sábado, 29 de setembro de 2018

Consultoria Recomenda: Álbuns Instrumentais



Editado por Fernando Bueno
Com Alisson Caetano, Mairon Machado, Davi Pascale, Ronaldo Rodrigues, Nilo Vieira e Adrian Dragassakis
Freddie Mercury, Elvis Presley, Steve Marriot, Robert Plant, Ronnie James Dio, Bruce Dickinson... Grandes músicos, fantásticas vozes, que você não encontrará nessa edição do Consultoria Recomenda. Afinal dessa vez só o que sai dos instrumentos é que nos interessa. Tocar um instrumento, ter o controle e conhecimento sobre ele deve ser algo fantástico. No meu caso eu tenho um pouco de vergonha em dizer que toco guitarra pois não tenho todas as habilidades que acho necessárias para me considerar um musicista e me fascina a facilidade de alguns músicos de subir ao palco e tocar qualquer coisa que seja pedida ou acompanhar qualquer outro músico. Para se fazer discos instrumentais todas essas habilidades devem ser colocadas à prova, pois o músico tem que segurar o ouvinte somente com o que está tocando. Não há como enganar e fazer somente o básico aqui. Desde já tomo a liberdade de citar alguns dos discos que poderiam aparecer por aqui, mas acredito que meus colegas consultores acabaram preferindo discos menos óbvios. Como não lembrar do fantástico Tubullar Bells (1973) de Mike Oldfield? Sim, já tivemos um álbum totalmente instrumental se tornando uma sensação de vendas. Também poderia ter aparecido o álbum instrumental do Camel, The Snow Goose (1975), que apesar de não ser uma banda instrumental lançou essa maravilha que tem muito a dizer, mesmo sem ter uma palavra para contar a história. Outro disco que podemos chamar de instrumental/conceitual é The Six Wives of Henry VIII (1973) do monstro Rick Wakeman. Ele conseguiu dar uma personalidade diferente para cada uma das esposas de Henrique VIII. Para sair um pouco da Inglaterra podemos ir à Alemanha e seu Tangerine Dream com suas paisagens sonoras que ajudou muito o desenvolvimento da música eletrônica. Qual disco deles eu indicaria: Phaedra (1974). Na década de 80 tivemos o surgimento dos álbuns de guitar-heros como Steve Vai e Joe Satriani que acabou, de uma certa forma, estigmatizando os álbuns instrumentais como música para outros músicos e fazendo com que o público em geral começasse a tratar discos desse tipo como chatos. Nos comentários deixem registrados seus discos instrumentais favoritos, reclame daqueles que vocês acham enfadonhos ou reclamem por termos deixado algum de fora.


John Coltrane - Ascension (1966)
Recomendado por Alisson Caetano
A sucessão de discos mais celebrados de Coltrane tem uma característica comum, que é a sua aproximação espiritual com Senhor. A Love Supreme é uma espécie de tentativa de reconciliação entre artista e seu Deus depois de anos de excessos cometidos por ele em sua trajetória. Ascension, por sua vez, dá maiores dimensões a esse conceito. Os 40 minutos do disco podem ser levianamente encarados como uma sessão de improvisação livre entre todos os músicos ali envolvidos. Com um olhar mais sensível, é como se Coltrane tentasse "ascender", se aproximar mais intensamente de seu criador, por meio de sua música. Portanto, é bobagem tentar explicar qualquer coisa que esteja acontecendo no disco, pois está além da compreensão de qualquer um além de seu próprio criador. Nunca o rótulo de "spiritual jazz" fez tanto sentido para um disco quanto aqui.
Fernando: Claro que não podemos taxar um disco de 40 minutos baseados somente no que é apresentado nos seus primeiros 3 minutos, mas se você ouvir somente esse trecho vai ter um resumo de tudo o que vai acontecer no álbum inteiro. É como um trailer para um filme. Esse tipo de coisa é justamente o que me afasta de grande parte do jazz. Tem algum sentido imortalizar uma sucessão de improvisos em que cada músico tá pensando e fazendo uma coisa? Tentar entender esse tipo de música é como tentar equacionar o caos. Algumas passagens perdidas aqui, outra acolá ainda se sobressaem, mas acho que ouvir o disco todo foi até demais para mim.
