terça-feira, 8 de junho de 2010

The Doors sem Jim Morrison


Poderia uma banda sobreviver sem o seu principal artista? Essa pergunta pode ser respondida com um sim para diversas bandas. Pink Floyd, por exemplo, alcançou o status de maior banda do rock progressivo após a saída do seu líder e fundador, Syd Barret. O Uriah Heep, com a saída de Ken Hensley (principal letrista e compositor do grupo) manteve-se entre altos e baixos nas costas do guitarrista Mick Box. Deep Purple e Black Sabbath são outros bons exemplos de bandas que mesmo perdendo seu principal membro (Ritchie Blackmore no Purple e Ozzy Osbourne no Sabbath) se mantiveram com relativo sucesso.

Porém com o The Doors, o processo não funcionou da mesma forma, apesar de dois bons álbuns lançados pelo grupo pós-morte do vocalista Jim Morrison.

Formado em 1965 por Morrison, Robbie Krieger (guitarras), Ray Manzarek (teclados, voz) e John Paul Densmore (bateria), o The Doors foi um dos principais nomes da cena californiana do final dos anos 60. Com uma carreira meteórica, o grupo conquistou a América com clássicos como "Light My Fire", "Break On Through", "Touch Me" e as épicas "When The Music's Over" e "The End". 





Morrison após prisão em New Haven
 

Muito do sucesso do The Doors passava por Morrison, um tímido garoto que no palco, encarnava uma espécie de "índio selvagem", e ali pirava insanamente, com danças esquisitas, declamações de poemas estranhos e desafiando autoridades. Bonito, charmoso e inconsequente, Morrison arrebatava fãs assim como destruia a imagem do The Doors com suas atitudes imaturas, e com menos de dois anos de carreira, o The Doors saía do auge e entrava no fundo do poço.

Vários incidentes com a polícia fizeram parte da trajetória de Morrison, como a prisão em pleno palco de New Haven ainda em 1967, e o mais famoso caso de Morrison, o show em Miami no dia 5 de março de 1969, onde o vocalista mostrou o pênis para a plateia, além de simular sexo oral em Krieger, e novamente, saiu do palco algemado. Como consequência, Morrison foi condenado a seis meses de prisão, conseguindo liberdade condicional para realizar alguns shows e também gravar com seus colegas após pagamento de fiança estimada em 500 dólares. 





Morrison após condenação pelo Caso Miami
 

Com todas as atitudes despojadas e consequentes problemas tanto emocionais quanto financeiros, o The Doors afundava em um mar de drogas e loucuras, lançando álbuns considerados fracos como The Soft Parade (onde a faixa título foi gravada com Morrison recebendo um "trabalho-oral" de sua namorada, Pamela Courson) e o bluesístico Morrison Hotel. Cada vez mais gordo e sem condições físicas, Morrison deixou seu último registro com a banda no bom disco L. A. Woman (1971), e dias antes de se afastar do mundo da música, gravou vários poemas no estúdio da Elektra, os quais posteriormente foram musicados e lançados no emocionante An American Prayer (1978).

Após o lançamento de L. A. Woman, Morrison foi para Paris com Pam, em busca de novos ares e principalmente, para se afastar da imprensa e da polícia que o perseguiam de forma implacável e intolerante a invasão da privacidade do vocalista. Por fim, no dia 3 de julho de 1971, Morrison foi encontrado morto na banheira de sua casa em Paris. Nenhuma autópsia foi realizada, e muitos julgam que até hoje o vocalista está escondido nos campos franceses, e ele teria sido o principal incentivador de que Krieger, Manzarek e Densmore seguissem com a carreira do The Doors, já que sabidamente, os três eram ótimos músicos e compositores, não precisando mais da voz de Morrison para continuar em frente.

Lenda ou não, o fato é que após a morte de Morrison, a gravadora Elektra fez a proposta para os remanescentes gravarem mais um álbum com o nome The Doors. Ambos já estavam gravando material sem Morrison, em junho de 1971, com a finalidade (e esperança) de que com Morrison recuperado, o grupo pudesse voltar aos velhos tempos. Com a morte de Morrison, o grupo decidiu por terminar o material que já possuiam, com Manzarek e Krieger nos vocais.



O primeiro álbum sem Morrison
 

Então, em outubro de 1971, chegava as lojas o primeiro disco do The Doors sem Morrison, Other Voices, um bom álbum, com a maioria das composições tendo sido feitas ainda para o álbum L. A. Woman, mas que por razões desconhecidas, acabaram não entrando no mesmo. Other Voices é injustamente malhado por fãs e imprensa especializada, que acusam o grupo de usar a imagem e o nome de Morrison para ganhar dinheiro, uma grande mentira.

