sexta-feira, 13 de agosto de 2010

The Iron Maiden

 

Imagine uma banda que toque um hard rock dos mais pesados e densos que você já ouviu. Junte a isso um trabalho instrumental que beira o progressivo e também pequenas doses de psicodelia, tudo liderado por um baixista britânico que adorava cantar as letras junto da canção ao mesmo tempo que tocava seu baixo cavalgante enquanto a canção era executada nos palcos, e que batizou o nome dessa banda de Iron Maiden.

Sim, eu não estou maluco!! Muito antes do baixista Steve Harris aportar na Inglaterra com o seu Iron Maiden, Barry Skeels (baixo, vocais) fundava uma das mais obscuras e talentosas bandas do hard britânico.

A donzela de ferro de Skeels começou a surgir em 1964 em Baseildon, Essex, onde ele agregou-se a Alan Hooker (bateria), Steve Drewett (vocais, harmônica) e Chris Rose (guitarras), formando o grupo Bum. Shows em pequenos lugares e muito ensaio, além do surgimento de álbuns como Rubber Soul (Beatles), Aftermath (Rolling Stones), Over Under Sideways Down (Yardbirds) e Animal Tracks (The Animals) levaram o grupo a sofrer modificações nas estruturas, com a adição de Tom Loates (guitarra) e Stan Gillem substituindo Hooker nas baquetas. Vários shows se seguiram, mas nada "acontecia" para o Bum, até que em 1968, Rose e Loates saem do grupo.

Graham Esgrove assumiu as guitarras por pouco tempo, sendo rapidamente substituído por Trevor Thoms. Com Paul Reynolds comandando o bumbo, o Bum muda de nome, passando a se chamar Iron Maiden. O som inicial (totalmente beat e rockabilly) muda para algo próximo a psicodelia de Jefferson Airplane, Country Joe & The Fish e até mesmo Grateful Dead. A forte inspiração nas bandas flower-power americanas torna-se ainda mais evidentes nas apresentações do grupo, onde longas viagens lisérgicas comandam as canções do grupo, com improvisos que podiam durar até meia hora de duração.
 

Cartazes promocionais da Iron Maiden


Isso fez com que o nome Iron Maiden passasse a ser reconhecido pelo pessoal ligado a música, levando-os a abrir shows de gente como The Who, Fleetwood Mac, David Bowie e Jethro Tull, esses três últimos ainda no início de carreira. Com a sequência de boas apresentações, conseguem uma grana, e vão pela primeira vez aos estúdios, onde registram a raríssima bolachinha com "Ballad of Martha Kent / God of Darkness", de forma totalmente independente.
 
Raro compacto da Iron Maiden

Ao final de 1968, Reynolds é substituído por Steve Chapman, e no início de 1969, assinam um contrato de risco com a gravadora Gemini Records, filial da President Records. De cara, gravam outro compacto raríssimo, com as faixas "Falling / Ned Kelly", que trazem um Iron Maiden ainda mais pesado do que o visto no seu compacto de estreia, com as guitarras de Thoms em um nível de distorção altíssimo, bem como o belo trabalho da cozinha Skeels/Chapman. Caso a bolachinha vendesse bem, o grupo permaneceria na Gemini durante três anos.

Porém, o disquinho não vingou, e restou ao Iron Maiden sair em uma longa excursão pela Grã-Bretanha, que levou o quarteto até a Austrália. Na volta da Austrália, Reynolds volta para o lugar de Chapman, e então, ainda com o contrato com a Gemini em vigor, gravam mais dois compactos: "Liar / Ritual" e "CC Ryder / Plague", além de voltar a excursionar com o Who.

Skeels na banda Zior

A ótima receptividade das plateias, apesar da baixa venda dos compactos, fez com que a Gemini permitisse que a gravação de um LP fosse realizada. Porém, durante as gravações, em 1972, Skeels saiu do grupo misteriosamente alegando problemas particulares, e com ele levou as cópias das masters que a Iron Maiden havia produzido.

Conta a lenda que estas masters ficaram nas mãos dos produtores da Gemini, mas que os mesmos, indignados com a atitude de Skeels, acabaram dando um sumiço nas mesmas ... De fato, a gravadora perdeu as masters, mas nunca se soube se foi de propósito ou não. Outra lenda é que uma tiragem limitada deste álbum chegou a ser lançada na Alemanha, mas nem o próprio Skeels sabe confirmar se isso é verdade.


