segunda-feira, 12 de setembro de 2016

War Room: Raul Seixas - Novo Aeon [1975]




Por Mairon Machado
Convidados: André Kaminski e Ulisses Macedo


O War Room desse mês resgata uma obra-prima do rock nacional, Novo Aeon. Sequência de Gitâ, esse álbum acaba sendo jogado ao patamar de "Álbuns lançados depois de um grande álbum", e por conta disso, recebe um nariz torcido de boa parte dos fãs. Porém, Novo Aeon sempre foi um disco aclamado pela crítica, sendo inclusive o álbum de Raul que foi recomendado pela antiga revista Bizz na tradicional seção Discoteca Básica (Bizz, 80, março de 1992).

Assim, unimos críticos e fãs de Raul para ver se o álbum realmente merece os elogios dados pela imprensa especializada ou se foi um equívoco na quadrilogia de álbuns que Raul criou em parceria com Paulo Coelho, a qual havia começado em 1973 com Krig-Ha, Bandolo!, chegou no auge com Gitâ (1974), passou por Novo Aeon e encerrou com Há Dez Mil Anos Atrás (1976).

1. Tente Outra Vez

Mairon: Tenho Novo Aeon como o melhor disco de Raul Seixas. O pessoal no geral prefere Krig-Ha Bandolo! ou Gita, mas acho que aqui ele conseguiu fazer um álbum que musicalmente é perfeito, seja no belo trabalho de guitarras ou nas vocalizações femininas, e "Tente Outra Vez" é o melhor exemplo disso. A harmonia musical é fantástica, e a letra é uma pancada, que infelizmente, virou clichê depois da lesão do Gordômeno antes da Copa de 2002.

Ulisses: Já começa com aquela música que todo mundo ouviu milhões de vezes. Acho que não tem brasileiro que não conheça.

André: Essa é uma canção que me gera umas ´duvidas e não sei se um de vocês tem a resposta. Mas Raul sempre deu umas alfinetadas na religião. Sabem a razão dessa ser uma canção um tanto quanto... "gospel digamos assim"?

Mairon: Ele sempre usou bastante esses vocais gospel André, principalmente nessa fase inicial.

André: O que é curioso porque a canção seguinte é a "canção do capiroto" no mesmo disco.

2. Rock do Diabo


Ulisses: Aqui já temos um andamento mais roqueiro canastrão.


Mairon: Rockzão para colocar a casa com o baixo, no estilo fanfarrão, e com o naipe de metais complementando o ritmo saculejante da banda de Raul


André: Digamos que esses "opostos" da primeira para a segunda canção sempre me deixaram em dúvidas sobre qual a intenção do barbudo baiano.


Ulisses: Se me lembro bem o Raul teve contato com a Thelema (de Aleister Crowley), logo não acho estranho ele trazer deus e o diabo tão próximos assim.


André: Mas sim, sei que ele sempre foi um anarquista e fascinado pelo ocultismo.


Mairon: Eu imagino o que seria desse disco se o Gay Vaquer tivesse participado dele. Para mim foi o melhor guitarrista que tocou com o Raul.

3. A Maçã





Mairon: Cara, como a letra dessa música foi interpretada na década de 70? Me choca ainda hoje essa pancada que o Raul fez para a ex-mulher dele


André: O que mais impressiona é como Raul com alguns poucos instrumentos e sua voz consegue fazer algo tão único no mundo. Tipo, não consigo sequer encontrar imitadores


Mairon: A interpretação vocal do Raul aqui é algo. Uma pena Deborah Blando ter destruído com a canção anos depois.


Ulisses: Sim, André, dá de 10 a zero nos discos "wall of sound".


Mairon: Quanto a questão de Deus e o Diabo, André, acho que Raul pregava em suas músicas o fato de a diversão ser algo atribuída ao demo, mas é o lado bom do paraíso, enquanto que os problemas que são solucionados por Deus são coisas do demo, ou seja, os dois andam juntos em nossas vidas, pois afinal, nós que criamos eles


André: Até o Led Zeppelin tem imitadores, Raul tem só os imitadores daqueles que se vestem igual ao ele, mas nunca em termos musicais.


Mairon: Esse arranjo de cordas é tão singelo que até uma formiga chora.


4. Eu Sou Egoísta


Mairon: Adoro esse som de bateria da década de 70. Para mim, todos os discos tinham que ter esse som de bateria. Só Falso Brilhante da Elis tem algo parecido.


