segunda-feira, 8 de março de 2010

Focus: Teatro do CIEE, Porto Alegre, 07/03/2010




Assistir a um show de rock progressivo exige algumas regras. Primeira delas: sem bebidas, afinal, pode ocorrer de que no meio de uma suíte você necessite ir ao banheiro e perca alguma miraculosidade feita pelos artistas. Segunda, e ainda mais fundamental: respeito, pois os profissionais estão ali para dedicar seu tempo e talento em intrincadas peças. Por fim, a terceira e última regra de um show de rock progressivo é simplesmente o silêncio durante a apresentação, para saborear cada nota executada.

Neste domingo, dia 07 de março, presenciei um dos ícones do progresivo holandês exterminar os anos de estrada e apresentar um espetáculo energético e encantador. Estou falando da banda Focus. Composta atualmente por dois ícones da formação clássica, Thijs van Leer (flauta, teclados, vocalizações) e Pierre van der Linden (bateria) - que ao lado de Jan Akkerman e Bert Ruiter gravaram o essencial Focus 3 e colocaram o nome do Focus no mundo -, e que vieram acompanhados de Bobby Jacobs (baixo) e do excelente guitarrista Niels van der Steenhoven. O quarteto holandês trouxe para Porto Alegre clássicos de sua carreira misturados com novidades de seus recentes álbuns Focus 8 (2002) e Focus 9 / New Skin (2006).

Pontualmente às 20 horas, Thijs subiu ao palco do belo Teatro do CIEE trajando as tradicionais tamancas holandesas, e sentou no banquinho que acompanha o jurássico órgão que ele carrega desde os anos 60, acompanhado de uma taça de Coca-Cola Diet. O resto da banda postou-se como nos anos 70: Niels no centro, Bobby à esquerda e Pierre ao fundo, entre a guitarra e o baixo. Porém, Thijs havia esquecido de trazer a flauta (certamente de propósito) e começou assim um espetáculo à parte de cenas engraçadas.

O acorde de órgão de Thijs abriu o show com a calma "Focus I", onde Thijs deu uma pequena amostra do seu talento com a flauta, seguida de uma rápida passagem pelo tema de "Anonymus", ambas do primeiro álbum da banda, In and Out of Focus, e que foi aplaudido pela plateia de cerca de 700 e fiéis pessoas em uníssono, as quais acompanharam com palmas a execução de "House of the King", um dos grandes clássicos da banda e que foi muito bem tocada principalmente por Niels, mas deixou saudades de Jan Akkerman e suas escalas imprevisíveis.

A seguir, a viajante readaptação para "Tamara's Move" do álbum Focus 8 veio com Bobby executando o tema no baixo acompanhado por Pierre e harmônicos de Niels, enquanto Thijs faz vocalizações e sola na flauta e também utiliza-se da taça de Coca-Cola para fazer alguns sons. O tema da flauta acompanhado pelas notas da guitarra e o bonito solo de Niels tornam essa canção muito interessante de ser ouvida ao vivo, e o Focus teve talento para colocar ela neste set list.

As novidades seguiram com a sensacional "Focus 7", uma linda balada do novo álbum onde o tema principal é executado por Thijs no órgão e Niels na guitarra, e o jogo de luzes misturado com o fundo do palco do teatro (formado por tijolos que lembram um forno de uma olaria) deram um clima especial para essa canção, onde Niels começou a dar aula do uso do botão de volume.

Thijs então comunica-se com a plateia pela primeira vez, anunciando as canções que foram tocadas até aquele momento e também a próxima, "Aya-Yuppie-Hippie-Yee", outra do disco novo, onde Thijs apresentou um estranho e engraçado repertório de caretas, e que já é bem representativa de uma fase atual do Focus, alternando partes rápidas (onde Thijs acompanha o tema da guitarra com vocalizações) e outros mais lentos (onde Thijs canta o nome da canção). O destaque são as viradas de Pierre, muito rápidas e precisas, mas a música em si não chama muito a atenção por ser, em minha opinião, um pouco repetitiva.

Mas se a banda havia perdido alguns pontos, ganhou muito com a próxima canção. Após dizer que o gripo vai fazer um intervalo de 15 minutos e um pequeno merchandising, Thijs anunciou que gostaria de encontrar-se com aqueles que desejassem para dar um aperto de mãos, trocar algumas palavras e saborear o momento. Com uma pequena história sobre os diferentes caráteres que as pessoas têm, Thijs anuncia a épica "Eruption", de Moving Waves. Os acordes iniciais do órgão, acompanhados pela guitarra precisa de Niels (onde o timbre ficou muito igual ao de Akkerman) arrancaram lágrimas de alguns em minha volta, enquanto arrepios subiam pela espinha de quem está escrevendo para vocês.

