Dois dias atrás, trouxe uma lista de seis artistas que desprezaram totalmente seus discos iniciais, sendo eles três nomes nacionais (Roberto Carlos, Elis Regina e Rita Lee) e três gigantes do progressivo britânico (Genesis, The Moody Blues e Renaissance).
Hoje, apresento mais seis, sendo eles cinco monstros sagrados dos anos 70, e mais uma das maiores bandas nos anos 90, mas que tem seus primeiros discos lançados na década de 80. Vamos à eles.
Supertramp
Álbuns desprezados: Supertramp [1970] e Indelibly Stamped [1971]
O Supertramp mundialmente conhecido foi calcado na divisão de vozes entre Roger Hodgson e Rick Davies, que também conduziam com maestria os teclados e piano, além da cozinha soberana de Dougie Thomson e Bob Siebenberg, e os instrumentos de sopro brilhantes de John Helliwell. Porém, antes da fama, a banda passou por diversas formações, tendo apenas Roger e Rick como remanescentes integrais nos anos 70. Em seu primeiro disco, o grupo era um quarteto, e tinha como um dos líderes o guitarrista Richard Palmer-James. Roger era o baixista, e o som era uma espécie de jazz prog muito interessante, com destaque para a viajante "Try Again", além da sensacional "Nothing to Show" e de "Maybe I'm A Beggar", em um álbum realmente muito bom. Já o segundo disco, agora como um quinteto e com Roger nas guitarras, o som é mais folk e apresenta pitadas iniciais do que veio a ser o Supertramp a partir de 1974, em faixas como "Forever" e "Times Have Changed", mas com total destaque para o clima de luau dos violões e flauta de "Aries", sensacional faixa gravada totalmente em improviso. Ambos os álbuns foram relançados inúmeras vezes, mas após a entrada de Helliwell, nenhuma canção destes discos foram interpretadas ao vivo. Ao mesmo tempo, nas inúmeras coletâneas lançadas sob o nome Supertramp, apenas Retrospectacle (The Supertramp Anthology) (de 2005) traz uma canção de cada disco ("Surely" e "Your Poppa Don't Mind" respectivamente). Por fim, a trilha sonora do filme Extremes (1972), de Tony Klinger e Michael Lytton, possui três faixas de Supertramp: "Words Unspoken", "Surely" e "Am I Not Like Other Birds Of Prey". Por quê? Não tenho nem ideia ...
Styx
Álbuns desprezados: Styx [1972], Styx II (1973), Serpent is Rising (1973) e Man of Miracles (1974)
Os cinco primeiro discos do Styx contavam com a guitarra de John Curulewski, hoje praticamente um desconhecido dos fãs da banda que apreciam a era do baixinho Tommy Shaw empunhando sua Les Paul e criando clássicos como "Blue Collar Man", "Come Sail Away", "Fooling Yourself ", "Too Much Time On My Hands", entre outros. Era um Styx mais pesado, e com boas pitadas de progressivo e jazz, que ousava experimentar musicalmente, e com excelentes canções. Os quatro primeiro álbuns foram lançados originalmente pelo pequeno selo estadunidense Wooden Nickel, o que resultou até no apelido para a banda, no caso o do próprio nome do selo. Após a entrada de Shaw, em 1976, as coisas mudaram. O Styx passou a ser mais hard e menos prog, o grupo foi para a A&M Records e o mundo foi o limite para a nova fase, com sucessos atrás de sucessos, e os quatro discos acima sendo relegados à obscuridade. Eles tiveram poucas reedições ao longo dos anos, e deles, apenas "Lady" (de Styx II) acabou aparecendo no repertório do Styx pós-Shaw vez que outra. A coletânea Best Of Styx (1977) faz um bom apanhado de canções deste período, mas foi lançada sem autorização da banda pelo Wooden Nickel (o Styx aqui já estava ligado com a A&M Records) e no Japão, a BMG lançou em 1999 a coletânea The Best Of Styx (1973-1974), que como o nome diz, traz canções lançadas entre 1973 e 1974. Nas demais obras da banda que conheço, pouco ou nada destes quatro discos foram incluídas seja nas coletâneas ou nos set lists (encontrei apenas citações para "Rock & Roll Feeling", de Man of Miracles, e "I'm Gonna Make You Feel It", de Styx II, na turnê de 1976). Mas se você é fã da banda e nunca ouviu estes álbuns, corra atrás por que vale MUITO a pena.
