sábado, 22 de junho de 2024

Ouve Isso Aqui: Casais

                                       


Tema escolhido por Mairon Machado

Com Andre Kaminski, Anderson Godinho, Davi Pascale e Marcello Zappelini


Sei que esse tema já rolou por aqui em um Consultoria Recomenda, mas aproveitando o mês dos namorados, quis trazer algumas obras que ficaram de fora daquele Recomenda, e que acho que merecem uma atenção dos meus colegas. Vamos às pedras! (Mairon)
Ike & Tina Turner – Come Together [1970]

Mairon: Disco de total mudança na carreira do casal Ike & Tina Turner. Lançado em abril de 1970, traz uma guinada forte na direção musical do casal, influenciados por sua turnê abrindo para o Stones (inclusive participando do conturbado Concerto de Altamont, como filmado em Gimme Shelter). Se seus discos anteriores eram caracterizados por uma potência sonora avassaladora, aqui o que prevalece é a voz soberana de Tina sobre os arranjos e criações de Ike. Daí temos soul com vocalizações gospel (a cargo das Iketttes) em “Keep On Walkin’ (Don’t Look Back)”, “Why Can’t We Be Happy”, “Unlucky Creature”, rock suave em “Too Much Woman (For a Henpecked Man)”, e as embaladas “Contact High”, “It Ain’t Right (Lovin’ to Be Lovin’)” e “Young And Dumb”. Além disso, a provocante “Doin’ It” é um encerramento excitante para um álbum fabuloso, cujos grandes destaques vão para as versões de canções surgidas havia pouco tempo. No caso, a ótima faixa-título (que os Beatles tinham lançado em outubro do ano anterior), que como diz meu irmão Micael, todas as músicas dos Beatles ficam melhores em suas versões por outros artistas, “Honky Tonk Women” (que os Stones lançaram um pouco antes, em julho), muito fiel ao original, apenas com adaptações na letra para que a personagem central seja a própria narradora, “Evil Man”, com um belo naipe de metais, sendo outra que teve alterações na letra, já que essa é a mundialmente conhecida “Evil Woman (Don’t Play Your Games With Me)”, que o Black Sabbath imortalizou no seu álbum de estreia de 13 de fevereiro de 1970 (dois meses antes desse), e que o Crow tinha lançado originalmente em agosto de 69, e a espetacular “I Want to Take You Higher”, a mais “velhinha” das três, que o Sly and the Family Stone tinha colocado no mundo em abril de 69, e que aqui está totalmente fiel ao original, inclusive com o naipe de metais e os “boom-shaka-laka-laka-boom” dos vocais. Para perder o preconceito e conhecer uma das grandes duplas da história da música.

Anderson: Uma regravação muito forte e que traz o clássico dos Beatles para a praia do Soul e o R&B. A versão ficou muito energética e animada na voz da maravilhosa Tina Turner. Interessante, também, ficaram os arranjos e a guitarra funkeada de Ike em várias músicas como na ótima versão de “Too Much Woman”. Outro destaque, agora pela interpretação de Tina, é “Unlucky Creature” que conta com uma dramaticidade intensa enquanto a música em si faz uma ambientação para a atuação da artista. Destacaria também a intensidade da versão de “Honky Tonk Women” e a animação de “Contact High”. Por outro lado, esperava um pouco mais da versão do clássico “Come Together”, a versão é bem fiel à original, mas, uma vez que a proposta da reinterpretação ocorreu poderiam ter sido mais inventivos na proposta. Talvez o receio de mexer em um clássico tenha pesado. Por fim, gostei muito da versão de “Don’t it” que fecha o material muito bem. Com certeza é um material especial que merece a lembrança.

André: É um disco um tanto dolorido de ouvir em se tratando de contexto pelo fato de Tina ter sofrido horrores na mão de Ike Turner. É necessário “desligar a chavinha mental do contexto ruim entre eles” para apreciar uma dupla que fazia rocks com uma qualidade estupenda. Os covers também ficaram ótimos. Gosto mais dessa Tina Turner mais blues do que a pop dos anos 80 e 90. Ike também é um grande compositor e guitarrista. Um disco sem erros e excelente.

