Com André Kaminski, Daniel Benedetti, Davi Pascale, Marcelo Freire e Marcello Zapelini
E coube a mim a tarefa de encerrar as indicações de 1975. Tarefa extremamente difícil, pois realmente, 1975 é um ano ímpar (com o perdão do trocadilho) na história da música. De imediato, com a sugestão que louvo ao Marcelo por ter dado, pensei em trazer seis discos nacionais. Afinal, 1975 fez o Brazil parir inúmeros álbuns excelentes, que ficaram de fora das listas, e que merecem uma audição afundo de meus colegas.
Mas preferi manter o respeito aos digníssimos consultores, e seguir o padrão 5 internacionais e 1 nacional. Mas não qualquer nacional, talvez o melhor disco nacional da década de 70 (junto de Falso Brilhante, de 1976), e que a imagem destacada já entrega qual é. Muito obrigado à todos os que leram, comentaram e participaram desta série, e que em 2026, possamos seguir, agora com indicações de 66, 76, 86, o que será que virá? Boas festas e um excelente 2026 para vocês!

Alphonse Mouzon - Mind Transplant
Mairon: 1975 é o ano mirabilis de Tommy Bolin. O cara participou de quatro discos incríveis em menos de 12 meses, e para mim, é complicado dizer qual o que mais gosto (a saber, além deste tem também Moxy, do grupo de mesmo nome, o conhecidíssimo Come Taste the Band e o citado em outra edição do Ouve Isso Aqui 1975, Teaser). Cheguei ao Alphonse Mouzon por um acaso, através desta perseguição à tudo o que Bolin gravou, e cara, meus butiás caíram do bolso ao ouvir "Mind Transplant", a faixa que abre o disco, e que além de mostrar o talento fenomenal de Mouzon na bateria - um dos melhores que já ouvi, aliás - também mostra uma banda fodida, páreo duro com o gigante Billy Cobham e seu Spectrum. A conexão entre estes discos, além de ambos serem de bateristas, a guitarra de Bolin. E o guri brilha. Olha a rifferama de "Carbon Dioxide", junto do baixão de Henry Davis, em uma faixa que também conta com um excelente solo do guri, que dá seu espetáculo a parte em "Nitroglyceryn", porrada e violência sonora descomunais, e na espetacular e viajanta "Golden Rainbows", forte candidata a melhor do álbum. Ao mesmo tempo, o outro guitarrista, Lee Ritenour não fica atrás na pancada "Ascorbic Acid", com uma introdução impressionante por Mouzon, e uma velocidade que não há explicação. Faixas mais cadenciadas, como "Happiness Is Loving You", "Snow Bound" ou a Sly Stoniana "Some of the Things People Do", destacam também uma ótima participação dos teclados, e principalmente, faz com que o artista central, Mouzon, deixe os seus colegas também brilharem. Resumindo, Mouzon destrói praticamente o tempo inteiro, tocando muito, a banda é foda pra caralho e Bolin estava muito à frente de seu tempo, o que já disse muitas vezes. Cada vez que ouço seus discos, fico ainda mais impactado com o que ele gravou em tão pouco tempo.
André: Um belo disco de um artista que apenas tinha ouvido falar e nunca ouvi nada. Mouzon é um ótimo baterista de jazz-fusion e com a adição do excelentíssimo Tommy Bolin nas guitarras fez deste Mind Transplant uma surpresa mais do que agradável para mim. Veloz, mas também sabendo ser funky e grooveado, adorei faixas como "Carbon Dioxide" e "Nitroglycerin". Mairon deu um belíssimo tiro aqui.
Daniel: Que Alphonse Mouzon é um dos grandes bateristas do Jazz Fusion não há dúvidas, e sua presença no álbum de estreia do Weather Report é uma prova da afirmação. Em Mind Transplants, Mouzon continua monstruoso na bateria, mas a “cena é roubada” pelo incrível guitarrista Tommy Bolin, com solos de arrepiar! Este disco é mais uma evidência do talento de Bolin, e de suas muitas facetas musicais. Portanto, fãs do guitarrista precisam ouvi-lo.
Davi: E aí? Billy Cobham ou Alphonse Mouzon? Spectrum ou Mind Transplant? Se você é um amante de música instrumental, um apreciador de fusion ou um baterista (profissional ou não), diria que ambos são audições obrigatórias. Mouzon dá, simplesmente, uma aula de técnica e feeling em faixas como "Nitroglycerin" e "Mind Transplant". Como se não bastante o ótimo trabalho de bateria do músico, ele ainda reuniu um time estelar para acompanhá-lo contando com a presença dos guitarristas Lee Ritenour e Tommy Bolin. Quem acha que os músicos atuam apenas fazendo acompanhamento, engana-se. As guitarras tomam à frente em diversos momentos em faixas como "Carbon Dioxide" e "Ascorbic Acid", mas a cereja do bolo ficam mesmo com as canções "Snow Bound", "Happiness Is Loving You", que são extremamente melódicas, além da única faixa cantada: a funky "Some of The Things People Do".
