quarta-feira, 16 de maio de 2012

Review Exclusivo: Los Hermanos (Porto Alegre, 13 de maio de 2012)




Publicado originalmente no blog Consultoria do Rock

Um show do Los Hermanos não é um show qualquer, daqueles que tem uma banda no palco, um público que canta os grandes sucessos e aprecia as demais canções, até conversando vez ou outra com a pessoa ao lado, e que há um contato direto entre o vocalista com o público, falando palavras para a plateia como "É maravilhoso estar aqui, vocês são a melhor plateia do mundo, etc".

Sucesso o Los Hermanos só teve dois: "Anna Julia" e "Primavera" (ambas do primeiro disco, Los Hermanos, lançado em 1999). O comportamento de Marcelo Camelo (vocais, guitarra, baixo) e Rodrigo Amarante (vocais, guitarra, baixo) é tão distinto entre si que cada vez que um deles assume o microfone, parece que ouvimos outro show. Mas isso não faz a mínima diferença, pois é exatamente isso que caracteriza o som da banda, que vem arrebatando mais e mais fãs desde que o grupo acabou em 2007, sendo que os fãs que já havia sido conquistados no período entre 1998 e 2006, permanecem gastando suas cordas vocais como no início da década passada.



Tive a oportunidade de ver o Los Hermanos em 2003, quando o grupo havia mergulhado na obscuridade pós-sucesso "Anna Julia". O álbum Ventura, lançado naquele mesmo ano e tido pela maioria dos fãs como o melhor da carreira da banda, mesclava samba e composições regadas de melodias intrincadas, harmonias belíssimas e complexamente trabalhadas para acompanhar as letras pensativas de Camelo e Amarante.

Em 2005, vi o grupo no auge de sua fama obscura, durante a turnê do álbum 4. A insanidade dos fãs com esse disco na época era absurda. Depressivo, triste e melancólico, 4 é para colocar qualquer palhaço de circo no choro, e apresentado na íntegra na tal turnê, fazia os locais pelos quais o Los Hermanos passava virarem um rio de lágrimas, com plateias cantando até o último segundo todas as letras do álbum, sem se quer lembrar que aquela banda era a mesma de "Anna Julia", o grande hit que levou o Los Hermanos ao mundo, merecendo inclusive uma homenagem dos saudosos Jim Capaldi e Geroge Harrison, que regravaram a música em 2001.

Em 2006, o grupo voltou para Porto Alegre para mais uma série de apresentações, e depois, foi anunciado o fim da banda. Esporadicamente, shows ocorreram pelo país afora, enquanto Camelo, Amarante, Rodrigo Barba (bateria) e Bruno Medina (teclados) seguiram seus projetos individuais. Mas o tempo passou, e em novembro de 2011, foi anunciada a turnê comemorando os quinze anos da banda, com duas datas em Porto Alegre, cidade que sempre amou o grupo, mesmo nos momentos mais Anna Juliescos. E eu assisti os dois!!


O primeiro show foi estranho, com o público ainda frio (talvez pela saudade) e curtindo o que estava sendo apresentado, explodindo mais nos clássicos. O segundo show foi bem diferente. As sete mil pessoas que superlotaram o Pepsi on Stage cantaram quase todas as músicas do início ao fim, lembrando os momentos insanos da turnê de 4, nos quais era difícil ouvir a banda, e na maioria das vezes, o microfone era voltado para o público, que levava as canções no go-gó, sem errar nada.

Um show que começa com "O Vencedor", passa por "Retrato pra Iaiá", "Todo Carnaval Tem Seu Fim", "O Vento" e "Além do Que Se Vê" já deixaria qualquer ser fã de Los Hermanos sem voz. Porém, a maioria desses fãs são jovens, de uma geração paralela aos coloridos emos, menos estilizada, apesar das camisas xadrez, blaisers de lã e coletes para o frio contrastando com luvas e roupas da moda. Na década de 90, esses fãs seriam chamados de Mauricinhos e Patricinhas, e realmente, é esse tipo de fã que perambulou na primeira noite. 


Na segunda noite, o "povão" tomou conta. Claro, as camisas xadrez e as roupas da moda estavam lá, mas também os "velhos" fãs, que ouviam o primeiro disco e quebravam o quarto com aquele hardrock fantástico, engolido por duas faixas simples que em nada condiziam com o que estava gravado em Los Hermanos. Esse início colocou as estruturas do local para teste, já que foram insanos quinze minutos nos quais todos os presentes não pararam de pular e cantar.



A velha geração foi agraciada com versões matadoras para "Azedume" e "Descoberta". Ali, a roda punk fechou. Meninos e meninas balançavam e agitavam como se fosse o último show da sua vida, e o quarteto citado, com a parceria do indispensável naipe de metais formado pelo trio Bubu, Zacarias e Índio, além do baixista e guitarrista Gabriel Bubu, tocava com prazer, rindo e satisfazendo o ego tanto de fãs quanto deles mesmos.


Após "Descoberta", as lágrimas das gurias (e de muitos marmanjos) rolaram durante "Sentimental", e ficou comprovado, o Los Hermanos é uma banda muito diferente das outras, capaz de agitar no mais pesado hardcore e emocionar na mais bonita das baladas da década passada. Nela, Amarante prova que mesmo não sendo um exímio vocalista, supera essa condição cantando com as veias saltando na garganta, junto com os fãs.

