domingo, 24 de maio de 2009

Suck



O ano era 1970. No auge do apartheid, um leão rugia em uma pequena gaiola nos subúrbios de Joanesburgo, capital da África do Sul. E esse leão foi batizado com o sugestivo nome de Suck. Não apenas o nome era agressivo, mas as performances e atitudes de Stephen "Gil" Gilroy (guitarra), Saverio "Savvy" Grande (batera), Louis Joseph "Moose" Forer (baixo) e Andrew Ionnides (flauta e vocais) fizeram com que o leão sofresse represálias da conservadora elite africana.

As bandas de rock na África do Sul eram raras naquela época, principalmente pela precariedade do país e, como dito, pelo rigoroso sistema do apartheid. Mesmo assim, o Suck conseguiu ter seu momento de brilho, tornando-se hoje um dos principais nomes do cenário africano quando falamos de boa música.

A idéia da banda começou a ser formada a partir de Moose, que já havia trabalhado com o Peanut Butter Conspiracy em Salisbury, capital da Rodésia (hoje Zimbawe), Group 66 e também Billy Forest, esses já em Joanesburgo. Em uma loja de discos, Moose conheceu Gil, que havia chegado a África vindo de Londres há alguns meses, onde trabalhara com Mick Abrahans, ex-guitarrista do Jethro Tull. Ali, formou-se uma grande amizade, com ambos ouvindo e tocando direto. 

Logo, a idéia de formar uma banda cresceu e assim, foram atrás de mais integrantes. O primeiro a se brilhar na área foi Savvy Grande, um italiano que possuía experiências no Elephant e também em bandas alemãs (chamadas Oompah), sendo fortemente influenciado pela percussão da América Central. O encontro ocorreu em um clube no bairro de Hillbrow. Por fim, juntaram-se ao "já rodado" Andrew Andy Ionnides, que havia tocado no seu país natal, o Chipre, em bandas como o Blind Melon Jefferson, October Country e Meenads. Andy era um talento nato, tocando flauta, piano, guitarra e cantando incrivelmente, virando logo a atração principal nos bares de Joanesburgo, o que chamou a atenção dos demais integrantes do novo conjunto.

A idéia inical para o nome era algo que fosse tão escandaloso quanto as performações e canções que o grupo pensava em fazer, e, para tal, foi escolhido Fuck. Porém, os amigos convenceram-nos que com aquele nome, na África do apartheid, jamais conseguiriam fazer algo mais do que apanhar e serem presos. Daí, Suck foi a alternativa.


A banda começou a fazer vários ensaios, influenciados pelas nomes do lado oeste do planeta, como Grand Funk, Deep Purple, King Crimson, Black Sabbath, Jefferson Airplane e Big Brother & The Holding Company. O Suck estava formado havia três semanas, mas o impacto que causava na gurizada que comparecia nos seus shows chamava a atenção de muita gente, principalmente pela performance insana de seus músicos, com destaque maior para Andy, um doido no melhor estilo Iggy Pop, que rolava sobre vidro, ajoelhava-se diante da platéia e chegava a ser açoitado por Gil em pleno palco, mostrando como as pessoas anti-apartheid eram tratadas. 

Andy ficou conhecido como o Jim Morrison africano, principalmente pelas obscenidades extra-palco. Além disso, as constantes destruições dos equipamentos em pleno palco e as simulações de mutilação chocavam ainda mais a platéia, que saía estarrecida quando Gil assumia o microfone para dizer em alto e bom tom, "Nós somos a FUCK!!!!". Em uma de suas apresentações foram assistidos por Clive Calder, um Peter Grant africano que era respeitadíssimo entre as gravadoras daquele continente. Rapidamente, Calder propôs aos garotos um contrato com a finalidade de gravar um álbum e sair em turnê ao lado da Otis Waygood Blues Band e também da Freedom's Children .

Clive conseguiu um contrato com a filial da Parlophone e logo a banda caiu na estrada. O primeiro grande show foi no Milner Park, mais precisamente no Rand Easter Show, um dos principais eventos da capital africana, causando um estardalhaço geral na platéia. O tipo de comportamento do grupo nunca havia sido visto (e ouvido) pela comunidade conservadora da África do Sul, sendo classificada como uma "abominação corrompendo o cérebro dos jovens" pela imprensa. 

