segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Quelli - Quelli [1969]

 O ano é 1964. Na gelada Milão, ao norte da Itália, surge o Black Devils, banda embalada pela chegada ao país da bota da onda beat britânica. O então quarteto era formado por Franz Di Cioccio (bateria), Franco Mussida (guitarra), Pino Favaloro (guitarra, vocais) e Tony Gesualdi (baixo, vocais), e após uma série de apresentações, são descobertos pelo cantor e compositor Gian Pieretti, o qual os adotou como banda de apoio, transformando-os em I Grifoni. Pieretti apresenta a banda para a gravadora Dischi Ricordi, e de contrato assinado, e com um vocalista novo, Teo Teocoli, mudam novamente de nome. Batizados de Quelli (Aqueles), logo em 65 lançam seu primeiro compacto, "Via con Il Vento", canção de Mussida, mas que por não ser ainda um músico inscrito no sindicato dos músicos da Itália, acaba sendo assinado por Ricky Gianco e o amigo Pieretti. 

A bolachinha, trazendo "Ora Piangi" no lado B, não fez muito sucesso, mas não impediu o grupo de seguir adiante, e em 66 sai a bolachinha "Una Bambolina Che Fa No No No", versão em italiano para "La Poupée Qui Fait Non", do cantor e compositor francês Michel Polnareff , e que conta com" Non Ci Sarò", versão em italiano para "I Can't Let Go" dos Hollies. Esse 45 rpm faz bom sucesso, mas infelizmente, Mussida acaba indo cumprir o serviço militar na marinha, sendo então substituído por Alberto Radius por dois anos.

No início de 1967, a formação muda novamente, agora com a entrada de Flavio Premoli nos teclados, e então gravam "Per vive Insieme", versão de "Happy Together" dos Turtles, com "La Ragazza Ta Ta Ta", de Enrique Pagani no lado B. Este compacto também um bom sucesso, inclusive com um raro lançamento aqui no Brasil, animando os garotos, que já se destacam por suas qualidades técnicas muito acima da de outros músicos italianos da época, que os tornarão presenças constantes nas gravações de nomes como Mina, Lucio Battisti, Fabrizio De André, entre outros gigantes da música italiana. Porém, as próximas bolachinhas não seguem a mesma linha de sucesso. "Tornare Bambini", versão de "Hole in My Shoe" do Traffic, com "Questa Città Senza Te" (versão de "Even The Bad Times Are Good", dos Tremeloes, e "Mi Sentivo Strano" (versão de "I Felt Strange"), com "Dettato Al Capello" no lado B, canção de Gianni Sanjust, afundaram nas vendas, levando Teocoli a pedir demissão.

"Lacrime e Pio", cover de "Rain and Tears" do Aphrodite's Child é lançado em 1968, e logo na sequência, Mussida retorna após o período militar, com Radius se unindo a Gabriele Lorenzi para fundar o incrível Fórmula 3). Chega então o ano de 1969, e com isso, o primeiro Long Play. Quelli contém vários covers (como já era a carreira da banda), mas também apresenta composições próprias. 


Veio a bolachinha "Marilú" / "Dici", ainda em 69, e a saída de Pino Favaloro. O quarteto seguiu adiante, e em 1970 lança mais um compacto, "Dietro Al Sole" ("Back In The Sun", de Armand Canfora e Boris Bergman) com "Quattro Pazzi", e a saída de Di Cioccio para o Equipe 84 pelos próximos dois anos. O quarteto segue sob o nome de Krel, lançando a bolachinha "Fin Che Le Braccia Diventino Ali" / "E Il Mondo Cade Giù" em 1970. Em 1972, Di Cioccio volta a se aproximar dos ex-colegas, e agora com o violinista e flautista Mauro Pagani, são rebatizados como  Premiata Forneria Marconi, tornando-se um dos maiores nomes doa história do rock progressivo italiano. Mas isso é papo para outro texto.

Em 14 de novembro de 2007 em Milão , por ocasião do concerto do trigésimo quinto aniversário da Premiata Forneria Marconi , Franz Di Cioccio e Franco Mussida reuniram excepcionalmente no palco da Rolling Stone o baixista Giorgio Piazza , o guitarrista Pino Favaloro , Alberto Radius e Teo Teocoli , tudo novamente sob o nome histórico de "Quelli", recriando efetivamente a banda. As peças executadas, entremeadas de divertidas anedotas e citações, também graças ao talento cabaré de Teocoli, foram "Via con il vento", seus primeiros 45 rpm , Returning child (com Elena Di Cioccio , filha de Franz e famosa vee-jay, realizando o segmento do centro falado), The Live Together , Hush , The No-No-No Doll e o clássico de Wilson Pickett In The Midnight Hour . A noite continuou conforme planejado com a programação e repertório do PFM.