Marcelo: Eis que, ironicamente, a nossa lista dessa empreitada de falarmos sobre grandes discos de 1975 termina com o nosso big boss Mairon! E como não podia deixar de ser, a lista dele é a mais, digamos, peculiar e desafiadora de todas... A começar por Alphonse Mouzon e seu Mind Transplant: há algo de singular nesse álbum, pois ele é, ao mesmo tempo, a síntese e a implosão do jazz fusion setentista. Em 1975, o gênero já havia atingido uma maturidade técnica impressionante — bastava ouvir Weather Report, Mahavishnu Orchestra ou Return to Forever, todos inclinados a uma mistura demencial de virtuosismo, eletricidade e ambição. Mas Alphonse Mouzon, vindo da escola de McCoy Tyner e do próprio RTF, tinha outra abordagem: menos misticismo, mais rua; menos transcendência cósmica, mais músculo. Mind Transplant é seu disco mais ousado justamente porque não se limita ao fusion tradicional. É um álbum que se coloca no cruzamento entre jazz, funk pesado, rock instrumental e até um flerte com o que, anos depois, chamaríamos de groove metal. Mouzon é constantemente (e até insistentemente, eu diria) comparado a Billy Cobham, mas também pudera: ambos são virtuosos e rápidos; ambos têm a fusão em seu dna musical e participaram de bandas icônicas (Mouzon na Weather Report e na Eleventh House, e Cobham na Mahavishnu); e sem falar que ambos empregaram o talento de Tommy Bolin, seja no Spectrum de Cobham, seja neste álbum que ora vos resenho (e que foi apelidado de Spectrum 2). E é nesse ponto que quero centrar forças: muito dessa singularidade vem da presença de Bolin. O guitarrista — que naquele mesmo 1975 gravaria com o Deep Purple o incrível Come Taste the Band e seguiria para sua curta, mas brilhante carreira solo — surge aqui completamente à solta! Suas linhas de guitarra são elétricas, às vezes cortantes, às vezes espaciais, sempre com uma liberdade que poucas bandas de rock lhe permitiam. Jeff Beck, ao lançar Blow by Blow naquele mesmo ano (E QUE ANO, MEU DEUS, FOI ESSE 1975!), buscava elevá-lo ao patamar de “guitarrista-jazzista”; Mouzon, por sua vez, apenas pediu: toque como você quiser. Ou seja, esse Mouzon sabia das coisas... O resultado, portanto, é um álbum que alterna força bruta e elegância rítmica. Mouzon lidera tudo com uma bateria pulsante, de acentos secos, sincopações rápidas e explosões de técnica. Mas ele também toca teclados e arranjos, construindo camadas que dão unidade ao disco inteiro. Mind Transplant soa vivo porque é visceral: uma jam intelectualizada, mas espontânea. Um disco que une mundos e que, até hoje, permanece como cultuado por músicos, mas subestimado pelo grande público. Boa sacada do Mairon. Meus destaques: “Mind Transplant”, “Snow Bound”, “Golden Rainbows”. A gema escondida: “Carbon Dioxide”.
Marcello: O baterista de jazz fusion era um dos mestres desse instrumento, não resta dúvida. Em oito músicas relativamente curtas (a mais longa é “Golden Rainbows”, e mesmo ela não chega aos 7 minutos), Mouzon destaca sua bateria (e seu vocal) junto de um bom time de músicos, que inclui os guitarristas Lee Ritenour (sim, eu sei que ele lançou uns discos bem ruins nos anos 80, mas o cara toca muito) e Tommy Bolin (que faz um solo bem no seu estilo em “Golden Rainbows”) nas guitarras. As músicas transitam do rock ao funk dentro do quadro de referência do jazz, e é difícil destacar alguma, pois, se você gosta do estilo, vai encontrar muita coisa para se divertir, e se não gosta, provavelmente não vai mudar de ideia; mas chamo a atenção para “Ascorbic Acid”, a já citada “Golden Rainbows”, a explosiva (desculpem, não resisti) “Nytroglicerin” (outro momento de brilho de Bolin), a faixa-título e a bela “Happiness is Loving You”. Claro que a bateria de Mouzon é o carro-chefe, mas as guitarras e o baixo recebem (merecido) destaque nos arranjos. Este foi um disco que conheci muito tempo atrás por causa da participação de Bolin, e fazia bastante tempo que não ouvia; foi um prazer reencontrá-lo na lista do Mairon. O único defeito do disco é ser muito curtinho (pouco mais de 33 minutos)...

Esperanto - Last Tango
Mairon: Gravado no famoso Chateau de Herouville , este álbum encerra a curta discografia de três álbuns do grupo belga/vários países Esperanto. Comandados por Raymond Vincent (violinos), este octeto fez estripulias pela Europa na primeira metade dos anos 70. Seu canto do cisne é uma obra-prima, misturando elementos do rock progressivo com a nascente disco music, além da cultura do leste europeu e do folk americano. Essa mistura de elementos sonoros era a grande proposta dos caras - daí o nome - e eu sempre fico impactado ao ouvir seus discos, mas em especial Last Tango. Canções como "Obsession", "Painted Lady" e "Still Life", criam arranjos pesados para o trio de cordas, que somados ao delicado trabalho de piano e teclados de Bruno Libert, a pesada cozinha dos irmãos italianos Tony (bateria) e Gino (baixo) Malisan, além da dupla vocal de Kim Moore e Roger Meakin, contrastando os vocais feminino e masculino, fazem uma atmosfera única na música mundial. Basta ouvir a mini-suíte "The Rape" que você experimentará doses cavalares dessas variações musicais do octeto, onde todos os instrumentos brilham equanimemente. A chave de ouro é a Maravilhosa versão para "Eleanor Rigby", onde o Esperanto decoloniza (palavra da moda) as influências britânicas e cria o que podemos dizer ser o prog-esperanto. Ouçam sentados, por que é de cair para trás. E conto mais sobre essa bandaça aqui.
André: Já havia ouvido este disco há alguns anos e outra ótima lembrança do Mairon aqui. É mais um daqueles casos de rock sem guitarras mas que a gente nem percebe que é só o teclado e os violinos que carregam as melodias. É um disco curiosamente bem enérgico, que se tivesse guitarra, provavelmente seria classificado como metal progressivo sinfônico. Mas estes belgas fizeram um trabalho bem interessante e criativo, que vale a pena dar uma chance.
Daniel: Nunca tinha ouvido este disco, conhecia a banda só de nome. É um trabalho interessante, um prog rock com muitas alternâncias de dinâmicas dentro da mesma canção, muita influência clássica, sendo que os violinos brilham principalmente em “The Rape”. Para fãs de rock sem guitarra, é um prato cheio.
Davi: Essa é uma banda que já havia ouvido falar, mas nunca tinha parado para escutar. A proposta deles é bem bacana. Eles fazem um rock progressivo sem se utilizar de clichês. Por exemplo, muitos vão dizer que violino nesse tipo de som não é exatamente uma novidade. E, realmente, bandas como o Kansas (que também aparece nessa lista) já utilizavam o instrumento. A diferença é que o Kansas usa o instrumento complementando o arranjo, no caso do Esperanto eles são a tônica do arranjo. Não há guitarras por aqui. É justamente o violino quem acaba trazendo o peso das canções. Os vocais - interpretados por Roger Meakin e Kim Moore - são bem resolvidos e muito bem executados. E além da performance dos músicos ser muito boa, as canções também são excelentes. A única que não curti foi "Obsession", as demais são muito bacanas onde colocaria como destaque "Still Life", "Painted Lady", além da bela versão de "Eleanor Rigby". Ótima recomendação!! Vou tentar conseguir um exemplar para a minha coleção...