Os garotos também passaram a ser comentados não só pelo comportamento, mas pelos seus trajes, que contavam principalmente com cada integrante carregando uma determinada arma: Moose possuía uma faca-bowie (tipo a do Rambo), Gil um martelo, Andy uma pistola Magnum Cold Python 357 e um chicote cat-o-nine, que era o mesmo usado nas apresentações. O auge da insanidade do Suck ocorreu durante um show no Joburg City Hall, onde Moose saiu correndo atrás do vocalista do Freedom's Children, Brian Davidson, com um martelo.


Assim, foram barrados de entrar em diversas cidades, o que acabou prejudicando, e muito, na divulgação da banda pelo mundo, mas não em Joanesburgo, onde conseguiram entrar em estúdio por oito horas para gravar o fantástico álbum Time to Suck. Em seis horas estava pronto um álbum fantástico e que causou muitos problemas para os integrantes. O principal deles era a censura africana, que proibía as letras agressivas da banda, levando Time to Suck a virar um disco repleto de covers. 

O lado A abre com "Aimless Lady", do Grand Funk, a qual virou o primeiro (e único) compacto do grupo. O início com o baixo de Moose executando os riffs de Mel Schacher, trazem a voz de Andy cheia de reverbs e com a linha vocal totalmente diferente da de Mark Farner. Além disso, a canção está bem mais pesada, em uma linha mais Black Sabbath e com um solo de guitarra dos mais furiosos que já ouvi. 

Saindo do hard, o Suck viaja no progressivo de "21st Century Schizoid Man", do King Crimson. No início temos um pequeno erro da banda (que não sei se foi proposital), entrando no riff principal. A voz de Andy está ainda mais distorcidada, mas seguindo a mesma linha vocal de Greg Lake. A pauleira pega solta na viajante sessão instrumental criada por Robert Fripp, onde, com o Suck, o destaque fica para a guitarra de Gil, que mesmo não tendo toda a técnica do criador do Crimson consegue arrancar solos rasgados de seu instrumento. 

O final do lado A é de tirar o chapéu. Os africanos arrasam nos quase dez minutos de "Season of the Witch", do Donovan, superando, e muito, a versão melosa original e o cover feito desta mesma canção por Julie Driscoll. A flauta de Andy, acompanhada pelos acordes suaves da guitarra, lembra bandas psicodélicas como o Family. Segue-se um duelo de flauta e guitarra acompanhado lentamente pela cozinha. A sessão instrumental estende-se por quase três minutos, onde dá pra viajar bastante, ganhando um pique lentamente, até Andy entrar com a letra. 

O acompanhamento da banda é totalmente viajante. Savvy está fenomenal nas batidas de caixa e Gil sola sua guitarra com muito feeling. Andy esganiça sua garganta ao máximo e Moose destrói o baixo em uma precisão jazzística de tirar o fôlego. Toda a doideira nos dá direito até de ouvir um pequeno solo de Savvy, mostrando por que virou um músico requisitado no futuro. Após o solo de bateria, Andy volta gritando tudo o que pode, acompanhado pelo seguimento embalado criado pelos africanos para esse clássico dos anos sessenta, encerrando com a flauta solando igual a introdução e com Andy quase chorando ao microfone, em um lamento dolorido e angustiante. Realmente, é a faixa mais doida do álbum, e talvez a melhor no pequeno repertório suckiano.

O lado B abre com outra do Grand Funk, "Sin's a Good Man's Brother". A introdução é diferente da versão do GFR, mas logo temos os riffs de Mark Farner sendo executados por Gil. Esta é a cover que mais se assemelha à versão original em todas do LP, mesmo que aqui tenham conseguido um peso ainda maior que com o GFR. "I'll Be Creeping", do Free, vem em uma versão mais agitada e pesada do que a original, com destaque para a marcação do baixo. 

A única faixa da banda, "The Whip" dá sequência ao álbum na melhor linha do Black Sabbath, com o riff sendo executado pelo baixo e guitarra, acompanhado pelas batidas fortes e precisas da bateria de Savvy. A letra é a mais "calma" do repertório suckiano, criticando a família e as atitudes imbecis dos adolescentes, em frases como "I don't care whit my mother says". A linha vocal é agressiva, sendo sempre intercalada pelo riff principal. Hardzão puro em pouco mais de dois minutos. 

A purpleana "Into the Fire" também lembra bastante a versão original. O embalo é o mesmo e a linha vocal também, até por que a voz de Andy lembra bastante a de Rod Evans, primeiro vocalista do Deep Purple. O solo de Gil é bem diferente do de Blackmore, e claro, a ausência dos teclados também é sentida, mas não faz falta, pelo contrário, só atrapalharia o peso extra que a banda colocou. Por fim, "Elegy", do Colosseum, encerra o álbum na linha hard que o grupo se caracterizou, com muito peso e gritos alucinados de Andy.

