência é alucinante. Camadas e camadas de teclados, guitarra, bateria e baixo são adicionadas para formar o colchão jazzístico onde Vangelis deita seus dedos para solar livremente no moog. Fantástico é pouco, e aqui o volume máximo tem que estar nas caixas de som. O lado A encerra-se com "The Seventh Seal", e a guitarra grega fazendo um tema acompanhado por xilofone e algumas intervenções de flauta, com Frost narrando a chegada do apocalipse.

O lado B começa com a viajante "Aegian Sea", uma prévia do que Vangelis faria no futuro em suas trilhas sonoras. Teclados viajandões são executados sobre acordes de guitarra e baixo, com leves batidas nos pratos. Vozes tornam o ambiente ainda mais delirante, e é fácil fechar os olhos e enxergar um local totalmente destruído neste momento. A bateria entra, com baixo, sax e sax tenor executando o mesmo tema. Mais vozes e o tema de sax surgem, para finalmente Koulouris solar lindamente acompanhando o vocal distorcido de Frost narrando o apocalipse ("the sun was black, the moon was red, the stars were falling, the earth has trembling"). Arrepiante e ao mesmo tempo belo!

"Seven Bowls" é mais uma viagem, onde em meio a barulhos de percussão e teclados, vozes narram a localização das sete "bacias" do apocalipse (terra, mar, rios, sol, besta, estrelas, ar) e o que acontece com os locais, abrindo espaço para as viagens instrumentais de "The Wakening Beast", com muita percussão e sons estranhos.

Cânticos são ouvidos em "Lament", outra faixa arrepiante, desejando alas (amargura) para a raça humana e o rei dos reis, e que é mais uma demonstração do talento de Vangelis em criar trilhas. Os metais retornam na instrumental "The Marching Beast", onde novamente podem ser ouvidos instrumentos gregos, bem como flautas e piano, que é responsável pelo solo principal.

Temos então duas faixas intercaladas por anúncios dos nomes das canções: "The Battle of the Locusts", um rockzão com um grande solo de Koulouris, mostrando toda a sua técnica, e "Do It", com o solo de guitarra em um ritmo muito mais rápido, puro hard, e com ótimo acompanhamento de Roussos no baixo e de Sideras na bateria.

"Tribulation" é uma pequena vinheta construída pelos metais, levando a "The Beast", que de forma hilária pergunta: "Quem pode encontrar a besta?". Um rock original, cantado por Frost, com acompanhamento de piano, baixo e bateria, além de ótimas intervenções de Koulouris, com a faixa perguntando "telionoume edho pera etsi?", ou seja, "vamos para o clímax?". O lado B encerra com a vinheta de "Ofis", trazendo uma das frases da peça teatral grega Karagiozis, Alexander the Great and the Cursed Serpent.

O apresentador do circo então nos mostra as "Seven Trumpets", seguida pela paulada de "Altamont", onde os metais são os destaque sobre o clima denso construído pelos teclados e pela levada baixo/bateria. Roussos faz algumas vocalizações, com um belíssimo solo de Ripoche, e canta a letra da canção sobre a intrincada levada, começando a preparar o ouvinte para a alucinante sequência do disco, que irá começar com a instrumental de "The Wedding of the Lamb", novamente com muita percussão e metais.

"The Capture of the Beast" é o momento de preparação para o clímax desejado no final do lado B, onde Roussos adverte que o que ouvimos antes fora "o casamento do cordeiro, e que agora irá ocorrer o casamento da besta", isto sobre camadas de percussão e teclados, que ficam sendo empregadas durante toda a canção.

O clímax ocorre em "∞", onde Irene Papas apenas fala as frases ""I was, I am, I am to come", uma inversão para "who was, is, is to come" contida na Revelação e atribuída a Deus, de forma aleatória (e que podem facilmente serem interpretadas como "I was, I'm and I want your cum") enquanto entra em vários estágios de histeria, no embalo de um ritmo sexual criado por um redemoinho de percussões, tocadas por Vangelis. Neste ponto, o demônio começa a utilizar esta frase dentro de seu ego e assim tenta renascer ou então criar outro ego, fazendo amor com ele mesmo até atingir o orgasmo!

A audição desta faixa é obrigatória para todos aqueles que se dizem conhecedores de música, não por ela ser uma canção excelente ou maravilhosa, mas sim pela genialidade e a ousadia do grupo em gravar algo como isso, que realmente impressiona (principalmente pelos gritos histéricos e a variação de vozes de Irene) e que em sua versão original contava com 39 minutos da mais pura orgia sendo realizada nos estúdios, o que foi rapidamente atorado pela Mercury, que chamou aquilo de blasfêmia, sendo lançados apenas cinco minutos desse espetáculo sexual, ainda contra a vontade da gravadora, mas com a justificativa de que era uma peça fundamental para compreensão da obra.

