Lançado em 2012, A Autobiografia de Pete Townshend é uma das grandes obras referentes ao músico do The Who, um dos mais brilhantes e geniais de seu tempo, e que está completando 78 anos nesse 19 de maio. Temos uma aula de como contar sua vida sem remorsos ou escondendo algo. Ao longo de três atos, compostos no total de 32 capítulos, Pete nos conta sobre diversas curiosidades, novidades, e não foge das polêmicas, e principalmente, mostra sem ressentimentos qual a sua postura e posição sobre o The Who, afirmando que ele era a alma criativa da banda, mas quem mandava mesmo era Roger Daltrey.
No primeiro ato, chamado Música de Guerra, Pete conta as memórias de sua infância, como aprendeu a tocar, a formação do The Detours, mundo para The Who, até chegar na explosão de Tommy (1969), reconhecidamente o álbum mais importante dos ingleses. Do ponto de vista pessoal, ele narra sobre o difícil relacionamento entre seus pais (o pai músico, a mãe uma bêbada inverterada), os complicados dias ao lado da avó materna, uma pessoa com problemas diversos, as primeiras experiências com música, inicialmente tocando gaita, até chegar a guitarra e montar sua primeira banda aos 12 anos, conhecendo John Entwistle pouco tempo depois. Pete revela que detestava Elvis, mas amava Pink Floyd, conta com detalhes sua entrada no The Detours, ganhando a vaga por saber tocar "Man of Mistery" do The Shadows, e claro, suas primeiras relações sexuais também são narradas, já entrando para a Escola de arte, um momento importante na formação de Pete. O The Who vem em 1964, e na dificuldade de encontrar um baterista (até Mitch Mitchell fez teste para a banda), eis que surge Keith Moon. A admiração de Pete pelo estilo de tocar de Entwistle aparece ao mesmo tempo que surgem as primeiras composições emblemáticas da banda, no caso "I Can't Explain", "My Generation", "Substitute" e "I'm a Boy". É o Who fazendo sucesso na Europa, apresentando-se pela Escandinávia, e chegando aos Estados Unidos.
Vem então a apresentação do Monterey de 1967, com o famoso duelo entre ele e Hendrix, com ele confessando que sempre se achou abaixo de Hendrix, o famoso incidente no Holliday Inn, onde Keith Moon jogou uma limousine na piscina do hotel durante o seu aniversário de 21 anos, o momento em que se torna um seguidor de Meher Baba, e claro, muitos detalhes da criação de Tommy, chegando então ao show de Woodstock, que Pete acha não ser tão sido tão bom quanto se fala, e as gravações que levaram a Live at Leeds, com Pete lamentando ter pedido a queima de diversas gravações feitas naquela turnê simplesmente por não ter gostado das mesmas, algo que no livro ele reconhece como sendo uma atitude infantil e egoísta.
Este ato 1 do livro é muito interessante, e o mais longo dos atos, com 160 páginas. Ele nos mostra como a formação pessoal de uma criança e um adolescente acaba refletindo e muito na sua vida. Pete não era uma criança das mais felizes e em uma família estável, e sofreu alguns problemas com outros meninos de sua idade, principalmente na escola, mas nada disso se comparara a dramática vida do pequeno Pete ao ir morar com a avó Denny aos seis anos, principalmente por sofrer assédio moral e sexual, o que impactou no seu tardio relacionamento com meninas, e que é o único momento em que Pete trata com bastante cuidado, sem se aprofundar em detalhes. Outro fato que me chamou muita atenção é como o pessoal do Who, Stones, Kinks, Hendrix e Yardbirds eram próximos e amigos, e como a relação com os Beatles era bastante distante.
O ato 2, intitulado "Um Homem Muito Desesperado", cobre o período dos anos 70 e 80. Ele traz o artista envolvido em drogas, bebidas, casos amorosos, problemas em casa e muito afim de largar o The Who, além das criações de obras atemporais como Who's Next e Quadrophenia (ele passou um dia na beira do mar gravando os sons que estão no álbum), bem como o fracasso de Lifehouse (projeto que acabou abortado pela banda). Dos shows, Pete traz detalhes de sua prisão nos Estados Unidos, por ter agredido um policial durante um show no Fillmore East, compartilha as dificuldades que Keith Moon passou a ter em tocar nas apresentações, e também nos estúdios, como ficou surdo do ouvido esquerdo durante uma apresentação em Nova Iorque em 1976, e narra com emoção a apresentação de Tommy no Berkeley Community de 1969. A ajuda para Clapton livrar-se das drogas também é narrada sem deixar nada escondido, assim como os complexos momentos junto a um doente Ronnie Lane, com quem gravou o álbum Rough Mix (1976).
Pessoalmente, Pete conta sua longa batalha contra o álcool, e mostra um grande arrependimento por demorar muito tempo a parar com a bebida, e como isso influenciou muito no seu relacionamento com a esposa e filhas e conta que para ele a perda de Moon não foi tão impactante, mas isso abalou Daltrey de uma forma que o Who não conseguiria mais seguir, mesmo com Kenney Jones na bateria. As brigas só aumentaram, levando então a Pete desistir de seguir com a banda, já em 1982. Por fim, Pete encontra-se como editor da Faber, um papel que foi muito importante inclusive para a conclusão da obra aqui apresentada. É um ato bem mais pessoal, que revela ao fã como fama e sucesso não são conquistados sem muitas coisas que são perdidas.
No terceiro e último ato, Tocando Para os Deuses, ele já abre narrando um acidente de bicicleta que quase o impediu de tocar guitarra, já nos anos 90, e começa a investir bastante em sua carreira solo, principalmente na obra Iron Man e no projeto Psychoderelict, discos solo que são comparados a grandes discos do The Who. A separação da esposa Karen, e seu novo casamento com a musicista Rachel Fuller estão apresentados, deixando como curiosidade que Karen não está citada no final do texto. O momento tenso de "quase" prisão por pornografia infantil também é contado mostrando uma riqueza de detalhes, e sem se deixar intimidar por algo tão difícil e polêmico como este assunto. A perda de Entwistle choca a Pete, e também certamente é mais um momento de grande emoção para o leitor, e por fim, o retorno com o The Who ao lado de Daltrey só mostra o quanto essa dupla é fundamental para a história da música.
O livro ainda traz como apêndice uma carta enviada por uma fã para Pete em 1967, e que ele nunca havia aberto, Coda, Agradecimentos, Posfácio, Fotos e Índice Remissivo. Apesar das 488 páginas, o livro é de uma fácil leitura, com capítulos curtos, e bastante envolvente. Pete parece um vovô sentado na poltrona contando sua história para os netos e amiguinhos, e o leitor certamente sente-se muito confortável ao passar pelo livro. Claro, isso também é méritos de um artista que também é escritor em sua carreira, e que despede-se dizendo "não quero romantizar a mim mesmo ou minha vida, quero fazer exatamente o contrário ... Espero que vocês tenham gostado deste livro". Sim Pete, gostei muito. Recomendadíssimo, e mais, obrigatória a leitura desta Autobiografia para todos os fãs do The Who ou de música em geral.
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