Davi: Todos conhecem a história conturbada do casal Ike e Tina Turner. Sendo assim, não é preciso dizer que Ike não era a melhor pessoa do mundo. É por essas e outras que precisamos separar a pessoa do artista. Afinal, não há como negar seu talento enquanto compositor e esse disco é uma prova disso. Misturando soul e rock, o LP mistura composições próprias com regravações e brilha tanto com a voz do furacão Tina Turner, quanto na qualidade do repertório. Entre os covers, a maior curiosidade fica por conta de “Evil Man”, originalmente lançada com o nome de “Evil Woman” pelo Crow (sim, aquela mesma que o Black Sabbath regravou), que ganha um singelo naipe de metais. A versão de “Come Together” não traz muitas novidades e a gravação não tem a mesma magia que tem a do fab four. Tem uma história de que certa vez, Ike Turner apontou uma arma para que Keith Richards demonstrasse como havia tocado na gravação de “Honky Tonk Women”. A faixa aparece aqui e dá para ver que ele foi muito bom aluno, só que assim como acontece com a versão dos Beatles, a música não chega nem perto da versão gravada pela trupe de Jagger e Richards. Entre as composições próprias, minhas preferidas estão no lado A: “Too Much Woman”, “Unlucky Creature” e “Young and Dumb”. Para a garotada que estiver lendo esse texto: ouça esse LP prestando atenção no (fabuloso) trabalho vocal de Tina e repare que muitos dos maneirismos vocais que Joss Stone faz hoje, já apareciam aqui. Será mera coincidência?

Marcello: O casal mais disfuncional dessa lista, como ficou provado pela autobiografia de Tina. Entretanto, musicalmente falando, como se davam bem! O talento inacreditável de Tina, aliado à guitarra, aos arranjos e produção de Ike Turner, gerou muitas coisas boas ao longo dos anos, e este Come Together não é exceção. O duo (que participara com B. B. King da turnê dos Stones em 1969) tinha começado a se distanciar um pouco do soul e rhythm & blues, gravando material mais rock, como atestam “Honky Tonk Women”, a faixa-título e “Evil Man”, que as pessoas conhecem da versão do Black Sabbath baseada no original do Crow (e, aliás, a versão dos Turner é mais parecida com a do Sabbath do que com a original), “Evil Woman”. Há ainda uma versão para “I Want to Take You Higher”, do Sly & The Family Stone, em que as Ikettes têm cada uma sua chance de brilhar e as outras oito músicas são de Ike. Dentre estas, os destaques vão para “It Ain’t Right (Lovin’ to be Lovin’)”, “Too Much Woman (For a Henpecked Man)” – conta outra, Ike: você quer que a gente acredite que era dominado pela Tina? – e “Keep on Walkin’ (Don’t Look Back)”. Apesar de tentarem conquistar o público mais rocker, Ike & Tina Turner não foram muito bem-sucedidos na empreitada, pois o álbum só chegou ao 130º lugar na parada geral da Billboard – ainda que tenha sido 13º na de soul. Mas o álbum seguinte, Workin’ Together, trouxe a enérgica versão de “Proud Mary”, que ganhou um Grammy e levou o LP ao 25º lugar na parada geral da Billboard.


Paul Kantner & Grace Slick – Sunfighter [1971]

Mairon: Esse disco foi o que me baseou para este Ouve Isso Aqui. De imediato, o tema que pensei seria “Somos Nós, Mas Com Outro Nome”, só que o fato de ser o mês de junho me remeteu aos casais e como não são todas as músicas que os parceiros do casal Kantner / Slick participam (a saber Spencer Dryden e Joey Covington na bateria, Jorma Kaunonen nas guitarras, Jack Casady no baixo e Papa John Creach no violino), Sunfighter entrou de qualquer jeito. Os pombinhos haviam acabado de parir a pequena China Wing Kantner, que teve uma linda canção em sua homenagem, levada pelo piano e os vocais dramáticos da mamãe, após pouco mais de 1 ano de relacionamento (lembrando que Grace já tinha tido um affair com o Dryden), e lançou esse álbum sensacional tendo além dos colegas da Jefferson Airplane uma série de convidados, que passam por Jerry Garcia, Graham Nash, David Crosby, entre outros, como o novato guitarrista Craig Chaquico (que veio a fazer parte da Jefferson Starship anos depois), mandando ver na pesada “Earth Mother”. O disco já abre com a pancadaria comendo solta em “Silver Spoon”, tratando sobre veganismo (algo incomum para a época) com destaque para o peso do baixo de Casady, o insinuante violino de Papa e os vocais hipnóticos e gritados de Slick, paulada que mostra o que o Jefferson Airplane estava fazendo desde Volunteers, e que se estende até o derradeiro Long John Silver. Esse estilo se mantém na espetacular faixa-título, dedicada ao ex-parceiro de Airplane, Marty Balin, com o casal dividindo os vocais como nos bons tempos de “Volunteers” e “We Can Be Together”, na alucinógena “Million”, onde Jerry Garcia abrilhanta na guitarra junto do piano de Slick, e também na longa “Holding Together”, outra a contar com a marcante guitarra de Garcia. Crosby e Graham são peças centrais na ótima “Look at the Wood” e na linda demais “When I Was a Boy I Watched the Wolves”, com uma introdução acústica incrível e variações muito interessantes, e ambas com uma excelente harmonia vocal. E tente não se assustar com a recriação do que seria o Titanic afundando em “Titanic”, ou com o enigmático piano de “Universal Copernican Mumbles”, acompanhado de barulhos muito soturnos e um vocal ainda mais tétrico por Kantner. Assombroso em um disco assombrosamente ótimo!