Os bons registros do Zior


Após o fim da Iron Maiden, Thoms foi parar ao lado de Lemmy Killmister em uma das várias formações do Hawkind. Skeels montou uma nova banda, chamada Zior, ao lado de Keith Bonsor (voz, teclados, baixo, flauta), Peter Brewer (bateria, piano e harmonica) e John Truba (guitarra, vocals), com quem gravou dois discos: o espetacular Zior (1971) e Every Inch A Man (1972), além de gravar a paulada First Monument (1972) com o grupo Monument, que nada mais é do que os membros da Zior com outro nome. Skeels acabou criando um grupo de luzes para palcos, chegando a trabalhar com Buddy Guy, e também foi management do Venom. Após isso, virou empresário do grupo Skyclad, e trabalhou como produtor de diversos grupos como Black Sabbath, Manowar, Trouble, Ramones, Bon Jovi e Yngwie Malmsteen.

Os demais membros da Iron Maiden ficaram largados na imensa escuridão que abriga diversos artistas do rock que infelizmente nunca alcançaram seu lugar ao sol.

Na década de 90, finalmente o baixista fundador da Iron Maiden liberou o material que havia sido gravado para o primeiro álbum do grupo. Junto a este material, acrescentou as canções dos compactos que foram lançados no final da década de 60, e assim surgiu um dos grandes petardos do hard obscuro mundial, Maiden Voyage.


A coletânea Maiden Voyage


Lançada em 1998 pela gravadora Hi-note Music, Maiden Voyage é uma coletânea que trás todo o talento da donzela de ferro, com canções longas e bem elaboradas, desenvolvidas a partir dos embriões originais que foram registrados nas bolachinhas iniciais do grupo, e que ficou batizado como "Archetypal Doom Metal", ou trocando em miúdos, como "Primórdios do Doom Metal".

O CD começa com as músicas do compacto inicial do grupo com a Gemini Records, contando com Chapman na bateria. "Falling" inicia com um tema clássico na guitarra seguido pelas vocalizações de Skeels e Drewett que entoam uma frase com o nome da canção. O baixo galopante de Skeels comanda uma ótima faixa, com muito peso e total destaque para as vocalizações. No solo de Thoms, baixo e bateria travam uma batalha ao fundo, tentando conquistar o espaço da guitarra como as grandes bandas do hard faziam. O som da guitarra é um pouco cru, com uma leve distorção, lembrando o som das guitarras dos anos 50, o que não tira o charme de um bom solo. A letra é retomada, encerrando com a repetição do tema inicial.

"Ned Kelly" vem a seguir, com Thoms solando na guitarra, enquanto Drewett canta com um acompanhamento simples do grupo, misturando momentos mais calmos com outros um pouco mais agitados, onde Thoms fica solando sobre a levada da Iron Maiden.

O quarteto Iron Maiden e sua formação original


A seguir, as quatro canções dos dois últimos compactos surgem, porém muito mais trabalhadas, que seriam as versões do LP, e tendo Reynolds na bateria. A longa "Liar" surge com o riffzão de baixo e guitarra. O som abafado mostra que é uma versão bem inicial, praticamente gravada ao vivo, mas de um baita som, com os vocais de Drewett sendo lançados enquanto o riff de baixo e guitarra se repete. Essa canção curiosamente lembra a fase inicial do UFO (sem Michael Schenker), e que posteriormente iria influenciar o Iron Maiden mais famoso.

Após algumas frases, a doideira pega, com Thoms começando a solar sobre a batalha de Skeels e Reynolds. A crueza dos sons do baixo e da guitarra são o principal destaque. Skeels passa a solar acompanhado apenas pelo cymbal de Reynolds e leves batidas na caixa. Com o uso de acordes e dedilhados rápidos, Skeels mostra-se um precursor na arte de solar no baixo, com uma agilidade muito boa.

A guitarra manhosa de Thoms re-aparece solando com um wah-wah, em um clima viajante, onde os efeitos da guitarra criam um espaço virtual que leva o ouvinte para uma viagem de ida ao paraíso, encontrado no lindo solo de Thoms com um dedilhado de chorar, sem ninguém para o acompanhar.

Skeels faz uma marcação em apenas duas notas, e Thoms segue seu belo solo com o wah-wah, trazendo o ouvinte na viagem de volta para a Terra em um clima muito soturno. A bateria aos poucos vai se agregando a dupla de cordas, e a canção vai pegando ritmo. Thoms larga o wah-wah, e começa a estraçalhar a guitarra, com solos rasgados e longas notas. Aos adoradores do space rock, é a faixa perfeita (junto com Flying do citado UFO), principalmente pela levada final da sessão instrumental, onde o baixo galopante acompanha o solo de Thoms e as viradas inseguras mas importantes de Reynolds.