Davi: O disco é tão chato que nem o John Coltrane aguentou. Depois do lançamento, o músico pediu para que o take fosse trocado por outro. Infelizmente, não mudou muito (a não ser que a tal versão definitiva não tem mais o solo de bateria).  Embora ousado (trata-se de uma única faixa de 40 minutos, onde cada um dos músicos sai improvisando sem direção), o trabalho é extremamente cansativo e chato. O que temos são os músicos improvisando durante todo esse tempo, muitas vezes todos juntos, o que fará com que muitas digam que é uma “desconstrução”, ou que “aí está a beleza do negócio, a liberdade, e blá blá blá”, mas que no fundo significa uma coisa só: ausência de melodia e harmonia, com uma sonoridade muito próxima ao de uma briga de pernilongos. Jesus amado, ninguém merece isso!!!
Mairon: Esse é daqueles discos Ame ou Odeie. Nessa época, o genial John Coltrane estava no auge de seus encontros românticos com o free jazz. Aqui, em particular, ele está dividindo espaço com um timaço musical, que conseguiu fazer de Ascension uma obra atemporal, mas para iniciados na arte do free jazz. Particularmente, o álbum não é de todo tão inacessível por conta dos diversos solos individuais registrados ao longo de seus 40 minutos. Porém, esses mesmos solos são carregados de fúria, técnica e muita improvisação. Os trechos chamados de "ensemble" são carregados de violência (Pharoah Sander e Elvin Jones estão com certeza encapetados) e camadas sonoras, repletas de superposições, que para alguns parece ser apenas cada um tocando o que vier a cabeça, mas que quando cai a ficha (passa o cartão, abre o gemidão, sei lá como que está isso hoje), é um oceano de inventividade e genialidade. Manter o pique de uma faixa como "Ascension", a música, não é fácil. Criar algo desse calibre é mais difícil ainda. Gravar e conseguir conquistar fãs, bom, somente John Coltrane e outros poucos conseguiram. Enfim, uma obra sensacional, que admiro muito, assim como o belo Live in Japan e parabenizo quem indicou. Mas prevejo muitas pedradas para o mesmo. Não se preocupe, estarei junto para levar algumas na cabeça. Perdoai-vos, pois eles não entendem o que acontece aqui, devido a sua mente metálica...
Nilo: Se com A Love Supreme (1965) já mostrava que a capacidade plena em sua arte só seria alcançada por vias complexas, aqui a missão ganhou níveis ainda maiores. Sem o devido conhecimento teórico, me é difícil falar de jazz sem soar muito abstrato, por vezes até romântico. Mas aqui cabe dizer que, se Ascension soa difícil, é por refletir o que foram as gravações: músicos de alto calibre (ou será que alguém vai dizer “esses aí não sabiam compor”?) se desafiando. O resultado é igualmente caótico e meditativo. Coltrane pode não ter inventado o free jazz, mas sua intensidade lhe coloca em patamar elevado no estilo – a tal liberdade que clamava não era apenas se desprender de padrões rítmicos e melódicos, era questão espiritual. Sua voz, sua visão, sua expressão sempre foi a música (olhe aí, já cedi à pieguice). Se você acha que tudo deve caber no seu gosto, delete o álbum e saia por aí vociferando que o culto ao falecido é injustificável. Caso tenha interesse na expansão da música enquanto arte, vale a pena insistir tanto no disco como na carreira de John. Sem contar o trabalho igualmente essencial de seus companheiros nesta jornada...
Ronaldo: Muitas interpretações conceituais podem ser dadas a este disco, mas não deixa de saltar aos ouvidos o quanto seu resultado é de difícil digestão. A instrumentação assumidamente desencontrada, só encontra alguma coerência por mera coincidência matemática. Você pode exercitar sua audição tentando acompanhar a trajetória isolada do trumpete de Freddie Hubbard ou da bateria de Elvin Jones, mas tentar captar o todo deste disco é quase impossível. E muito provavelmente isso ocorra porque ele de fato não faz sentido. Espero que John Coltrane tenha se divertido ao gozar da cara dos ouvintes com este disco.


Steve Reich - Music for 18 Musicians (1974-1978)
Recomendado por Nilo Vieira
Longa peça de quase uma hora, dividida em onze seções e executada por dezoito pessoas. A repetição é a coluna dorsal e, além de gerar o ritmo hipnótico, realça as nuances de cada instrumento e sua importância dentro da obra. Ok, tem vocais no disco, mas até eles são apenas uma via melódica – se bem que, com a pouquíssima importância dada ao aspecto lírico (mesmo em português) e a proposta estética dos vocais por cá, dá para afirmar que a importância deles até em discos realmente “cantados” meio que se resume a isso mesmo. Ou seja, é o conceito de instrumental levado à risca. Music For 18 Musicians é música para ouvir com calma, prestando atenção, mas também funciona como trilha de fundo para serviços mais mecânicos do cotidiano. Há quem considere “muito cabeça”, outros acham só açucarado demais. David Bowie o tinha entre seus álbuns favoritos! Pode não ser a obra-prima do movimento minimalista, mas quiçá é a mais famosa.