Anderson: Não poderia faltar algo psicodélico pra valer e cá estamos. O álbum possui uma atmosfera criada tanto pelos vocais de Grace quanto pela instrumentação que vai de pianos/teclados, distorções de guitarra que achei um tanto excêntricas, violões e diferentes influencias como folk ou jazz em algumas passagens. As músicas não são, no geral, muito extensas mas demandam parar para absorver tudo que está acontecendo, vale o tempo disposto nesse trabalho. Quem curte um som intenso e complexo vai gostar. Particularmente me atraíram a primeira música: “Silver Spoon” com seus quase seis minutos (minha melhor experiência), curiosamente a, também extensa, “When I was a Boy I Watched the Wolves” me agradou bastante. No geral, não me agradou como os demais trabalhos da lista, me falte mais coisas dessa época na cabeça para poder contextualizar melhor o material. Assim de bate pronto, não me chamou muita atenção.

André: A riqueza instrumental é grande, há caras fodas como David Crosby e Graham Nash tocando, mas o casalzinho do Airplane não andava muito inspirado por aqui. Sinto falta de composições mais marcantes como faziam no Jefferson Airplane (e mesmo no Jefferson Starship) que aqui parecem mais sobras e lados B de ambas as bandas, mas com o acréscimo de mais instrumentos. A que eu gosto mais é a faixa título “Sunfighter”, com o restante bem abaixo do que todo esse time de músicos já produziu na vida. Não é um disco ruim, mas um menor na discografia particular do casal (que juntos, pelo que eu saiba só lançaram este mesmo).

Davi: Esse álbum é basicamente um trabalho solo de Paul Kantner com a participação de Grace Slick. Na maior parte das músicas, a voz dela fica em segundo plano, o que realmente é uma pena já que eu gosto muito mais da voz dela do que da dele. O disco captura bem aquela sonoridade San Franciso, com violões folk e arranjos sutis, e impressiona pelo time de convidados que contou, com nomes de peso como Graham Nash, David Crosby e Jerry Garcia. O disco é bom e deve agradar aos fãs de Jefferson Airplane. Contudo, para mim, o grande destaque é mesmo a faixa de abertura onde temos Grace Slick comandando a música que fez para provocar seus vizinhos vegetarianos que queriam doutriná-la. A letra era tão forte que muitas pessoas pensavam (e ainda pensam) que era uma ode ao canibalismo. Interessante…

Marcello: Grace Slick e Paul Kantner iniciaram um relacionamento ainda nos anos 60, quando ela ainda estava casada com o primeiro marido (Jerry Slick) e tivera um caso com o segundo baterista do Jefferson Airplane, Spencer Dryden Os dois tiveram uma filha, China Wing Kantner (que nome mais era de Aquário!), que aparece na capa. Paul já gravara um disco com ela e os amigos da cena de San Francisco antes, “Blows Against the Empire”, e convidou a turma toda novamente neste álbum (Jack Casady, Jorma Kaukonen, Papa John Creach, Spencer Dryden e Joey Covington, do Jefferson Airplane; Jerry Garcia, do Grateful Dead; David Crosby e Graham Nash; o futuro guitarrista do Jefferson Starship, Craig Chaquico; e mais um monte de gente), que abre com a voz poderosa de Grace na excelente “Silver Spoon”. Kantner assume o vocal solo em “Diana Part 1” e “Sunfighter” (que traz Steven Schuster e parte da turma do Tower of Power nos sopros). “When I Was a Boy I Watched the Wolves” e “Earth Mother” são ótimas músicas que não fariam feio num álbum do Airplane. “Million” traz Jerry Garcia para formar uma espécie de Grateful Airplane em outro destaque do disco. Em “China”, Grace mais uma vez assume o vocal solo e homenageia a bebê do casal. “Universal Copernican Mumbles” é levada nos teclados, numa música diferente das demais, mas não menos interessante. A música mais longa do LP, “Holding Together”, encerra o álbum com brilho. Grace e Paul ainda colaborariam no álbum “Baron von Tollbooth & The Chrome Nun”, com David Freiberg e outros colegas de San Francisco, e, por anos, no Jefferson Starship. O relacionamento entre os dois durou até 1975, e Grace casou-se novamente no ano seguinte; quando Paul trouxe o Jefferson Starship de volta, ela colaboraria com o ex-companheiro, mas desde o início dos anos 90 ela se mantém afastada da música. Kantner, infelizmente, morreu em 2021.


