sexta-feira, 25 de julho de 2025

Ney Matogrosso & Fagner


           Rara coletânea de Ney, incluindo as canções
       da bolachinha aqui apresentada
     e com a capa do álbum de estreia de Ney

O fim dos Secos & Molhados foi algo traumático. João Ricardo, Ney Matogrosso e Gerson Conrad encerraram as atividades entre muitas especulações até hoje cheia de mágoas e discussões, em pleno sucesso, em agosto de 1974, e a partir de então cada um seguiu o seu caminho em carreira solo. João logo lançou seu álbum homônimo, em 1975, pela gravadora Philips, e Gerson gravou ao lado de Zezé Motta o excepcional Gerson Conrad & Zezé Motta, também de 1975, mas pela Som Livre. Ney, talvez a maior estrela para os fãs, seguiu contrato com a Continental, e lançou Água do Céu Pássaro, sua fabulosa estreia solo (junto com o compacto As Ilhas / 1964 II) também em 75, mas pouco tempo antes, o cantor já havia livrado-se das sombras do Secos & Molhados gravando uma bolachinha ao lado de Raimundo Fagner, e que hoje tornou-se um verdadeiro achado. 

Antes de chegar a gravação e lançamento do compacto, vale a pena voltar no tempo. Em julho de 1975, Ney participou do encerramento da temporada no Teatro Treze de Maio, Rio de Janeiro, e conseguiu uma carona no Fusca do jornalista José Márcio Penido rumo à Belo Horizonte, no qual foi também Raimundo Fagner, rapaz que já tinha certa relevância por conta de Manera Fru Fru, Manera, álbum de 1973 com clássicos como “Mucuripe” (presente também no raro Disco de Bolso - 1972 - ao lado de Caetano Veloso, e que havia sido gravada por Elis Regina no excepcional Elis de 1972) “Último Pau de Arara”,  entre outros. 

Divulgação do 1° Camping Pop de Inverno, em belo Horizonte (acima)
e informações sobre o evento (abaixo)

Ney e Fagner se conheciam de alguns encontros anteriores, e durante as 8 horas de viagem, a amizade cresceu. A dupla foi cantando canções de Ângela Maria, Luiz Gonzaga, Nelson Gonçalves, entre outros, até que Fagner decidiu mostrar algumas canções que estava compondo. Ambos estavam indo rumo ao 1° Camping Pop de Inverno em Minas Gerais, um festival de três dias (18, 19 e 20 de julho) no luxuoso Serra Verde Camping Club, festival este organizado pela Revista Pop, uma das revistas de maiores tiragem no país à época, junto do refrigerante MG e da Secretaria Municipal de Cultura, Informação, Turismo e Esportes de Belo Horizonte. Dentre as principais atrações do evento estavam  O Terço, Os Mutantes, Som Nosso de Cada Dia, Novos Baianos e Caetano Veloso. O festival tinha como atração o valor de 60 cruzeiros para as três noites, e segundo a divulgação da revista (que trazia um cupom de desconto) "por 10 cruzeiros por dia o cara tem direito a café da manhã, almoço e janta". Ou seja, era um grande festival, com grandes bandas, comida, ar livre e também tinha a atração de ser a primeira vez ao vivo de Ney fora dos Secos & Molhados.

Cerca de 8 mil pessoas (alguns dados citam 5 mil) juntaram-se para curtir o evento que ficou conhecido como Woodstock Mineiro, e a revista Pop de agosto de 1975 destacou que "A maior surpresa foi o encontro Fagner/Ney Matogrosso". A dupla se apresentou no último dia do evento. Fagner cantou primeiro sozinho, para então chamar Ney, vestido como um caubói, de chapéu-panamá e calça Lee. Com suas vozes contrastantes, mostraram as duas canções que haviam ensaiado,  que levaram a plateia ao delírio, prometendo então levar o trabalho adiante. Poucos sabiam que era o tal Ney, e só ligariam o Ney do palco ao Ney de suas memórias quando ouviram o timbre da voz reconhecível até por uma marmota bêbada. Vale ressaltar as outras atrações do domingo 20: Saecula Saecuorum, Sérgio Mello, Ney/Fagner, Sá & Guarabyra e O Terço. 