Bass Guitar – Angelo Traverso

Drums, Timpani, Percussion, Harmonica, Vocals [Voce] – Maurizio Cassinelli

Electric Guitar, Acoustic Guitar, Viola, Vocals [Voce] – "Bambi" P. N. Fossati*

Organ, Piano [Pianoforte], Mellotron, Electronics [Oscillatore] – Lio Marchi

sábado, 20 de dezembro de 2025

Zappa In New York - 40th Anniversary Deluxe Edition [2018]









Um dos grandes discos ao vivo da carreira de Frank Zappa (e são vários) recebeu uma edição especial em comemoração aos 40 anos de seu lançamento, no ano de 2018. Trata-se de Zappa In New York. Originalmente programado para ser lançado em 1977, Zappa In New York demorou um ano para ver a luz do dia, muito por conta dos problemas pessoais e contratuais de Zappa com a gravadora Warner Brothers, à época empresa que cuidava dos lançamentos do bigodudo.

Depois de muita discussão e brigas, e de um lançamento que causou ainda mais confusão em meados de 77, quando os discos tiveram que ser recolhidos das lojas por uma determinação judicial (em tiragens hoje tão raras quanto um elefante cor de rosa e com bolinhas roxas, capaz de fazer o L com uma das patas e arminhas com a outra), a versão final (e editada, sem "Punky's Whips", que acabou sendo censurada) de Zappa In New York foi lançada em março de 1978, trazendo um compilado de quatro apresentações feita por Zappa e seu grupo no Palladium, em Nova Iorque, nas datas de 26, 27, 28 e 29 de dezembro de 1976. O disco é um dos mais bem sucedidos da carreira de Zappa, chegando a posição 57 na Billboard.

A banda de Zappa na época era composta pelo próprio (guitarra, vocais, condução), Terry Bozzio (bateria, vocais), Ruth Underwood (marimba, xilofone, percussão), Patrick O'Hearn (baixo, vocais), Ray White (guitarra, vocais), Eddie Jobson (teclados, sintetizadores, violino), um fantástico naipe de metais constituído por Lou Marini (saxofone alto, flauta), Mike Brecker (saxofone tenor, flauta), Ronnie Cuber (saxofone barítono, clarinete), Randy Brecker (trompete), Tom Malone (trombone, trompete, piccolo), e ainda David Samuels (tímpano, vibrafone) e a participação de Don Pardo (narração).

O disco é uma pequena amostra do poder de fogo da trupe zappiana, e na versão original, os grandes momentos vão para as fabulosas duas partes da complicadíssima "The Black Page", a extensa versão de "The Purple Lagoon" e a interpretação magistral de Ray White nos vocais de "The Illinois Enema Bandit". Se o álbum possui um defeito, é que sua duração é de apenas uma hora, o que para um álbum duplo, e sendo ainda um álbum de Frank Zappa, é muito pouco. Mas, a versão DELUXE de 2018 sana esse problema com sobras, em uma caprichada caixa que alegra qualquer fã de música e arte em geral.

A caixa (literalmente uma caixa de papelão) apresenta em seu interior uma lata que reproduz a tampa de um bueiro nova iorquino, e dentro desta lata, ao abrir a "tampa do bueiro", encontramos 5 CDs, um livreto com 60 páginas e mais uma cópia do ingresso de uma das apresentações do grupo nas datas citadas, mais especificamente o show de 27 de dezembro. Tratando primeiramente das mídias, o CD 1, apesar de ser considerado como a versão original de 1977, é uma versão editada de 10 canções, sem "Punky's Whips", ou seja, é a edição de 1978 sem tirar nem pôr. Um ótimo disco, que só aquece as mais de 4 horas de audição que o fã irá ter.

As mídias 2, 3 e 4, chamadas Bonus Concert Performances, trazem um apanhado de sobras que ampliam o set list dos shows, e que acabaram ficando de fora da versão original. No CD 2, destaque para a ótima "The Torture Never Stops", o resgate de "Punky’s Whips", com a devida introdução de Don Pardon, a extensa versão de "The Illinois Enema Bandit", com mais de 15 minutos, e a ótima "Montana", sendo que o tempo total da midiazinha é de mais de 70 minutos. O mesmo ocorre com o CD 3, que em mais de uma hora de muita música, destaca as raras apresentações de "I'm the Slime", "Pound for a Brown" e "Find Her Finer", além das longas "The Purple Lagoon" e "Cruisin' For Burguers". Discaços!! 

