Falar de Black Sabbath é algo relativamente simples, principalmente quando se comenta o início da banda, com todas as suas histórias de satanismo e magia negra, ou também das fases Dio e Gillan, menos pesadas porém não menos importantes. Mas dois álbuns do Sabbath sempre entram em rota de colisão quando o assunto é realmente a musicalidade da banda, mesmo que essa tenha se alterado bastante com a entrada de Glenn Hughes e, na sequência, com Tony Martin. Esses álbuns são Technical Ecstasy (1976) e Never Say Die! (1978).
O Black Sabbath vinham arrebanhando fãs por todos os cantos do planeta. O hard pesado da banda (ou heavy metal) fez sucesso atráves de álbuns seminais como Paranoid (1970), Vol 4 (1972) e Sabbath Bloody Sabbath (1973). Porém, Ozzy Osbourne (vocais) e Bill Ward (bateria) estavam envolvidos demais com drogas pesadas, enquanto Tony Iommi (guitarras) e Geezer Butler (baixo) buscavam novas sonoridades e menos pressão para tocar sempre pesado e ligado ao "demo". Dessa forma, a banda lançou o excelente Sabotage (1975), que mesclava todo o peso da banda em faixas como "Hole in the Sky" e "Sympton of the Universe", bem como jazz e progressivo em "Megalomania" e "The Writ", cheias de teclados executados por Mr Spock Wall (na verdade, Rick Wakeman escondido atrás de um pseudônimo).
Outros fatores começavam a abalar a banda. Primeiro, a saúde de Ward já não era mais a mesma, devido ao abuso de álcool e drogas. Segundo, o grupo não possuía um empresário, sendo que todas as assinaturas de contrato ficavam ou a cargo de Iommi ou de Ozzy, o que levou este último a se desgastar cada vez mais, largando vagarosamente toda a sua responsabilidade com a banda e deixando toda a pressão para Iommi. É exatamente nessa época que Ozzy chama Don Arden para ser seu secretário e conhece sua futura esposa/empresária, Sharon.
Sem a constante presença de Ozzy nos estúdios e também ao lado dos demais integrantes, Iommi ficou responsável pela composição das músicas e, obviamente, decidiu incorporar ao peso do Sabbath as linhas de jazz e blues que aprendeu durante seus estudos de guitarra, bem como o progressivo que havia conhecido quando esteve no Jethro Tull e que também sempre foi uma presença constante em suas audições.
Em 1976 então surgia o brilhante álbum Technical Ecstasy. O disco conseguia trazer toda a desarmonia que a banda estava passando, principalmente pelo fato de Ozzy não aceitar as novas guinadas musicais, e o que se ouve é uma clara tentativa de Ozzy tentar resgatar o Sabbath dos tempos iniciais no meio das intrincadas peças criadas por Iommi, gerando um sabor todo especial. Ao mesmo tempo, Geezer mostrou-se sem criatividade para as composições, enquanto Iommi era um perfeccionista ao extremo, tocando muita guitarra para compensar o tempo perdido assinando papéis e decidindo o futuro da banda, influenciando nas inúmeras regravações das faixas e também no toque final do álbum.
O disco abre com a cacetada "Back Street Kids", onde as guitarras de Iommi, com riffzões tradicionais, nos trazem os vocais de Ozzy bem rasgados, tal qual manda o figurino sabbático. Os sintetizadores do novo tecladista, Gerald Woodruffe, também aparecem nessa faixa, na parte mais simples da canção. Após a ótima abertura, temos os teclados viajantes e a forte pegada de Iommi, Butler e Ward introduzindo a bela "You Won't Change Me", com Ozzy mandando ver acompanhado de muitos teclados. O peso das guitarras não é o mesmo dos discos anteriores, porém a melodia é linda, mostrando como o tempo de guitarra estava fazendo bem para Iommi. Um longo solo de Tony também pode ser ouvido, agora em uma parte mais agitada, e sempre acompanhada por pianos.
