"A mais chinela banda do rock gaúcho". Essa é a definição dada por um dos membros da própria banda, Jimi Joe, que batizou o grupo homenageando um grande violonista argentino fazendo um trocadilho com o seu nome, Atahualpa Y Us Panquis.
O grupo surgiu em 1984, e era formado inicialmente por Jimi Joe (vozes, guitarras, samplers), Paulo Nequete (guitarras), Carlos Miranda (teclados), Castor Daudt (bateria) e Flávio Santos (baixo). Jimi já havia feitos incursões anteriores pelo grupo Quem Tem QI Vai, um bizarro grupo que se apresentava de forma escandalosa, com roupas e maquiagens, misturando rock, samba e chorinho.
Os demais membros do Atahualpa também possuiam seus projetos anteriores, mas realmente, a profissão de cada um não era a música, tanto que Jimi é (e foi) um reconhecido jornalista dentro do Rio Grande do Sul.
No tradicional Bar Marcelina, em Porto Alegre, os cinco se reuniram e formaram o grupo, que logo começou a ensaiar e cômpor, mantendo uma linha punk rock jamais vista nos padrões gaúchos dos anos 80. Rapidamente o nome Atahualpa Y Us Panquis começou a pegar, e o grupo passou a frequentar locais famosos da cena rockeira de Porto Alegre, como o Bar Ocidente, o Teatro de Arena e tendo inclusive apresentações nos Ginásios Tesourinha e Gigantinho.
O grupo ensaiava no pátio da avó de Miranda, e ali, pintavam nomes que se tornariam posteriormente famosos e conceituados como Edu K, Wander Wildner e Frank Jorge. Com Edu K, Jimi e Miranda formaram o grupo 3 Almas Perdidas, que não durou mais do que algumas semanas.
O tempo passou e o Atahualpa foi angariando muitos fãs, e graças ao talento de Miranda e Jimi, passaram a revelar bandas de abertura que sempre se tornavam sucesso, como é o caso de Engenheiros do Hawaii e Os Replicantes. Porém, o apelo pouco comercial do som da Atahualpa não possibilitava a assinatura de um contrato para gravação de um LP, e assim, a banda começou a se desestabilizar.
Antes, deixam suas participações no disco Rock Garagem II (1985), onde tocam a faixa "Todo Mundo Saca", um poderoso punk cantado de forma agonizante por Jimi com viajantes participações de samplers, e na rara fitinha Zona Mortal (1986), gravada ao vivo, onde tocam uma alucinante versão para "Revolution" (Beatles), com muita microfonia e barulhos esquisitos e uma mulher gritando "chega! chega! chega!" ao fundo, e também "Atahualpa Y Us Panques", outra ao vivo, mostrando todo o poder da guitarra suja de Nequete. Nesta fitinha também estão preciosidades de de Miranda ("Ao Lado Esquerdo do Meu Ombro"), 3 Almas Perdidas ("Terminal") e também da Urubu Rei ("Pin Up"), além de outros artistas como Júlio Reny E Km 0, Cóccix, Anomalia e Cascavelettes.
Nequete abandonou o projeto, e como um quarteto, tendo Miranda nas guitarras, o grupo acabou gravando em quatro dias do rigoroso inverno de 1988 o que chamou no encarte de "merda", mas que está longe de ser isso, sendo sim um símbolo do rock contra-cultura feito pela gurizada dos anos 80.
A gravação acabou sendo engavetada, e somente 4 anos depois, com cada membro saindo para outros projetos, foi parar nas mãos de Luiz Carlos Calanca, o dono da Baratos Afins, que condensou os pouco mais de 25 minutos do registro no excepcional LP Agradeça Ao Senhor, lançado em 1993 pelo selo Baratos Afins.
O disco abre com "Rê Rê Rê Rê I", onde samplers, vozes programadas e risadas tipo o personagem pica-pau ficam se repetindo por alguns segundos, levando a paulada "Escola Na Maldade", onde o baixo de Flávio vai apresentando pequenos acordes de guitarra e batidas nos pratos. Um arroto (!) seguido por notas barretianas tornam por aumentar o volume da canção, apresentando a voz distorcida de Jimi, cantando a fantástica letra que foi encontrada rabiscada em um pedaço de jornal dentro de uma sarjeta.
O ritmo psicodélico da faixa é comandado pelos estranhos acordes de Miranda e pelas viradas de Daudt, além da marcação precisa de Flávio. A letra é repetida diversas vezes, com a música tornando-se uma overdose de riffs ácidos e microfonias, parecendo sair dos anos 60, mudando em um poderoso e sujo punk na faixa "As Putas".
Outra paulada comandada pela guitarra de Miranda, "As Putas" fala contra a prostituição e aqueles que buscam essa saída sexual para alimentar seus instintos. As batidas de Flávio e Daudt formam uma delirante vinheta onde Miranda rasga sua guitarra em riffs despojados e acordes totalmente impensáveis.
O lado A encerra-se com "Lá Lá Lá", uma hilária faixa que começa com harmônicos da guitarra puxando um samba, enquanto o baixo tenta executar um determinado riff. Com a ajuda da guitara, finalmente Flávio acerta o riff, e assim, fica repetindo o mesmo enquanto Miranda delira em feeds e microfonias. Um coro formado por nada mais nada menos que Edu K, Wander Wildner, Frank Jorge e mais os quatro membros do grupo faz o "lá-lá-lá" que dá nome a canção, enquanto um indignado marido pergunta para a esposa uma frase que está eternizada nos anais do rock de Porto Alegre: "Querida, onde você pôs meu aparelho de barba?".