O CD 4 é tomado pela maravilhosa versão de mais de 28 minutos de "Black Napkins", que entre os diversos solos ao longo da canção, tem destaque especial para Eddie Jobson no moog e violino, em um solo espetacular, e que mostra quão genial era Frank Zappa. Afinal, criar uma peça com apenas dois acordes que permitam improvisos e fazer tantas estripulias embasbacantes em mais de 28 minutos é para poucos. Zappa também faz um solo fenomenal, mais um gigante solo para a vasta prateleira de solos gigantes do bigodudo. A mídia peca por ter apenas 50 minutos, o que também é o tempo da quinta e última mídia, chamada Bonus Vault Content. Esse quinto CD traz versões diferentes para canções que estão nas mídias anteriores, com novas mixagens, e também duas versões somente ao piano para "The Black Page", uma delas interpretada por Ruth Underwood, especialmente para o box, e a outra por Tommy Mars.

Ou seja, um belo apanhado das apresentações de 1976, e que satisfaz completamente ao fã mais xiita e ávido por ouvir os improvisos e as histórias de Zappa e seu grupo. Falando em histórias, o livreto apresenta toda a história que envolve o lançamento de Zappa In New York, desde a montagem da banda com os novatos Terry, Eddie e Patrick, o retorno de Ruth e a adição do naipe de metais após Zappa participar de um programa do Saturday Night Live em 11 de dezembro de 76, e ficar encantado com os rapazes (e vice-versa). Além disso, um longo relato de Ruth Underwood sobre o processo de criação de "The Black Page", uma das canções mais desafiadoras para qualquer baterista, e que recebeu esse nome por conta de uma brincadeira de Zappa, que criou uma peça na qual a partitura continha tantas notas e acordes que a página ficou preta, e também um depoimento de Ray White sobre sua entrada na banda, e como ele conseguiu se adaptar ao desafio de tocar com um gênio tão desafiador e perfeccionista como Zappa. 

Ainda no livreto, diversas imagens inéditas, registradas pela esposa de Zappa, Gail Zappa, as letras das canções do CD 1, a origem das canções "The Illinois Enema Bandit" e "Punky's Whips" (sendo a última no mínimo hilária), a descrição da participação de Terry como o diabo em "Titties & Beer", faixa que aparece nas mídias 3 e 5 como "Chrissy Puked Twice", e as descrições das demais canções do CD 1. Um grande box, uma grande obra, uma grande compra para sua coleção, e que vale cada centavo investido no mesmo.


Track list


CD 1 (apesar de ser considerada a versão original de 1977, é uma versão editada de 10 canções)

1. Titties & Beer

2. I Promise Not to Come in Your Mouth

3. Big Leg Emma

4. Sofa

5. Manx Needs Women

6. The Black Page Drum Solo/Black Page #1

7. Black Page #2

8. Honey, Don't You Want a Man Like Me?

9. The Illinois Enema Bandit

10. The Purple Lagoon


CD 2 - Bonus Concert Performances

1. "The Most Important Musical Event of 1976"

2. Peaches en Regalia

3. The Torture Never Stops

4. The Black Page #2

5. Punky’s Whips Intro

6. Punky’s Whips

7. I Promise Not to Come in Your Mouth

8. Honey, Don't You Want a Man Like Me?

9. The Illinois Enema Bandit

10. "Two for the Price of One"

11. Penis Dimension

12. Montana


CD 3 - Bonus Concert Performances

1. America Drinks

2. "Irate Phone Calls"

3. Sofa #2

4. "The Moment You’ve All Been Waiting For"

5. I'm the Slime

6. Pound for a Brown

7. Terry's Solo

8. The Black Page Drum Solo/Black Page #1

9. Big Leg Emma

10. "Jazz Buffs and Buff-etts"

11. The Purple Lagoon

12. Find Her Finer

13. The Origin of Manx

14. Manx Needs Women

15. Chrissy Puked Twice

16. Cruisin’ For Burgers


CD 4 - Bonus Concert Performances

1. The Purple Lagoon/Any Kind of Pain

2. "The Greatest New Undiscovered Group in America"