Fernando: Minimalismo. É algo que sempre leio e ouço falar, mas pouco ouvi. Estou certo que muita gente acaba considerando música instrumental chato por conta de coisas do tipo. Claro que o disco todo não é somente aquela sequência de poucas notas dos seis minutos iniciais. Mas entendo quando alguém não consegue passar para frente pois quando a música parece que vai se desenvolver entra outro trecho de outras poucas notas que também parece não ter fim, mas dessa vez feitas especialmente por outro instrumento. Entendi por que foram necessários 18 músicos para gravar isso. Creio que isso tenha até influenciado alguns músicos que eu gosto como o Alan Parson e o artista do disco que eu mesmo recomendei aqui para essa edição. Mas não gostei do todo.
Davi: Sério que o cara precisou de 18 músicos para gravar isso? Eu reproduzo esse som com um teclado Cassio e uma marimba. Puuta disco chaaato! Isso aqui é ótimo para dormir. Sempre que alguém tinha dificuldade em cair no sono, eu indicava o Los Hermanos 4. Agora, temos mais uma indicação tarja preta. Parece aquelas musiquinhas que o Animal Planet usa de fundo dos documentários. Escutando isso, a imagem que vem em sua cabeça é a de um peixe nadando em direção de uma câmera ou de um macaco pendurado em uma árvore. Jeeee-sus!!!!!
Mairon: Confesso que nunca tinha ouvido falar nessa obra. A primeira impressão que achei que viria era uma orquestra de 18 músicos, mas não foi isso. Trabalho bastante minimalista, com 18 faixas, que é excelente para meditar. Por vezes, tem uma aura nostálgica de Mike Oldfield, mas com instrumentos mais diversificados. Viajei bastante durante a quase uma hora de audição, e me deu uma baita vontade de ouvir o disco de novo por horas. Ótima recomendação, principalmente para quem aprecia o estilo.
Alisson: Composto por blocos cíclicos que vão lentamente se desenvolvendo ao decorrer da peça, 18 Musicians é das poucas experiências genuinamente hipnóticas e inebriantes da música contemporânea. As repetições, ao contrário de tornar a obra estafante, dão ritmo e naturalmente vão abrindo espaço para que cada um dos 18 instrumentistas envolvidos mostre sua faceta para dar forma ao todo.
Ronaldo: Disco muito instigante e talvez mais propício a ser analisado do que exatamente apreciado. Cada faixa parece uma folha em branco na qual um artista sai desenhando; as bases, sozinhas, parecem não ter força alguma, mas sua colocação no contexto as torna propícia para um suave passeio de um instrumento por sobre o outro. Interessante notar o frequente uso da marimba e do vibrafone, instrumentos que remontam influência da música africana na obra. A participação do piano e do violoncelo nas faixas são magistrais. Aqui se fez muito em termos de música com muito poucos elementos.


Modry Efekt & Radim Hladick (1975)
Recomendado por Ronaldo Rodrigues
Disco icônico da produção eslava de rock em todos os tempos, conta com alguns dos pontos mais altos da carreira de Radim Hladick, um herói da guitarra na República Tcheca. Experimentando as "delícias" de um regime socialista, a banda que se chamava originalmente Blue Effect foi forçada a adotar o nome tcheco e várias das faixas deste álbum foram compostas com vocais, mas foram censuradas e precisaram ser adaptadas para versões inteiramente instrumentais.  Mas a banda transformou limões em limonada e fez um disco forte, cativante, com um trabalho instrumental de alta grandeza. O disco tem arestas bem aparadas nos excessos, encaixando muito bem melodias e improvisações, com a variedade rítmica e de climas tão típica do rock progressivo setentista. Radim Hladik na guitarra é um ponto fora da curva; faz solos maravilhosos e até mesmo improváveis; a segunda faixa, Cavjona, é um banho de interpretação. A faixa foi regravada anos depois e até hoje é muito reverenciada na história do rock local.
Fernando: Primeiro disco da lista que me agradou logo de cara. Não por coincidência é o primeiro que está debaixo do guarda-chuva do rock progressivo, estilo que eu gosto muito. Gostei muito do disco que chegou a lembrar um pouco do Camel em alguns trechos e talvez no timbre da guitarra. Muito bom, gostei.