Marcelo: O Esperanto Rock Orchestra sempre foi um caso peculiar no progressivo: uma banda multinacional, com orientação orquestral, mas que jamais caiu no excesso barroco do rock sinfônico mais comum. Em The Last Tango, o grupo alcança aquilo que parecia buscar desde o início: um equilíbrio entre exuberância instrumental e uma musicalidade que nunca deixa de ser acessível, por vezes até pop, sem perder densidade. 1975 foi um ano em que o progressivo começava a mostrar sinais de desgaste comercial, mas não criativo (basta lembrar que o sublime Relayer do Yes é de 1975). Nesse contexto, o Esperanto surge com uma estética singular: cordas em destaque, arranjos que lembram música de cinema, vocais que vão do teatral ao delicado e uma forte base rítmica que impede que tudo soe etéreo demais. O disco funciona como uma pequena ópera moderna, mas sem a megalomania pretensiosa de outros projetos da época. A faixa-título é o ápice da ousadia: um tango distorcido, dançante e dramático, que mergulha o ouvinte num clima argentino repaginado para o rock setentista. Em contrapartida, outras faixas exploram texturas mais sinfônicas, lembrando por vezes Renaissance, Klaatu e até algumas passagens de ELO, embora sempre com um toque mais progressivo que radiofônico. Os detalhes orquestrais, seus vocais múltiplos, seus interlúdios camerísticos, tudo no disco parece calculado e, ao mesmo tempo, orgânico. Um disco que envelheceu bem e que merece ser revisitado com carinho, nem que seja para tomar um susto com a interessantíssima cover de “Eleanor Rigby” dos Beatles, que abre o álbum. Meus destaques: “The Last Tango”, “Painted Lady”, “Obsession”. A gema escondida: “Lonely Road”.
Marcello: Essa banda eu nunca tinha ouvido falar. E procurando informações sobre eles, encontrei apenas um nome conhecido, o do violinista Godfrey Salmon, que trabalhou com o Emerson, Lake & Palmer em meados da década de 70. O disco abre o disco com uma versão de “Eleanor Rigby” que começa tão diferente do original que você se pergunta se não há um engano. Mas quando Roger Meakin e Kim Moore começam a cantar, a gente reconhece a letra; no final das contas, uma versão excelente! “Still Life” é hard rock com violinos; outra música com longa introdução instrumental, com bom piano de Bruno Libert. Já “Painted Lady” é um pouco mais pop e tem menos presença das cordas, mas não é menos interessante, ao passo que “Obsession” é mais suave e traz belo trabalho vocal de Kim Moore – uma ótima cantora, por sinal. “The Rape” é o épico do disco, com mais de 12 minutos bastante variados e os violinos formando um arranjo impressionante. Os vocais de Roger Meakin são fantásticos nessa música, a melhor do disco. A faixa-título encerra o disco e traz, como o título sugere, influências do tango argentino, mas, independentemente disso, foi a que menos gostei, mas não prejudicou o disco. Antes de concluir, um detalhe relevante: o baixista Gino Malisan é excelente e se destaca praticamente em todas as músicas. Last Tango foi uma surpresa bem agradável, um disco que provavelmente nunca ouviria se não tivesse surgido nessa lista; vou atrás dos outros dois álbuns do grupo.

Kansas - Song For America
Mairon: Quando comecei a montar minha lista, percebi que haviam alguns artistas que tinham dois discos de 1975. O Kansas era um deles, e fiquei em dúvidas se este ou Masque iriam agradar mais meus queridos colegas, bem como iriam gerar comentários mais positivos. Escolhi Song For America por preferência pessoal (mesmo adorando Masque), só que acho que aqui, o Kansas consegue fazer um trabalho coeso de misturar o prog com o hard, que é o que marca a banda em seus cinco (sim, cinco) primeiros discos. A longa introdução da faixa-título já é uma Maravilha Prog para ninguém botar defeito. O prog avança com naturalidade e qualidade nas fantásticas "Lamplight Symphony", estupenda, emocionante, gigante, linda, tudo de bom, e nos mais de doze minutos de "Incomudro - Hymn to the Atman", que ao vivo podia ir a 20 fácil, dependendo da inspiração do solo de bateria, com uma construção arrepiante, e com destaque, conforme citado, para o longo solo de bateria já bem incomum em 1975, e com uma letra que mostra os caminhos religiosos que Kerry Livgren seguiria anos depois. Estas faixas destacam a exuberância e o talento de Livgren (guitarras, teclados), Steve Walsh (vocais, teclados), Robby Steinhardt (violino, vocais) e principalmente, os injustiçados Dave Hope (baixo), Phil Ehart (bateria) e Rich Williams (guitarras), exímios músicos pouco - ou quase nada - citados nas listas de melhores instrumentistas, mas que deveriam ser mais reconhecidos por seus trabalhos incríveis. Ao mesmo tempo, as hardeiras de "Down the Road" e "The Devil Game" revelam o lado pesado do sexteto, com ótimos teclados e muita guitarra estourando as caixas de som. E o blues de "Lonely Street" é uma ovelha negra que não pode jamais passar despercebida, com uma das melhores interpretações vocais de Walsh. Veio Leftoverture, o Kansas encontrou sua fórmula perfeita e se torna gigante com Point of Know Return, mas neste seu início, cara, que bandaça! Por fim, não tem a ver com o disco, mas sempre que vou escrever sobre o Kansas, lembro de um tal e famoso V. B., que simplesmente traduziu o livreto que vem no Box da banda lançado em 1994, como se o texto fosse dele, na cara dura, sem nem citar o boxezinho, e na parte onde o box termina, simplesmente o tal texto - que eu tenho guardado aqui - se enrola e acaba. Bota palhaçada. Mas não, se você ouvir Song For America, você não se sentirá um palhaço! Discaço!
André: Sempre tive a sensação que o Kansas só se uniu ao prog da época mais para seguir a onda do que fazer o que eles realmente queriam que era o hard rock/AOR dos anos seguintes. Mas ainda assim, fazem essa mistura de prog/hard com maestria e Song for America é outro disco bastante agradável. Não está lá entre os meus favoritos deles, mas músicas como "Lamplight Symphony" e "Lonely Street" me apetecem.
Daniel: Disco muito bom do Kansas, em que a banda está lapidando sua sonoridade. "Incomudro - Hymn to the Atman" é muito boa, mas a faixa-título é simplesmente um espetáculo. “Lonely Street” e “The Devil Game” possuem uma pegada Hard Rock, sem perder a complexidade natural do Kansas. Enfim, uma lembrança muito boa.