3. Black Napkins

4. Dinah-Moe Humm

5. Finale


CD 5 - Bonus Vault Content

1. The Black Page #2 (Piano Version)

2. I Promise Not to Come in Your Mouth (Alternate Version)

3. Chrissy Puked Twice

4. Cruisin’ for Burgers (1977 Mix)

5. Black Napkins

6. Punky’s Whips (Unused Version)

7. The Black Page #1 (Piano Version)

domingo, 14 de dezembro de 2025

Livro: A Música do Diabo

A Música do Diabo: A Verdadeira História da Lenda do Blues Robert Johnson, por Bruce Conforth e Gayle Dean Wardlow, foi lançado em 2022 aqui no Brasil (em 2019 nos Estados Unidos) pela editora Belas Letras. O livro surge como uma fonte nova e bastante interessante sobre a vida daquele que talvez seja o primeiro grande nome do blues, Robert Johnson. O violonista negro ganhou fama não só por suas canções emblemáticas, como "Travelling Riverside Blues", "Terraplane Blues", "Cross Road Blues", Rambin' On My Mind", entre outras que ficaram eternizadas por versões de gigantes como Eric Clapton, Led Zeppelin, entre outros tantos que gravaram Robert Johnson, mas também por sua história repleta de obscuridades, romantismo, invenções e muitas lendas, principalmente por conta de uma suposta venda da alma de Johnson em uma encruzilhada, em busca da fama, que acaba levando à sua morte prematura, aos 27 anos, em 16 de agosto de 1938. 

Porém, A Música Do Diabo é o resultado de mais de 50 anos de trabalho, interesse, pesquisa, entrevistas, discussões, escuta, viagens e todos os demais tipos de empreitadas humanas. Gayle começou a pesquisa a vida de Robert Johnson em 1962, e Bruce em 1968, logo após Gayle encontrar a certidão de óbito de Johnson, abrindo caminho para a busca pelas origens da verdadeira história de Johnson. 

O livro começa do básico, ou seja, de como os pais de Robert se conhecem, geram o bebê e acabam se divorciando, com a mãe passando a viver com um novo companheiro. A partir de então, o menino Johnson passa a viver nas plantations (método agrícola que usava o trabalho manual em grande escala) onde sua mãe passa a trabalhar, apanhando por não querer trabalhar e auxiliar o padrasto, e começando a desenvolver seu gosto por música, até que se torna um jovem talentoso, atraente e capaz de encantar aos que ouvem sua voz e seu estilo inédito de tocar. 

O mais interessante ao longo das páginas iniciais, e ao longo de todo o livro, é que a dupla vai apresentando documentos que corroboram a ideia central deles, que é desmistificar o Robert Johnson ícone e torná-lo um homem real. Já jovem, Johnson conhece Virginia Travis. Porém, os pais não deixam os dois viverem juntos, e a menina acaba falecendo, junto com o bebê, durante o parto. Anos depois, ele tem um relacionamento com Vergie Mae Smith, com a qual também tem um filho, e novamente, os pais não deixam Johnson, por ser músico, conviver com a menina e o bebê.

É mais um trauma na vida de Robert, que vai acumulando e deixando-o introvertido, com dificuldades de se relacionar com as pessoas, mas com uma capacidade enorme de colocar suas emoções através da música. O livro traz relatos de pessoas que choravam ao assistir as apresentações de Johnson, que começa a viajar pelos Estados Unidos, tocando nas jukes (locais de encontros de pessoas para beber e se divertir) e nas ruas, até que é descoberto por Ernie Oertle, o qual o apresenta a Don Law e então, faz seus dois históricos registros musicais (em San Antonio e em Dallas, no Texas), para então, se tornar um dos mais vendidos do blues em sua geração, através da bolacha de "Terraplane Blues".

Do sucesso repentino, à um quase ostracismo, isso em poucas semanas, Johnson acaba falecendo por conta de um uísque envenenado por conta do marido de uma mulher que teve um relacionamento com o músico, que é onde o livro encerra-se. Porém, até chegar na morte de Robert, os autores vão realmente desconstruindo a imagem do ícone mitológico que teria vendido a alma para o diabo em uma encruzilhada, em busca do sucesso. Com muitas fontes e entrevistas, uma ampla consulta em documentos do censo em Alabama, Arkansas, Mississippi e Tennessee, assim como certidões de óbito, imagens diversas, Conforth e Wardlow trazem uma nova visão para quem foi Robert Johnson. 