Davi: Esse eu gostei. Tem horas que o cara da flauta exagera e se torna um pouco pentelho, mas o disco é bacaninha. O trabalho de guitarra do Radim é muito bom e os arranjos são muito bem elaborados. Eles fazem um rock progressivo, onde é possível pegar influências de blues, jazz e até mesmo hard rock. Não vou citar nome de música para não parecer que estou querendo xingar alguém, mas a primeira e a quinta faixa foram as minhas favoritas.
Mairon: Discaço desses tchecos maravilhosos (parafraseando Luiz Ricardo) que mostra como havia música boa além da cortina de ferro. Baseado principalmente na guitarra melódica de Radim Hladík e nos teclados de Lesek Semelska, Esse álbum da Blue Effect é um atentado de tão bom, com sonoridades chapantes que irão lhe trazer muitas alegrias nos ouvidos. Além dos teclados e da guitarra, a flauta também marca presença, seja na Focusiana "Boty" ou na malucaça "Skládanka“, méritos para Jiří Stivín. Porém, Radim é com certeza o cara no disco. Seus solos são presença constante, e trazem aquela sensação de balançar uma air guitar com frequência, com um show a parte na citada "Boty", na delicadeza de "Čajovna" e na sutil mas viciante harmonização do violão em "Ztráty A Nálezy". Essas qualidades todas são exaladas com mais ênfase na incansável "Hypertenze", faixa fabulosa, com mais de doze minutos, onde o trio citado dá um show de solos (Stivin agora no saxofone) e com uma condução jazzística para tirar o fôlego. São solos em cima de solos, que não te deixa respirar, e faz pensar por que esse tipo de material não vingou em outras terras. Mais uma fantástica audição, valeu consultor.
Alisson: Proibidos de usar um nome inglês para poder alavancar uma carreira internacional e de cantar algumas letras pelo governo soviético, restou ao The Blue Effect abordar sua sonoridade como uma banda instrumental com foco nas guitarras. Não é a gastação progressiva de sempre. Talvez o "isolamento" da cortina de ferro ajudou a dar identidade ao som dos tchecos, que vê bons laços com o jazz fusion que o que costumeiramente era feito no mesmo período.
Nilo: Efeito Modric é o fenômeno que fez o croata ganhar vários prêmios este ano, após uma temporada nem tão brilhante do meio campista. Por sua vez, o Modry Efekt já foi recomendado nesta seção e, graças a tal pesquisa, pude saber que se trata de um “instrumental por necessidade”. Após ter as letras censuradas, a banda trocou as linhas vocais por fraseados de guitarra (possuem um timbre mais agradável que o do vocalista, aliás). Mas o mais interessante aqui é constatar como a influência do jazz fusion dá dinamismo para o virtuosismo do prog: a técnica dos integrantes trabalha de forma harmônica. A aura adorniana do rock progressivo permanece, então não é um disco que vá converter detratores. Mesmo assim, boa indicação – tanto pela temática quanto pelo conteúdo.


V.S.O.P. The Quintet (1977)
Recomendado por Mairon Machado
Disco de iniciação em minha formação musical, V. S. O. P. é um agregado do melhor da nata jazzística americana nos anos 70. Freddie Hubbard (trompete), Wayne Shorter (saxofone), Herbie Hancock (piano) Tony Williams (bateria) e Ron Carter (baixo), todos (com exceção de Hubbard) egressos da trupe de Miles Davis, uniram-se nesse projeto fantástico chamado V. S. O. P., que lançou 4 álbuns no fim da década de 70, sendo 3 deles ao vivo. Ou seja, dá para se perceber que o forte dos caras é mandar em improvisações e mais improvisações, e é isso o que temos nesse álbum incrível. São 8 faixas magníficas para quem ama jazz, repletas de muito virtuosismo e criatividade, e com destaque especial para um endiabrado Hancock (o que o homem faz em seus solos durante "Darts", "Jessica" e "One of a Kind" é de chorar) e uma locomotiva sem freios chamado Tony Williams, um dos maiores nome das baquetas em todos os tempos, mas ainda hoje pouco conhecido fora do mundo do jazz. Duvidam? Ouçam a potência do rapaz no solo de "Byrdlike", ou ainda, a firmeza e precisão da condução (e do solo) de "Lawra". Ainda temos o pseudo-samba de "Third Plane", a delícia sensual e suave de "Little Waltz" (que belo trabalho de Carter aqui), o fôlego sem fim de Shorter em "Dolores", enfim, musicões. Quando comecei a colecionar discos, esse era um dos primeiros discos da minha lista de compras, e hoje, é uma constante no toca-discos. Espero que meus colegas apreciem essa obra singular do jazz.