"In The Eye Of The Sun" abre a bolacha, apresentando Jack Conrad no baixo (isso agora viraria uma marca, a variação do baixista de faixa para faixa) introduzindo a canção junto com o órgão fazendo o riff principal. Os vocais de Manzarek surgem em um blues psicodélico tipicamente Doors, facilmente encontrado em L. A. Woman, com o órgão e a guitarra solando juntos. Krieger usa wah-wah em seu solo, deixando a canção ainda mais psicodélica e preparando o ouvinte para as faixas a seguir.

"Variety Is The Spice Of Life" também conta com Conrad no baixo, e tem Densmore comandando o ritmo desse grande rock cantado por Krieger, que faz um interessante solo misturando guitarra destorcida e limpa, com Manzarek ao piano.

A linda "Ships W/ Sails" surge, com Ray Neapolitan no baixo. Baixo e guitarra executam o riff principal, acompanhados pela percussão de Franciso Aguabella,além de Densmore e Manzarek. A guitarra faz o belo tema da faixa, com os vocais de Manzarek cantando a letra na mesma melodia. A canção vai ganhando corpo, e chegamos no bonito solo de baixo acústico, feito por Willie Ruff, o qual é acompanhado por um delicioso e contagiante ritmo latino.

Manzarek faz intervenções com piano e órgão, puxando o tema principal e fazendo o seu solo em uma jam espetacular, onde todos parecem improvisar sobre a levada de Neapolitan. A repetição do tema principal por Manzarek e Krieger deixa Aguabella sozinho por alguns instantes, voltando então os instrumentos e a letra. Aqui fica impossível não imaginar os vocais de Morrison, pois o estilo é bem apropriado para as linhas vocais do Rei Lagarto.

O solo de Krieger, com notas melodiosas e muito feeling, leva a sequência final, com uma hipnotizante levada rítmica que é mantida em toda a faixa, encerrando-a com vários acordes de guitarra e órgão.

"Tightrope Ride" encerra o lado A com Conrad no baixo, e a guitarra fazendo riffs com intervenções da bateria. Baixo, órgão e os vocais de Manzarek surgem, em outro bom rock, com uma letra fácil e grudante, e que homenageia os Rolling Stones e Brian Jones.




The Doors (1971)


O lado B abre com "Down On The Farm", trazendo Jerry Scheff no baixo e ainda Emil Richards na marimba, whimwams e rickshaws. O órgão faz a introdução acompanhado pela marimba, com os vocais de Manzarek e Krieger acompanhados pelos demais instrumentos em uma leve balada. Destaque para o interessante refrão, cantando em grande estilo pela dupla, transformando a balada em um fantástico blues, onde Krieger sola na gaita de boca recheado com os efeitos percussivos de Richards. A balada é retomada com a letra, assim como o blues, que encerra a faixa estourando nos alto-falantes. Essa faixa é uma das que haviam ficado de fora de L. A. Woman.

"I'm Horny, I'm Stoned" apresenta o piano como destaque central, acompanhado pelo baixo de Scheff, Densmore e Krieger. Após alguns versos da guitarra, imitando um trompete, Krieger começa a cantar nas tradicionais linhas vocais do The Doors, levando a outra linda canção, a balada "Wandering Musician". A leve introdução com o piano elétrico lembra o som de uma harpa, com Manzarek construindo a melodia da canção, seguido pelo baixo de Scheff e pela bateria. Manzarek canta sobre o belíssimo arranjo, com destaque para as intervenções da slide guitar de Krieger. Após a primeira parte da letra, Manzarek começa seu solo no piano, tocando no canal esquerdo, com Krieger solando junto no canal direito. Os solos vão crescendo em um ótimo pique, parando de forma surpreendente e retomando a letra e o ritmo inicial, com uma interpretação vocal muito emocionante.

O disco encerra com "Hang On To Your Life", contando agora com Wolfgang Meltz no baixo e ainda com a percussão de Aguabella, que introduz trazendo baixo e bateria. As notas latinas do órgão surgem acompanhadas pela guitarra, fazendo o tema principal. Manzarek divide os vocais com Krieger no refrão, que é o responsável pela mudança na sonoridade da canção, virando um som totalmente latino, com Manzarek e Meltz solando ao fundo enquanto a letra é cantada pelo tecladista. Finalmente, um rufar de bateria transforma a faixa mais uma vez, agora em um pesado som comandado por baixo, órgão, guitarra e percussão, com Manzarek e Krieger solando alucinadamente, com a canção encerrando em um estrondoso riff de guitarra.