Wings – Venus and Mars [1975]


Mairon: O casal Paul e Linda McCartney formaram o Wings, tendo como álbum cultuado Band on The Run. Porém, penso que é em Venus And Mars que Linda conseguiu mostrar algum talento para estar ao lado de um gigante musical como Paul. A técnica da garota era ínfima, mas pelo menos aqui ela aprendeu a ser “um pouco” mais instrumentista e fazer música. Os seus acordes no sintetizador na faixa-título já são uma pequena demonstração disso. Ela traz intervenções precisas do sintetizador em faixas como “Love Song”, “Medicine Jar”, e principalmente, além dos sintetizadores, nos vocais de apoio em “Magneto and Titanium Man”. Sua contribuição nos teclados e vocais de “Listen to What the Man Said” dão um charme a mais para essa boa faixa. Curto bastante o clima alegre de “Rock Show”, que também tem um sintetizadorzinho interessante ao seu final, o rock lisérgico de “Spirits of Ancient Egypt”, cantada por Denny Laine, e também com boa participação de vocais e sintetizadores por Linda, e a delicadeza de “Treat Her Gently – Lonely Old People”, que fecha muito bem esse belo disco. E para os fãs xiitas dos Fab-4, divirtam-se com “Call Me Back Again”, “Letting Go” e “You Gave Me The Answer”. Comentar sobre o trabalho de Paul aqui é desnecessário, já que nos anos 70, o cara ainda estava em alta criativamente. Joguem as pedras, mas para mim esse é o melhor disco da carreira de Paul, inclusive junto aos Beatles.

Anderson: Os anos 70 são incríveis, sempre me surpreendo com a qualidade e diversidade de coisas. Não conhecia o Wings que, liderado pelo Paul McCartney, faz um som Rock and Roll, com uma sonoridade pop em vários momentos. Talvez, pudesse enquadrar alguma coisa de soul, mas muito sutil no meu entender. O material começa fervendo com a ótima intro “Venus and Mars” casada com “Rock Show”, pegada que aparece em “Medicine Jar” só que aqui de modo mais pesado. Dentre outros destaques coloco “Magneto and Titanium Man”, música dinâmica, criativa e animada que me lembrou, por algum motivo, o que Queen faria posteriormente. Já “Letting Go” me chamou a atenção pela mescla de instrumentos que apontam um tanto para o soul, só que mais lento, algo que é presente nos Rolling Stones. Teclado, metais, guitarras na medida certa. Pra não me estender, poderia falar das baladas do álbum mas vou destacar a ótima “Call me Back Again” que me lembrou o Joe Cocker pela estrutura ascendente da música. Recomendadíssimo esse disco!

André: Confesso, nunca fui lá grande fã nem do McCarta solo e nem do Wings. Fui escutar esse disco sem nenhuma expectativa e me surpreendi positivamente com o que ouvi. Entre os besouros, o meu favorito ainda é o Harrison e sim, gosto mais do Ringo solo do que do Mac. Mas ele subiu alguns degraus no meu conceito apresentando uma sonoridade rica e classuda, diferente daquela coisa mais juvenil dos Beatles (que gosto tanto). Linda aparece legal aqui com seus backing vocals e colaborando nas composições e instrumentais. Me animei a ir atrás de outros discos do baixista canhoto, devo ter escutado os álbuns errados.

Davi: Paul McCartney é sobrenatural. Depois de ter feito parte dos Beatles (uma das maiores bandas da história do rock), ele criou mais um grupo de primeiríssima linha: os Wings. Venus and Mars é o quarto registro do grupo e mais um grande trabalho com a assinatura de Macca. O disco, que traz composições de Paul McCartney e sua esposa, a sua ‘gatchinha’ Linda (como ele gostava de dizer em suas passagens pelos Brasil), tinha a tarefa ingrata de suceder o brilhante Band On The Run. E não é que eles conseguiram entregar um trabalho à altura? O álbum é bem variado e demonstra muitas das facetas de Paul. O lado A, iniciando com “Venus and Mars/Rockshow” e encerrando com “Letting Go”, é simplesmente perfeito. Nenhuma música descartável. No lado B, temos como destaques; o blues “Call Me Back Again”, o single “Listen What The Man Said”, além de “Treat Her Gently – Lonely Old People”. Um dos grandes álbuns do sir Paul McCartney e o melhor dessa lista, sem sombra de dúvidas.