Fernando: Esse disco, diferente daquele do Coltrane, já tem bastante melodia e a banda trabalhando como uma banda de fato. Tem os momentos de cada um se destacar e até mais de um ao mesmo tempo em alguns casos, mas dá para ver que o principal foi a composição em si.
Davi: Coloquei esse disco para tocar tem uma semana, mais ou menos, e ainda não acabou. Para falar a verdade, ainda não começou. Primeiro entrou um corneteiro solando sem parar, depois entrou um pianista solando sem parar, quando terminar eu aviso vocês na seção de comentários, mas pelo que estou vendo aqui acho que o lado A só vai acabar no Ano Novo. Ainda não deu para sacar se os caras estão afinando os instrumentos ou se já começou para valer... Em alguns momentos, me lembra o desenho do pica-pau louco, mas o sentimento que fica, até agora, é que a animação faz falta. Na semana da Páscoa, dou meu parecer.
Alisson: Sempre que vejo o termo "supergrupo" sendo aplicado exclusivamente à galera do rock, fico pensando em que adjetivo devo usar para as constelações de talentos que se reuniam vem ou outra para gravar alguns dos vários clássicos do jazz contemporâneo. Herbie Hancock como pianista, Wayne Shorter ao sax, Ron Carter no baixo, Freddie Hubbard no trumpete e Tony Williams, talvez o maior baterista de todos os tempos, reunidos para executar a nata do post-bop da época. As pessoas deviam usar com mais prudência o termo "supergrupo".
Nilo: O estilo gerou excelentes vocalistas, mas não tem jeito. A real mágica do jazz mora no formato instrumental. Os tais supergrupos de rock chegam a ser mesquinharia perto da comunhão que rolava no jazz, com gênios colaborando entre si em ritmo incessante. Este registro ao vivo é um belo exemplo: apesar de não tão inventivo quanto o direcionamento que os músicos tomaram na década (Hancock e Hubbard fizeram clássicos do fusion, Shorter mergulhou no free jazz), mostra que até fazendo o básico dá para se extrair dinâmicas notáveis. Os instrumentistas dialogam entre si, e vale a pena analisar tanto as performances individuais como a química no grupo como um todo. Novamente, cá está um exemplo bem didático. Quem se descreve como FÃ DE MÚSICA™ (praticamente uma entidade mitológica) e diz que jazz é sem nexo deveria parar e repensar na vida.
Ronaldo: Puro luxo. Uma constelação dos mais gabaritados músicos do jazz americano tocando ao vivo um material de altíssima categoria. Uma gema de musicalidade, que parece congelar o tempo, entregando de bandeja sensações maravilhosas para os ouvidos. Interessante notar que todos os envolvidos passaram os 10 anos anteriores a este lançamento buscando expandir as fronteiras do jazz, explorando novas possibilidades. No fim da década de 70 se uniram para gravar este disco, digamos, mais "tradicional", uma espécie de resgate, uma leitura menos cerebral do estilo que os gestou. Não tem nem o que destacar, porque este disco todo é um destaque per se.


Jean Michel Jarre - Rendez-vous (1986)
Recomendado por Fernando Bueno
Quem tem aí seus 40 anos lembra de Jean Michel Jarre. Certamente todos viram aquelas matérias no fantástico e até mesmo assistiram à um especial de fim de ano que foi transmitido pela TV Globo em que a imagem do músico tocando teclados que as teclas mudavam de cores enquanto ele tocava, muitas imagens sendo projetadas em prédios, luzes e cores para todos os lados. E o que dizer do uso dos lasers que não era algo tão normal e que dava um clima futurista na coisa toda. Certamente aqueles que se lembram disso e que não gostam de música instrumental pode ter criado o preconceito de ser uma música cafona e nunca ter nem chegado perto. Rendez-vous talvez não seja unanimidade entre os seus fãs. Provavelmente Oxygene (1976) e Equinoxe (1978) sejam seus melhores discos. Acabei escolhendo esse pois a chance é maior de que um leitor encontre algo mais familiar aos seus ouvidos.
Davi: Trabalho altamente predominado pelo teclado, muitas vezes o instrumento aparece sozinho... Os arranjos buscam um som cósmico. Inclusive, o músico pretendia trazer a primeira gravação realizada no espaço, o que não ocorreu devido à um fatídico acidente. Sacada bacana, diferente, criativa. Musicalmente falando, o álbum hoje soa datado. Em alguns momentos, os arranjos me remetem às trilhas de pornô chanchada, em outras me remetem às trilhas de sessão da tarde, daqueles filmes repletos de jovens bagunceiros com cara de bonzinho. Resumo: audível, mas facilmente ignorável...
