sábado, 7 de junho de 2014

ECM Records



Depois de ter apresentado aqui a Fábrica de Discos Rozenblit, hoje irei complementar aquele texto falando sobre uma das mais poderosas gravadoras de jazz do mundo, a alemã Edition of Contemporary Music Records, conhecida mundialmente como ECM Records.

Sua história é muito longa e repleta de curiosidades, que para complementar, indicarei alguns sites no final do texto, mas aqui, farei um resumo suficiente para o leitor ser apresentado ao selo (caso não conheça).

Fundada em 1969 na cidade de Munique, esta gravadora foi um dos grandes trunfos que o ser humano pode registrar nos anais como parte de sua história. Afinal, a ideia de Manfred Eicher, o principal nome por trás da ECM, era ampliar o mercado do jazz americano na Europa, e mostrar ao mundo a potência que o jazz da Europa também tinha.


Manfred Eicher, em 1969

Eicher era um baixista de jazz, apaixonado pelo estilo, e que garimpava álbuns importados nas diversas lojas da Alemanha e Europa. Porém, os mesmos não eram tão simples de serem encontrados, ainda mais o jazz europeu que Eicher ouvia nos locais por onde se apresentava.

Do próprio bolso, Eicher investiu 16 mil marcos alemães (algo em torno de 40 mil dólares na época) para montar o selo, sendo acusado por muitos como um amador, o qual ele mesmo adotou como insígnia, já que se considerava um amador (amante) do jazz. Depois de montar a companhia, passou a buscar os artistas que iria lançar, procurando sempre aqueles que ele gostava. 


Primeiro LP lançado pela ECM Records
Em suas próprias palavras: "Minhas escolhas nunca foram influenciadas pela evolução do mercado musical. Eu escolhia os artistas intuitivamente, principalmente por causa do que suas músicas causavam em mim, tocando-me e fazendo sentir que deveria estar em nosso catálogo da ECM. Se eu tinha dinheiro suficiente no banco, eu produzia a gravação".

O primeiro disco lançado pelo selo coube ao pianista americano Mal Waldron, o excepcional Free at Last (1969), com a marcação ECM 1001. Depois dele, vieram diversos artistas ingleses (Dave Holland e Derek Bailey), americanos (Paul Bley, Bayy Autschul, Barre Phillips, Marion Brown,Robin Kenyatta, Chick Corea alemães (Alfred Harth, Wolfgang Dauner) e europeus (Jan Garbarek - Noruega, Bobo Stenson - Suécia e Terje Rypdal - Noruega), até que em 1972, surge a primeira grande estrela da ECM Records, Keith Jarett.



Keith Jarrett (acima) e três de seus principais álbuns com a ECM
O pianista estava excursionando com Miles Davis pela Noruega, e conquistou a mente de Eicher, que ofereceu-lhe a oportunidade de registrá-lo com um trio, caso achasse necessário. Jarrett decidiu lançar-se sozinho, e assim, registrou uma série de improvisações no ótimo  Facin' You (1972), o primeiro álbum da ECM a ultrapassar a marca de meio milhão de cópias vendidas. 

Jarrett lançou mais onze álbuns pelo selo, dentre eles os clássicos  Hymns/Spheres (1976) e The Köln Concert (1975), esse o primeiro disco do selo a ultrapassar a marca de um milhão de cópias vendidas (quase três milhões de cópias até hoje), enquanto teve alguns discos lançados por outro grande selo de Jazz, o americano Impulse! no mesmo período, e a partir de 1977, TODOS os álbuns de Jarrett saíram pela ECM, totalizando quarenta e cinco discos até o presente momento.


A estreia do Return to Forever, alavancando o nome da ECM na América

Ainda em 1972, outro álbum vendeu extremamente bem para a ECM, o inquestionável Return to Forever, lançado pelo grupo de mesmo nome. A fusão de estilos de Chick Corea (teclados), Joe Farrell (saxofone, flautas), Stanley Clarke (baixo), Flora Purim (vocais, percussão) e Airto Moreira (percussão, bateria) e alcançou a oitava posição entre os álbuns de jazz mais vendidos dos Estados Unidos, uma proeza para uma gravadora com apenas três anos. Não à toa, o Return to Forever é reconhecidíssimo como um dos pilares do jazz fusion, ao lado de Weather Report e The Eleventh House.

Foi graças ao sucesso do Return to Forever nos Estados Unidos que a ECM começou a ser reconhecida, e cada vez mais nomes americanos passaram a ser lançados pelo selo, que manteve o americano Jarrett sempre como principal força-motor.


