quarta-feira, 22 de abril de 2009

Kiss em Porto Alegre (1998)


Hoje vou tirar do fundo do meu baú as lembranças de uma data que completou dez anos na última semana, mais precisamente no dia 15 de abril. Neste dia, ocorria em Porto Alegre um dos maiores (senão o maior) show de rock de todos os tempos: o triunfal retorno do Kiss com suas máscaras.

Vamos voltar um pouco antes de abril para entender o que aconteceu naquela noite incrível. Quatro anos antes, nas famosas Kiss Konventions (convenções em homenagem ao Kiss que ocorriam tradicionalmente durante a década de noventa), os boatos da volta do quarteto original rolavam a solta, sendo que em 1995 o Kiss participou de shows com ingressos custando 100 dólares. Neles, a formação da época, Paul Stanley (guitarras, voz), Gene Simmons (baixo, voz), Bruce Kulick (guitarras) e Eric Singer (bateria) contaram vez ou outra com a aparição ou de Ace Frehley (guitarras, voz) ou Peter Criss (bateria, voz). 

Em seguida, Ace e Peter fizeram uma turnê juntos. Finalmente, o Kiss gravaria seu especial Unplugged MTV, contando com a participação animadíssima de Peter e Ace ao lado de Gene, Paul, Bruce e Eric. O resultado final foi no mínimo emocionante, porém ia além, era a primeira vez que os quatro - Ace, Gene, Paul e Peter - tocavam juntos em anos. 

Regados pela volta às notícias e também por ofertas milionárias para uma turnê, a banda acabou decidindo por um retorno especial 17 anos após a saída de Peter. Então, em abril de 1996, na sala de conferênciasdo USS Intrepid em Nova York, o apresentador Conan O'Brien anunciava o retorno de uma das mais importantes bandas de rock do mundo, o Kiss. Após as palavras de "Ladies and gentlemen, Kiss!!!", os quatro apareceram, mascarados, com suas roupas clássicas e botas com saltos de sete polegadas, causando excitação e pavorosa em todos os presentes. O sonho havia se tornado real.

Uma mega-turnê e um álbum foram preparados, bem como a participação da banda em um filme, que veio a ser lançado em 1999 com o nome de Detroit Rock City. O primeiro show da turnê, batizada de Worldwide Tour, foi na cidade de Detroit, no dia 28 de junho de 1996. Antes, em Irvine, no dia 15 de junho, houve uma pequena participação em um festival promovido pela rádio KROQ. O Tiger Stadium lotou para ver de novo as pirotecnias e malabarismos que fizeram do Kiss um sucesso em vendas e, principalmente, em auto-promoção. 


Esta turnê acabou levando a banda a lançar, em 1998, o maravilhoso Psycho Circus, o qual vinha embalado em uma caixa especial em formato 3D. A partir da divulgação desse álbum surgiu a turnê Psycho Circus Tour, que trazia o Kiss ao Brasil cinco anos após a participação no Monters of Rock e dezesseis anos após o show no Morumbi lotado, ainda mascarados. Duas datas somente foram agendadas: 15 de abril em Porto Alegre, no Jockey Club, e 17 de abril no Autódromo de Interlagos, em Sampa.

Naqueles anos, a divulgação de shows devia-se principalmente a TV ou rádio, e, graças aos bons deuses, o show do Kiss chegou até minha pessoa bem antes dele ocorrer, mesmo eu morando em uma cidade do interior. 

O duro foi conseguir convencer meus pais a deixarem eu ir para Poa para ver o show. Porto Alegre fica a aproximadamente 400 Km de minha cidade natal, Pedro Osório, e na época eu estava com dezesseis anos. Imagina que um guri recém saído das fraldas poderia vir para cá. Mas convenci os velhos de que era melhor vir para o Kiss do que para o show que ocorreria semanas depois no mesmo lugar, e que infelizmente perdi (a saber, Metallica e Sepultura tocaram juntos no dia 06 de maio, também no Jockey, levando à loucura 25.000 pessoas). 
Além disso, meu irmão morava em Porto e também uns amigos mais "educados" viriam na excursão, me impedindo de ter contato com alguma coisa ilegal.