Marcello: Paul & Linda McCartney, mais Denny Laine, Jimmy McCulloch e Joe English (em algumas músicas, Geoff Britton): Wings em 1975, perto do auge da popularidade, e tentando ser uma banda de verdade, não um veículo para Paul. Quando recebi a lista, pensei comigo: por que esse disco e não Ram, creditado ao casal? De minha parte, nada contra: gosto muito de Ram, mas Venus & Mars sempre esteve perto do topo na minha lista do melhor que Macca fez em toda a sua vida. As músicas são creditadas a Paul e Linda (mas, honestamente, não sei o que Linda efetivamente contribuiu), à exceção de “Medicine Jar” (de McCulloch e Colin Allen; o guitarrista se encarregou do vocal principal) e “Crossroads Theme”, vinheta que encerra o disco, de autoria de um certo Tony Hatch. Os dois lados do álbum começam com a linda faixa-título, forte candidata ao posto de minha balada favorita de Paul. “Rock Show” é uma das músicas mais roqueiras de Paul, e daria nome ao filme que documentou a turnê mundial de 1976 do Wings. “Call Me Back Again” e “Letting Go” são mais bluesy, algo não muito comum na obra de Macca, “Listen to What the Man Said” e “Magneto and Titanium Man” são aqueles rocks descompromissados típicos dos anos 70 (a segunda, uma música ótima para uma letra ridícula), e ainda tem a curiosa “Spirits of Ancient Egypt” (com vocal de Denny Laine), a bela “Love in Song” e a linda “Treat Her Gently – Lonely Old People” – espere sentir o peso da idade para ver se você não se emociona com ela. Vou me estender nessa que é minha música favorita do disco; a balada mistura uma declaração de amor ao reconhecimento de que a velhice traz o fantasma da solidão. O truque genial foi seguir a música com o tema da mais popular soap opera da época na Inglaterra, “Crossroads”: Macca imaginou um casal de idosos assistindo à novela na TV. Ainda que inferior ao excelente Band on the Run, Venus & Mars prova que Macca poderia ter sido o melhor dos quatro na carreira solo – se tivesse tido saco para tentar provar isso. Confesso que quando soube da morte de Linda, achei que Paul não se recuperaria – mas ele continua ativo e excursionando.


ABBA – The Album [1977]