Esta canção pode se dizer que foi tocada na íntegra, com quase vinte e cinco minutos de duração, com várias partes do original sendo tocadas fielmente e outras alteradas, com destaque mais uma vez para o talento de Niels e Bobby em reproduzir as complicadas e intrincadas seções deste clássico. Thijs mostrou que infelizmente não tem mais a mesma voz dos anos setenta, trocando as lindas vocalizações originais por estranhos gritos e sons vocais, usando inclusive da flauta para fazer algumas vocalizações, porém, encanta ao tocar flauta e teclado ao mesmo tempo.

No meio de "Eruption" uma bela sessão jazzística, onde Niels mostra todo o seu talento na guitarra. O cara é muito bom, mesmo sendo o mais novo do grupo. Uma técnica impecável, alternando solos rápidos e outros calmos, torna a comparação com Akkerman desncessária, e firma seu nome como mais um grande guitarrista a passar pela banda (além de Akkerman, Philip Catherine deu suas caras na banda em 1976).

É com a flauta que mais uma vez Thijs arranca risadas e aplausos da plateia. Na sequência final de "Eruption", Thijs abandona o órgão e sai caminhando pelo palco com a flauta sendo sua bengala. Então, no centro do palco, executa um empolgante solo de flauta, deixando todos de boca aberta com a sua técnica. Ainda tem tempo para chamar a plateia e fazer um dueto de estranhas vocalizações com os presentes no teatro. Ainda houve espaço para um pequeno solo de Pierre, e assim encerrava-se uma esplêndida execução de uma das mais famosas suítes da banda, aplaudida de pé pelo público.

A clássica "Sylvia" encerrou a primeira parte da apresentação, com o público acompanhando o tema da canção em pé e aplaudindo muito.

O intervalo veio, e em 15 minutos a banda estava novamente no palco, agora com Thijs trazendo duas taças de vinho branco. Uma delas Thijs deixou sobre o órgão, e com a outra executou o tema da próxima canção, a encantadora "Focus 3", ovacionada desde seu primeiro acorde, a qual foi acompanhada da também encantadora "Focus 2". Fantástico, simplesmente! Quem estava no local não se continha e vibrava com as longas sessões instrumentais que a banda apresentava de forma impecável.

"Hurkey Turkey 2", do álbum novo, trouxe a sonoridade recente do Focus para os ouvidos, com um tema especialmente construído para a canção, e ainda com direito a execução da "marcha turca" de Mozart, a qual foi acompanhado com palmas.

A sequência a seguir foi espetacular. Duas canções do álbum Hamburgo Concerto, começando com a magistral "La Cathedrale de Strasbourg", e o lindo tema do órgão acompanhado por baixo e guitarra apenas, trazendo a bateria e a letra da canção, me fizeram voltar aos anos do auge da banda e que infelizmente eu não presenciei, mas que é para mim a melhor fase do Focus.

Surpreendendo à todos, Thijs apresentou a segunda canção de Hamburgo Concerto, contando uma piada sobre bêbados e falando que aquele som falava sobre o outro lado do álcool, começando "Harem Scarem", essa tocada cheia de improvisos, com o tema principal sempre se alternando e as tradicionais vocalizações de Thijs, além daquela levada funk de bandas como Weather Report e The Eleventh House, e que contou ainda com uma tentativa de cantar samba por parte de Thijs. Um petardo, onde pode se ver o talento de Niels, Pierre e Bobby.

Thijs abandona o palco e deixa somente os três, que fazem uma pequena sessão instrumental, para Niels então solar sozinho e mostrar mais uma vez todo o seu talento. Usando alavancadas, bends e notas rápidas, Niels criou um espaço totalmente viajante para apresentar um longo solo com volume, de forma impecável, sem errar uma nota. O silêncio da plateia era a prova de que o que estava sendo presenciado era especial. O garoto (que nem é tão garoto assim) realmente destruiu, e depois de seu solo foi a vez de Bobby e Pierre solarem juntos em uma base totalmente jazzística, mostrando a influência do jazz sobre a banda. O baixo de Bobby tem uma sonoridade bem anos setenta, soando muito com o fretless (apesar de não ser um), e Pierre van der Linden continua o grande mestre da bateria com sua fantástica pegada de mão esquerda. Bobby trouxe o tema de "Harem Scarem" e a canção foi encerrada com todos no palco.