O show também mostra as diferentes personalidades de Camelo e Barba. Enquanto o primeiro é um verdadeiro líder, estabelecendo quando as canções começam e terminam, e principalmente, sendo o foco das atenções no gigantesco telão ao fundo, o segundo é uma figuraça inigualável na música nacional. Sua tradicional dancinha do pato bêbado era uma alegria a parte, fora as caretas, as conversas indiretas com a plateia durante as canções, e os improvisos que sempre apareceram na fase áurea do grupo.




Amarante, apesar de não ser o holofote principal, chama muito a atenção. Suas canções são as mais animadas, como "Um Par", "Primeiro Andar" e "Último Romance", mas até mesmo as canções mais tristes, como a citada "Sentimental" e "Sétimo Andar", chamam a atenção pela entrega do músico carioca às suas interpretações e as músicas em si. 

Poucas palavras são trocadas entre banda e plateia, quase sempre um singelo "Obrigado", com exceção da apresentação dos membros, feita durante "Conversa de Botas Batidas", da mesma forma que no sábado. Aliás, a principal diferença entre os dois shows do que veio do palco (lembrando que no segundo dia o público agitou muito mais) foi a troca de "De Onde Vem a Calma" por uma canção da carreira solo de Camelo, a não muito interessante "Mais Tarde". Essa e a inédita "Um Milhão" diminuiram o ritmo, mas deu para perceber que a canção inédita ainda mantém a linha depressiva de 4, e fica o aguardo se vai rolar um disco novo com essa canção. 

"Cara Estranho" fez tudo tremer novamente, e a primeira parte do show encerrou-se com "Último Romance", deixando a expectativa se o bis do dia anterior ia ser repetido.

Depois de alguma demora, o quarteto voltou e mandou "O Velho e o Moço", e aí sim, veio a matadora sequência final. Durante o bis, Amarante, cantando "Quem Sabe",  jogou-se no meio da plateia em um dos mais estranhos stage diving que eu já vi. Praticamente pulando de cabeça no meio do público, era a preparação que já havia começado minutos antes, quando Camelo puxou o riff de "Tenha Dó", e o Pepsi on Stage veio abaixo com os fãs cantando o solo inicial desse clássico do primeiro disco enquanto Bubu simulava o mesmo no trompete.

Após "Tenha Dó", "Anna Julia" lavou a alma daqueles que, como eu, nunca tinham visto a banda tocá-la ao vivo, já que o sucesso da mesma a fez reclusa dos palcos. Clássico dos clássicos, foi entoada aos berros por garotos e garotas de todas as idades, e por várias vezes, Camelo afastou-se do microfone, deixando apenas a bateria e o baixo acompanharem as vozes desafinadas dos gaúchos, mas com um sentimento de êxtase que nunca vi igual em nenhum show de qualquer outra banda.







A celebração terminou com o stage diving de "Quem Sabe" e finalmente, "Pierrot", a marcha de carnaval mais pesada que alguém já compôs, e fomos para casa com um sorriso nos dentes, apesar do minuano velho de guerra (vento que sopra no sul do país) que trouxe o frio para o Rio Grande do Sul.

O Los Hermanos em duas noites super lotou o Pepsi on Stage. No total, os números divulgados sugerem mais de 14 mil pessoas somando as duas noites, sendo que o maior público dali até então foi Bob Dylan, com 6500 pessoas.


A sede não foi saciada, pois uma banda com quatro discos tão bons quanto o Los Hermanos ficaria no palco no mínimo quatro horas tocando, mas deu para ver que o grupo poderia ter seguido um crescendo infinito tanto no número de vendas de CDs quanto no número de fãs. Esses dois shows provaram que se o grupo tocasse em um lugar maior, esse lugar também estaria lotado. 

Dificilmente a banda continuará na ativa passados os shows em comemoração aos seus quinze anos, mas, se for para vê-los com a alegria e os sorrisos que estavam nessas apresentações em Porto Alegre, tocando canções que agrada a maioria dos seguidores da banda, que seja. Melhor um coelho na mão do que dois voando.







Set list


1. O Vencedor
2. Retrato Pra Iaiá
3. Todo Carnaval Tem Seu Fim
4. O Vento
5. Além do Que Se Vê
6. Primeiro Andar
7. Morena
8. Um Par
9. Sétimo Andar
10. Azedume
11. Descoberta
12. Sentimental
13. A Flor
14. Cara Estranho
15. Condicional
16. Deixa o Verão
17. Mais Tarde
18. A Outra
19. Um Milhão
20. Casa Pré-Fabricada
21. O Velho e o Moço
22. Conversa de Botas Batidas
23. Último Romance


Bis


24. O Velho e o Moço
25. Tenha Dó
26. Anna Julia
27. Quem Sabe
28. Pierrot

Um comentário:

  1. Excelente resenha do show dos Los Hermanos.Parabéns! Não pude ir ao show mas já me dei por satisfeito após a leitura do texto. Que eles continuem aparecendo em doses homeopáticas!

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