São das entrevistas que a dupla conclui que Johnson desenvolveu seu estilo "inédito" após ter contato com Ike Zimmerman, um famoso violonista da região do Mississippi, principalmente pela filha de Zimmerman, Loretha Zimmerman, que apresenta muitas histórias sobre como o pai gostava de ir ao cemitério na meia-noite para tocar, por ser um local silencioso, e aproveitava para levar o jovem Johnson para tocar junto, assim como informações dadas pela entrevista com Eula Mae Williams, vizinha dos Zimmerman, e que também conheceu Johnson, confirmando que Ike foi "quem ensinou muito de música a ele". 

Os detalhes das gravações de cada canção de Robert em San Antonio e em Dallas, assim como uma boa análise musical destas faixas, são mais um grande ponto para o livro, e claro, as explicações para a morte de Johnson, baseadas novamente nos relatos de pessoas que estiveram in loco no fatal dia em que ele bebe o uísque envenenado, acabam por vez da suposta ligação com o demônio. Segundo os autores,  Johnson uísque envenenado com uma espécie de naftalina, que não era capaz de matar uma pessoa. Porém, Robert já estava sofrendo de úlcera, a qual teria sido diagnosticada um mês antes de sua morte por um médico que o alertou para que era necessária que Robert parasse de beber, o que o músico não fez. A bebida envenenada, junto com a úlcera em estado avançado, causou sangramento no estômago e esôfago do músico, que morreu dois dias depois, sem assistência médica, na plantation de Luther Wade, qe acaba enterrando Johnson em uma vala comum, "com pouca cerimônia e breves formalidades". Os autores buscam várias fontes, mas apresentam o relato de Honeyboy Edwards, corroborado por Rosie Eskridge, de que ele estava tocando para várias pessoas, que o incentivavam a tocar mais, e acabou pegando a bebida envenenada e bebendo normalmente, sem saber que estava ali encaminhando sua morte. 

Um livro muito interessante para quem gosta de história, e principalmente, detesta narrativas (palavra da moda) ou teorias da conspiração. Gayle e Conforth vão direto ao ponto, mostrando por A mais B que Robert Johnson foi um homem extremamente talentoso não só para a música, mas para atrair mulheres, e que foi este talento extremo que acabou levando-o ao sucesso e a morte. Não à toa, recebeu diversas premiações, como prêmio Penderyn de livro musical 2020 (Inglaterra), melhor livro de blues escolhido pelos críticos e leitores da revista Living Blues, e certificado de mérito como melhor pesquisa histórica sobre gravações de Blues, Soul, Gospel e Rhythm 'n' Blues na categoria ARSC (Association for Recorded Sound Collections, ou seja, Associação para Coleções de Gravações Sonoras).

Johnson deixou um legado gigantesco para a música mundial, e está aí agora para ser descoberto não somente por conta de sua música, mas também por conta da sua agora, finalmente, verdadeira história. História esta essencial para o folclore do blues, da cultura negra e da história da música nos Estados Unidos.

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Eu Desprezo O Meu Passado - Parte II



Dois dias atrás, trouxe uma lista de seis artistas que desprezaram totalmente seus discos iniciais, sendo eles três nomes nacionais (Roberto Carlos, Elis Regina e Rita Lee) e três gigantes do progressivo britânico (Genesis, The Moody Blues e Renaissance). 

Hoje, apresento mais seis, sendo eles cinco monstros sagrados dos anos 70, e mais uma das maiores bandas nos anos 90, mas que tem seus primeiros discos lançados na década de 80. Vamos à eles.

 Supertramp 

Álbuns desprezados: Supertramp [1970] e Indelibly Stamped [1971]