"It's Alright", cantada por Bill Ward e com o mesmo ao piano, é, assim como "Changes", uma das mais lindas canções da banda em toda a sua carreira. Essa faixa ganhou fama nos anos noventa com a interpretação que o Guns N' Roses fazia em seus shows, sendo que muitos achavam que a mesma era uma composição de Axl Rose. O embalo lembra o de bandas do final dos anos sessenta, principalmente pela levada da bateria. O solo de guitarra, cercado de teclados, também é um ponto positivo para a canção.
O lado A encerra com a doideira de "Gypsy". No início, somente a bateria forte de Ward traz a guitarra e o baixo apenas executando alguns acordes, acompanhados também pelos teclados e da letra cantada por Ozzy. Uma sequência de riffs mais pesados dá continuação a faixa, que começa a sofrer variações a partir do refrão, ganhando um clima bem viajante, com as guitarras executando temas marcados junto ao baixo sobre camadas de teclados, pianos e fortes batidas nos tambores e pratos de Ward. Ozzy canta agressivamente, e a guitarra toma conta, com um forte solo de Iommi, acompanhado por acordes de piano e pela levada "balança-cabeça" de toda boa faixa pesada.
O lado B abre com "All Moving Parts (Stand Still)", que lembra muito "Sweat Leaf", principalmente pela sua introdução. Porém, na metade da faixa temos as quebradas jazzísticas aparecendo novamente, principalmente pela guitarra e pela levada da bateria, com muitas variações, e com Butler, claro, não ficando atrás. A canção muda o ritmo, dando espaço para um pequeno solo de teclado antes de voltar a sua cadência original.
Para quem nunca ouviu Sabbath, até aqui o álbum estava perfeito, mas ainda havia mais. "Rock'N'Roll Doctor" é um rockzão ao estilo Zeppelin, bem diferente de tudo o que o Sabbath já havia feito, sem muito peso e pronta para entrar nas FMs, tal qual havia acontecido com "Am I Going Insane (Radio)", do álbum Sabotage. "She's Gone" é de arrepiar. Os arranjos orquestrais e o violão da introdução nos trazem um Ozzy triste, cantando agonizantemente, acompanhado apenas pelas orquestrações, cravo e violão. O destaque vai para o belo solo orquestral no meio da canção, que é uma boa aula para aqueles que acham que "Still Loving You" é a melhor balada dor-de-cotovelo de todos os tempos, já que "She's Gone" está muito longe de ser somente uma balada dor-de-cotovelo.
O disco encerra com a viajante "Dirty Women". O início da canção, com a voz de Ozzy camuflada por camadas de sintetizadores e guitarras, nos remetem a "Who Are You?" do álbum Sabbath Bloody Sabbath. Mas Iommi queria inovar, e, após os minutos iniciais, a faixa muda completamente, com um belo tema executado na guitarra, que dá novo pique à faixa, em um trecho instrumental com muitos solos de guitarra e a levada precisa da cozinha Butler/Ward, culminando na parte jazzy da canção, cheia de quebradas entre bateria e baixo, com guitarra e teclados executando o mesmo tema. O peso volta a tona, com Ozzy gritando ao mundo "oh dirty women, they don't mess around". O final é lento, dedilhado e seguindo a linha de faixas dos álbuns anteriores, mas a mescla instrumental construída por Iommi aqui não foi vista em nenhum outro trabalho do Sabbath. Com certeza, aqui encontramos as músicas mais bem elaboradas de toda a carreira do Black Sabbath.
Technical Ecstasy alcançou disco de ouro nos EUA e disco de platina na Grã-Bretanha, e é com certeza o mais versátil LP da banda. Porém, após a turnê Ozzy pediu o boné, decidindo se livrar das drogas e, principalmente, da pressão que Iommi estava colocando em cima dele e dos demais integrantes, já que o guitarrista estava incursionando e viajando demais sobre longos temas instrumentais (mais ou menos o que afastou Peter Banks do Yes, mas ai o papo é um pouco diferente). Sem Ozzy, a solução foi procurar um novo vocalista. Ward afundava-se cada vez mais em drogas e álcool, enquanto Butler seguia ao lado de seu amigo Iommi para manter o nome Black Sabbath na ativa.