André: O baixo dessa música é excelente. Na verdade, a cozinha dessa música é perfeita


Mairon: Outro rockzão com bom baixo, bom naipe de metais, uma guitarra insana e uma letra muiito atual, que diz muito mais para as pessoas de hoje em dia do que a maioria das canções populares de agora


Ulisses: A letra parece encarnar aquela coisa do "faze o que tu queres" do Crowley.


Mairon: Exato Ulisses. Esse foi o período máximo da curtição Crowleyana de Raul. É o segundo disco com o Paulo Coelho, e curioso que a mais Crowlyana não é do Coelho.

5. Caminhos I


André: Bom escutar esses discos mais antigos do Raul. Voz cristalina, energia, criatividade. Assistir o clipe de "Cowboy Fora da Lei" e é triste vê-lo perdidamente chapado lá e fingindo que toca o violão.


Mairon: Sambão com uma letra Crowleyana que muitos não se dão de conta do que quer dizer, e que levará para a obra prima que encerra o lado A.


André: Aquela coisa nordestina mesmo.

6. Tu És O MDC da Minha Vida


Mairon: Uhu!!!


André: Bregaço!!!


Ulisses: AI QUE BAIXO GOSTOSO!!


André: Lendário Reginaldo Rossi!


Mairon: Voltamos aos anos 60, com as bandas de rock fazendo seu som para sacudir os casais. Esse órgão é sensacional, mas gosto ainda mais do saxofone e do baixo, envolventes e fantásticos. Além disso, a bateria aqui é outro instrumento que comanda a voz do Raul, que por mais brega que seja, é incrível.


André: Convenhamos, deveria ser uma época divertida.


Mairon: Com certeza.


André: É a melhor música brega de todos os tempos.


Mairon: Melhor que "Garçom"? Impossível.


André: Garçom é só mais popular.


Mairon: A letra é demais


André: Essa tem todas as características bregas tocadas brilhantemente.


Mairon: Aaaaaaaaaaaah, daí sim André.


Ulisses: Não sei vocês aí do sul/sudeste, mas aqui no nordeste ainda é facílimo achar coisa assim nas redondezas
😛

Mairon: Sério Ulisses? Nesse estilo?

André: Isso eu ouvi falar, Ulisses. Amado Batista é rei aí no nordeste.

Mairon: Virando pro lado B.


Paulo Coelho (esquerda) e Raul Seixas (direita). Um era o MDC do outro na primeira metade da década de 70


7. A Verdade Sobre a Nostalgia


Mairon: Jazz rock para sacudir a casa. Eu tenho muita curiosidade de saber o que é a "coisa nova" que o Raul queria ouvir na década de 70. Led? Stones? Bowie?


André: Não é possível, esse grave deve ser de um baixo acústico não?


Mairon: É acústico sim André


André: Eu não consigo imaginar isso tocado que não seja um negão de óculos e de terno sorrindo.


Mairon: Vários negrões de óculos né, por que o naipe de metais é daqueles na linha do Ray Charles


André: Não a toa que é empolgante.


Mairon: A segunda parte já traz a parte do Paulo Coelho na letra, bem Crowleyana.

8. Para Nóia


André: Essa talvez seja a única que acho inferior as demais. Mas não que seja ruim.


Mairon: É exatamente o que eu penso André A faixa mais fraca, mas com outra letra poderosa. Essas canções do Raul que tentam ser "épicas", servem muito bem em uma audição geral, mas não encaixou na bela sequência que vinha em Novo Aeon, apesar do instrumental ser excelente. Ulisses, ce tá vivo minino?


Ulisses: Deixa eu curtir o som em paz, rapaz. :v


Mairon: Desculpa aí, hehe, é que não veio comentário seu em duas faixas seguidas, me preocupei ...


André: Essas menções "religiosas" de Raul que sempre foram polêmicas.


Ulisses: Dessa aqui eu só gostei mais da guitarra debulhando


André: Digamos que nunca o "entenderam". O pessoal mais religioso varia entre gostar de "Tente Outra Vez" e de desprezá-lo por "Rock do Diabo", "Paranoia" e "Al Capone".


Mairon: "Para Nóia" na verdade é uma viagem musical, e a letra é bem complexa.

9. Peixuxa (O Amiguinho dos Peixes)


Ulisses: kkkk essa é hilária.


