quarta-feira, 8 de abril de 2009

Bacamarte




Uma das mais importantes bandas do rock brasileiro: essa é a forma mais honesta de se definir o Bacamarte. Assim como os Mutantes e o Recordando O Vale das Maçãs, o Bacamarte conseguiu romper as fronteiras brazucas e galgar sucesso no exterior, principalmente no Japão. 

O início da banda está no ano de 1974. Lá, o multi-instrumentista Mário Neto (guitarras, violões) começava sua carreira de músico junto a três colegas da Escola Marista, no Rio de Janeiro. Mário chegou a cursar a faculdade de Engenharia na Veiga de Almeida, mas seu monstruoso talento fez com que ele guinasse mesmo para a música. 

A banda teve diversas formações, mas no ano de 1977 consolidou-se com seu line-up clássico: Mário, Sérgio Villarim (teclados), Delto Simas (baixo), Mr Paul (percussão), Marcus Moura (flautas e acordeão) e Marco Veríssimo (bateria). Assim, participaram do programa Rock Concert, na TV Globo, onde conseguiram o apoio para gravar uma demo. Porém, a mesma não contou com apoio de nenhuma gravadora, já que o som dos garotos (progressivo tradicional) estava fora da moda na época. É importante ressaltar que a banda já contava com os vocais da bela Jane Duboc. 

Mesmo sem o apoio de gravadoras, Mário continuou insistindo no som progressivo, até que em março de 1981 a rádio Fluminense FM sofria uma total renovação em sua forma de transmissão, que inicialmente era voltada principalmente para corridas de cavalos. A partir de primeiro de março daquele ano, a "Maldita" acabou se tornando uma das rádios preferidas da gurizada carioca, principalmente pelo fato de se preocupar com o lançamento de novas bandas.

E foi isso que aconteceu com a Bacamarte. Sentindo que havia uma luz no fim do túnel, Mário levou sua fita demo para Luís Antonio Melo, que trabalhava arduamente na reformulação da rádio. Segundo o próprio Melo, Mário chegou com a fita no dia primeiro de maio, dois meses depois da rádio ter reinaugurado, explicando o som do grupo e também o objetivo que ele queria. A conversa não durou mais que quinze minutos, e Mário foi embora por volta das 14 horas. Porém, Melo colocou a fita pra rodar e ficou curtindo o som até as 17 horas. Estava dado então o pontapé inicial para o lançamento de uma obra-prima. Vale a pena ressaltar que a "Maldita" também foi responsável pelo lançamento de bandas como Barão Vermelho, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, Paralamas do Sucesso, Dorsal Atlântica e muitas outras.


Tocando direto na rádio, o Bacamarte ressurgiu das cinzas e um contrato com a gravadora Som Arte Produções foi assinado, gerando o maravilhoso álbum Depois do Fim, que foi lançado no ano de 1983 com as canções gravadas em 1977. Inovador para a época, o álbum trazia uma sonoridade totalmente do início dos anos setenta, onde o talento individual de cada instrumentista, bem como o belíssimo trabalho vocal de Jane, fizeram com que a banda fosse comparada à Curved Air e Renaissance, dois ícones do progressivo.

O disco abre com a instrumental "UFO", na qual temos todo o talento de Mário tocando uma bela introdução no violão clássico, com muita influência de Villa-Lobos. Sons de piano e de pássaros, acompanhados pelo baixo e pelos pratos, acompanham a canção, com uma melodia linda dando espaço para um pequeno solo de flauta. A cadência da canção aumenta, com a guitarra acompanhando o moog em mais um tema viajante que lembra bastante o Genesis na fase quarteto. O violão clássico volta ao destaque, acompanhado pelo moog e pelos pratos, com os demais instrumentos marcando o tempo, imitando cordas. Finalmente, temos uma parte mais pesada, onde a flauta faz seu segundo solo, acompanhado pelo belo trabalho da cozinha e também dos teclados viajantes de Sérgio, encerrando a canção com o mesmo tema do moog. 

"Smog Alado" mantém o pique de "UFO", com uma boa sessão instrumental onde baixo e bateria trazem a flauta executando o riff principal, acompanhado por um belo solo de guitarra. Temos uma sequência de riffs de guitarra, marcada por intervenções de flauta e piano, trazendo uma sequência muito viajante, com solos de guitarra e teclados. Jane entra com sua bela voz, acompanhada pela flauta e teclados, enquanto a guitarra delira ao fundo. A canção segue com muitas viajens, principalmente da guitarra, encerrando com uma pequena sessão instrumental, onde somente o órgão fica executando alguns acordes enquanto a guitarra de Mário sola com a utilização das variações de volume ao melhor estilo Alex Lifeson na música "Xanadu", do Rush. 

"Miragem" é outra canção instrumental, com pratos, flauta e teclados trazendo a guitarra, que executa escalas orientais, dando um baita clima de "Kashmir", do Led Zeppelin. Vale aqui destacar a forte presença dos teclados nessa canção. Temos o riff principal executado pela guitarra utilizando a escala egípcia, enquanto a flauta faz pequenas intervenções e a cozinha manda ver em uma complicadíssima marcação. O ritmo da canção diminui, e Mário muda a escala, solando mais livre, até os teclados armarem a base para a contribuição da flauta. A guitarra novamente volta a solar, voltando então ao riff principal e terminando a canção de forma tri harmoniosa. 

Por fim, "Pássaro de Luz", uma canção somente com voz e violão. Nela, os violões de Mário Neto semeiam a voz de Jane. Com Mário mostrando todo seu talento e demonstrando porque é um dos maiores guitarristas do rock nacional, executando um difícil tema somente no violão, acompanhado pelo refrão e retomando a letra inicial, esses dois temas são reproduzidos, culminando com rápidos arpejos de Mário. Todas as canções do lado A foram compostas por Mário.