O substituto foi Dave Walker (futuro Fleetwood Mac), que só fez algumas apresentações com a banda, participando também na composição de algumas canções. Porém, a reação do público perante a nova formação do Sabbath foi crucial para Iommi entregar os pontos e resolver chamar Ozzy novamente, aceitando as exigências do vocalista, principalmente na questão da reformulação das composições da fase Walker. Vale a pena ressaltar que, ao mesmo tempo em que Ozzy sofria com Iommi na época de Technical Ecstasy, ele também perdia seu melhor amigo, seu o pai, Mr Thomas Osbourne.
A reclusão de Ozzy por algum tempo fez com que sua cabeça ganhasse novas inspirações, não aceitando humilhações ou imposições de Iommi. E assim, em maio de 1978 começava a ser construído o oitavo álbum da banda, Never Say Die!, exatamente quando o grupo completava dez anos e partia para uma longa turnê em comemoração à data.
Para a abertura, nada mais nada menos que os jovens do Van Halen foram convidados. Infelizmente, a falta de respeito do público perante o nome Black Sabbath foi o suficiente para irritar todo o pessoal do grupo, já que Ozzy, Iommi, Ward e Butler soavam datados, e o novo som vindo das guitarras de Eddie Van Halen fazia com que a gurizada esquecesse toda a tradição do metal pesado em busca de novos ares. A turnê com o Van Halen fez Ozzy enxergar o que já havia vislumbrado anos antes: o Black Sabbath tradicional estava afundando tal qual um Titanic.
O baixo público e as péssimas apresentações de Ozzy, com raríssimas exceções, como a que podemos assistir no DVD Hammersmith Odeon 1978, apressaram ainda mais o término do álbum, que foi lançado em outubro de 1978. Para os teclados, Don Airey era convocado, substituindo com exímia competência seus antecessores. O disco abre com o single mais vendido da banda (após "Paranoid"), a faixa-título "Never Say Die!". Com muito pique e riffs simples, essa canção marcou época nas apresentações da turnê de promoção do LP, e é lembrada pelos fãs como uma das melhores do grupo.
"Johnny Blade" mantém o pique de "Never Say Die!", com Ward mandando ver. As sequências de riffs de Iommi também marcam presença, mostrando que a volta de Ozzy havia afetado bastante a forma de compôr do guitarrista, com destaque para o baita solo que o mesmo faz no fim da canção. O baixão de Butler e a marcação de bateria introduzem "Junior's Eyes". A guitarra de Iommi invade o cenário, cheia de wah-wahs, enquanto Ozzy canta a letra que escreveu em homenagem a seu pai. Essa canção já havia sido construída nos tempos de Walker, mas foi totalmente reformulada com a volta de Ozzy. O que se vê é um metal típico da fase de Ozzy nos anos oitenta, bastante rasgado e sujo. As intervenções de Airey também se fazem presentes, criando um clima espacial para a canção.
O segundo single do álbum, e que também se saiu bem em vendas, encerra o lado A. "Hard Road" lembra bastante as faixas de Vol 4 e Sabbath Bloody Sabbath, principalmente pelos vocais de Ozzy. Todos os integrantes, inclusive Iommi, participaram dos backing vocals, que serviram como uma despedida das atividades de Ozzy com o Sabbath em um clima alegre e festivo, e que pode ser conferido no vídeo elaborado para esta composição.O lado B abre com "Shock Wave". O timbre da guitarra de Iommi executando o riff principal da canção muda bastante, e os vocais de Ozzy estão distantes. O refrão pesado nos faz imaginar que a canção ira seguir o peso tradicional da banda, mas um tema trabalhado trata de mudar nosso pensamento. Temos o solo de Iommi cercado pela quebradeira geral de Butler e Ward, mostrando que a partir do lado B Ozzy já não iria mais ser a figura principal da banda.