Mairon: Todo mundo sabe que o ABBA era constituído não por um, mas por dois casais. O que poucos sabem é que The Album é o último de Bjorn Ulvaeus e Agnetha Faltskog (o outro casal era Benny Anderson e Anni-Frid Lyngstad) juntos. As consequências para a separação de Bjorn e Agnetha, após quase 8 anos juntos (6 como casados), são diversas. A insegurança familiar de Agnetha, os excessos de viagens, e também, o fato de Bjorn e Benny buscarem sempre uma perfeição tanto para fãs quanto para a imprensa. Aqui, a dupla alfa tentou calar a boca de muitos críticos, que em pleno 1977, com o nascimento do punk, alegavam que os suecos não eram capazes de compôr “música séria”. Foi com essa expressão em mente que nasceu obras-primas como a progressiva “Eagle”, que ganhou anos depois, entre outras, uma pesada versão feita por Sargant Fury, além do grupo punk Leatherface recriá-la de forma muito interessante, o rockaço “Hole In Your Soul”, que me remete muito ao que Styx faria anos depois, e claro, a suíte “The Girl With The Golden Hair”. Dividida em três partes (originalmente, a suíte era composta por quatro partes, apresentadas somente ao vivo, e que podiam superar facilmente os 25 minutos), é “inspirada” nas carreiras de Agnetha e Frida (o que teria sido mais um motivo para a separação do casal), e teve sua primeira parte como um dos grandes sucessos do grupo, a delicada “Thank You For The Music”. Porém, são nas outras duas partes que vejo os méritos dessa suíte. Afinal, o que Frida faz com a voz em “I Wonder (Departure)” é embasbacante, mas nada, nada supera a violência progressiva musical que Benny e Bjorn construíram para “I’m a Marionette”. É indescritível, só colocar as caixas de som no talo e admirar o solo de guitarra, as orquestrações e a harmonia vocal perfeita das meninas aqui. Uma pena a banda não ter registrado em estúdio “Get On The Carousel” (a quarta parte citada), que concluía a história muito bem, o que não impede do encerramento com “I’m A Marionette” ter sido no mínimo brilhante. Aos que já estão torcendo o nariz, saibam que nada mais nada menos que o Ghost fez uma versão para essa faixa, e ao meu ver, bem menos assustadora do que a original. Seguindo, naquilo que o ABBA era exclusivo em fazer, que era pop de melhor qualidade, nasceu a atemporal “Take a Chance On Me”, com sua inesquecível harmonia vocal de introdução, e as passagens de sintetizadores permeando as vozes de Agnetha e Frida. Se “I’m A Marionette” foi coverizada pelo Ghost, saiba que “Move On”, linda faixa com inspirações andina, teve uma versão feita por Rob Rock (que também regravou “Eagle”) com Tobias Sammet nos vocais (!). Um dia irão dar valor as baladas do ABBA como fazem com Fleetwood Mac por exemplo, já que o arranjo de “One Man, One Woman”, que já traz em sua letra indicios de que a coisa não estava bem entre Agnetha (voz principal) e Bjorn, ou então a suave soul de “The Name of the Game”, com seu complexo e fantástico arranjo vocal inspirado nos Beach Boys, mas que aqui é feito com um trabalho hercúleo de encaixe de vozes impossível de se reproduzir, e que como o próprio Bjorn atestou, somente Agnetha e Frida seriam capazes de fazer. Não é o melhor disco da banda, o que atribuo ao seguinte, Voulez-Vous, papo para um Recomenda ou Ouve Isso Aqui Discos de Separação, mas The Album é um disco a ser descoberto!

Anderson: Os suecos do ABBA são uma grande unanimidade dentre a geração Boomer e entre muitos dos Mileniuns, fato. Particularmente meu conhecimento não passa dos clássicos ouvidos pelos meus pais. Ao ouvir (pela primeira vez diga-se de passagem) um material completo da banda ficou um sentimento ambíguo de que realmente não é a sonoridade que me cativa, mas que foi uma audição agradável. Apesar de algumas coisas conhecidas como a, insuportavelmente animada, “Take a Chance on Me”, a sem sal “Eagle” ou a sonolenta “Thank You fot the Music” me chamou muito mais atenção as românticas “One Man, One Woman” e “I Wonder” (que com um solo no estilo Primal Fear em Tears of the Rage ficaria interessante). Porém, as que mais gostei foi a surpreendente “Move On” com uma sonoridade e ambientação muito gostosa em que percussão e instrumentos de sopro (ao que parece gravados com sintetizadores e teclados) proporcionam uma experiência diferente no álbum, e ainda a melhor do álbum: “I’m a Marionete” que traz um som orquestrado muito poderoso. No geral, particularmente, é um ótimo material de pop em sua concepção, mas me soa bem datado, não me empolga apesar de saber de sua importância para a música.

André: Sei que o Mairon ama essa banda, acho eles legaizinhos também, mas nunca me fizeram querer botar roupas coloridas e mostrar meus passos de dança por aí. É um disquinho divertido, com as vocalistas suecas cantando muito bonitinho, mas sem aquela coisa que me empolga. Mas isso sou eu em uma época não muito bem humorada de minha parte. Acho que eu mudaria de opinião se eu ouvir este disco uns anos depois.

Davi: Embora seja um dos grandes nomes da música pop, e eu seja um admirador de música pop, ainda não me aprofundei na discografia do Abba como deveria. Tenho alguns discos deles em minha coleção, mas não tenho tudo ainda. Esse é um dos que me faltam, sendo assim, ouvi ele pelo Spotify e a primeira impressão foi de um bom disco, mas não espetacular. O disco começa maravilhosamente bem como a belíssima “Eagle”, emendando no divertido hit “Take a Chance on Me” e nas bonitas “One Man, One Woman” e “The Name of the Game” (mais um grande hit do grupo sueco), mas o nível cai em “Move On” e a partir daí, a única que me chamou realmente a atenção foi “I´m a Marionette”, responsável por fechar o LP. É indiscutível a qualidade dos músicos e a influência deles na música pop, mas eu provavelmente teria indicado álbuns como Arrival ou Abba. De todo modo, foi bacana vê-los por aqui.