Mairon: Dessa eu gosto pacas. O ritmo infantil é divertidíssimo, mas a letra é tão fantástica e atual que deveria ser estudada nas aulas de literatura


André: Não sei se gosto mais dessa ou de "Carimbador Maluco" em termos de "infantilidade".


Mairon: Eu prefiro essa. "Carimbador Maluco" é coisa de Coxinha, hehehe


André: Mairon curte uma "burocracia" que tô sabendo.


Ulisses: Óia o pagodão agora.

10. É Fim de Mês


Mairon: Cara, essa é difícil decifrar, pagode em ritmo de quizumba, mas com outra letra que parece ter sido escrita ontem.


Ulisses: Gostei da mudança de andamento. Letra muito legal.


Mairon: O ritmo nordestino também surge com força, e a voz do Raul contando sua história é debochada e hilária.


André: Pois é, Raul consegue fazer até uma boa música com um instrumento que eu tenho pavor, que é a cuíca.


Mairon: Bah, não gosta de cuíca André? Próximo War Room vou trazer uns sambões pra ti


Ulisses: kkkkkk


André: Nope, é tipo gostar de caixinha de fósforo. Quase sempre o mesmo som


Mairon: E esse rock agora? E dê-lhe Severina Xique Xique.

11. Sunseed


Mairon: Linda balada de Raul cantada com sua esposa Gloria.


Ulisses: Belo violão.


André: Sempre suas incursões pelo inglês. Uma pena que nunca conseguiu atingir o público estrangeiro.


Mairon: Voz de Joan Baez misturada com a voz aveludada da Joni Mitchell


André: Linda canção por sinal.

12. Caminhos II


Mairon: Uma pequena vinheta resumindo o principal de "Caminhos", de forma bem sinistra, levando o disco para seu final.


André: Raul filosofando um pouco.

13. Novo Aeon


Mairon: Será essa a melhor canção de Raul? Uma pequena demonstração de inspirações progressivas que, assim como o início do álbum, encerra o disco misturando vários elementos musicais, desde o banjo até a guitarra alucinada, destacando as passagens assombrosas de flauta sobre um peso que não está em nenhuma outra faixa de Raul.


André: Do Raul eu particularmente tenho um carinho maior pelos singles. Gay Vaquer volta a se destacar por aqui


Mairon: André, o Gay só participou dos discos pós-Há dez mil anos. Aqui não é ele. Eu curto muito mais as canções obscuras, como essa.


André: Não é o Gay Vaquer? Jurei que fosse.


Mairon: O Gay Vaquer estava terminando a faculdade lá nos EUA nessa época. Aliás, tem um disco que ele toca que um dia vou upar para trazer aqui no War Room.


Ulisses: É uma ótima canção, mas não diria que é a melhor nem do álbum.


André: Mas esta com certeza é uma das melhores.
Contra-capa do LP


Considerações Finais


Mairon: Novo Aeon consegue unir todo o trabalho musical que Gita e Krig-Ha Bandolo! tem em termos de qualidade positiva, e exalta o lado Crowleyano da parceria com Paulo Coelho em praticamente todas as suas faixas. Acho que é um disco muito injustiçado, tendo apenas "Tente Outra Vez" e "Rock do Diabo" como marcos para o público em geral, e como bem disse o André, para o pessoal ficar pegando mais no lado religioso, sem prestar atenção na música em si.


Ulisses: Já ouvi a discografia do Raul há um bom tempo atrás. Ouvir Novo Aeon me convenceu de que preciso fazer isso de novo, pois praticamente o "redescobri". É ótimo como mistura uma diversidade de estilos sem soar deslocado.


Mairon: Ulisses, sugiro então que você siga com o Há 10 mil Anos e depois o O Dia em Que a Terra Parou. É uma trinca e tanta.


André: Musicalmente este álbum provavelmente seja o mais completo de Raul. Tem rock, tem música nordestina, tem jazz, tem brega e mais uma porção de influências resumidas em pouco mais de meia hora fundidas em canções criativas e empolgantes. Ótima ideia por sinal.


Mairon: Resumiu tudo em uma bela frase André. Parabéns!


André: Apesar de muitos acharem que este seria um disco "batido" para o War Room, eu sempre aprendo algo novo mesmo em álbuns conhecidos. Hoje foi um exemplo de ótima sugestão


Mairon: Vou sair aqui galera. Valeu. Muito obrigado à vocês.


Ulisses: Valeu Mairon.


André: Abraços

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