Matéria na revista Pop destacando a surpresa do encontro de Ney Matogrosso e Fagner no festival

Após o festival, a dupla voltou de trem para o Rio de Janeiro, com Fagner se hospedando na casa de Ney por alguns dias, tempo suficiente para gravar o único compacto da dupla. No lançamento da bolachina, uma matéria de revista usou a expressão “celebrou-se a união” para falar da junção das duas vozes. Ney achou graça, Fagner não. O fato é que essa união exclusiva  é um verdadeiro achado, com duas faixas fantásticas, e que vale a pena (E MUITO) estar na coleção. Gravado no Studio Level (Rio de Janeiro) em apenas três dias (17, 18 e 19 de outubro de 1975), a dupla está acompanhada de Paulo Guimarães (flauta), Jorge Olmar (violão de 12 cordas), Jorge Luis de Carvalho (baixo), Elber Beboque (bateria), Paulo Chacal (percussão), Claudio Guimarães (guitarra) e um ainda desconhecido Roberto de Carvalho (sim, ele mesmo) no piano, sintetizador e violão de 12 cordas. 

A canção "Postal De Amor", de Fagner, Fausto Nilo e Ricardo Bezerra, surge com o piano dedilhando. Violões, teclados e flauta conduzem ao vocal de Fagner, em um tom emocionado. O violão ganha força, e num crescendo, junto com os teclados, surge o vocal de Ney. A bateria então dá o crescendo final, para baixo, uma camada de teclados e violões conduzirem o belo tema de flauta. Chegamos ao ponto orgástico da canção, onde Ney e Fagner travam um duelo vocal enquanto cantam a última estrofe da canção, com uma performance assombrosa de Ney. "Louca, louca, louca, louca ... muito louca" ecoam pela sala enquanto uma guitarra lisérgica sola ao fundo, trazendo junto flautas e teclados. Que crescendo, que construção, que maravilha!

Ney e Fagner, em estúdio (acima) e no palco mineiro (abaixo)

O lado B é dedicado à "Ponta Do Lápis", de Clodoaldo e Rodger Rogério, com uma bela introdução no violão, baixo e a flauta se marcando presente novamente. A voz de Ney aparece acompanhada pelo violão e percussão, lembrando bastante o que já estamos acostumados a ouvir em faixas do Secos & Molhados, inclusive pela presença de frases cantadas em espanhol. O refrão é um retumbante vocal que entoa a frase "terra terra chão a chão, retumbante coração" e o ritmo lembra uma milonga portenha, onde a flauta e os violões são as principais atrações. A segunda parte da canção é dominada pelo vocal de Fagner, com Ney fazendo vocalizações ao fundo. Ambos cantam o trecho em especial, explodindo novamente no refrão, com mais uma mágica participação da flauta. 

Até onde consegui pesquisar, a dupla nunca mais subiu ao palco juntos, e se quer estas faixas foram apresentadas ao vivo novamente. O compacto aqui apresentado se quer é citado na Biografia do Secos & Molhados Primavera Nos Dentes, quiçá na Autobiografia de Ney Matogrosso, Vira-Lata de Raça: Memórias. A única citação oficial deste encontro surge em Ney Matogrosso A Biografia, livro de Julio Maria lançado em 2021 bela Companha das Letras, e traz algumas páginas sobre este encontro. Uma lástima, pois são canções belíssimas e que engrandecem e muito a discografia de ambos os artistas. Aqueles que estiveram acampados na fria Serra Verde de Belo Horizonte em 20 de julho de 1975, há exatos 50 anos, tiveram uma oportunidade exclusiva de ver o encontro raríssimo de dois gigantes, e que felizmente, o registro conseguiu ser realizado neste compacto especialíssimo!


Fagner e Ney, encontro de gigantes (acima);
Contra-capa do compacto, com a letra das canções (abaixo)


segunda-feira, 7 de julho de 2025

Rush - Permanent Waves (40th Anniversary) [2020]


Lançado em 14 de janeiro de 1980 nos Estados Unidos (e quatro dias depois na Europa), Permanent Waves, sétimo disco de estúdio dos canadenses do Rush, é o ponto de inflexão na carreira do grupo. O álbum traz os elementos progressivos que haviam aparecido a partir de 2112 (1976) e ampliados com longas faixas em A Farewell To Kings (1977) e Hemispheres (1978), mas já faz a incursão do trio Geddy Lee (baixo, violão de doze cordas, mini-mooh, badd pedal synthesizer, vocais), Alex Lifeson (guitarras, guitarra de doze cordas, violões, violão de 12 cordas, violão clássico, bass pedal sinthesizer) e Neil Peart (bateria, sinos, tímpano, tubular bells, Wind Chimes, triângulo, Bell Tree, Vibraslap) por sons mais "populares", como a new wave, o reggae e até o punk rock.