O lado B abre com uma faixa composta por Marcus Moura, a instrumental "Caño". Nela, teclado, guitarra e baixo executam os mesmos acordes sobre a marcação da bateria. Porém temos uma marcação complicadíssima, com intervenções de acordeão e baixo que trazem os teclados viajando, retomando o tema inicial da canção. É pauleira direta no ouvido em pouco mais de dois minutos. 

A bela "Último Entardecer" começa com o piano executando o tema principal, enquanto Mário sola utilizando o volume. Acompanhado pela banda, Mário sola notas em sequência, levado pelo violão e pelo tema inicial. Jane canta acompanhada pelos teclados enquanto o ritmo do tema inicial é retomado. Mário sola muito nesta faixa, destruindo sua guitarra em rápidas notas e dedilhados. A música muda de cadência, com o mogg ganhando destaque. Temos uma sessão mais rápida, com intervenções de solos de guitarra que alternam o lado direito e esquerdo das caixas de som. Uma sessão ao piano modifica novamente a canção, que volta a ficar mais cadenciada, com Jane trazendo novamente a ótima letra composta por Mário. O piano sola sozinho, abrindo espaço para Mário executar um belo trêmolo ao violão. A canção ganha um clima mais pesado, com uma forte marcação de baixo e bateria. Jane retoma a letra acompanhada pela flauta e pelo resto da banda, encerrando uma das melhores canções do álbum com o mesmo tema da introdução. 

"Controvérsia", composta por Delto e Marco, é mais uma instrumental onde predomina o trabalho de Sérgio, contando com um começo complicado de bateria e tendo também a bela participação do piano e do baixo em uma intrincada peça. Um rápido solo de moog no melhor estilo Keith Emerson retoma a introdução dessa bela canção. "Depois do Fim" encerra o álbum tal qual começou, com muito progressivo na veia. Ventos trazem teclados que executam o tema principal. A voz de Jane aparece cercada de ecos. A banda entra, acompanhado os vocais de Jane, que agora estão limpos. Mário então sola abrindo uma pequena sessão instrumental, com vários solos de guitarra e teclados. O órgão viaja enquanto a voz de Jane é acompanhada por flautas e violões. A faixa então termina com belos solos de flauta e violão, mostrando que criatividade e talento os integrantes da Bacamarte tinham de sobra.

O álbum contava ainda com uma bela capa elaborada por Eduardo Pereira e com um mini-encarte que trazia a foto da banda em um show no famoso
Circo Voador. Aliás, esse show tornou-se famoso principalmente por ter sido um do primeiros da banda após o ingresso na programação da Fluminense. Ali, estavam presente Mário, Marcus, Sérgio, Simas (no violoncelo), Mr Paul, William Murray (baixo) e Mário Leme (bateria). Os vocais ficaram a cargo de Cecília Spyer. O disco vendeu milhares de cópias, principalmente no Japão, alcançando sucesso também em países como Rússia, Alemanha e Itália. 

Recentemente, o site especializado Prog Archives elegeu Depois do Fim como o décimo sétimo melhor álbum progressivo de todos os tempos, à frente de obras como Pawn Hearts (Van Der Graaf Generator), Nursery Crime (Genesis), Fragile (Yes) e Aqualung (Jethro Tull), isso só para citar alguns. Mas, mesmo tendo alcançado o tão desejado sucesso, a banda acabou se dissolvendo aos poucos, terminando em meados de 1984.

Após o Bacamarte, cada integrante partiu para um projeto diferente. Jane se revelou ao mundo em obras como
Minas em Mim, Brasiliano e Jane Duboc. Sérgio Villarim seguiu trabalhando em diversos projetos, e hoje participa da banda Hervah (antiga Herva Doce) ao lado de Roberto Lly (baixo), Marcelo Susseking (guitarras), Fred Maciel (bateria) e Márvio Fernandez (voz), tocando um som bem diferente do que a Herva Doce fazia, mais pesado, lembrando bastante a nova fase do Deep Purple, com destaque para músicas como "Hervah", "Juízo Final" e "Meia-Noite". 

Marcus formou-se em Biologia e também trabalha como webdesigner. Com o fim do grupo, iniciou carreira solo apresentando-se em shows e compondo música para teatro, vídeo, dança, instalações de arte e web. Compôs a trilha sonora para a peça Noturno, Poemas e Canções de William Shakespeare, dirigida por João Gomes e encenada no Museu da República no Rio de Janeiro, a qual foi considerada um dos melhores trabalhos daquela temporada. Além disso, é fundador do website Nova Música, o qual projetou inúmeros artistas independentes através da internet. Atualmente trabalha no grupo Roque Malasartes, onde toca teclados, flautas e acordeão, e também desenvolve o trabalho Maracatrance, com participação do percussionista Reppolho. Mr Paul trabalhou na bateria da escola de samba Salgueiro, e hoje sobrevive com a ajuda de amigos. 

Em 1999, Mário Neto retornou ao mundo da música, lançando, com o nome de Bacamarte, o álbum Sete Cidades, onde toca praticamente todos os instrumentos, com excessão dos teclados, que são tocados por Robério Molinari. O disco traz ótimas canções, como "Mirante das Estrelas", "Espírito da Terra" e "Portais", e acabou fazendo um relativo sucesso. Porém, mesmo com o retorno do nome Bacamarte ao público, Mário se retirou da música novamente, voltando para a obscuridade que o acompanhou desde o início dos anos setenta, até o lançamento de um dos mais incríveis álbuns progressivos da história. Perdemos assim um talento enorme da música brasileira que, como muitos outros, perde espaço para funks, axés e outras porcarias que a mídia adora idolatrar.

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