No encerramento, a canção muda totalmente, com as vocalizações cantando a letra em uma tentativa de 'heavy metal' que não chega a funcionar de tal forma, levado a um solo de bateria enquanto vocalizações duelam com escalas jazzísticas de guitarra, trazendo o riff inicial e a retomada da letra, concluindo essa grande e ótima faixa da Iron.

"Ritual" surge com a guitarra dedilhada acompanhada pelo tema de baixo. Drewett canta com a voz cheia de emoção, e a canção desenrola-se suavemente, quase que como um balada, com a bateria fazendo pequenas marcações enquanto guitarra e baixo fazem a base, até chegarmos na sessão instrumental, onde Thoms solta os dedos com um dançante e forte solo de guitarra. A levada de Skeels e Reynolds é fabulosa, mesmo com toda a simplicidade da dupla, e as ácidas notas de Thoms chapam de cara.

Os vocais de Skeels e Drewett vão para o que podemos entender como que sendo o refrão, levando a mais um ótimo solo de Thoms, com notas resgadas e muita acidez, com variações hendrixianas tendo ao fundo o baixo galopante de Skeels, encerrando a canção com a repetição da letra.

"CC Ryder" vem a seguir, fugindo totalmente da sonoridade das canções anteriores, com uma mixagem um pouco melhor e onde o baixão de Skeels puxa um boogie onde guitarra e harmônica abrem os trabalhos para algo na linha Canned Heat, com outro belo trabalho de guitarras feito por Thoms e com um interessante solo de harmônica feito por Drewett.

A série dos dois últimos compactos encerra-se com a espetacular "Plague", onde o lindo dedilhado da guitarra no início trás novamente uma mixagem precária, mas que compensa pela alta dose emocional. Após a introdução, a canção vai ganhando ritmo, com guitarra e baixo aumentando a velocidade dos acordes, enquanto Drewett rasga a voz, chegando ao solo de Thoms, que mantém sua característica na alternância de notas rápidas, muitos bends e vibratos.

Frases curtas aparecem no meio do solo, que segue com muita acidez e peso. Reynolds transforma-se em um polvo, batendo em caixa, bumbo, pratos e cymbal com muitas variações, e Thoms continua seu solo repleto de feeling e acordes alucinógenos feitos pelo efeito do wah-wah e de uma distorção muito estranha, que apesar da pouca criatividade, ganha na emoção.

A coletânea encerra-se com as duas canções da primeira bolachinha do grupo, e que o CD erroneamente faz menção a gravação como sendo do grupo Bum, o que não parece ser o certo, já que Skeels e cia. haviam adotado o nome de Iron Maiden na época dessa gravação. O épico início de "Ballad of Martha Kent", onde harmônicos e acordes puxam uma balada dançante que lembra a fase inicial dos Rolling Stones, abre uma faixa muito psicodélica, com acordes de guitarras muito estranhos e com uma fraca participação da bateria.

"God of Darkness" é a faixa final, em uma linha bem Yardbirds, com destaque para a guitarra de Thoms e o ótimo trabalho vocal de Drewett, além claro do baixão de Skeels e assola as caixas de som durante o solo de Thoms.
De modo geral, uma banda simples, bem garageira, mas que teria muito para dar se tivesse a sorte de ter um produtor competente e também uma gravadora que se entregasse para o material da banda. Perto de outras osbcuridades do hard, a Iron Maiden não faz feio, e é uma boa banda para ser ouvida ao acompanhamento de kibes e cervejas.

Skeels hoje, à frente do Road Runners


Hoje, Skeels continua seu trabalho de produtor dentro da agência Offbeat Management, além de participar da banda de blues Black River Band e ter feito trabalhos com o grupo Ambience UK. Da Black River Band, Skeels formou ao lado de Rufus Firefly, Bill McFly, Paul Highfly e Paul Hoverfly, o grupo Road Runners, adotando o nome de Barry Flyby e estando em turnê atualmente.

E se você acha que Skeels tem algum tipo de inveja ou mágoa do Iron Maiden conhecido, fica a frase que o próprio Skeels falou em uma entrevista dada ao colega Thiago Sarkis há algum tempo: "Eu fiquei irritado no começo, porque pensei que fosse algum membro do Iron Maiden que eu havia fundado e que levara o nome consigo. Todavia, não foi isso que aconteceu. Era outra banda e eles já estavam com tudo encaminhado para se transformar em um supergrupo. Nós por outro lado, tínhamos encerrado atividades há muito tempo. Portanto, isto nunca me incomodou".

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