A Música do Diabo: A Verdadeira História da Lenda do Blues Robert Johnson, por Bruce Conforth e Gayle Dean Wardlow, foi lançado em 2022 aqui no Brasil (em 2019 nos Estados Unidos) pela editora Belas Letras. O livro surge como uma fonte nova e bastante interessante sobre a vida daquele que talvez seja o primeiro grande nome do blues, Robert Johnson. O violonista negro ganhou fama não só por suas canções emblemáticas, como "Travelling Riverside Blues", "Terraplane Blues", "Cross Road Blues", Rambin' On My Mind", entre outras que ficaram eternizadas por versões de gigantes como Eric Clapton, Led Zeppelin, entre outros tantos que gravaram Robert Johnson, mas também por sua história repleta de obscuridades, romantismo, invenções e muitas lendas, principalmente por conta de uma suposta venda da alma de Johnson em uma encruzilhada, em busca da fama, que acaba levando à sua morte prematura, aos 27 anos, em 16 de agosto de 1938.
Porém, A Música Do Diabo é o resultado de mais de 50 anos de trabalho, interesse, pesquisa, entrevistas, discussões, escuta, viagens e todos os demais tipos de empreitadas humanas. Gayle começou a pesquisa a vida de Robert Johnson em 1962, e Bruce em 1968, logo após Gayle encontrar a certidão de óbito de Johnson, abrindo caminho para a busca pelas origens da verdadeira história de Johnson.
O livro começa do básico, ou seja, de como os pais de Robert se conhecem, geram o bebê e acabam se divorciando, com a mãe passando a viver com um novo companheiro. A partir de então, o menino Johnson passa a viver nas plantations (método agrícola que usava o trabalho manual em grande escala) onde sua mãe passa a trabalhar, apanhando por não querer trabalhar e auxiliar o padrasto, e começando a desenvolver seu gosto por música, até que se torna um jovem talentoso, atraente e capaz de encantar aos que ouvem sua voz e seu estilo inédito de tocar.
O mais interessante ao longo das páginas iniciais, e ao longo de todo o livro, é que a dupla vai apresentando documentos que corroboram a ideia central deles, que é desmistificar o Robert Johnson ícone e torná-lo um homem real. Já jovem, Johnson conhece Virginia Travis. Porém, os pais não deixam os dois viverem juntos, e a menina acaba falecendo, junto com o bebê, durante o parto. Anos depois, ele tem um relacionamento com Vergie Mae Smith, com a qual também tem um filho, e novamente, os pais não deixam Johnson, por ser músico, conviver com a menina e o bebê.
É mais um trauma na vida de Robert, que vai acumulando e deixando-o introvertido, com dificuldades de se relacionar com as pessoas, mas com uma capacidade enorme de colocar suas emoções através da música. O livro traz relatos de pessoas que choravam ao assistir as apresentações de Johnson, que começa a viajar pelos Estados Unidos, tocando nas jukes (locais de encontros de pessoas para beber e se divertir) e nas ruas, até que é descoberto por Ernie Oertle, o qual o apresenta a Don Law e então, faz seus dois históricos registros musicais (em San Antonio e em Dallas, no Texas), para então, se tornar um dos mais vendidos do blues em sua geração, através da bolacha de "Terraplane Blues".
Do sucesso repentino, à um quase ostracismo, isso em poucas semanas, Johnson acaba falecendo por conta de um uísque envenenado por conta do marido de uma mulher que teve um relacionamento com o músico, que é onde o livro encerra-se. Porém, até chegar na morte de Robert, os autores vão realmente desconstruindo a imagem do ícone mitológico que teria vendido a alma para o diabo em uma encruzilhada, em busca do sucesso. Com muitas fontes e entrevistas, uma ampla consulta em documentos do censo em Alabama, Arkansas, Mississippi e Tennessee, assim como certidões de óbito, imagens diversas, Conforth e Wardlow trazem uma nova visão para quem foi Robert Johnson.
São das entrevistas que a dupla conclui que Johnson desenvolveu seu estilo "inédito" após ter contato com Ike Zimmerman, um famoso violonista da região do Mississippi, principalmente pela filha de Zimmerman, Loretha Zimmerman, que apresenta muitas histórias sobre como o pai gostava de ir ao cemitério na meia-noite para tocar, por ser um local silencioso, e aproveitava para levar o jovem Johnson para tocar junto, assim como informações dadas pela entrevista com Eula Mae Williams, vizinha dos Zimmerman, e que também conheceu Johnson, confirmando que Ike foi "quem ensinou muito de música a ele".
Os detalhes das gravações de cada canção de Robert em San Antonio e em Dallas, assim como uma boa análise musical destas faixas, são mais um grande ponto para o livro, e claro, as explicações para a morte de Johnson, baseadas novamente nos relatos de pessoas que estiveram in loco no fatal dia em que ele bebe o uísque envenenado, acabam por vez da suposta ligação com o demônio. Segundo os autores, Johnson uísque envenenado com uma espécie de naftalina, que não era capaz de matar uma pessoa. Porém, Robert já estava sofrendo de úlcera, a qual teria sido diagnosticada um mês antes de sua morte por um médico que o alertou para que era necessária que Robert parasse de beber, o que o músico não fez. A bebida envenenada, junto com a úlcera em estado avançado, causou sangramento no estômago e esôfago do músico, que morreu dois dias depois, sem assistência médica, na plantation de Luther Wade, qe acaba enterrando Johnson em uma vala comum, "com pouca cerimônia e breves formalidades". Os autores buscam várias fontes, mas apresentam o relato de Honeyboy Edwards, corroborado por Rosie Eskridge, de que ele estava tocando para várias pessoas, que o incentivavam a tocar mais, e acabou pegando a bebida envenenada e bebendo normalmente, sem saber que estava ali encaminhando sua morte.
Um livro muito interessante para quem gosta de história, e principalmente, detesta narrativas (palavra da moda) ou teorias da conspiração. Gayle e Conforth vão direto ao ponto, mostrando por A mais B que Robert Johnson foi um homem extremamente talentoso não só para a música, mas para atrair mulheres, e que foi este talento extremo que acabou levando-o ao sucesso e a morte. Não à toa, recebeu diversas premiações, como prêmio Penderyn de livro musical 2020 (Inglaterra), melhor livro de blues escolhido pelos críticos e leitores da revista Living Blues, e certificado de mérito como melhor pesquisa histórica sobre gravações de Blues, Soul, Gospel e Rhythm 'n' Blues na categoria ARSC (Association for Recorded Sound Collections, ou seja, Associação para Coleções de Gravações Sonoras).
Johnson deixou um legado gigantesco para a música mundial, e está aí agora para ser descoberto não somente por conta de sua música, mas também por conta da sua agora, finalmente, verdadeira história. História esta essencial para o folclore do blues, da cultura negra e da história da música nos Estados Unidos.
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