Com os shows e o lançamento do disco contendo apenas uma canção própria, a banda marcou seu território como uma das mais estranhas de todos os tempos. Porém, a pouca divulgação do álbum fez com que ele ficasse engavetado nas lojas, tornando-se muito raro em sua versão original. Os desgastantes abusos feitos pelos quatro integrantes, e principalmente por Andy, levaram ao fim do grupo em menos de um ano na ativa. Dívidas (os integrantes viviam com pouco mais de um rande por dia, o que equivale em reais a aproximadamente 25 centavos!!!!), viagens, censura e, principalmente, as fortes críticas e represálias da polícia e imprensa africanas deixaram o grupo com a marca de ovelha-negra na cena roqueira da África. Desiludidos, divulgaram oficialmente o fim em dezembro de 1970, oito meses após sua criação.


Em 1972 foi lançado o raríssimo álbum Rock Today with the Big Heavies, que é uma compilação com as principais bandas da África. Ali contamos com a presença da Otis Waygood Blues Band em seis faixas, Freedom's Children em cinco faixas e o Suck interpretando "Aimless Lady", "21st Century Schizoid Mand", "The Whip" e a inédita versão para "War Pigs", do Black Sabbath, que para mim é a melhor cover do Sabbath em todos os tempos. 

O início é arrepiante, com sons de sirene e bombas, bem como vozes que lembram Hitler, envolvidas por vidros quebrados e gritos de pessoas sendo mutiladas. Lembro de quando minha esposa ouviu isso pela primeira vez entrou no quarto perguntando se eu estava vendo um filme de guerra. Realmente, é assustador!!! Os riffs de Iommi e companhia aparecem, seguidos por Andy fazendo um grito de lamento acompanhado por um grito agudo e ensurdecedor, até chegar na parte da letra, tal qual o original. A parte agitada deste clássico é bem diferente em suas bases. Somente a linha vocal é a mesma, mas a guitarra está com as cordas abafadas e é interessante ouvir também a presença de um sintetizador ao fundo, tocado por Andy. O solo de guitarra está similar ao de Iommi, mas incrementando novas notas e seguindo escalas bem diferentes em determinados pontos. Após a segunda parte da letra, temos os famosos riffs de encerramento, acompanhados por Andy, que faz os "o-o-o-o-o-o-o-o-o" que Dio iria incrementar à música na sua primeira passagem pelo Sabbath.

Após o término do Suck, Gil Gilroy teve uma breve participação ao lado da banda Rat, abandonando totalmente a música depois disso. Permaneceu na África do Sul trabalhando na Mame Enterprises, que era a primeira empresa especializada em filmes eróticos naquele país. Abriu sua própria cervejaria em West Ran, onde elabora uma das principais cervejas da África, a Gilroy's. Gil continua tocando, mas apenas por prazer, participando de bandas de jazz na capital africana.

Savvy Grande continuou trabalhando em bandas como Omega Ltd, Stagecoach, Jack & The Beanstalk, Lesley Rae Dowling, Shag, Razzle, David Kramer e Jonathan Butler. Virou professor de bateria para crianças em uma escola chamada Merton Barrow's. Sua última banda foi a Late Final, e atualmente procura novos grupos para trabalhar.

Moose Forer continua até hoje como músico. Ao lado de Gil, participou da Rat por pouco tempo. Como produtor, foi um dos responsáveis pelo surgimento de Trevor Rabin (Yes) na banda Rabbit. Atualmente toca na banda Sounds Like Thunder.

Andy Ionnides foi para a Rodésia, onde integrou a Hedgehopper's Anonymous, e também envolveu-se com a Rat por um tempo, bem como o Rainbow e o Faggott. Após isso, passou a trabalhar com seu irmão, Reno Ionnides, em uma loja de vendas de filmes. Regenerado, fundou uma banda gospel e foi trabalhar com outro irmão, George Ionnides, em Port Elizabeth, em uma empresa de lavagem de roupas, e também em restaurantes. Criou um bar muito famoso em East London, onde, exatamente quando começou a ganhar o dinheiro que tanto buscou na música, faleceu em 16 de outubro de 2000 devido a problemas cardíacos.

Em sua curta carreira o Suck abalou as estruturas do rock africano, e, infelizmente, devido a ignorância e burrice de autoridades, que não entedem o que é o verdadeiro significado da palavra arte, nos deixou apenas esse belíssimo e único registro.

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