O Supertramp mundialmente conhecido foi calcado na divisão de vozes entre Roger Hodgson e Rick Davies, que também conduziam com maestria os teclados e piano, além da cozinha soberana de Dougie Thomson e Bob Siebenberg, e os instrumentos de sopro brilhantes de John Helliwell. Porém, antes da fama, a banda passou por diversas formações, tendo apenas Roger e Rick como remanescentes integrais nos anos 70. Em seu primeiro disco, o grupo era um quarteto, e tinha como um dos líderes o guitarrista Richard Palmer-James. Roger era o baixista, e o som era uma espécie de jazz prog muito interessante, com destaque para a viajante "Try Again", além da sensacional "Nothing to Show" e de "Maybe I'm A Beggar", em um álbum realmente muito bom. Já o segundo disco, agora como um quinteto e com Roger nas guitarras, o som é mais folk e apresenta pitadas iniciais do que veio a ser o Supertramp a partir de 1974, em faixas como "Forever" e "Times Have Changed",  mas com total destaque para o clima de luau dos violões e flauta de "Aries", sensacional faixa gravada totalmente em improviso. Ambos os álbuns foram relançados inúmeras vezes, mas após a entrada de Helliwell, nenhuma canção destes discos foram interpretadas ao vivo. Ao mesmo tempo, nas inúmeras coletâneas lançadas sob o nome Supertramp, apenas Retrospectacle (The Supertramp Anthology) (de 2005) traz uma canção de cada disco ("Surely" e "Your Poppa Don't Mind" respectivamente). Por fim, a trilha sonora do filme Extremes (1972), de Tony Klinger e Michael Lytton, possui três faixas de Supertramp: "Words Unspoken", "Surely" e "Am I Not Like Other Birds Of Prey". Por quê? Não tenho nem ideia ...

Styx 

Álbuns desprezados: Styx [1972], Styx II (1973), Serpent is Rising (1973) e Man of Miracles (1974)

Os cinco primeiro discos do Styx contavam com a guitarra de John Curulewski, hoje praticamente um desconhecido dos fãs da banda que apreciam a era do baixinho Tommy Shaw empunhando sua Les Paul e criando clássicos como "Blue Collar Man", "Come Sail Away", "Fooling Yourself ", "Too Much Time On My Hands", entre outros. Era um Styx mais pesado, e com boas pitadas de progressivo e jazz, que ousava experimentar musicalmente, e com excelentes canções. Os quatro primeiro álbuns foram lançados originalmente pelo pequeno selo estadunidense Wooden Nickel, o que resultou até no apelido para a banda, no caso o do próprio nome do selo. Após a entrada de Shaw, em 1976, as coisas mudaram. O Styx passou a ser mais hard e menos prog, o grupo foi para a A&M Records e o mundo foi o limite para a nova fase, com sucessos atrás de sucessos, e os quatro discos acima sendo relegados à obscuridade. Eles tiveram poucas reedições ao longo dos anos, e deles, apenas "Lady" (de Styx II) acabou aparecendo no repertório do Styx pós-Shaw vez que outra. A coletânea Best Of Styx (1977) faz um bom apanhado de canções deste período, mas foi lançada sem autorização da banda pelo Wooden Nickel (o Styx aqui já estava ligado com a A&M Records) e no Japão, a BMG lançou em 1999 a coletânea The Best Of Styx (1973-1974), que como o nome diz, traz canções lançadas entre 1973 e 1974. Nas demais obras da banda que conheço, pouco ou nada destes quatro discos foram incluídas seja nas coletâneas ou nos set lists (encontrei apenas citações para "Rock & Roll Feeling", de Man of Miracles, e "I'm Gonna Make You Feel It", de Styx II, na turnê de 1976). Mas se você é fã da banda e nunca ouviu estes álbuns, corra atrás por que vale MUITO a pena.

Trapeze 

Álbum desprezado: Trapeze [1970]

Quando ouvi esse álbum pela primeira vez, acho que foi o que mais me surpreendeu dentre os que aqui apresento. Conheci o Trapeze justamente por ele, e sempre tendo ouvir falar que a Mark IV do Deep Purple era uma continuação do que Glenn Hughes havia feito junto ao Trapeze, nunca imaginaria encontrar algo tão complexo e distinto. O primeiro disco do grupo é como quinteto (e não como o power trio que revela Hughes, Mel Galley e Dave Holland), tendo esses três nomes e mais John Jones (voz, instrumentos de sopro) e o líder da banda até então, Terry Rowley (guitarras, teclados, flauta, voz). Trapeze é um baita disco de rock, com pitadas progressivas ("Am I" e a espetacular "Suicide"), sons mais hardeiros ("The Giant's Dead Hoorah!), jazz ("Fairytale; Verily Verily; Fairytale"), e exímios arranjos vocais inspirados nitidamente em Beatles ("Another Day", "It's My Life" e "Over") em praticamente todo o álbum. Aos que querem ver se Hughes sempre teve seu vozeirão, deleite-se com "Nancy Gray" e "Wings". Se não há aqui exibicionismo instrumental, os arranjos musicais/vocais e as harmonias são excelentes. Porém, Rowley e Jones abandonaram o Trapeze por problemas internos com a London Records (gravadora detentora dos direitos sobre o grupo à época), e assim, nascia o power-trio que é falado até hoje, com um som mais swingado e que cria os clássicos Medusa (1972) e You're The Music, We're Just the Band (1973), sem nunca mais tocar uma cançãozinha desse excelente disco. O álbum emplacou o hit "Send Me No More Letters", que é a única faixa a aparecer nas coletâneas The Final Swing (1974) e High Flyers: The Best of Trapeze (1995). Em 2019, a Purple Records lançou a coletânea The Best Of Trapeze (Leavin' The Hard Times Behind), trazendo quatro faixas de Trapeze. Mas é muito pouco para um álbum tão incrível e gostoso de ouvir, apesar de diferentaço!