Trapeze
Álbum desprezado: Trapeze [1970]
Quando ouvi esse álbum pela primeira vez, acho que foi o que mais me surpreendeu dentre os que aqui apresento. Conheci o Trapeze justamente por ele, e sempre tendo ouvir falar que a Mark IV do Deep Purple era uma continuação do que Glenn Hughes havia feito junto ao Trapeze, nunca imaginaria encontrar algo tão complexo e distinto. O primeiro disco do grupo é como quinteto (e não como o power trio que revela Hughes, Mel Galley e Dave Holland), tendo esses três nomes e mais John Jones (voz, instrumentos de sopro) e o líder da banda até então, Terry Rowley (guitarras, teclados, flauta, voz). Trapeze é um baita disco de rock, com pitadas progressivas ("Am I" e a espetacular "Suicide"), sons mais hardeiros ("The Giant's Dead Hoorah!), jazz ("Fairytale; Verily Verily; Fairytale"), e exímios arranjos vocais inspirados nitidamente em Beatles ("Another Day", "It's My Life" e "Over") em praticamente todo o álbum. Aos que querem ver se Hughes sempre teve seu vozeirão, deleite-se com "Nancy Gray" e "Wings". Se não há aqui exibicionismo instrumental, os arranjos musicais/vocais e as harmonias são excelentes. Porém, Rowley e Jones abandonaram o Trapeze por problemas internos com a London Records (gravadora detentora dos direitos sobre o grupo à época), e assim, nascia o power-trio que é falado até hoje, com um som mais swingado e que cria os clássicos Medusa (1972) e You're The Music, We're Just the Band (1973), sem nunca mais tocar uma cançãozinha desse excelente disco. O álbum emplacou o hit "Send Me No More Letters", que é a única faixa a aparecer nas coletâneas The Final Swing (1974) e High Flyers: The Best of Trapeze (1995). Em 2019, a Purple Records lançou a coletânea The Best Of Trapeze (Leavin' The Hard Times Behind), trazendo quatro faixas de Trapeze. Mas é muito pouco para um álbum tão incrível e gostoso de ouvir, apesar de diferentaço!
UFO
Álbuns desprezados: UFO I [1970], UFO II : Flying - Space Rock [1971]
O UFO surgiu na Inglaterra como um quarteto liderado pela guitarra de Mick Bolton. Seus solos ácidos e delírios com longos improvisos caracterizam o que convencionou-se chamar de Space Rock, registrado nos (exímios) UFO I (não tão Space, mas muito mais um boogie alucinógeno) e UFO II: Flying - Space Rock, esse sim, acaba batizando um novo estilo musical. Mas Bolton durou esses dois discos de estúdio e o ao vivo Live (1972), e foi substituído por Bernie Marsden (que lançou apenas um único compacto com o grupo), e depois, pelo alemão Michael Schenker, com apenas 18 anos. Quando Schenker entrou, em 1974, há registros dele tocando "C'mon Everybody" e "Prince Kajuku", mas com o passar dos anos, e o crescendo do nome UFO através de álbuns incríveis como Phenomenon, Force it, Lights Out, e o aclamadíssimo Strangers in the Night, pronto, nunca mais o Space Rock foi visto e ouvido nos palcos do UFO. O Japão e a Alemanha adoram esta fase inicial, tanto que na terra do chucrute, no mínimo três coletâneas não-autorizadas surgiram por lá. Em 1976, a Nova lançou Space Metal, que resgata canções dos dois álbuns, assim como outra Profile, lançada pela Teldec em 1979, e C'Mon Everybody, lançada pela Telefunken em 1981. Porém, coletâneas oficiais da época, como Headstone: The Best Of UFO (1983), Anthology (1987) e The Best Of UFO (1996) não trazem nada desta fase. Em 2004, a Castle acabou lançando o CD duplo Flying - The Early Years 1970 - 1973, com os discos acima citados e o compacto "Galactic Love" / "Lovin' Cup", lançado somente na Alemanha em 1972. Os três LPs desta fase inicial da banda acabaram recebendo diversos relançamentos não-oficiais ao longo dos anos, inclusive tendo nomes trocados para as canções (“Boogie For George” virou “Boogie”) e alternância na ordem das faixas (“The Coming Of Prince Kajuku” acabou tornando-se a primeira do lado B em muitos desses re-lançamentos). Porém, os diversos relançamentos do grupo focam-se somente na fase pós-Schenker, também conhecida como Chrysalis Years. Uma lástima, pois para mim, a fase Space Rock é uma das melhores fases de uma banda em sua história.