A próxima canção, dedica ao amor, é a balada "De Ti O De Mi" de Focus 8, composta por Bobby, e que foi a canção onde Thijs ficou sozinho para executar um maravilhoso solo de flauta, tocando primeiramente flauta e órgão juntos, e posteriomente apenas flauta, e ainda fazendo um pequeno solo de iodel, a deixa para a canção seguinte. Ainda houve espaço para um solo de assovio acompanhado pelo órgão, e outro onde Thijs canta as mesmas notas que estão sendo executadas por ele no órgão, mostrando todo seu domínio sobre o instrumento, para então puxar a letra daquela que é a mais conhecida canção da banda, "Hocus Pocus", com todas as vocalizações em iodel e os gritos de "aaaaaaaaaaaa" sendo regidos pelo maestro Thijs e executados pela plateia, além das viradas espetaculares de Pierre e a tradicional apresentação dos membros da banda com os vocais de Thijs, com outro erro proposital do flautista/tecladista, dizendo viola ao invés de guitarra, e ainda uma homenagem ao engenheiro de som. Demais!

O encerramento do som se deu com um belo solo de Pierre, no mesmo estilo do executado em "Anonymous 2" (do álbum Focus 3), outro que domina seu instrumento como ninguém.

Após a insistência do público, que gritava "Focus! Focus!", a banda voltou e executou "Neurótika", do álbum Focus 8. Era o suficiente. Em pouco mais de duas horas a banda já havia provado que os anos de estrada de Thijs e Pierre casaram muito bem com a juventude de Bobby e Niels.


Após o show, a tal recepção para os apertos de mão que Thijs convidara foi realizada em um salão à parte. Extremamente atenciosos e carinhosos, cada um empunhando uma lata de Heineken, os quatro integrantes receberam um por um as centenas de fãs que empunhavam seus CDs e LPs para serem autografados, com uma paciência que poucos artistas têm. Outros ainda levaram uma flauta para que Thijs tocasse alguma canção na mesma, e saíram com aquela cara de felicidade que só um bolha consegue fazer quando vê seu ídolo.

O bolha aqui não poderia ficar de fora e levou alguns LPs para serem autografados, bem como um DVD da banda. O mais interessante é que os membros (com exceção de Thijs) se recusaram a autografar os LPs, pois não haviam tocado neles (eu não levei nenhum em que Pierre havia tocado, e ele não assinou os que levei), mas todos assinaram o DVD. Ainda ganhei um elogio de Bobby e Pierre para minha camisa da Janis nua. Niels era o mais tímido dos quatro e Thijs foi muito atencioso, principalmente ao ver o vinil de sua carreira solo que levei para autografar. Agradeci muito por ele ter tocado "La Cathedral ... ", e ele respondeu que estava feliz em ver que os jovens ainda se preocupavam em buscar sons dos anos 70 e curtir os mesmos.

Quase na saída, depois da sessão bolha, voltei para perto da mesa onde estavam os integrantes e vi um cara tentanto pedir para Pierre autografar uma baqueta. O coitado não sabia falar inglês, daí me intrometi e chamei Pierre, que prontamente assinou a baqueta do cidadão. Então, pedi uma baqueta para Pierre, que no início se recusou, dizendo que precisava tocar outros dias e que era a última baqueta dele. Obviamente vi que ele estava forçando a barra, e insisti um pouco mais, dizendo que era um grande fã dele, e ele então me deu a baqueta que tinha acabado de tocar, e ainda assinou, dizendo que era para pessoas como eu que valia a pena viajar de tão longe apenas para tocar.

O sorriso de bolha ficou na minha cara, e tenho certeza que dormi com ele, pois quando acordei e olhei para a baqueta sobre a minha estante, o sorriso ainda estava lá.

Setlist:

Focus I / Anonymus I
Tamara's Move
Focus 7
Aya-Yuppie-Hippie-Yee
Eruption
Sylvia

Focus 3
Focus 2
Hurkey Turkey 2
La Cathedrale de Strasbourg
Harem Scarem
De Ti O De Mi
Hocus Pocus

Bis:
Neurótika

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