quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Caravela Escarlate - Rascunho






Muitas vezes, quando recebemos um álbum para ouvir, olhando pela capa e pelo nome das canções criamos pré-conceitos que quase sempre tornam-se reais a partir do momento em que a música começa a sair das caixas de som.

Pois Rascunho, o primeiro álbum do grupo Caravela Escarlate, foi-me de tamanha surpresa em relação a capa que não consegui conceber nenhuma imagem musical a partir da mesma, e somente quando dei o play no CD da dupla Ronaldo Rodrigures (órgão, sintetizador e teclados) e David Paiva (baixo, craviola, guitarra, viola de 12, violão de aço e sintetizador) que o desbunde pegou geral.

Foto Promocional
Jamais imaginaria que um álbum sem bateria, baixo ou vocais, levado apenas por guitarras e teclados, causaria-me tanta sensação de nostalgia, com referências a nomes consagrados do rock progressivo, e com uma tamanha qualidade melódica exalada pela dupla.

O grupo foi formado em 1988, mas encerrou as atividades logo depois. No início da década atual, David uniu-se a Ronaldo e Tadeu (bateria), e retomou o Caravela, que ainda contou com Henrique Moreira na bateria, até passar por um hiato de alguns meses no final de 2015. Foi então que Ronaldo e David decidiram retomar as gravações desse EP, por conta da saída de Henrique. Desde então, a dupla passou a experimentar um novo formato, explorando possibilidades eletro-acústicas, diversidade de instrumentos, timbres e cruzamentos entre rock progressivo e MPB. O resultado foi lançado em julho desse ano, e não podia ser nada no mínimo Maravilhoso.


Foto Promocional de Rascunho


O dedilhado aflito do violão em "De Sol a Sol" nos apresenta uma faixa delirante, onde a guitarra de David possui uma distorção similar a de Sérgio Dias nos tempos de Tudo Foi Feito Sol (1974), e com a entrada de Ronaldo, rapidamente nos vimos viajando com a Caravela para a São Paulo do início da década de 70, quando o rock progressivo explorava instrumentos, harmonias, combinações melódicas e técnicas musicais com o mais puro perfeccionismo, levados por um delicado violão, que também abrilhanta a introdução de "Hipocampo", faixa mais soturna, onde os efeitos dos teclados de Ronaldo nos lembram uma flauta, e fazem a Caravela voar para Minas Gerais no final da década de 70, e nos trazer a imagem de um Recordando o Vale das Maçãs preenchendo o ambiente, tendo como destaque o piano enigmático e sutil de Ronaldo.

Com "Metamorfose", a Caravela volta no tempo, continuando em Minas, agora com claras referências ao Clube da Esquina, sendo impossível não sentir um cheiro de queijo e pinga com o moog avançando pelo seu cérebro na companhia de um vigoroso dedilhado de violão. Com "Circo Imaginário", David traz o violão para a frente do aparelho de som, em um espetacular dedilhado clássico que apresenta uma viagem musical extraída por Ronaldo em seus sintetizadores, das quais as referências que a Caravela vai buscar é desde as profundas cavernas italianas de grupos como Le Orme e Formula 3, até a habilidade nacional de artistas como Turíbio Santos e Raphael Rabello.


Ronaldo e David  ao vivo

A partir de "Cavalo de Fogo", a Caravela passa a navegar nos mares britânicos, trazendo referências dos dois antológicos discos de Steve Howe (Beginnings - 1975, e The Steve Howe Album - 1979) seja no Maravilhoso emprego do mellotron, seja no fantástico timbre de guitarra que se assemelha e muito ao que o guitarrista do Yes fez nesses discos, trazendo uma aura clássica incomum na música atual. Retornamos para o Brasil em "Maino", onde a viola é o centro das atenções junto a um sintetizador que emula sons do sertão nordestino e hipnotizam o corpo, colocando-o a dançar no meio da sala de maneira sem igual, sendo que o que Ronaldo faz com o moog, na linha da introdução de "Xanadu" (Rush), é simplesmente de chorar.

"Pedra do Sal" nos traz lembranças do pessoal do Clube da Esquina, mas dessa feita da turma de Beto Guedes, Toninho Horta, Danilo Caymmi e , só que com fortes pitadas Genesianas, e o álbum encerra-se com "Século XIV", obra clássica de David ao violão regada por psicodélicos acordes de moog e sintetizador, onde novamente, as passagens no estilo "Xanadu", mescladas com a guitarra com timbres a la Steve Howe são de emocionar.


Perfumes

O EP dos cariocas deve ser tratado não como o nome sugere, mas como uma obra definitiva, que irá ser exaltada nos anais do rock progressivo brasileiro pela sua capacidade de tocar a alma, o coração e a mente, de forma metódica e perfeitamente apaixonante.

No aguardo do LP, e que a Caravela continue sua viagem por águas límpidas e tranquilas como a música desse seu álbum de estreia.


Contra-capa de Rascunho

Track list

1. De Sol a Sol
2. Hipocampo
3. Metamorfose
4. Circo Imaginário
5. Cavalo de Fogo
6. Maino
7. Pedra do Sal
8. Século XIV

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