Mairon: Cara, esse mundo da música é pequeno. Quem diria que com tantas indicações instrumentais, alguém escolheu exatamente aquela que era a minha primeira opção. Sorte do destino que algo que me fez lembrar do V. S. O. P., e acabei deixando essa grande obra do francês Jean Michel Jarre para depois, mas aqui está ela. Os discos de JMJ são bastante "viajantes". Entrar no seu mundo de sintetizadores, e principalmente, assisti-lo em um palco, é uma aula de entretenimento. Porém, em Rendez-vous, ele apelou para o lado mais sombrio da New Wave e meditativo. O lado A da suíte, que é dividida em seis partes, é bastante profundo, com longos acordes de sintetizadores dominando os quase 16 minutos. Já o lado B abre com "Quatrième Rendez-vous", canção que marcou minha infância, e claramente, me fez virar um fã do francês quando eu tinha meus 4 anos (lembro até hoje de uma apresentação do Fantástico com essa música, e JMJ envolto de lasers, que coisa incrível para um guri que recém saiu das fraldas). Depois, o álbum retorna para climas mais introspectivos e densos, e que fizeram uma galera de gente comprá-lo (mais de 3 milhões para dizer a verdade). Frequente em balaios de sebos mundo a fora, a preço de banana, é uma bela dica de compra para quem curte umas viagens sintetizadas, e foi uma grata audição - novamente - para esse recomenda. Valeu para quem o indicou!!!
Alisson: Um dos expoentes do progressivo eletrônico em um trabalho confortável, revelando todas as características essenciais de seus trabalhos mais consagrados e bem avaliados. As atmosferas futuristas, já abraçados a estética e produções eletrônica oitentista, sustentam um clima envolvente durante grande parte das composições. Uma experiência interessante, mesmo que existam obras até mais impactantes do que essa escolhida.
Nilo: Já conhecia Oxygene (1976) e Equinoxe (1978), que consideraria boas escolhas para a rodada. São álbuns que prezam por paisagens sonoras, mas ainda com apreço pela noção tradicional de canção – para quem trabalha com sonoplastia, trabalhos de cabeceira. Fui ouvir este na boa vontade e confesso que quebrei um pouco a cara. As camadas climáticas de sintetizadores ainda existem, e a vibe cyberpunk da época se faz presente. No entanto, sinto que a aura foi de “sujeito isolado brincando com teclados” para “megaespectáculo de arena synth, com óculos escuros coloridos”. Alguns improvisos soam como exibicionismo, daqueles planejados para “surpreender” o público no meio da canção enquanto o técnico de luz faz piruetas visuais. Não à toa alguns timbres aqui influenciariam a EDM da década seguinte, e inclusive partes de Rendez-vous remetem a nomes como Gigi D’Agostino e esta música aqui. E juro que não falo na maldade!
Ronaldo: Poucas coisas conseguem ser mais datadas do que os sintetizadores polifônicos da década de 80. E Jean Michel Jarre foi um dos pilotos mais habilidosos dessas controversas máquinas. Em Rendez-Vouz ele aborda de forma muito sagaz quase todas as facetas da música eletrônica - as mais contemplativas, as minimalistas, as sinfônicas e as dançantes, com uma assinatura bastante própria. É um disco interessante, bem feito e tendo sempre por pano de fundo, boas composições. "Quatrieme Rendez-Vouz" está intimamente associada aos anos 1980, mas até hoje permanece intacta no imaginário pop.


Vinnie Moore - Mind´s Eye (1987)
Recomendado por Davi Pascale
Quando foi lançado o tema, pensei em indicar o clássico Passion & Warfare do gênio Steve Vai ou ainda o álbum do Joe Satriani com uma pegada meia blues (aquele de capa vermelha lançado na década de 90 – 95, I guess), mas eis que me recordei desse disco que parece ter caído no esquecimento. Esse foi um dos primeiros álbuns instrumentais que comprei e reescutando agora me causou o mesmo sentimento da época. Sim, Vinnie é um shredder, mas utiliza a técnica com muito bom gosto. É impressionante nos recordarmos que esse LP foi gravado em apenas 11 dias e que Vinnie, na época, era um garoto de 21 anos. Na ocasião, ele era muito comparado ao Malmsteen e muitas revistas o acusavam de ser um clone. Maldade!!!! Realmente em muitos momentos vamos nos lembrar do sueco... Afinal, a jogada é a mesma. Misturar música clássica com heavy metal, mas o rapaz sempre teve personalidade. Também é possível pegarmos influências de Al Di Meola fácil, fácil. Como se não bastasse o impressionante trabalho de guitarra daqui, o garoto ainda trouxe para junto dele 3 feras: o baixista Andy West (Dixie Dregs), o monstro Tony MacAlpine nos teclados e o animalesco Tommy Aldridge na bateria. Não tinha como dar errado, né?