Ridicularidades à parte, o próximo passo foi juntar grana para o show. Começando pelo ingresso, "caríssimos" 20 reais (quanto foi agora? 350???). Esses suei vendendo salgados e doces com minha mãe. Mas consegui comprar na recém criada AM/PM. Para a passagem foi mais fácil. Houve uma excursão saindo de Pelotas que ia e voltava para o show somente pela passagem de ida para Porto Alegre, 15 reais (hoje, dez anos depois, o mesmo trajeto só de ida custa 40 reais). Deixei de sair por alguns fins de semana e paguei a passagem no dia 19 de março, um mês antes. 

Estava tudo pronto. Eu, mais os meus amigos Daniel e Leandro, bem como a namorada de Leandro, a Giani, fomos levados de Pedro Osório para Pelotas por meu pai, e pegamos a excursão de quatro ônibus em direção à capital. Na viagem, lembro de uma gurizada se chapando de cerveja e dos vídeos do AC/DC que rolavam no vídeocassete do busão. Eu estava somente lendo os jornais que, desde uma semana, traziam todos os dias um pôster em contagem regressiva para o show, bem como as notícias das festas que ocorriam em homenagem ao Kiss. 


Por volta das 17 horas chegamos ao Jockey, dando tempo de ver um belo pôr-do-sol na beira do Guaíba (o Jockey, pra quem não conhece, fica em frente ao rio) após um dia de muita chuva e frio, o que acabou enlameando toda a região. Sem muita dificuldade entramos no local, recebendo das mãos de belas gurias pintadas com as máscaras do Kiss os já famosos e comentados óculos 3D que permitiriam ver algumas cenas como se os integrantes estivessem na nossa frente, além de um adesivo da rádio que promovia o show. Lembro que dois caras ficaram no ônibus, pois o trago foi tão grande que não aguentaram descer.

Eu sim estava no paraíso. Conhecia o Kiss desde pequeno e ouvia quase todos os dias o Alive I. O Alive II também rodava direto, mas o Alive I tinha (e continua tendo) algo que é difícil de explicar. Ver os caras mascarados já era o suficiente para mim, mas tinha mais: era o primeiro grande show que eu participava. Antes, só havia visto o Yes na turnê do Open Your Eyes tocando no Bar Opinião apertadíssimo, com pouco mais de 2.000 pessoas, onde Steve Howe dançou e bordou no lightman. Mas ali no Jockey era diferente. 

Quarenta mil kissnáticos (o número varia entre 35 e 45.000, daí fiz a média) aglomeraram-se para ver aquele show que, com certeza, marcaria Porto Alegre como o maior espetáculo de rock de todos os tempos. E não é que, no meio de toda essa gente, o meu irmão conseguiu me encontrar, graças a um gigante de uns 2,10 m que estava ao meu lado? Meu irmão ligava para o celular que meu pai havia me emprestado para alguma emergência, e, por destino, o cidadão gigante levantou o braço na hora. Era o marco para que meu irmão visse e fosse ao meu encontro.

O local possuía o imenso palco da turnê e um pequeno palco, localizado bem à frente do palco maior, ao lado da mesa de som. A fria noite da quinta-feira ainda tinha um gélido vento vindo do Guaíba, mas nada tirava o ânimo da gurizada. O show estava marcado para as 21:00 horas, contando com a participação da novata Rammstein na abertura. 

Fui levado do céu ao inferno exatamente às 21 horas. O vocalista do Rammstein, Till Lindemannn, começou o show de muita pancadaria anunciando ao povo que "era o homem que ardia", com o corpo coberto por chamas e com a banda mandando ver na faixa "Rammstein", trilha do filme Estrada Perdida. O visual do Rammstein me assombrou. Fui preparado para ver e ouvir o Kiss, não aquela mistura de heavy metal com músicas eletrônicas, com letras em alemão. Não foi só eu, toda a gurizada, após a entrada triunfal da banda, acabou esfriando. A pirotecnia da Rammstein (baquetas de fogo, arcos com flechas em chama, foguetes, lança-chamas e visual robótico) acabou ganhando vaias durante a execução de "Büch Dich", onde Till colocou um pênis de borracha e simulou urinar durante toda a canção. Não satisfeito, ainda bebeu da própria "urina" e simulou um sexo anal com o tecladista Frank Lorenz. Till levou umas garrafadas e viu que estava na hora de pular fora. O público queria algo anormal, mas não tão anormal assim (hoje o Rammstein é respeitado justamente pelo fato de ser uma das primeiras bandas a usar de sua pirotecnia para fazer um som raivoso e enérgico, arrebanhando milhões de fãs e admiradores, muitos dos quais estavam presentes naquela turnê com o Kiss).