Other Voices acabou atingindo a posição 31 na Billboard norte-americana, e o single de "Tightrope Ride" ficou na posição 71. Após o lançamento de Other Voices, os remanescentes decidiram encerrar as atividades. Porém, em janeiro de 1972, a gravadora Elektra lança a coletânea Weird Scenes Inside The Gold Mine, trazendo duas canções que só haviam sido lançadas em lados B ("Who Scared You" e "(You Need Meat) Don't Go No Further". A coletânea vendeu muito bem, e assim, surge a proposta de mais um álbum de estúdio. 



O derradeiro Full Circle

 

Então, durante março e abril de 1972, o trio se reune novamente para compor e gravar material. Em agosto, é lançado o derradeiro LP Full Circle. Trazendo uma belíssima capa desenhada por Joe Garnett, o disco mostra um The Doors cada vez mais próximo do jazz, com muitos improvisos e empregos de técnicas especificamente do estilo.

"Get Up And Dance" é a responsável por abrir os trabalhos, trazendo Chris Ethridge no baixo. O riff inicial seguido por viradas de bateria apresenta então o piano e palmas. Os vocais de Manzarek surgem, acompanhados por vocalizações feitas por Clydie King, Venetta Field e Melissa Mackay, as quais foram apelidadas de The Other Voices. Essa é a faixa mais dançante e diferente das demais.

"4 Billion Souls" comprova isso. Trazendo Jack Conrad no baixo, tem no início apenas violão e baixo acompanhado os vocais de Krieger, com aquele marcante som do órgão de Manzarek. O solo do tecladista, com as intervenções de Krieger, remetem novamente aos improvisos do álbum L. A. Woman, e a faixa encerra com um curto solo de Krieger.

A fantástica "Verdillac" vem a seguir, com Charles Larkey no baixo, percussão de Bobbi Hall e ainda uma espetacular participação de Charles Lloyd no saxofone. A faixa inicia com passagens de órgão, guitarra e bateria, em um interessante boogie que poderia estar dentro do álbum Morrison Hotel, seguido pelo ótimo tema feito pelo sax e baixo. Os vocais são divididos por Manzarek e Krieger, que comanda a canção abusando do wah-wah. A participação do baixo no maravilhoso solo de Lloyd é fundamental para termos um clima viajante, regado pelas intervenções do órgão de Manzarek e pela percussão de Hall. Krieger sola no canal esquerdo, enquanto Hall sola no direito, em uma viajante sessão instrumental que leva ao seguimento da letra e ao encerramento desta excelente canção.

"Hardwood Floor" é um ótimo rock cantado por Manzarek, com a participação das The Other Voices, além de Krieger tocando gaita de boca. O baixo ficou a cargo de Leland Sklar. Destaque para o piano, responsável por comandar o ritmo da canção, e para o belo solo de gaita de Krieger. O lado A encerra com a cover de "Good Rockin'", de Roy Brown, trazendo Conrad no baixo. A fala "take 3" e a contagem inicial levam a supor que esta faixa foi gravada ao vivo no estúdio, mas infelizmente não sei dizer se isso realmente aconteceu. Outro bom rock, na linha rockabilly cantado por Manzarek, com bons solos de piano e guitarra. 



The Doors ao vivo (1972)
 

A clássica "The Mosquito" abre o lado B, onde Krieger canta em espanhol acompanhado apenas por violão e o baixo de Sklar. Intervenções de piano surgem, dando início a uma sessão instrumental com um tema executado por guitarra, baixo e órgão levando ao ótimo solo de órgão, seguido pelo também ótimo solo de Krieger, com Densmore tocando muito. A faixa encerra com a repetição do tema que abre a sessão instrumental, enquanto Krieger e Manzarek solam nos canais esquerdo e direito.

A linda "The Piano Bird" vem a seguir, trazendo um levíssimo clima em uma longa sessão instrumental, apresentando a canção devagar, com pitadas de percussão feitas por Chico Batera e uma hipnotizante flauta tocada por Lloyd. Os vocais de Manzarek e Krieger surgem com a letra, e a flauta continua delirando entre as frases cantadas pela dupla. Manzarek executa o solo de órgão no canal direito, com temas de flauta e guitarra acompanhando-o no canal esquerdo, e o ritmo jazzístico ganhando acréscimos de diferentes efeitos, até o solo de flauta encerrar esta que para mim é a melhor canção dessa fase do The Doors.