Davi: Para mim, o melhor álbum dessa lista. Em Song For America, o Kansas ainda não tinha aquela pegada de rock de arena que passou a permear seus trabalhos desde Leftoverture. A jogada aqui era a mesma de seu debut, ou seja, o blend de rock progressivo (presentes nas canções de Kerry Livgren) com hard rock (que ganhava força nas canções de Steve Walsh). Porém, os arranjos aqui estavam mais elaborados. Os violinos de Robby Steindhart sempre foram um diferencial do grupo, e aqui já se fazia presente. O álbum é bem consistente, mas se eu tivesse que escolher algum destaque ficaria com "Lonely Street", além da lindíssima faixa-título, que é a grande canção desse trabalho.
Marcelo: Sempre que ouço esse álbum penso que os caras do Kansas já sabiam de tudo... Ou quase tudo, pois a capa desse álbum é horrorosa. Seu álbum de estreia, Kansas, é lançado em março de 1974; Song for America, em fevereiro de 1975, mesmo ano em que lançam Masque (em setembro); em outubro de 1976, sai Leftoverture e em outubro de 1977, Point of Know Return! Em menos de 5 anos, os caras botam para quebrar (em 1978, sai o primeiro ao vivo deles), só que é no Song for America, e não no álbum de estreia, que o grupo rapidamente consolida sua identidade: um progressivo norte-americano que não tenta copiar o europeu, mas dialoga com ele enquanto incorpora country, hard rock e harmonias vocais folclóricas dos EUA em sua forma mais ambiciosa. Steve Walsh e Kerry Livgren já aparecem como forças criativas igualmente importantes: o primeiro mais direto, energético, teatral; o segundo mais místico, expansivo, reflexivo. A fusão dessas personalidades move o álbum inteiro. A faixa-título é um épico de quase dez minutos que mistura críticas ambientais, um lirismo quase pastoral e passagens instrumentais que lembram Gentle Giant e Yes, porém sempre com aquele violino característico de Robby Steinhardt que torna tudo identitário. “Lamplight Symphony” é a minha música favorita da banda (depois de “Dust in the Wind”, óbvio) e provavelmente uma das composições mais belas do Kansas: grandiosa, tocante, com uma melancolia que antecipa o tom mais espiritualizado das obras posteriores de Livgren (alô, Mairon, olha uma maravilha prog aí dando sopa!). Aí, depois, eles vêm dom “Lonely Street”, que oferece o contraponto: um rock mais áspero, com ecos de Zeppelin e do blues rock americano. Diferentemente do progressivo britânico, que em 1975 já flertava com estruturas mais difusas, o Kansas ainda investia em composições sólidas, com riffs marcantes, refrões memoráveis e arranjos complexos que nunca perdiam o fio narrativo. Song for America é, assim, o retrato de uma banda que sabia equilibrar virtuosismo e emoção, técnica e melodias fortes, algo que se tornaria sua marca nos anos seguintes. Meus destaques: “Song for America”, “Lamplight Symphony”, “Lonely Street”. A gema escondida: “Down the Road”.
Marcello: O segundo álbum do Kansas confirma a excelência de Kerry Livgren como instrumentista e compositor (três das seis músicas são exclusivamente de sua autoria e uma quarta tem sua coautoria), e traz uma banda ambiciosa, que tenta superar sua (boa) estreia. A faixa-título é um clássico atemporal, com boas variações no som, ótimo desempenho instrumental (particularmente do violinista Robby Steinhardt) e vocais perfeitos de Steve Walsh com Steinhardt no apoio. O outro épico do disco, “Incomudro - Hymn to the Atman”, não fica atrás, trazendo a banda em pleno voo para a estratosfera. Some a essas duas a ótima “Lamplight Symphony”, e o disco não precisava de mais nada, mas ainda há as ótimas “Down the Road” e “Lonely Street”, e o resultado é um dos melhores discos do grupo, ainda que longe de ser o mais bem-sucedido (isso aconteceria futuramente, com Point of Known Return); o som do grupo beirava o prog, com generosas doses de hard rock na guitarra do subestimado Richard Williams e na bateria pesada e bem elaborada de Phil Ehart. O Kansas se perderia depois por aí (por exemplo, nunca consegui gostar de Masque, o terceiro LP – ainda bem que eles se recuperaram com Leftoverture), mas em Song for America ele se mostra uma banda em pé de igualdade com os progressivos britânicos, e o LP só não é o melhor deles porque nada bate o fenomenal Two for the Show. Ótima recomendação do Mairon.

SBB - Nowy Horizont
Mairon: Tem bandas que surgem para nós e a gente acaba não lembrando como. É o caso do SBB. Eu creio que conheci a banda por conta de um antigo site russo de downloads, e baixei o primeiro disco deles (homônimo), gravado ao vivo, e que mostrava um grupo com forte influência do blues britânico (o nome da banda, SBB, vem de Silesian Blues Band ...) e, principalmente, do hard setentista, com o baixo carregado de distorção solando como instrumento central. Mas lembro claramente de quando ouvi Nowy Horizont, o segundo disco do trio (agora com SBB sendo Szukaj Burz i Buduj, ou seja, Busque, Rompa e Construa), e logo de cara, me deparei com algo mais progressivo, lembrando um Emerson Lake & Palmer com guitarras, e no qual o líder da banda, Josef Skrzek sai do baixo para assumir os teclados com uma perfeição digna dos melhores músicos de sua geração. Apenas na faixa título Skrzek demonstra todo seu talento solando com o baixo, usando distorções diversas e mandando ver. Mas falar de Skrzek é cair no molhado, o cara é sensacional e talvez o maior músico do rock polonês, e portanto, quero ressaltar a qualidade e o talento de seus dois companheiros, o guitarrista Antymos Apostolis e o baterista Jerzy Piotrowski. Cara, esses malucos tocavam muito. Na contra-capa do álbum, está lá; "a musica deste grupo é uma continuação de uma 'mutação' das propostas artísticas e experimentais do legendário intrumentista John 'Mahavishnu' McLaughlin", o que diz muito sobre o que esperar aqui. Para quem curte um prog mais "comum", o lado A é exuberante, As duas primeiras faixas, emendadas, que alternam-se musicalmente em solos de teclados, piano, guitarra, e uma bateria avassaladora. A assustadora "Ballada O Pięciu Głodnych", com Skrzek declamando um poema em polonês, irá é uma viagem literalmente. Mas é no lado B, na suíte "Wolność Z Nami", que o bicho pega. O arsenal de teclados é colocado à prova, e as camadas sonoras e vocalizações viajantes embriagam e encantam facilmente na primeira metade da canção. A segunda metade? Bom, procure e ouça, as diria que é um delírio musical que abriria um grande sorriso na face de Stravinsky - que puta duelo de guitarra e teclados, vá tomar banho! Vinte minutos para qualquer amante do progressivo se deliciar! O SBB elevaria suas qualidades prog ao máximo em Ze Słowem Biegnę Do Ciebie (1977) e SBB (1978), mudaria sua sonoridade para conquistar o ocidente em 1978 (e não deu certo), voltou a fazer prog de alta qualidade nos anos 90, mas tudo isso só foi possível por conta deste álbum. Discaço!