A linda e trabalhada "Air Dance" dá sequência ao álbum. As guitarras de Iommi duelam com o baixo de Butler em mais um riff de primeira, em um clima bem hard. Porém, a canção muda sua introdução, com dedilhados de piano e violão servindo de base para Ozzy cantar sobre o acompanhamento de baixo e bateria. As intervenções de piano de Airey relembram as partes jazzíticas de Technical Ecstasy. Novamente a faixa ganha nova cara, com a guitarra trazendo o refrão, que é curto, retomando as viajantes dedilhadas de Airey. Após a repetição do refrão, a música fica lenta, com uma longa sessão instrumental, somente com piano e pratos. Escalas jazzísticas são ouvidas na guitarra de Iommi, enquanto Airey, Butler e Ward acompanham.
Piano e guitarra solam juntos, dando espaço para uma parte mais agressiva e suja, mas que também não dura muito, ganhando realmente uma cara jazzística, com um solo de guitarra de Iommi acompanhado por um solo de moog, enquanto a banda manda ver num jazzão de primeira. Quando você menos percebe, os cinco minutos e pouco dessa louca e incrível faixa se passam, com os teclados de Airey executando riffs que não se equivalem a nada da música. Loucura geral!!!
"Over to You" traz o clima de "Hard Road", contando com várias participações do piano elétrico de Airey e também com variações que somente Iommi poderia construir em uma banda de metal. Assim como "Hard Road", "Over to You" encerra de vez a carreira de Ozzy no Sabbath.
Uma das mais polêmicas faixas dá sequência ao álbum. "Breakout" é uma instrumental construída com a guitarra duelando com um naipe de metais arranjado por Will Malone, enquanto temos um solo de sax dos mais furiosos sobre a levada lenta e cadenciada da banda. O naipe de metais se faz presente em toda a canção, que finalmente "liberta" o novo Sabbath, agora com Ward cantando a derradeira "Swinging the Chain", onde Ozzy também não participou. Apesar de muitos dizerem que ele é o responsável por tocar harmônica, na verdade este instrumento foi tocado por John Elstar. A quebradeira corre solta nessa faixa, principalmente nos solos de gaita.
Never Say Die! obteve platina na Grã-Bretanha e ouro nos EUA. A turnê de dez anos continuou entre trancos e barrancos, até que, em meados de novembro, o fim de uma era estava decretado. O "pingo no i" foi o cancelamento de um show em Nashville, devido ao fato de Ozzy não ter aparecido, já que tinha se chapado e embriagado tanto que ficou sem condições de sair do hotel onde estava hospedado, sendo encontrado dias depois pela camareira. Até um anúncio de sequestro já havia sido divulgado na imprensa (!). Pouco se sabe se realmente Ozzy foi despedido ou se ele mesmo pediu as contas, o que ficou foram oito álbuns de estúdio que marcaram para sempre a história do heavy metal.
Ozzy montou a Blizzard of Ozz, revelando ao mundo o que os fãs da Quiet Riot conheciam - o genial Randy Rhoads - enquanto Iommi, Butler e Ward chamaram o divino Dio para lançar o espetacular Heaven and Hell em 1980 e brilhar com uma sonoridade mais pesada e crua, resgatando os antigos fãs e deixando de lado as experiências jazzísticas que embalaram o fim da primeira e mais importante fase da banda, e que para mim fizeram de Technical Ecstasy e Never Say Die! os melhores álbuns do Sabbath.
Diversas tentativas da volta do Black Sabbath com sua formação original foram feitas, tendo a participação do quarteto no Live Aid de 1985, onde tocaram "Children of the Grave", "Iron Man" e "Paranoid", emocionando as quase 100 mil pessoas que lotaram o JFK Stadium na tarde ensolarada do dia 13 de julho. Tivemos também lançamento do CD Reunion em 1998, mas as mesmas tentativas sempre acabaram terminando quando necessitava-se colocar o preto-no-branco, já que um ou outro acabava não cedendo em diversos pontos. O final já havia sido decretado em 1978. Mesmo que você "nunca diga morra", ali realmente a formação original morria, entrando para a posteridade como um dos principais nomes da santíssima trindade do metal mundial, ao lado de Led Zeppelin e Deep Purple.
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