"It Slipped My Mind" retoma o estilo da banda, com Krieger fazendo o riff principal, seguido pelo órgão, o baixo de Sklar e a bateria. Os vocais aqui são de Krieger, que faz um belo trabalho em seu solo. O disco encerra com a delirante "The Peking King And The New York Queen", contando com o baixo de Conrad, narrando a história dos amantes sol e lua, que vieram a Terra encarnados como o rei de Pequim e a rainha de Nova Iorque,e acabam brigando entre si pelas divergências de se localizarem em lados opostos dentro do planeta.

A faixa abre com o piano elétrico no canal esquerdo, comandando o ritmo da canção, com o baixo surgindo no canal direito, assim como a bateria e o wah-wah da guitarra. Manzarek é o responsável pelos vocais, e a canção é muito parecida com a clássica "L. A. Woman", novamente com a participação das The Other Voices, entoando o nome da faixa. Krieger executa temas orientais enquanto a letra se desenrola, com Manzarek e Krieger fazendo os papéis do Rei de Pequim e da Rainha de Nova Iorque respectivamente. A canção vira um jazz nova-iorquino em seu final, que tem o nome da mesma repetido por diversas vezes.

Após o lançamento de Full Circle, que ficou na posição 68 na Bllboard, dois singles foram lançados: "The Mosquito" (que ficou na posição 85) e "Get Up And Dance", que não teve uma venda expressiva, e ainda trazia no lado B a rara "Tree Trunk". O The Doors partiu para uma turnê, tendo Conrad efetivado no baixo e ainda Bobby Ray nas guitarras, ao lado de Krieger. Após alguns shows pela europa, com a baixa procura e ainda manifestações dos ardorosos fãs de Morrison, o grupo acabou de vez em 1973, deixando como registro ao vivo uma rara participação no programa Beat Club. 





The Doors - trio remanescente

Manzarek partiu para uma carreira solo, além de formar o grupo Nine City, ao lado de Nigel Harrison (baixo, que faria parte da Blondie posteriormente), Jimmy Hunter (bateria, vocal), Noah James (vocal) e Paul Warren (guitarras), com quem lançou os álbuns Nine City (1977) e Golden Days Diamond Night (1978).


O emocionante álbum póstumo de Morrison
Já Krieger e Densmore formaram o The Butts Band, tendo duas diferentes formações: uma com Phillip Chen (baixo), Roy Davies (teclados) Jess roden (voz) e Mick Weaver (órgão), e outra com Mike Berkowitz (bateria), Alex Richman (teclados, voz), Karl Ruckner (baixo) e Michael Stull (guitarras), além da dupla do The Doors. O grupo registrou os raros The Butts Band (1974) e Hear And Now (1975), cada um com uma formação diferente. Em 1978, o trio reuniu-se mais uma vez, para colocar músicas nos poemas de Morrison, feito este registrado no já citado An American Prayer.




The Doors e Eddie Vedder
 

O tempo passou e em 12 de janeiro de 1993 o trio novamente se reuniu, agora para uma apresentação ao vivo no California Center Plaza Hotel, como participação na homenagem do Rock And Roll Hall of Fame daquele ano, na mesma apresentação em que foram homenageados Cream, Creedence Cleawater Revival e Sly & The Family Stone. Tendo Eddie Vedder nos vocais, o grupo eomocionou aos presentes tocando as clássicas "Roadhouse Blues", "Break On Through" e "Light My Fire". 




DVD com Ian Astbury

Já em 2002, Krieger e Manzarek formaram o The Doors of the 21st Century, com Ian Astbury (The Cult) nos vocais, além de Angelo Barbera (baixo) e Stewart Copeland (The Police) na bateria, excursionando pelos EUA tocando clássicos do The Doors. Esta formação sofreu alterações, e em 2004, com Ty Dennis na bateria, gravou o DVD L. A. Woman Live





Riders On The Storm em Porto Alegre - 2008
 

Brigas na justiça entre Manzarek-Krieger e Densmore fizeram com que a dupla alterasse o nome do grupo, e então, batizados como Riders On The Storm, se apresentaram no Brasil em abril de 2008, tendo na formação Brett Scallions (vocais), Phil Chen (baixo) e Ty Dennis (bateria). O grupo permanece na ativa, fazendo shows agora com o nome de Manzarek-Krieger e tendo Miljenko Matijevic nos vocais. Já Densmore formou o grup TribalJazz, com quem também tem excursionado nos últimos anos.

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