André: Sei que o Mairon é fanzaço desta banda e dou razão a ele. E caras, o baterista Jerzy Piotrowski rouba a cena. Toca muito. É mais um disco progressivo da lista do nosso doutor, desta vez caindo mais para o lado do rock espacial misturado a uns jazz-rocks. Fazia também muito tempo que eu não pegava um disco do SBB para ouvir e agora lembrei o porquê de eu haver gostado bastante. Único problema mesmo é a produção ruim, mas esperar o quê de uma Polônia sofrendo horrores nas mãos dos soviéticos? Acho até ter sido um feito incrível terem conseguido gravar um disco neste estilo.
Daniel: Mais um álbum de viés progressivo e uma obra bastante interessante. O grupo faz um prog com evidente pegada “jazzística”, especialmente na canção que encerra o disco (e que tem perto de 20 minutos – e um nome impronunciável). Preciso ouvi-lo mais vezes para ter uma melhor absorção da proposta, mas, à primeira ouvida, recomendo.
Davi: Lembro que o Mairon já tinha comentado dessa banda com a gente, mas ainda não havia parado para ouvi-los. Dei uma pesquisada sobre os caras e descobri que se trata de uma banda polonesa, considerada uma espécie de supergroup. Nowy Horizont é o primeiro álbum de estúdio deles, mas confesso que não me empolgou. Os músicos são muito bons, onde vale um destaque para o tecladista Józef Skrzek, que consegue chamar a atenção em duas frentes: no trabalho de hammond/piano - que acaba sendo o creme do disco - e pelo trabalho de contrabaixo, que tem bastante evidência na mixagem. O LP conta com 5 músicas apenas. As 2 primeiras - "Na Pierwszy Ogień " e "Błysk" são bacaninhas, e contam com uma levada de baixo/bateria que me remeteu um pouco ao que o Deep Purple costumava fazer nas jams que faziam nos tempos de Ritchie Blackmore. Mas, a partir daí as músicas ficam chatas. "Nowy Horizont" e "Wolność Z Nami", as mais longas do álbum, contam com bastante experimentações, com Józef explorando uma sonoridade mais cósmica nos teclados. Não tenho nada contra a prática, mas as viagens deles aqui não me encantam. E, para piorar, achei a qualidade de gravação ruim, som abafado, sem brilho. Por ser um grupo formado por mestres do rock polonês e com uma influência tão grande, esperava mais.
Marcelo: Em que outro lugar eu seria apresentado a essa banda de progressivo polonês?! Somente em uma lista do Mairon mesmo... Nunca tinha ouvido falar nos sujeitos. No link do YouTube em que ouvi o álbum completo, o texto de apresentação diz que “de todas as bandas fantásticas que surgiram na Polônia (e há muitos ótimos exemplos), o SBB é o precursor da mistura eclética de jazz sinfônico e experimental.” Bem, realmente é um trabalho que condiz com a expressão “mistura eclética”, pois combina psicodelia tardia, jazz improvisado, rock experimental e uma melancolia muito específica, talvez coisa de polonês mesmo. Ele tem uma coisa entre o lirismo e a tensão, entre o contemplativo e o desarranjado. Não vou negar que Nowy Horizont é um álbum que se desdobra lentamente (ouvi-o duas vezes e decidido a não fazê-lo uma terceira vez): na primeira, achei chatíssimo, na segunda, esquisito, mas já gostando de um trecho aqui, outro ali. Suas longas composições funcionam como viagens internas, com temas que emergem, desaparecem, ressurgem transformados. Embora se conecte a nomes como Soft Machine, Pink Floyd fase Meddle e algumas vertentes do krautrock, não consegui curtir muito. Meu destaque: “Na pierwszy ogień”. E confesso que, pela primeira vez em todos os discos de todas as listas, não consegui desvendar uma gema escondida.
Marcello: A única banda polonesa que conhecia até ouvir este disco era o Riverside, e fui conhecer algo a respeito do SBB por causa da resenha que o próprio Mairon fez da box set que reúne os discos da banda. Mas só parei para ouvir quando a lista nos foi passada. O trio formado por Józef Skrzek (baixo, teclados, vocais), Apostolis Anthimos (guitarras, bateria, teclados, baixo) e Jerzy Piotrowski (bateria) apresenta aqui um trabalho predominantemente instrumental, com destaque para a bela “Nowy Horyzont” (com excelentes teclados) e para a longa “Wolność Z Nami”, com mais um belo trabalho de Skrzek no piano e alguns wordless vocals. “Ballada O Pięciu Głodnych” se diferencia das outras por trazer os vocais de Skrzek declamando a letra, mas a música não chegou a me cativar; no fim das contas, o trabalho instrumental é o mais interessante do SBB, ao menos neste disco, com os teclados viajantes de Skrzek, a guitarra insana de Anthimos e a bateria imprevisível de Piotrowski. O fato de o álbum ter sido gravado num país da Cortina de Ferro nos anos 70 não deixa de ser um aspecto a destacar, pois, afinal de contas, bem poucas bandas da região chegaram aos nossos ouvidos. O disco é muito bom e me motivou a buscar conhecer mais do trabalho da banda, mas não entraria numa lista de melhores do ano.