Fernando: Foi uma grande surpresa esse disco para mim. É claro que eu conhecia o trabalho do Vinnie Moore no UFO e no Vicious Rumors, mas nunca tinha ouvido um tabalho solo dele. Esperava um som mais setentista e o que ouvi foi algo muito mais para Yngwie Malmsteen do que para Richie Blackmore. Também surpreende a ótima banda que o acompanhou nessa empreitada e sua pouca idade, apenas 21 anos. Pelo jeito tenho trabalho de casa para fazer.
Mairon: Fabulosa estreia de Vinnie Moore em estúdio. O menino aqui já mostra por que era um precoce talento para sua idade. Com apenas 21 anos, Moore já traz uma técnica e um feeling impressionantes, indo na contramão do egocentrismo de Malmsteen, da fritação de Satriani ou dos exageros técnicos de Vai, só para citar alguns. É melodia somada a velocidade e belas composições, e diversas escalas, seja a egípcia em "Daydream", na pentatônica padrão da pesada faixa-título, ou nos hammers de "Lifeforce". Os grandes sucessos ficaram para "In Control" e a ótima "Shadows of Yesterday". A participação dos sintetizadores de Tony MacAlpine, outro talentoso virtuose, dá ainda mais fúria ao álbum, o que fica mais claro durante "N. N. Y." e na pérola “Hero Without Honor“, repleta de referências à música clássica. Até mesmo no violão, Moore exala virtuose, como podemos conferir na linda “Saved by a Miracle” (com um show de bateria por Tommy Aldridge) e na balada "The Journey". Apesar de hoje soar datado com o som dos anos oitenta, Mind’s Eye é um disco perfeito, que ainda intimida nas primeiras audições justamente pela potencialidade do jovem Moore. Não à toa, o LP foi eleito pela revista Guitar World como terceiro melhor álbum de shred guitar em todos os tempos, ficando atrás de Live: Extreme Volume (do grupo Racer X) e de Rising Force (Yngwie Malmsteen), e a frente de potências comoSurfing with the Alien (Joe Satriani) ou Passion and Warfare (Steve Vai)
Alisson: Uma espécie de "Malmsteen" norte-americano, em resumo. Pra não dizer que estou sendo injusto, esse aqui possui menos referências incisivas de música clássica e aposta mais acertivamente em passagens de hard rock. Mas a impressão é a mesma, a de música pra video aula de guitarra.
Nilo: Absorver de fato a música erudita é tarefa árdua, mas a turma do metal neoclássico não ajudou em nada suprimindo as longas sinfonias em canções de quatro, cinco minutos. Moore preza pela veia melódica da canção, mas opta por preencher espaços curtos com tanto sweep que tais trechos... perdem toda melodia. Sua banda de apoio também segue a cartilha do típico metal oitentista, clima épico com aquela produção reverberada e os famigerados TECLADÕES. Pra quem gosta de composições “tudo em seu devido lugar”, especialmente guitarristas, cá está um prato cheio. De minha parte, não entendi muito o apelo do sujeito perto de nomes como Yngwie Malmsteen (fica aí a pergunta para quem indicou, na humildade) e sigo preferindo músicos que usem da técnica aprimorada para romper com regras, e não jogar dentro do limite destas.
Ronaldo: Bululu, bululu, bululu. O mesmo timbre de guitarra em todas as músicas e os mesmos trejeitos de velocismo guitarrístico em todas elas. As bases das músicas são até boas, e caso fossem cantadas poderiam render boas faixas de hard/heavy metal. No fim das contas, a audição é cansativa pois falta criatividade e sobra auto-indulgência neste álbum.


Kiko Loureiro - Sounds of Innocence (2012)
Recomendado por Adrian Dragassakis
Nota do editor: Não temos o comentário do Adrian para o Disco.