Inicialmente, quem iria cantar essa canção era algum inglês, pois Costas gostaria de ouvir a histeria do narrador através de um sotaque britânico, mas quando Irene surgiu foi dada a ideia para ela, que topou e fez todas as vozes de puro improviso, o que torna essa faixa ainda mais atraente. Outro detalhe interessante é que na Espanha essa faixa foi riscada no álbum quando do seu lançamento (algo como feito com as canções da Blitz aqui no Brasil nos anos oitenta), e a venda de 666 foi proibida por lá durante muitos anos somente por causa de "∞". Dica: mostre essa música para sua mãe e diga que quem está tocando percussão é o mesmo cidadão que fez a música que estava na abertura de sua formatura e duvido que ela acredite, se é que ela vai chegar até o primeiro minuto da canção.

O lado C encerra com "Hic et Nunc", outro belo rock, com o piano sendo destaque ao lado da guitarra e das vozes. Bom som para fechar esta etapa do apocalipse.

O lado D é talvez o mais difícil de ser assimilado, contando com apenas duas canções, a longa "All the Seats Were Occupied", onde praticamente um resumo de todo o álbum é feito, começando com uma viajante sessão de guitarra e moog apenas, crescendo com a adição da bateria e do baixo (lembrando muito "The End" dos Doors) e passando por vários temas do disco, inclusive com algumas frases de "∞", alternando momentos com a guitarra solando de forma alucinada e outros incrivelmente soturnos e demoníacos, onde o baixo predomina, encerrando com uma frase retirada de um disco de ensinamento de inglês da BBC que diz apenas "all the seats were occupied", e levando ao final do LP com "Break", onde, com o acompanhamento do piano, Roussos se despede dos amigos enquanto Vangelis canta de forma jazzística "stoobeedooobedoo", com direito a um pequeno solo de guitarra e finalmente a despedida final, dizendo apenas "fly, high and then you make it" e "do it".

Um single de 666 foi lançado em novembro de 1972, "Break / Babylon", e que acabou pegando pó nas prateleiras, assim como o álbum, que não vendeu muito principalmente por causa da censura em torno do mesmo. Porém, nos dias atuais 666 é considerado como um dos principais discos do rock progressivo e o melhor da carreira da Aphrodite's Child. Em uma pesquisa feita pelo conceituado site All Music Guide, 666 recebeu quatro estrelas e meia em uma cotação de cinco, com a justificativa de que ouvir o álbum na íntegra era demasiadamente complicado. Já a IGN Entertainment classificou 666 como o terceiro melhor disco progressivo de todos os tempos, ficando atrás apenas de In the Court of Crimson King do King Crimson em segundo lugar e The Lamb Lies Down on Broadway do Genesis.

Segundo Roussos e Vangelis, a Mercury podou e muito a versão original do álbum, que era para ser lançado em formato quádruplo. Os outros dois discos (incluindo a versão completa de "∞") estão perdidos em algum lugar deste planeta, esperando por uma alma para lançá-los para nós, meros mortais.




Roussos seguiu em uma carreira solo voltada para o pop, tocando em diversos países e lançando um CD chamado Live in Brazil no ano de 2006, enquanto Vangelis virou o monstro sagrado dos teclados que conhecemos hoje, com participações em várias trilhas sonoras de filmes, além de formar dupla no início dos anos oitenta com Jon Anderson (vocalista do Yes), com quem também obteve relativo sucesso. Vez ou outra Vangelis e Roussos se encontraram nos estúdios, como nas gravações de Blade Runner e Chariots of Fire, mas o Aphrodite's Child nunca mais retornou à ativa.



Koulouris adotou apenas o nome Silver, vindo a participar do álbum Souvenirs de Roussos, lançado em 1975, além de fazer parte por um bom tempo da banda de Vangelis, enquanto Sideras lançou seu segundo álbum solo, Pax Spray (1973), participando do álbum My Only Fascination (1974) de Roussos, além de fazer parte das bandas Ypsilon (ao lado de Lakis Vlavianos e Dimitris Katakouzinos), com quem lançou o disco Metro Music Man (1977) e vários compactos, e também do Eros (com Lakis Vlavianos, Charis Chalkitis e Dimitri Tambossis), com quem lançou apenas o compacto "Rain Train / I Can See It", em 1971. Trabalhou em vários discos de outros cantores, como L'Alba (Riccardo Cocciante - 1975), Love's Fool e Dead Line (Sigma Fay - 1979 e 1981) e em 2008 lançou o CD Stay With Me.


O Aphrodite's Child entrou para a história da música grega como a principal banda daquele país, e marcou época nos anais do rock progressivo em suas duas distintas fases, a primeira marcada por baladas e simplicidade e a segunda por 666. Cavuque nos sebos atrás dessas preciosidades, e descubra que nem só a Inglaterra fazia rock progressivo de qualidade nos anos setenta. Do it!

E apenas para garantir o grego:


Δισκογραφία



End Of The World (1968)
It's Five O'Clock (1969)
666 (1972)

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