UFO - Force It
Mairon: Segundo disco da trup de Phil Mogg e Pete Way com o alemão Michael Schenker, agora não mais um guri, mas um ser capaz de assinar sete das nove músicas do disco, isto com apenas 20 anos. Force It é um disco sensacional, daqueles que sabemos não ser o melhor de uma banda, mas que dá gosto de ouvir. O que Schenker faz na criação de faixas menos comuns como "Love Lost Love" já é o suficiente para adorarmos o disco. O uso de passagens acústicas ("High Flyer") e das inspirações zeppelianas ("Dance Your Life Away") são algo que se destacam fácil em uma primeira audição. Mas são nas clássicas, e principalmente, que o UFO se torna o gigante que virou, pois nada, nada na segunda metade dos anos 70, teve tanta potência hard quanto essas faixas e o que o UFO fez até Strangers in the Night (ok, Obsession é bem experimental, mas mesmo assim, é um disco impecável). A presença do piano elétrico de Chick Churchill deu um gás a mais para o grupo, que criou soberanidades do porte de "Out In The Street". A hardeira pesada de "Shoot Shot", "Mother Mary" e "Let It Roll" são para sair pulando pela casa, "This Kids" e Minha favorita do disco (e top 3 do UFO), é daquelas que pouca gente valoriza, a espetacular "Too Much of Nothing", uma performance vocal sensacional de Phil Mogg, e na verdade, uma música indescritível que eu adoro sair gritando pela casa os "I used to cryyyyyyyyyyyyyy ...". E o que é aquele sustain que o Schenker cria nesta faixa?? Puta que pariu! Vocais muito bem trabalhados, excelente casamento da guitarra com o baixo, e um pouco comentado Andy Parker socando seu kit são outros grandes destaques deste disco fenomenal - mais um trocadilho infâme, eu sei - que influenciou toda a NWOBHM anos depois (pergunta para o patrão Harris o que ele acha deste disco). Comento mais sobre ele aqui, e obrigado por terem me dado a oportunidade de indicar este que desta lista, julgo se o principal que deveria estar na lista de 1975 original.
André: Vixe, não tem nem o que falar muito. Qualquer coisa setentista que contenha Michael Schenker em seus créditos é trabalho da mais alta qualidade. Phenomenon do ano anterior já é excepcional, e este segue no mesmo nível.
Daniel: De longe, é o meu preferido da lista. É o UFO em seu auge, com a química entre Michael Schenker e Phil Mogg, os principais compositores desta fase, rendendo excelentes canções. Aliás, uma amostra do talento de Phil como cantor está em "High Flyer". “Let It Roll” e “Shoot Shoot” são provas do poder do hard rock do grupo. A pesada "Too Much of Nothing" disputa o posto de preferida do álbum com a suave "High Flyer", uma canção com o DNA melódico do UFO. Disco maravilhoso.
Davi: Um dos grandes clássicos da carreira do UFO. O lineup aqui - unindo as guitarras de Michael Schenker, o baixo de Pete Way e os vocais de Phil Mogg - certamente foi um dos melhores do grupo britânico. O disco já começou a causar por conta da polêmica capa que trazia um casal brincando de fazer neném em uma banheira. É claro que a gravadora iria forçar uma nova arte, o que de fato acabou acontecendo. Do lado musical, não tem muito o que falar. O grupo mesclava baladas do porte de "High Flyer" com hard rocks poderosos como "Love Lost Love" e "Too Much of Nothing". A influência de Led Zeppelin corre solta tanto nas linhas vocais de "Dance Your Life Away", quanto nos riffs de "This Kid´s". Contudo, os grandes destaques do LP estão logo no início com os clássicos absolutos "Let It Roll" e "Shoot Shoot", sem dúvidas, a minha faixa predileta desse vinil.
Marcelo: De modo inacreditável, esse álbum não apareceu nem na lista oficial de 1975, nem na lista do que ficou de fora e em nenhuma das que meus colegas e eu produzimos. Aqui, ele só perde para o do Caetano. Se Phenomenon (1974) marcou a chegada de Michael Schenker e deu ao UFO um novo rumo, foi Force It que consolidou a banda como uma força criativa real dentro do hard rock inglês. 1975 foi um ano de transição para o gênero — Led Zeppelin deixaria sua fase mais grandiosa, o Black Sabbath já dava sinais de turbulência e o Deep Purple mudaria novamente de formação. Nesse cenário, o UFO aparecia como um grupo que unia o clássico hard britânico com um senso melódico que antecipava o AOR do final da década. Parte dessa transformação se deve ao jovem Schenker, que toca aqui com uma combinação raríssima de agressividade e lirismo. Seus solos são marcantes, suas frases lembram tanto o blues elétrico europeu quanto a escola mais neoclássica que viria a influenciar guitarristas dos anos 80. Phil Mogg, por sua vez, está em plena forma: cantando com uma mistura de urgência e estilo, algo entre o roqueiro de pub e o crooner de arena. Force It é direto e eficiente. Não há sobras, não há excessos. É um disco construído com foco em riffs marcantes, grooves simples e refrões que grudam. Ao mesmo tempo, a banda experimenta com toques de progressivo e, principalmente em contrastes melódicos e pequenos arpejos atmosféricos. A produção de Leo Lyons (do Ten Years After) ajuda a manter tudo coeso e quente, com aquela sonoridade analógica que só 1975 podia oferecer. É o tipo de álbum que, mesmo sem ser revolucionário, representa com perfeição um momento histórico do hard rock, e que, anos depois, seria lembrado como uma das bases estéticas do metal melódico. Indispensável em qualquer boa coleção do gênero. Meus destaques: “Let It Roll” (já abre o disco com tudo), “Shoot Shoot”, “Mother Mary”. A gema escondida: “High Flyer” (perfeita para ouvir numa madrugada de sábado em um boteco).