UFO 

Álbuns desprezados: UFO I [1970], UFO II : Flying - Space Rock [1971]

O UFO surgiu na Inglaterra como um quarteto liderado pela guitarra de Mick Bolton. Seus solos ácidos e delírios com longos improvisos caracterizam o que convencionou-se chamar de Space Rock, registrado nos (exímios) UFO I (não tão Space, mas muito mais um boogie alucinógeno) e UFO II: Flying - Space Rock, esse sim, acaba batizando um novo estilo musical. Mas Bolton durou esses dois discos de estúdio e o ao vivo Live (1972), e foi substituído por Bernie Marsden (que lançou apenas um único compacto com o grupo), e depois, pelo alemão Michael Schenker, com apenas 18 anos. Quando Schenker entrou, em 1974, há registros dele tocando "C'mon Everybody" e "Prince Kajuku", mas com o passar dos anos, e o crescendo do nome UFO através de álbuns incríveis como Phenomenon, Force it, Lights Out, e o aclamadíssimo Strangers in the Night, pronto, nunca mais o Space Rock foi visto e ouvido nos palcos do UFO. O Japão e a Alemanha adoram esta fase inicial, tanto que na terra do chucrute, no mínimo três coletâneas não-autorizadas surgiram por lá. Em 1976, a Nova lançou Space Metal, que resgata canções dos dois álbuns, assim como outra Profile, lançada pela Teldec em 1979, e C'Mon Everybody, lançada pela Telefunken em 1981. Porém, coletâneas oficiais da época, como Headstone: The Best Of UFO (1983), Anthology (1987) e The Best Of UFO (1996) não trazem nada desta fase. Em 2004, a Castle acabou lançando o CD duplo Flying - The Early Years 1970 - 1973, com os discos acima citados e o compacto "Galactic Love" / "Lovin' Cup", lançado somente na Alemanha em 1972. Os três LPs desta fase inicial da banda acabaram recebendo diversos relançamentos não-oficiais ao longo dos anos, inclusive tendo nomes trocados  para as canções (“Boogie For George” virou “Boogie”) e alternância na ordem das faixas (“The Coming Of Prince Kajuku” acabou tornando-se a primeira do lado B em muitos desses re-lançamentos). Porém, os diversos relançamentos do grupo focam-se somente na fase pós-Schenker, também conhecida como Chrysalis Years. Uma lástima, pois para mim, a fase Space Rock é uma das melhores fases de uma banda em sua história.

Scorpions

Álbum desprezado: Lonesome Crow [1972]

Os alemães do Scorpions tiveram diversas formações durante sua vasta carreira de mais de 50 anos, sendo duas bem distintas e famosas, chamadas era-Uli (comandada pelo guitarrista Uli Jon Roth) e era-Jabs (comandada pelo guitarrista Mathias Jabs, que substituiu Uli). Porém, o início do grupo é bem desconhecido de muitos fãs e admiradores dos caras, durou em torno de quatro anos, e teve como "líder" o menino Michael Schenker (que sai do Scorpions justamente para ser a alma do UFO, como citado acima). O som era bastante psicodélico, com muitas guitarras à la Hendrix e até um certo clima de progressivo. Inacreditável que um guri de apenas 16 anos tocasse tanto! Os destaques na minha opinião ficam para "I'm Going Mad", com uma longa introdução, ácidos solos de Schenker e bons arranjos vocais, assim como os bons solos de "Inheritance", onde temos um pequeno espetáculo de wah-wah, e a belíssima "Lonesome Crow", onde Michael, ainda garoto, mostra porque viria a ser considerado o mestre da Flying V nos anos seguintes, com um magnífico e longo solo combinando escalas jazzísticas, virtuose e muita distorção. Lonesome Crow teve diversos relançamentos com o passar dos anos, muito mais para matar a curiosidade dos fãs do que por vontade da banda. No Japão, país onde o Scorpions é amado, saiu a coletânea Early Hits (1982), que abrange, vejam só, apenas os discos da era Uli (nada de Schenker aqui). Vasculhei as quase 100 coletâneas cadastradas sob o nome do grupo no Discogs e a única a trazer uma canção ("I'm Going Mad") de Lonesome Crow é a caixinha com três CDs Box Of Scorpions, lançada nos Estados Unidos em 2004, pelo selo Hip-O Records, ligado à Mercury. Pós-entrada de Uli, "In Search of the Peace of Mind" esteve em algumas apresentações nas turnês de 1976, 1977 e 1978 (mas somente uma parte dela, como está registrada em Tokyo Tapes, nunca em sua totalidade). Depois, nem ela e nenhuma das outras canções do disco foram apresentadas nos palcos. Ou seja, um disco que acabou totalmente desprezado e esquecido, mas que é espetacular.