Faixas como "The Spirit of Radio" e "Freewill" levaram o grupo para outro patamar, conquistando uma nova geração de fãs sedentas por audições radiofônicas, nas quais ambas as canções se faziam presentes diariamente. Ao mesmo tempo, "Jacob's Ladder" e "Natural Sciente", as duas longas faixas do disco, mantinham os canadenses com seus pés ainda fincados no progressivo. Fechando o disco, duas canções mais curtas, mas com uma complexidade gigantesca, que são "Entre Nous" e "Different Strings". O álbum atingiu a terceira posição em vendas no Reino Unido e a quarta nos Estados Unidos, um grande marco para o trio.

Geddy Lee, Neil Peart e Alex Lifeson. Rush em 1980

A série de lançamentos em comemoração aos 40 anos de lançamentos dos canadenses, já apresentadas aqui com 2112, A Farewell To Kings e Hemispheres, traz hoje a edição que foi lançada em 2020. A versão resenhada é a Deluxe Edition, com dois CDs, salientando que a edição box Super Deluxe, com três LPs e dois CDs, não possui nada musicalmente diferente, apenas a parte de memorabilia, como tratarei mais adiante. 

O CD 1 segue o track list original de Permanent Waves, cujas canções já comentei acima. Assim, vamos ao CD bônus, o qual faz uma mescla de diferentes apresentações do Rush durante a Permanent Waves World Tour 1980, onde onze faixas totalmente inéditas chegam até os fãs, e claro, surpreendem em cada segundo. Tudo começa com "Beneath, Between & Behind" registrada em Manchester, e numa versão bem mais rápida que a que acabou entrando em Exit ... Stage Left (1981). Seguimos para Londres com uma "By-Tor & The Snow Dog" destruidora, com um show a parte de Neil Peart, demolindo sua bateria exatamente enquanto vivia o auge (e que auge) de sua carreira, intercalada com uma viajante "Xanadu", lindíssima, e que fica muito bem encaixada e diferente do que nos acostumamos a ouvir sempre como sequência de "The Trees", como já havia aparecido na edição de A Farewell To Kings, mas ressaltando que aqui é de outra apresentação. Claro que Lee tocando baixo, teclados e cantando é uma atração a parte, mas como Lifeson também estraçalha em "Xanadu". Solo lindo, faixa linda, e mesmo sendo bem fiel ao estudio, dá mais pontos para o CD.

O trio canadense ao vivo durante a Permanent Waves Tour

Vamos para Manchester com as primeiras faixas de Permanent Waves, o mega-clássico "The Spirit of Radio" (cuja parte da letra ilustra a capa interna three-fold digipack do CD) e "Natural Science". Aos que nunca tinham ouvido "Natural Science" registrada ao vivo na época, deliciem-se. Complexidade extrema para uma mente entender como apenas três seres humanos somente estão fazendo tudo o que saem das caixas de som. Ok que a versão apresentada no Rush In Rio (2002) é fantástica, mas o que o trio estava fazendo em 1980 é inexplicável! Ainda em Manchester, "The Trees" traz toda a habilidade de Lifeson ao violão na sua introdução, com uma breve passagem que não é em nada similar a "Broon's Bane" por exemplo, e destruindo em uma das melhores letras que Neil Peart registrou. Vale ressaltar que a versão em vinil ainda tem "A Passage To Bangkok", na mesma versão gravada em Manchester que aparece no box de 2112.