Marcello: Quarto LP do UFO, segundo com o menino-prodígio Michael Schenker nas guitarras, Force It é produzido por Leo Lyons (ex-Ten Years After), que trouxe seu ex-colega de banda Chick Churchill para os teclados – e a banda deve ter gostado, porque o disco seguinte (No Heavy Petting) traria o argentino Danny Peyronel como tecladista fixo. O álbum está recheado de clássicos (“Let it Roll”, “Shoot Shoot”, “Out in the Streets”, “Mother Mary” e “This Kid’s”) que, verdade seja dita, receberiam versões definitivas no maravilhoso, estupendo, fenomenal, impressionante Strangers in the Night, mas que aqui brilham o suficiente para se tornarem os principais destaques – em especial “This Kid’s”, que tem uma linda coda instrumental composta por Schenker, e que desapareceu na versão ao vivo. A baladinha “Love Lost Love” é menos conhecida, mas é outra música excelente que merece ser lembrada, e “Too Much of Nothing” é uma das poucas músicas originais do UFO sem a coautoria de Phil Mogg (é assinada apenas pelo baixista Pete Way), revelando que a banda não era apenas a dupla Mogg/Schenker. Aliás, um dos motivos pelos quais prefiro as versões ao vivo do duplo de 1979 é justamente Mogg – por algum motivo que não sei explicar, acho que ele não rendeu tudo o que podia em Force It. Mas isso não tira o mérito deste álbum sensacional, que eu coloquei na minha lista e retirei porque apostei comigo mesmo que o Mairon iria incluir na sua lista (acho que os dois somos os maiores fãs do UFO aqui na Consultoria), e, como podem ver, ganhei. O prêmio? Ouvir novamente este grande álbum, outro gol de placa nessa lista.

Nacional: Caetano Veloso - Jóia
Mairon: Mais um artista que em 1975 lançou duas obras-primas. Jóia e seu irmão gêmeo Qualquer Coisa são discos muito opostos, diferentes de outros gêmeos como Use Your Illusion ou Human Touch / Lucky Town (só para citar dois). Adoro o segundo, mas Jóia é um disco que para mim, na discografia do Caetano do velho testamento, só perde para Transa por um nariz. O disco faz o acabamento final das explorações insanas que começara no conturbado - e para mim, perfeito - Araçá Azul, onde Caetano mostra o "seu Brasil" para o mundo, e não o Brasil da ditadura, usando de prato, faca, batidas no corpo, cantorias locais, para criar música. Caetano surge agora como um grande violonista nas belas "Canto do Povo de Um Lugar", fácil a canção mais linda do disco, com um certo ar de Pink Floyd na época Ummagumma, graças a importante participação do saudoso grupo Bendegó, "Minha Mulher", homenagem a esposa Dedé, em sua interpretação única para "Na Asa Do Vento" (de Luiz Vieira e João do Valle) e na divertida "Gravidade". Ao mesmo tempo, mantém sua veia tropicalista e experimental em doideiras de desconstrução esquizóide e surpreendentes (positivas para quem gosta, ou negativas para quem detesta) como as percussivas - e de inspirações no Xingú, o verdadeiro Brasil - "Asa", "Guá" e "Jóia", que eu acredito ser a origem instrumental do que a Uakti pensou como música um dia, mas com um espetacular jogo de palavras em suas letras, usufruindo plenamente das próprias expressões orais das palavras, as palmas e batidas no corpo, além dos murmúrios vocais da extravagante "Tudo Tudo Tudo", a orquestra de flautas de "Pelos Olhos", ou o arranjo da Banda de Pífaros de Caruaru - méritos de Perna Fróes - em "Pipoca Moderna", com um show de sobreposição vocal. E cara, sério, eu amo essas doideiras, essas criações com instrumentos exóticos, a percussão corporal, a exploração de vozes e sons guturais, principalmente quando feita com uma qualidade incrível como a das canções de Jóia, que se encaixam perfeitamente com o violão delicado e a voz suave de Caetano. Temos a presença do genial Antonio Adolfo no órgão de "Lua, Lua, Lua, Lua", e a versão de "Help" que o baiano faz aqui para mim, apenas com voz e violão, é a definitiva, podem me jogar as pedras (em tempo, aproveito para indicar a soturna versão que ele entrega para "Eleanor Rigby" em Qualquer Coisa. Arrepiante!), e tudo acaba em samba, ou seja, "Escapulário". Quer melhor coisa para representar o Brasil? A partir de então, Caetano começou cada vez mais a frequentar a grande mídia, foi chamado de traidor, chamou o Geraldo Mayrink de burro, começou o relançamento com a Paulinha Lavigne quando ela tinha 13 anos, e ele 40, atravessou os anos 80 virado em polêmicas, e se agigantou nos anos 90 com o lançamento de "Sozinho", tornando-se um ícone amado ou odiado no Brasil e no mundo. Melhor disco desta lista, o último disco verdadeiramente tropicalista do Brasil, e como falei no texto de introdução, um dos melhores discos do país na década de 70, mas por que não, de todos os tempos! Detalhe adicional, a linda capa pintada por Caetano, e censurada pela ditadura militar.
André: A MPB pode te apresentar artistas singulares e excelentes. Mas também tem aquele lado chato, meio soporífero, com letras chatas e sonoridade que me remete ao pessoal intelectualóide das universidades brasileiras. Pois é meus caros, este é o Caetano. O artista mais chato da MPB. Sem ofensas para ti, meu caro Mairon, tirando este disco sua lista foi brilhante, mas é nessas horas que me deu saudades quando você nos fazia ouvir Los Hermanos.
Daniel: Respeito a figura, que possui um secto fiel de seguidores, mas, definitivamente, não é para mim.
Davi: Em 1975, Caetano lançou dois álbuns: Qualquer Coisa e Jóia. A ideia inicial era fazer um álbum duplo. No entanto, achou muito difícil encontrar uma linha condutora, um conceito, entre tantas canções. Por isso, optou por fazer 2 álbuns simples. Um seguindo uma sonoridade mais tradicional, outro trazendo uma pegada mais experimental. Em Jóia, o cantor mescla a delicadeza de seus violões com uma forte experimentação, usando e abusando de repetições e desconstruções. O disco, ainda que não tão difícil quanto Araçá Azul, pode assustar ouvintes mais conservadores. No entanto, quem se aventurar à embarcar nessa viagem musical encontrará grandes canções como "Minha Mulher", "Lua, Lua, Lua, Lua", "Gravidade" e "Na Asa do Vento". Vale lembrar que, na época, Caetano Veloso teve a capa do LP censurada. A arte original trazia um desenho de Caetano, sua esposa Dedé e seu filho Moreno Veloso nús, o que foi considerado pelos censores uma afronta aos bons costumes. Uma bobagem sem tamanho. A única afronta aqui foi a sofrível versão de "Help!", mas nada que tire o brilho desse que é, sem dúvida nenhuma, um grande clássico da Música Popular Brasileira.