Marcello: Como alguém que cresceu ouvindo Rolling Stones, Led Zeppelin, Deep Purple, Black Sabbath, Uriah Heep, Pink Floyd e Emerson, Lake & Palmer, eu fui musicalmente educado para desprezar o quarteto sueco. Ao longo dos anos, passei a respeitar os dois casais (Anni-Frid, Benny, Agnetha e Bjorn), mas continuou não gostando; admito que são bons cantores, que a banda de apoio era ótima, que Benny e Bjorn são mestres em compor músicas que grudam no ouvido da gente, mas não adianta, não são para mim. Anos atrás, ouvi o catálogo completo do grupo, e o deixei de lado; ao reouvir esse The Album, fiquei surpreso com a pomposa “Eagle”, mas músicas como “Take a Chance on Me” e “One Man, One Woman” passam muito longe do meu gosto e me lembraram das razões para não gostar do ABBA. “The Name of the Game” me soou meio reggae, um ritmo que pouquíssima gente associaria à Suécia; atestando a versatilidade do grupo. “Move On” impressiona pelos vocais, em especial pela voz solo da bela Agnetha, mas é apenas um aperitivo para “Hole in Your Soul”, melhor música do disco, na minha opinião – apesar de, curiosamente, deixar a desejar no quesito vocais, o ponto forte do quarteto. O álbum se encerra com as três partes de “The Girl with the Golden Hair”, “Thank You for the Music”, “I Wonder (Departure)” e “I’m a Marionette”, que, com mais de doze minutos, mostra que o ABBA buscava fugir um pouco da sua fórmula consagrada. The Album acompanhou The Movie, filme sobre a banda lançado mais ou menos na mesma época, liderou a parada inglesa e chegou ao 14º lugar na Billboard – prova do massivo sucesso do grupo, até hoje uma das bandas que mais vendeu discos na história. O ABBA tem seu lugar na história do rock, mas nunca me atraiu e provavelmente nunca me atrairá.


Elis Regina – Transversal do Tempo [1978]

Mairon: Esse aqui vai trazer discussão, certeza que geral vai torcer o nariz, mas foda-se. O papel de Cesar Camargo Mariano neste disco é fantástico. Ele comanda os arranjos para a esposa Elis desfilar a sua técnica, que aqui estava perfeitamente mais que perfeita. Logo de cara, ele já manda ver no seu mais novo brinquedinho, um moog, introduzindo “Fascinação”, na qual Elis arrebenta acompanhada pelo piano sempre emotivo. Mas vem mais: o piano dá o tom dramático de “Sinal Fechado”, uma das obras mais complexas de Chico Buarque, que Elis canta numa naturalidade invejável. E então entra a bandaça formada por Nathan Marques (guitarras), Crispin Del Cistia (guitarra, teclados), Dudu Portes (bateria) e Fernando Sizão (baixo), para interpretar versões apocalípticas de “Deus Lhe Pague”, intrincadíssima e progressiva para abrir um sorriso na cara amarrada de Robert Fripp, Os arranjos de Cesar desconstróem clássicos da MPB do porte de “Boto” (Tom Jobim), com acordes tensos no piano elétrico, “O Rancho Da Goiabada” (João Bosco e Aldir Blanc), mandando ver no piano elétrico e acrescida com uma monumental “Construção” (Elis se rasgando em tristeza aqui, e que arranjo sombrio), tendo apenas a vinheta da polêmica inserção de “Gente” (Caetano veloso), e até a “Saudosa Maloca” de Adoniran Barbosa, aterrorizante o que Cesar e Elis fazem nessa. O auge da dramaticidade, soturna e desconstrução musical vai para “Meio Termo / Corpos”, com um show a parte do violão e da guitarra de Nathan, e canções de letras pesadas que Elis e Cesar jogam na cara dos fãs com um descomunal desprezo aos arranjos originais. Fecham o play versões depressivas (e belas) de “Cão Sem Dono” e “Querelas do Brasil”, mas com um forte tom de que “a vida continua” através da empolgante “Cartomante” de Ivan Lins. O casal permaneceu juntos, entre brigas, idas, vindas e o temperamento sempre “apimentado” de Elis Regina, por mais 2 anos, criando no mínimo mais duas grandes obras (Elis … Essa Mulher, e Saudades do Brasil). O show Transversal do Tempo percorreu e foi aclamado pelo mundo, e também recebeu fortes críticas justamente por seu teor complexo e pesado. Já o álbum Transversal do Tempo peca por ter as músicas “cortadas” do nada muitas vezes, mas ainda hoje, 20 anos depois de ouvir ele pela primeira vez, ainda me choca. Quem sabe um dia lancem a obra em sua totalidade.