Daudt surge na bateria, fazendo um funk setentista, e assim a faixa ganha ritmo, com o marido cada vez mais doido com a esposa, parecendo querer bater na mesma. A irritação vai tomando conta do marido, até ele explodir em raiva, com mulheres cantando um samba tradicional onde a letra é apenas os "lá lá lá" que dá nome a faixa.
A faixa-título abre o lado B, com a guitarra fazendo o tema da canção, seguido por uma percussão e pela letra, cantada pelo mesmo coro de "Lá Lá Lá" e na mesma melodia da guitarra. Sintetizadores dissolvidos entre camadas de gritos e palmas são o principal destaque, ao lado de uma macabra pregação evangélica que toma conta das caixas de som antes do encerramento da faixa, a qual ocorre com aplausos, microfonias e engasgos.
"Só Há Uma Maneira de Se Viver" é recheada de microfonias, com destaque para o baixo de Flávio. Miranda solta os dedos em um belo trabalho de escalas, abusando da alavanca, com a cozinha suja de Flávio e Daudt fazendo um ótimo punk para mais uma letra simples e direta cantada de forma única por Jimi.
A clássica "O Amor" dá sequência, com guitarra e baixo fazendo as mesmas notas até o surgimento da bateria e os vocais distorcidos de "Escola Na Maldade". Novamente, a guitarra psicodélica de Miranda está na frente do ouvinte, além de sintetizadores e de um sampler delirando junto com a guitarra. Jimi repete que "O amor é a praga do mundo" e a canção parece que acaba do nada, porém ela retorna com Jimi implorando para "ser odiado cada vez mais", e o pique da cozinha mandando ver em uma viajante mistura de microfonias e distorção, encerrando o álbum com "Rê Rê Rê Rê II", que é a mesma versão que "Rê Rê Rê Rê I", e que culmina o único registro dessa impecável banda de fazer barulho.
Miranda tornou-se um monstro na produção e revelação de bandas pelo país afora. Tendo passagens por grupos obscuros como Urubu Rei, A Vingança de Montezuma e Taranatiriça, Miranda virou jornalista da extinta revista Bizz. Ao lado do grupo titãs, criou o selo Banguela, e depois os selos Excelente Discos e Matraca. Graças ao Banguela, revelou aquele que talvez seja o maior nome já criado na sua carreira, os Raimundos.
Além do grupo de Brasília, também é responsável por descobrir outros grandes nomes como a Graforréia Xilarmônica, Virgulóides, Mundo Livre S/A, Little Quail & The Mad Birds, Skank, Maskavo Roots, Party Up, Língua Chula, Maria do Relento e outros, e foi o precussor em gravações de gigantes como Os Replicantes e DeFalla. Miranda também criou e dirigiu o site Trama Virtual, responsável pela distribuição de artistas independentes. Participou de programas na TV e ainda está na ativa trabalhando como jornalista e crítico musical.
Daudt, que havia passado pelos grupos Caminhão Honesto, Chamborraia, Os Bonitos e Urubu Rei, substituiu Biba Meira no DeFalla, onde tocou bateria até a saída de Edu K. Com a saída do mentor e criador do grupo em 1995, Daudt assumiu as guitarras, e o grupo passou a se chamar D-Fhala. Abandonou o grupo com a volta de Edu K, e hoje trabalha com comunicaçao, morando em Maceió e fazendo um barulho de vez em quando.
Flávio também passou pela Urubu Rei e fez sucesso no DeFalla, ao lado de Daudt. Abandonou o grupo junto com Edu K e seguiu carreira solo, adotando o nome de Flu e lançando pela Trama de Miranda dois álbuns: ... E A Alegria Continua (1999) e No Flu do Mundo (2003). Voltou ao DeFalla em 2004, e hoje vive em São Paulo, participando do grupo Banda Leme.
Já Jimi seguiu sua carreira no jornalismo, morando em São Paulo até 1994. Voltou ao Rio Grande do Sul nesse mesmo ano, e passou a trabalhar com grupos como A Cretinice Me Atray, Les Johnson e Justine, além de participar de discos de Júlio Reny e Wander Wildner. Formou o grupo Os Daltons, adotando o nome de James Dalton e ao lado de Júlio Reny (Julius Dalton ), Cristiano Varisco (Cris Dalton) e Wolney Campos (William Dalton), permanecendo com o grupo por 6 anos.
No final de 2005, lançou seu primeiro disco solo, Saudade do Futuro, com produção de Astronauta Pingüim, e ainda segue fazendo shows e eventos culturais pela capital gaúcha, além de ser tradutor de vários livros e também de ser coordenador de programação e conteúdo na rádio Unisinos FM.
E segundo próprio Jimi, o Atahualpa deixou um acordo que o grupo pode surgir em qualquer lugar do planeta, bastando apenas um dos integrantes originais estar presente e adotar o nome da banda. Esperamos que os quatro um dia possam retornar e mostrar toda a loucura dos anos 80 novamente.
Queria a letra de todo mundo saca do atahulpa
ResponderExcluirOlá Gilmar, infelizmente meu encarte não tem as letras. Desculpe e obrigado pelo comentário.
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