Scorpions
Álbum desprezado: Lonesome Crow [1972]
Os alemães do Scorpions tiveram diversas formações durante sua vasta carreira de mais de 50 anos, sendo duas bem distintas e famosas, chamadas era-Uli (comandada pelo guitarrista Uli Jon Roth) e era-Jabs (comandada pelo guitarrista Mathias Jabs, que substituiu Uli). Porém, o início do grupo é bem desconhecido de muitos fãs e admiradores dos caras, durou em torno de quatro anos, e teve como "líder" o menino Michael Schenker (que sai do Scorpions justamente para ser a alma do UFO, como citado acima). O som era bastante psicodélico, com muitas guitarras à la Hendrix e até um certo clima de progressivo. Inacreditável que um guri de apenas 16 anos tocasse tanto! Os destaques na minha opinião ficam para "I'm Going Mad", com uma longa introdução, ácidos solos de Schenker e bons arranjos vocais, assim como os bons solos de "Inheritance", onde temos um pequeno espetáculo de wah-wah, e a belíssima "Lonesome Crow", onde Michael, ainda garoto, mostra porque viria a ser considerado o mestre da Flying V nos anos seguintes, com um magnífico e longo solo combinando escalas jazzísticas, virtuose e muita distorção. Lonesome Crow teve diversos relançamentos com o passar dos anos, muito mais para matar a curiosidade dos fãs do que por vontade da banda. No Japão, país onde o Scorpions é amado, saiu a coletânea Early Hits (1982), que abrange, vejam só, apenas os discos da era Uli (nada de Schenker aqui). Vasculhei as quase 100 coletâneas cadastradas sob o nome do grupo no Discogs e a única a trazer uma canção ("I'm Going Mad") de Lonesome Crow é a caixinha com três CDs Box Of Scorpions, lançada nos Estados Unidos em 2004, pelo selo Hip-O Records, ligado à Mercury. Pós-entrada de Uli, "In Search of the Peace of Mind" esteve em algumas apresentações nas turnês de 1976, 1977 e 1978 (mas somente uma parte dela, como está registrada em Tokyo Tapes, nunca em sua totalidade). Depois, nem ela e nenhuma das outras canções do disco foram apresentadas nos palcos. Ou seja, um disco que acabou totalmente desprezado e esquecido, mas que é espetacular.
Pantera
Álbuns desprezados: Metal Magic (1983), Projects in the Jungle (1984) e I Am The Night (1985)
Os que ouvem o Pantera de Cowboys From Hell (1990) e Vulgar Display of Power (1992), álbuns pesados e símbolos do chamado Groove Metal, liderados pelos vocais de Phil Anselmo, praticamente não acreditam quando ouvem os três primeiros discos da banda, lançados durante a primeira metade dos anos 80. O que o quarteto formado por Terry Glaze (vocais, guitarras), Darrell Abbott (guitarras), Rex Rocker (baixo) e Vince Abbott (bateria), produzidos pelo papai Abbott (Jerry Abbott), faz aqui é um som entre o hard e o glam metal de nomes como Van Halen, Kiss e Mötley Crüe, além de usar roupas e cabelos bem espalhafatosos, como manda o melhor figurino do glam metal, e capas no mínimo hilárias. E olha, é um período bem interessante musicalmente. Os três discos foram lançados pelo selo Metal Magic Records, o qual foi um selo particular do grupo, responsável também por lançar o quarto disco, Power Metal (que citarei adiante), e contém faixas muito boas como "Metal Magic", "I'll Be Alright", e a baladaça "Biggest Part of Me", recheada de teclados (de Metal Magic), "In Over My Head" (adoro os tecladinhos dessa), "Killers" e "Out for Blood" (de Projects in the Jungle), "Down Below", "Onward We Rock!" e a excepcional "I Am The Night" (de I Am The Night), com uma introdução matadora de Darrell, e forte candidata a melhor canção deste período, para pinçar três canções de cada disco. Mas há bem mais canções boas nesse período. Detalhe importante são os ótimos solos de Darrell em quase todas as faixas - ouça "Blue Light Turnin' Red" ou "D*G*T*T*M (Darrell Goes to the Movies)" e tente não achar que é Eddie Van Halen quem está destruindo nas caixas de som. Voltando à história, em Projects in the Jungle, Terry muda de nome, passando a se chamar Terrence Lee, assim como Darrell agora tira o Abbott, assumindo então o pseudônimo Diamond, e o irmão Vicent Abbott se transforma em Vinnie Paul (Rex Rocker continua sendo Rex Rocker). Seguem com a mesma formação (e nomes) no álbum seguinte, que já traz uma sonoridade bem mais pesada, lembrando bastante Judas Priest, até que Anselmo entra para o grupo em 1986, Diamond agora vira Dimebag Darrell, e lançam Power Metal (1988), que também é um álbum desprezado, já que o Pantera em si considera somente o quinto disco, Cowboys From Hell, como o primeiro deles. Só que como já é a formação clássica, agora com Rex passando a se chamar Rex Brown, e canções de Power Metal estiveram nos set lists da turnê de Cowboys From Hell (no caso "Death Trapt", "Over And Out", "P*S*T* 88"), preferi considerar só os três primeiros. Metal Magic e Projects in the Jungle tiveram poucas edições, lançadas somente nos Estados Unidos, e I Am The Night nem isso (apenas uma edição em LP saiu também só nos EUA). Há inúmeras edições não oficiais tanto em CD quanto em LP, e em termos de coletâneas, nada daqui foi lançado oficialmente pela banda até hoje. Mesmo boxes que trazem os CDs completos e remasterizados só pegam os discos pós-Cowboys From Hell. Portanto, para o Pantera, a partir de 1990 é que realmente começa tudo, e é daqui em diante que eles conquistam mercados e fãs por todo o mundo, sem nunca mais se quer citou a existência da sua - ótima - fase glam.