Anderson: Realmente uma lista complexa e diferente esta proposta pelo nosso querido Mairon! Elis Regina é uma referência em muitos sentidos e, mesmo sem conhecer sua obra a fundo, imagino que esse ao vivo é uma prova de seu gigantismo como artista. Pois bem, é impressionante o que essa mulher canta! Não gosto de material ao vivo, não ouço quase nada dessa categoria, mas fiquei realmente abismado com esse disco. Logo de cara “Fascinação” já eleva o nível a um patamar altíssimo. Feita a aposta, na sequência “Sinal Fechado” continua intensamente!! Extremamente emocionante a canção de Paulinho da Viola, mas que com a voz de Elis se torna algo surreal. Todavia não para por aí, a terceira é “simplesmente” “Deus lhe Pague” do Chico Buarque que traz um arranjo agressivo e icônico, e, novamente, Elis deita e rola! Ela destrói tudo por meio de uma interpretação que faz jus a cada palavra da música. Esse começo arrebatador da espaço para experiências em um degrau mais abaixo, porém ainda assim muito bom! Após um “intervalo” com o pot-pourri de O “Rancho de Goiabada” e uma breve interpretação de “Construção”, entra uma bossa nova de “Saudosa Maloca”. Creio que a ideia não é uma resenha, mas é difícil de não comentar todas as músicas. Vou parar por aqui destacando, ainda, as versões lindas de “Boto”, e o ótimo pot-pourri de “Meio Termo/Corpos”, lembrando que todas as músicas ficaram fenomenais.

André: Cara, acho que esse é o disco mais “pesado” da Elis que eu já ouvi na vida. Tem guitarras aqui. Guitarras de verdade, com overdrive e tudo mais. O baterista Dudu Portes batendo forte, com viradas e tudo mais. Uma interpretação intensa, forte, não sei o que o César Camargo Mariano fez com ela, mas eu gostei. Discaço hein Mairon, acertou em cheio aqui.

Davi: Elis é considerada, por muitos, a maior cantora da música brasileira e ouvindo esse álbum dá para entender o porquê. Nessa apresentação gravada no Teatro Ginástico (Rio de Janeiro), a pimentinha transborda emoção em cada uma das interpretações, além de ter uma invejável técnica vocal. Embora eu goste muito de seu trabalho inicial, é indiscutível que sua obra toma outro nível quando seu marido César Camargo Mariano assume as rédeas. Todo esse cuidado com o arranjo também é perceptível no show. O concerto não está completo. Inicialmente seria lançado um volume 2 com as outras faixas, mas o projeto acabou sendo abortado. Sabendo da importância da Elis e do barulho que causou na época, se eu trabalhasse na gravadora, nem teria corrido esse risco, teria lançado um álbum duplo de uma vez. Voltando ao álbum em questão, colocaria como destaque os clássicos absolutos “Fascinação” e “Querelas do Brasil”, além de “Sinal Fechado” e “Cartomante”. Se você tem interesse na música brasileira, além do rock/metal, diria que essa é uma audição obrigatória.

Marcello: Gravado ao vivo em apresentação da turnê do mesmo nome, realizada em 1977, Transversal do Tempo traz a melhor cantora da história recente da MPB – ao menos na minha opinião – ao lado do marido tecladista, produtor, arranjador, diretor musical, o que mais você quiser, César Camargo Mariano. Se o ABBA eu desprezava, Elis – e toda a MPB – eu não me interessava. E não me interesso, admito. Por isso não posso comparar esse disco com a produção da cantora, ou as versões de músicas conhecidas com outras. Abrindo com a linda “Fascinação”, com Elis soltando toda a extensão de sua voz privilegiada, o disco traz outro clássico da música brasileira (“Saudosa Maloca”), bem como “Sinal Fechado”, que mostra que só um talento como o de Elis consegue fazer você ouvir uma música do Paulinho da Viola sem sentir saudades do autor. “Querelas do Brasil” é outro destaque absoluto, com um acompanhamento fantástico dos músicos de apoio em um arranjo quase jazzístico. César Camargo Mariano é um tecladista de mão cheia e a banda é excelente, e o desempenho de Elis é impecável (só não curto muito a voz dela na versão de “Deus Lhe Pague”). O álbum se encerra com “Cartomante”, uma aula de domínio de voz no autor Ivan Lins (não entendam errado, o cara canta bem, mas Elis é covardia). Diferentemente do ABBA, este aqui eu vou ouvir mais vezes no futuro.

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