Fernando: Sou fã do Angra, mas nunca tive vontade de ouvir um disco solo do Kiko Loureiro. Sei que a técnica do cara é absurda, mas tinha medo de encontrar apenas malabarismo musical. Muito riffs são bastante na linha do que ele faria para sua ex-banda. Em alguns momentos parece que esperamos a entrada de uma voz cantando em notas lá em cima. Porém ele varia bastante dentro de uma mesma música. Durante a audição fiquei me perguntando se não foi um pouco de comodismo ele usar timbres muito próximos aos das guitarras do Angra. Isso joga a favor da identidade musical, mas vai contra a ideia de “tentar novos caminhos musicais” que é o que se espera de um disco solo de um artista. No todo passou longe de desagradar, mas é algo que dificilmente eu ouvirei novamente.
Davi: Em seu quarto disco solo, o menino Kiko demonstra mais uma vez sua imensa habilidade nas 6 cordas. Em uma perfeita mistura de heavy metal, jazz, fusion e música brasileira, o rapaz comprova sua excelência. Para mim, ele e o Edu Ardanuy são os 2 melhores guitarristas do Brasil na atualidade. Como o menino é ‘chique no urtimo’, ele gravou o disco fora do Brasil e trouxe músicos do calibre de Virgil Donati, Doug Wimbish, além de seu velho parceiro Felipe Andreoli para acompanha-lo. Disco foda!!! Técnico, melódico, criativo, cativante... Essa foi a melhor indicação da lista. Faixas de destaque: “Gray Stone Gateway”, “Reflective”, “Ray of Life”, “Mãe D´Água” e “Twisted Horizon”.
Mairon: Discos de guitarristas virtuosos dificilmente me atraem. Exceções surgem, mas no geral, acho bastante cansativo ouvir um disco instrumental de guitarrista fritador, ainda mais quando acompanhado de músicos igualmente virtuosos. É o caso aqui. Não é que Sounds of Innocence seja um disco ruim. Pelo contrário, acho até que o Kiko mostra bem as qualidades que o levaram a dividir as seis cordas com o Dave Mustaine, mas cara, falta uma certa "preliminar" para eu poder me aquecer com esse tipo de som. Até que a coisa começa muito bem com a bela vinheta ao violão de "Awakening Prelude", mas quando começam as músicas mesclando solos de guitarra e teclados com escalas na velocidade da luz, fico bem perdido e sem tesão. Pior ainda, parece uma versão amadora e limitada de discos do Steve Vai, vide "Gray Stone Gateway", "The Hymn" ou "Twisted Horizon". Admito que o batera Virgil Donato me surpreendeu positivamente, mas no mais, destaco a bela "A Perfect Rhyme", com boa participação de piano, e as influências brazucas no ritmo percussivo de "El Guajiro" e na ginga de capoeira de "Mãe d'água", algo que Kiko já usava com sabedoria e diferencial no Angra. Indicado para apreciadores do estilo, e só.
Alisson: Esse disco tem seu público cativo muito claro, que são os aprendizes e profissionais de guitarra e frequentadores de workshop. Não me fugiu a impressão de que o disco tem mais cara de portfólio do que um esforço artístico maior. Nada econômico ao mostrar seu talento, Kiko Loureiro apenas usa as variações de andamentos e alguns enxertos de música tradicional brasileira para demonstrar o quão técnico é. Nada parece natural e a banda de apoio é apenas coadjuvante para que o malabarismo corra solto. Para quem gosta apenas de skills, será uma experiência quase orgásmica.
Nilo: De inocência isso não tem nada. Goste ou não dele, Kiko é um profissional da música e sabe distinguir o que vale a pena mostrar em workshops e o que incrementa composições. O que poderia ser um desfile de fritações se revela um álbum coeso, com voicings de guitarra prevalecendo sobre solos pra impressionar garotada. Sounds of Innocence inclusive não se distancia muito do universo do Angra (até os ritmos regionais dão as caras), e algumas canções até poderiam ter sido usadas em sua banda principal. A pior parte aqui é mesmo a capa, no estilo digital já enjoado do Gustavo Sazes.
Ronaldo: Este disco contém ótimas ideias e todo o virtuosismo e inteligência musical de Kiko Loureiro. Contudo, o que ele tem de melhor é tudo o que não fica envolto na grande farofa que é o power-metal. Os arranjos de bateria destroem todas as qualidades das músicas, além de soar exatamente igual a bateria de outras centenas de bateristas do mesmo estilo. Há bateria demais, baixo e teclado de menos, a despeito do natural protagonismo da guitarra. "Conflicted" e "The Hymn" tem ótimas introduções, por exemplo e "Mãe d'Água" é uma boa fusão com a música brasileira. "Twisted Horizon" é um belo tema destruído por um aranjo equivocado e exibicionista e "A Perfect Rhyme" mostra um pouco do que Kiko Loureiro é capaz de fazer de bom fora do estilo.

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