Marcelo: Acho que esse é o maior golaço de todas as listas de ótimos discos lançados em 1975, ano em que Caetano Veloso lançava simultaneamente (em 20 de agosto) Qualquer Coisa e Jóia, dois discos complementares que sintetizam tensões centrais de sua obra no pós-exílio. E se você, roqueiro leitor, está achando que eu, como de praxe, estou dizendo isso porque trata-se de uma obra nacional, ledo engano: o golaço está na escolha do Mairon, já que ele teria a chance de eleger Qualquer Coisa, diamante já lapidado, mas opta por essa pepita valiosíssima de nosso cancioneiro... O Brasil ainda vivia sob o peso da ditadura militar, com a censura atuando de forma sistemática sobre a produção cultural, e esse contexto ajuda a compreender o caráter ambíguo e, ao mesmo tempo contido e libertário, do projeto. Se Qualquer Coisa dialoga com a tradição das canções mais diretas e do violão em primeiro plano, Jóia se impõe como o lado mais experimental, sensorial e ousado dessa parte do díptico que os dois álbuns formam. O caminho até Jóia passa inevitavelmente por Araçá Azul (1973), certamente o trabalho mais radical da carreira de Caetano. Depois desse misto de explosão criativa e grito entalado pós-exílio, Caetano passou dois anos no Rio de Janeiro, equilibrando a vertente experimental com arranjos mais tradicionais, típicos de seus primeiros trabalhos, e então o compositor buscou um novo equilíbrio entre experimentação e comunicação. A ideia inicial de um álbum duplo, inspirada em obras como o White Album, dos Beatles, e Songs in the Key of Life, de Stevie Wonder, foi abandonada por receio de dispersar a escuta. A divisão em dois discos permitiu maior coesão interna e, no caso de Jóia, uma identidade estética mais clara do que no caso de Qualquer coisa. Mesmo sem o radicalismo extremo de Araçá Azul, Jóia segue sendo um disco desafiador. Trata-se de uma obra construída pela justaposição de linguagens: arranjos de cordas, percussões não convencionais, vocalizações livres e referências diretas a matrizes indígenas do Xingu convivem com canções de estrutura relativamente simples. As participações de Gilberto Gil, do Quarteto em Cy e de Djalma Corrêa (responsável pela percussão em várias faixas do álbum e também pela mixagem de algumas delas, sendo um instrumentista de destaque no projeto) ampliam esse espectro sonoro, transformando o álbum em um verdadeiro laboratório musical. Entre as faixas, destacam-se “Minha Mulher”, sustentada pelos violões de Caetano e Gil; “Guá”, marcada pela percussão de inspiração indígena e atmosfera ritualística; “Canto do Povo de um Lugar”, uma das composições mais emblemáticas do disco, pela conexão com a natureza e o coletivo; “Pipoca Moderna”, em que a voz assume função rítmica; a releitura intimista de “Help”, reduzida ao violão; e “Escapulário”, samba baseado em poema de Oswald de Andrade, que reafirma o diálogo constante de Caetano com a tradição modernista em seu aspecto mais emblemático: a ruptura com o clássico, com o canônico. Além da música, Jóia também ficou marcado pela controvérsia em torno de sua capa original, uma pintura sobre fotografia de Caetano nu ao lado de Dedé Veloso e do filho Moreno, censurada à época. O veto gerou polêmica, afetou as vendas e expôs, mais uma vez, os limites impostos pela repressão à liberdade artística naquele momento histórico. Passados cinquenta anos, Jóia permanece como uma obra difícil de enquadrar em rótulos ou períodos específicos. No texto-manifesto que acompanha o disco, Caetano se posiciona “contra aqueles que falam em termos de década e esquecem o minuto e o milênio”, frase que ajuda a explicar a longevidade do álbum. Em meio aos grandes lançamentos de 1975 (basta ver esta série aqui da casa), Jóia segue como um trabalho singular: menos imediato, mais introspectivo, mas profundamente coerente com a ideia de música como experiência sensível, aberta e atemporal. E palmas para a escolha do Mairon, menos óbvia do que a de Qualquer coisa e em sintonia com as experimentações de SBB, Alphonse Mouzon e Esperanto. Meus destaques: “Minhas Mulher”, “Guá”, “Gravidade” e “Canto do Povo de um Lugar”. A gema escondida: “Help”, desconstruída até o seu mínimo acorde. A outra gema mais escondida ainda: “Pipoca Moderna”: aqui é coisa de gênio, de gênios! Em 1972, Gilberto Gil grava em seu Expresso 2222 essa música, que é uma melodia de Sebastião Biano, da Banda de Pífanos de Caruaru (que toca na gravação). Aí vem o Caetano Veloso 3 anos depois e escreve a letra para a melodia de Biano, uma verdadeira maravilha da poesia modernista oriunda de Oswald de Andrade e totalmente tributária do concretismo dos irmãos Haroldo e Augusto de Campos e de Décio Pignatari. Ela, sozinha, já vale a inclusão do disco nesta lista.
Marcello: Caetano Veloso andava inspirado em 1975, pois além deste disco, ele lançou Qualquer Coisa simultaneamente. Ele parecia estar ouvindo muito os Beatles, pois neste regravou “Help”, e no outro, mais três músicas (até as capas aludem aos rapazes de Liverpool: Joia lembra Unfinished Music vol. 1: Two Virgins, de John e Yoko, e a outra foi baseada em Let it Be). O disco começa muito bem com a bela “Minha Mulher” (com Caetano e Gilberto Gil nos violões), tendo na sequência “Guá” (com os preciosos vocais do Quarteto em Cy), com Caetano brincando com a sonoridade das palavras e boa percussão de Djalma Corrêa; a versão para “Help” (gravada como balada, como Lennon queria originalmente) e “Na Asa do Vento”, ambas levadas por Caetano só na voz e violão, são, para mim, as melhores músicas. Os experimentos de “Lua, Lua, Lua, Lua” e “Gravidade” (apesar da letra repetitiva) também funcionam bem, e outras músicas legais são “Canto de Povo de Um Lugar” e “Pipoca Moderna”. Por outro lado, “Pelos Olhos”, “Asa” e “Tudo Tudo Tudo” não me atraíram. Tudo se acaba com “Escapulário”, poema de Oswald de Andrade cantado com acompanhamento de percussão e o vocal de As Gatas. Admito que fui ouvir o álbum com um pé atrás, pois não sou fã de Caetano e comentários que li não eram muito elogiosos, mas Jóia saiu-se melhor do que o que esperava na minha avaliação.

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