Pat Metheny (acima)
e seu principal lançamento pelo selo (abaixo)

Depois de Jarrett consolidar-se como estrela no cast da ECM, e de ter lançado no mercado a carreira solo de nomes como Ralph Towner, John Abercrombie e Dave Liebman, eis que surge o segundo artista a reinar soberano no selo, mais uma jovem surpresa americana que Eicher conheceu em suas audições, o talentosíssimo Pat Metheny. Metheny assustou Eicher com seus fraseados e estilo único, e rapidamente, o alemão lançou o primeiro álbum com o guitarrista, o essencial Bright Size Life, na qual ele está acompanhado por nada mais nada menos que Jaco Pastorius (baixo) e Bob Moses (bateria). Foram apenas quatro álbuns junto ao selo, entre 1977 e 1981, mas o suficiente para que a ECM ganhasse uma sequência de milhões de dólares para The Köln Concert, já que o clássico disco de estreia solo de Metheny, New Chautauqua (1979) é até hoje um dos discos de jazz mais vendidos na história da música.

Outro fator genial de Eicher e sua companhia era a união de nomes do cast para a gravação de um álbum. Foi assim que surgiram diversos trios e duplas de jazz consagrados, como: John Surman / Jack DeJohnette; Paul Bley / Gary Peacock / Paul Motian; Keith Jarrett / Gary Peacock / Jack DeJohnette; John Abercrombie / Dan Wall / Adam Nussbaum; Charles Lloyd / Billy Higgins; Ralph Towner / Gary Peacock; entre outros nomes que acabaram não sendo reconhecidos mundialmente, mas de valores comparáveis com os gigantes citados, dos quais destaco Kimiko Hagiwara / Dohyung Kim / Junko Kuribayashi e Trygve Seim / Øyvind Brække / Per Oddvar Johansen.


Os brasileiros Egberto Gismonti e Nana Vasconcelos tiveram álbuns lançados pela ECM
Como vocês podem ver, os nomes que saíram pela ECM durante a década de 70 são extremamente valiosos, mas durante a segunda metade daquela década, Eicher decidiu aumentar o leque de gravações, não ficando apenas no Jazz. Assim, investiu em áreas bastantes distintas, buscando nomes que fugiam do eixo Estados Unidos - Europa. Foi assim que os brasileiros Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos tiveram alguns de seus álbuns registrados pelo selo (Dança das Cabeças, de 1977, por Egberto, e Saudades, 1979, por Nana, além de Duas Vozes, unindo ambos os músicos em 1985), que tornou-se um precursor no lançamento do gênero hoje conhecido como World Music, trazendo ao mundo obras de países que não eram ainda ouvidos pelo ocidente, como Tunísia, Tchecosováquia, Finlândia e Índia.

A música clássica uniu-se aos lançamentos de música local, que receberam uma marcação nova no selo, batizados sob o título New Series. Todos os álbuns com a sigla ECM NS significavam álbuns voltados essencialmente para a música clássica e/ou lançamentos de música característica de um determinado local/país. O selo foi fundado em 1984, e seu primeiro lançamento foi o CD de Octet / Music for a Large Ensemble / Violin Phase, de Steve Reich, que havia sido lançado originalmente em 1980. Esse também foi o primeiro CD lançado pelo selo.

A NS ganhou força com o passar dos anos, e atualmente, é tão responsável pelos lançamentos do selo quanto o Jazz, sendo que por ela também saíram algumas trilhas sonoras de filmes e documentários europeus, principalmente em colaboração com o diretor francês Jean-Luc Goddard.

A ECM notabilizou-se também pela qualidade de suas gravações. Mixagens em Stereo, com instrumentos tendo caixas exclusivas (piano na esquerda, baixo e bateria na direita, por exemplo, em discos de trio) ou efeitos sonoros são algumas das "modernidades" que o selo trouxe ao mundo. Para Eicher, a qualidade de gravação era o essencial para poder captar aquilo que o conquistava. Assim, ele gravava os instrumentos obedecendo duas regras importantíssimas:

1) Imagem de estéreo completamente homogênea (o som deveria ser gravado com mesmo nível em ambos os canais, a não ser em casos especiais, quando fosse um pedido do autor);

2) Muitos níveis de profundidade do som durante a mixagem (eram feitas quantas mixagens fossem possíveis para se obter o som mais claro possível).


Alguns álbuns lançados pela New Series

Nas palavras de Eicher: "Eu coloquei em prática tudo que eu aprendi durante minhas sessões como produtor assistente em algumas sessões de gravação de música de câmara. Até então, eu tinha ouvido muitos discos de jazz, principalmente da Impulse! e da ESP. Eu achava a música muito interessante, mas eu não gostava da forma como ela era produzida, principalmente por que eu sentia um vazio na qualidade final, como se parte da mensagem tivesse desaparecido. Meu principal objetivo, quando fundei a ECM, foi respeitar cada aspecto da música, o que significa ser hábil a ouvir cada nuância do instrumento, cada colorido, e respeitar as dinâmicas do som, como dadas pelo músico. Era uma forma muito diferente de se gravar o jazz, e o público foi  muito sensível para isso".