Pantera 

Álbuns desprezados: Metal Magic (1983), Projects in the Jungle (1984) e I Am The Night (1985)

Os que ouvem o Pantera de Cowboys From Hell (1990) e Vulgar Display of Power (1992), álbuns pesados e símbolos do chamado Groove Metal, liderados pelos vocais de Phil Anselmo, praticamente não acreditam quando ouvem os três primeiros discos da banda, lançados durante a primeira metade dos anos 80. O que o quarteto formado por Terry Glaze (vocais, guitarras), Darrell Abbott (guitarras), Rex Rocker (baixo) e Vince Abbott (bateria), produzidos pelo papai Abbott (Jerry Abbott), faz aqui é um som entre o hard e o glam metal de nomes como Van Halen, Kiss e Mötley Crüe, além de usar roupas e cabelos bem espalhafatosos, como manda o melhor figurino do glam metal, e capas no mínimo hilárias. E olha, é um período bem interessante musicalmente. Os três discos foram lançados pelo selo Metal Magic Records, o qual foi um selo particular  do grupo, responsável também por lançar o quarto disco, Power Metal (que citarei adiante), e contém faixas muito boas como "Metal Magic", "I'll Be Alright", e a baladaça "Biggest Part of Me", recheada de teclados (de Metal Magic), "In Over My Head" (adoro os tecladinhos dessa), "Killers" e "Out for Blood" (de Projects in the Jungle), "Down Below", "Onward We Rock!" e a excepcional "I Am The Night" (de I Am The Night), com uma introdução matadora de Darrell, e forte candidata a melhor canção deste período, para pinçar três canções de cada disco. Mas há bem mais canções boas nesse período. Detalhe importante são os ótimos solos de Darrell em quase todas as faixas - ouça "Blue Light Turnin' Red" ou "D*G*T*T*M (Darrell Goes to the Movies)" e tente não achar que é Eddie Van Halen quem está destruindo nas caixas de som. Voltando à história, em Projects in the Jungle, Terry muda de nome, passando a se chamar Terrence Lee, assim como Darrell agora tira o Abbott, assumindo então o pseudônimo Diamond, e o irmão Vicent Abbott se transforma em Vinnie Paul (Rex Rocker continua sendo Rex Rocker). Seguem com a mesma formação (e nomes) no álbum seguinte, que já traz uma sonoridade bem mais pesada, lembrando bastante Judas Priest, até que Anselmo entra para o grupo em 1986, Diamond agora vira Dimebag Darrell, e lançam Power Metal (1988), que também é um álbum desprezado, já que o Pantera em si considera somente o quinto disco, Cowboys From Hell, como o primeiro deles. Só que como já é a formação clássica, agora com Rex passando a se chamar Rex Brown, e canções de Power Metal estiveram nos set lists da turnê de Cowboys From Hell (no caso "Death Trapt", "Over And Out", "P*S*T* 88"), preferi considerar só os três primeiros. Metal Magic e Projects in the Jungle tiveram poucas edições, lançadas somente nos Estados Unidos, e I Am The Night nem isso (apenas uma edição em LP saiu também só nos EUA). Há inúmeras edições não oficiais tanto em CD quanto em LP, e em termos de coletâneas, nada daqui foi lançado oficialmente pela banda até hoje. Mesmo boxes que trazem os CDs completos e remasterizados só pegam os discos pós-Cowboys From Hell. Portanto, para o Pantera, a partir de 1990 é que realmente começa tudo, e é daqui em diante que eles conquistam mercados e fãs por todo o mundo, sem nunca mais se quer citou a existência da sua - ótima - fase glam. 

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