Edição de 40° aniversário resenhada aqui

Daí então voltamos para Londres, com aquelas que particularmente são as maiores atrações deste CD, as duas partes de "Cygnus X-1" (a saber "Cygnus X-1" e "Cygnus X-1 Book Two: Hemispheres"). Essas faixas para mim estão fácil no top 5 das minhas favoritas dos canadenses (as outras três são - hoje - "La Villa Strangiatto", "YYZ" e "2112"), e cara, ter o prazer de ouvir uma obra-prima dessas ao vivo, impecável, é muito bom. A plateia reagindo as notas do baixo em "Cygnus X-1", o vocal agudíssimo de Lee em ambas as músicas, Peart e Lifeson se engolindo um ao outro em performances arrasadoras, puta que pariu, me arrepia só de lembrar. O Rush pecou em ter cortado parte da história de "Cygnus X-1", o trecho onde o viajante se apresenta voando pelo espaço com a sua nave Rocinante, bem como a "tragédia" na entrada do buraco-negro, onde ele é sugado pelo mesmo, também foi resumida, mas mesmo assim, que baita música, e os efeitos da "entrada" no buraco negro aqui são muito legais. Já em "Cygnus X-1 Book Two: Hemispheres", a faixa também foi podadinha, tendo apenas as Partes I, IV, V e VI (eliminando portanto as partes II e III), mas sendo essas quatro partes um total de 14 minutos, ou seja, apenas 4 minutos da versão de estúdio ficaram de fora! E que performance, tendo várias partes instrumentais adicionadas!! Demais!!

O grupo no Le Studio, gravando Permanent Waves

Desbundados com as "Cygnus X-1", somos apresentados para "Closer to the Heart" (Manchester), pegando a partezinha final do acorde de "Cygnus X-1 Book Two", mas destacando a ótima qualidade de som aqui (que é outro pequeno problema nas "Cygnus X-1", suas masterizações não ficaram tão boas), e concluindo o CD bônus, mais duas faixas de Permanent Waves, a belíssima "Jacob's Ladder" (Missouri) e o outro mega-clássico "Freewill" (Londres), mostrando como o Rush novamente soube criar obras fáceis e complexas ao mesmo tempo, trazendo uma equipartição auditiva rara para aquela época, e por que não, ainda hoje. 

Acompanha ainda um livreto de 20 páginas, com as letras de Permanent Waves, diversas fotos do trio e belas ilustrações a cargo do sempre genial Hugh Syme, além de uma bela homenagem para Peart, que havia falecido meses antes deste lançamento ter chegado às lojas, em 7 de janeiro de 2020. 

Edição SUPERDELUXE, com diversos mimos mas sem novidades musicais

O box Super Deluxe, com 2 CDs e 3 LPs, contém as mesmas canções deste box, adicionando a citada "A Passage to Bangkok", além de um livro capa dura com 40 páginas contando histórias sobre as gravações no Le Studio, bem como detalhes das faixas do disco, e mais uma série de mimos (Tourbook da Permanent Waves World Tour 1980, Revista com algumas letras e fotos The Words & Pictures Volume II, três réplicas laminadas dos acessos individuais dos membros da banda durante a turnê, três réplicas de manuscritos de Neil Peart para as letras de "Enter Nous", "The Spirit of Radio" e "Natural Science", um pôster de ambos os lados no tamanho 24" x 36" com a famosa menina da capa em um lado e os membros do Rush no outro, e mais um livreto de 20 páginas com imagens feitas durante a gravação do disco, chamado "Le Studio 20-Page Notepad".

Daqui uns meses trarei o que está na versão de 40 anos de Moving Pictures e Signals, ao mesmo tempo que convido o leitor para daqui uns dias acompanhar minhas 10 Favoritas dos canadenses. Veremos se Grace Under Pressure terá a honra de ter um lançamento especial com seu nome. Como fã, espero que sim!

Contra-capa da edição aqui resenhada

Track list

Album - 2015 Abbey Road Remaster

1-1 The Spirit Of Radio 5:00

1-2 Freewill 5:24

1-3 Jacob's Ladder 7:29

1-4 Entre Nous 4:38

1-5 Different Strings 3:50

1-6 Natural Science 9:21

Permanent Waves World Tour 1980

2-1 Beneath, Between & Behind (Live In Manchester) 2:30

2-2 By-Tor & The Snow Dog (Live In London) 5:52

2-3 Xanadu (Live In London) 12:16

2-4 The Spirit Of Radio (Live In Manchester) 5:08

2-5 Natural Science (Live In Manchester) 8:46

2-6 The Trees (Live In Manchester) 5:28

2-7 Cygnus X-1 (Live In London) 8:05

2-8 Cygnus X-1 Book II (Live In London) 14:45

2-9 Closer To The Heart (Live In Manchester) 3:26

2-10 Jacob's Ladder (Live In Missouri) 7:38

2-11 Freewill (Live In London) 5:45


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