Ainda hoje, milhares são os que creditam aos álbuns da ECM como os que possuem a melhor qualidade de gravação. As mixagens eram feitas com modernas técnicas de unidades eletrônicas, capazes de inserir no som reverberações (pequenas distorções e sobreposições de instrumentos) e os famosos decays (aquela diminuição do volume do som no final de cada faixa). 


Eicher sempre gostou de participar das produções dos álbuns da ECM.
Acima com Keith Jarrett, e abaixo, com Pat Metheny


Pode ser normal nos dias de hoje, mas no início da década de 70, isso era uma grande novidade. O mais interessante é que Eicher tentava capturar as gravações praticamente ao vivo no estúdio, na primeira tomada. Poucos foram os discos que levaram mais que dois dias para serem gravados, e a mixagem percorria um dia inteiro, agilizando no lançamento do material praticamente depois de ele ter sido construído.

Por fim, outro ponto marcante nos lançamentos da ECM era a combinação de música clássica e jazz. Frequentemente, Eicher resolvia que um artista seu iria gravar com uma orquestra, e o resultado não-raramente tornava-se uma obra-prima. 


Officium, marcante fusão do Jazz com a Música Clássica lançada pela ECM em 1994

Alguns bons exemplos são Officium (1994), de Jan Garbarek, gravado ao lado da The Hilliard Ensemble, um quarteto vocal que arrepia durante o álbum com cantos gregorianos sob os solos de saxofone de Jan, e A Wider Embrace, magnífica fusão do saxofone de Trevor Watts com as percussões africanas da Moiré Music Drum Orchestra, lançado também em 1994.

A ECM tem em seu catálogo são quase mil e quinhentos álbuns, registrados em quarenta e cinco anos de existência. Em uma média de 33 LPs por ano, ou 3 LPs por mês, mostrando toda a importância do selo para divulgar seus músicos.


Manfred Eicher, em 2009

Entre 2002 e 2004, foi lançada uma série de compilações de vinte dos principais artistas do selo. Jan Garbarek e Keith Jarrett foram agraciados com coletâneas duplas, e os demais, com CDs simples que resumem a obra do artista na ECM. Aos interessados, os artistas são: Keith Jarrett, Jan Garbarek, Chick Corea, Gary Burton, Bill Frisell, Art Ensemble of Chicago, Terje Rypdal, Bobo Stenson, Pat Metheny, Dave Holland, Egberto Gismonti, Jack DeJohnette, John Surman, John Abercrombie, Carla Bley, Paul Motian, Tomasz Stanko, Eberhard Weber, Arild Andersen, Jon Christensen.

A infinidade de fãs do selo pelo mundo garante ainda mais sua importância para a história da música. Para se ter uma pequena ideia, entre 23 de novembro de 2012 e 10 de fevereiro de 2013 foi realizada uma exposição no Museu Haus der Kunst, em Munique, somente com os álbuns de Jazz lançados pela ECM até meados dos anos 80. Durante a exposição, músicos como Enrico Rava, Evan Parker, Jan Garbarek, Meredith Monk, Anoham Brahem Quartet, entre outros apresentavam-se para a plateia, que levou mais de 10 mil pessoas por dia (aproximadamente) durante o período de exposição. Há ainda um belíssimo site dedicado à obra da gravadora, o qual é frequentemente atualizado por seu idealizador, o fã Tyran Grillo.


Pôster de exposição dedicada ao selo (acima)Anoham Brahem Quartet, na exposição em homenagem ao selo (abaixo)

O sucesso da ECM foi tão grande que nos Estados Unidos, o selo foi distribuído pela Warner Bros., BMG Records e Polygram. Desde 1999, a Universal Music (que comprou os direitos da Polygram) é a responsável pela distribuição dos álbuns do selo, que já conquistou cinco vezes a premiação de Melhor Selo do Ano (1980, 2008, 2010, 2012 e 2013), selo este que permanece intacto até hoje, com as três letras ECM (o C como sendo um vinil retirado da capa M sobre o encarte E) com um fundo alternando de cores entre um verde escuro, preto ou cinza, e que dia após dia, faz cada vez mais mentes ferverem com as preciosidades do jazz e da música clássica que a gravadora lançou, e que certamente lançará por muitos anos.

Eicher continua ativamente seus estudos e interesse pela música, atuando como produtor na maioria das gravações, e sempre buscando novos artistas, mantendo a chama de um Selo Lendário acesa e com força.


O famoso selo com o C em formato de vinil saindo da capa M sobre o encarte E



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