Às 22:15 um cidadão que não sei quem é subiu ao palco. A vaia comeu solta e o medo de que o Kiss não teria vindo tomava conta (o boato havia surgido devido às chuvas que tomaram conta do Rio Grande do Sul naquela semana). Mas o coitado somente foi explicar como e quando eram para ser colocados os óculos, que era exatamente quando o palhaço da capa do álbum aparecia com uma luz verde do lado. Recado dado, as cortinas caíram, e Paul Stanley surgiu, rebolando e gritando a letra da faixa "Psycho Circus". A empolgação superou o frio e o Rammstein, e o Jockey literalmente tremeu. Pouco a pouco o pique foi caindo, principalmente por que uns 80% da galera que foi lá estava para ouvir ou "I Love It Loud" ou "We Are One", e nenhuma das duas foi tocada.


Mesmo assim eu curtia cada solo, cada pisada de palco das botas de Ace, cada virada errada da bateria de Peter. Os momentos com o 3D foram incríveis, principalmente no solo de Ace, quando ele "entregou" a guitarra para mim e eu a vi "voar" das minhas mãos pegando fogo. Lembro que ali chorei. Também foi legal ver as cabeças das pessoas sendo jogadas para trás quando Gene aparecia lambendo o telão que mostrava as imagens 3D. A tradicional sessão de sangue em "God of Thunder", as sirenes de "Firehouse" e as pétalas de rosa em "Beth" também estiveram presentes. 

Mas dois momentos marcaram mais a noite para mim. A primeira em "Love Gun", onde Paul voou do grande palco para o pequeno, passando exatamente sobre minha cabeça. Enquanto ele pulava feito um doido, Ace mandava ver em um dos melhores solos que já vi ao vivo. Todo mundo ficou olhando para o Paul rebolando, e poucos viram Ace ajoelhado, em frente às caixas de som, com as costas encostadas em suas pernas e pensando "é uma pena que estamos fazendo isso somente por dinheiro". Após o término de "Love Gun", Paul voltou ao palco original e o público parou de gritar. Eu já havia me perdido dos meus amigos de Pedro Osório, mas isso não importava, sabia onde o ônibus estava. Num momento em que Paul começou a falar, gritei alto "100.000 Years". Óbvio que eles não me ouviram, mas a canção seguinte foi exatamente "100.000 ...". Literalmente, não tem preço!!!


"Rock And Roll All Night" levantou o pique da galera de novo (o que uma música conhecida pode fazer?) e a banda encerrou com a tradicional quebra de guitarra durante "Black Diamond". Saí de Porto Alegre por volta das duas da manhã, chegando em Pedro Osório somente na manhã do daquele dia, mas com a certeza de que tinha visto o maior show da minha vida, e que os gritos de "Porto Alegre is awesome" estão na minha cabeça até os dias de hoje.
Anos depois consegui o CD do show e constatei o que muitos me disseram na época: que o som estava ruim, que a banda não estava com o mesmo pique, que faltaram músicas, que teve muito playback (principalmente em "Beth" e em "Firehouse"), mas não importa. O Kiss sempre foi feito de marketing sobre si mesmo. Cometeu atos gravíssimos (para mim) como colocar Eric Carr cantando "Beth", ou ainda,deixar Eric Singer e Tommy Thayer usarem as máscaras de Peter e Ace respectivamente, o que me fez ficar em Porto e não ir até Sampa esse ano. 

Não importa se não sejam excelentes músicos, se já não estavam com o mesmo pique ou que tenha faltado uma cacetada de som. Ver os quatro mascarados originais ao vivo é uma experiência que não pode ser desprezada por ninguém, e que com certeza jamais verei de novo.
Shout It, Shout It, Shout It Out Looooooooooud!!!!!!!!!!!!!!!!!!!


Repertório:

Psycho Circus
Shout It Out Loud
Deuce
Do You Love Me?
Firehouse
Shock Me
Let Me Go Rock'N'Roll
Calling Dr. Love
Into The Void / Ace's Solo
King Of The Nightime World
God Of Thunder
Whithin'
Peter's Solo
I Was Made For Loving You
Love Gun
100.000 Years
Rock And Roll All Night

Beth
Detroit Rock City

Black Diamond


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