terça-feira, 22 de junho de 2010

Blind Faith


Como sair da depressão após largar uma grande banda? Simples,montar outra grande banda! E foi isso que os três ex-integrantes do Cream fizeram após o término do grupo em 1968. Nesta e nas próximas três edições do Baú do Mairon, vamos acompanhar como se desenvolveram a carreira de cada um dos membros pós-Cream, concentrando-se nas bandas em que formaram e nos álbuns lançados pelas mesmas.

Começamos então com os que não brigaram entre si, Eric Clapton e Ginger Baker. Guitarrista e vocalista multi-conceituado, Clapton teve seu início de carreira nos Yardbirds, tendo uma passagem pelos Bluesbreakers de John Mayall e vindo a alcançar o estrelato dentro do Cream. Já o baterista Baker vinha de uma estrondosa passagem pela Graham Bond Organisation (onde Bruce também fazia parte), e tinha como vantagem o fato de ser o único a aceitar as megalomanias de Clapton dentro do Cream, apesar de não aceitar as de Bruce.

Com o término do Cream, Clapton partiu para a formação um grupo onde tentaria esconder as brigas e o ego. Além disso, Steve Winwood (teclados, voz, guitarras) estava com problemas desde o término prematuro do Traffic, sendo que já havia saído da Spencer Davis Group (onde era o vocalista líder) justamente em busca de um som um pouco mais diferente.

Desta forma, Clapton convidou Winwood para algumas jams, e então, viram que a coisa estava ficando boa, mas precisavam de um baterista. Clapton recorreu ao amigo e ex-companheiro de Cream, no caso, Baker. Em maio de 1969, chamam o baixista do Family Rick Grech para acompanhá-los e então, fecham a formação clássica de um grupo que ainda não tinha nome!
Raro LP com registros da Powerhouse

Clapton e Winwood já haviam tocado juntos no grande projeto Powerhouse, que entre 1965 e 1966 contou com Paul Jones (vocais, Manfredd Mann), Jack Bruce (baixo, Cream) e Pete York (bateria, Spencer Davies Group), além de Clapton e Winwood, mas que infelizmente deixou como registro apenas três faixas no raro LP What's Shakin (a saber "Crossroads", "Steppin' Out" e "I Want To Know"). Este contato anterior tornou o processo de composição do novo grupo ainda mais rápido, e em poucas semanas, estavam com material suficiente para um álbum.

Logo, o quarteto foi intitulado pela imprensa como super-grupo, e assim, passaram a ensaiar e cômpor material para apresentações. Obviamente, o sucesso em torno dos nomes dos membros levou a Polydor a fechar um contrato para a gravação do LP, já que tanto Clapton quanto Baker ainda estavam sob o nome da gravadora.

Primeira apresentação da Blind Faith
Enquanto isso, a excitação dos fãs tanto de Cream como do Traffic em torno do novo grupo era grande, tanto que alguns apelidaram carinhosamente o grupo de Super Cream. Toda a expectativa criada foi matada com o agendamento de um show para o Hyde Park de Londres, o qual ocorreu em 7 de junho de 1969, onde apenas os nomes dos integrantes da banda era divulgado. A adrenalina gerada no palco, bem como a suavidade nas notas, mostrou a Winwood que o projeto tinha tudo para dar certo. Claro, o retorno do público foi extremamente positivo, o que permitia a ele sonhar ainda mais alto.

Mas Clapton era relutante, e tinha em mente que tudo não passava de aplausos em torno do nome dos membros do grupo, e não por causa do grupo em si. Além disso, Winwood era contratado da Island Records, criando mais um empecilho para a gravação do álbum.
Bolachinha com o primeiro registro do Super Cream
O jeito foi o lançamento de um single por ambas as gravadoras. Intitulado Change of Adress from 23 June 1969, a rara bolachinha de 45 rotações foi lançada como divulgação somente na Inglaterra, trazendo a gravação em apenas um lado de uma jam instrumental feita pelo grupo ainda sem Rick. No rótulo, o logotipo e telefone da Island e um novo endereço para a gravadora, sem mencionar o nome da banda. A tiragem da bolachinha foi de apenas 500 cópias, e se você encontrar uma, belisque-se para ver se não está sonhando.

Voltando ao andamento do super grupo, ainda sem nome de batismo, conseguem convencer a Island a "emprestar" Winwood para a Polydor, e então, passam a gravar aquele que seria o único registro do grupo, ao mesmo tempo em que finalmente surge um nome, graças a arte encomendada para a capa do LP, como veremos a seguir.

Agendam uma excursão pela Escandinávia com o nome de Blind Faith (nome dado a arte da capa do futuro LP), e após passar pela terra das lindas loiras, fazem shows por Estados Unidos, onde estreiam tocando para 20.000 pessoas no Madison Square Garden no dia 12 de julho, e encerram a turnê em 24 de agosto, tocando no Hawai, sendo altamente aclamados. Nesta turnê, tiveram como bandas de abertura alguns iniciantes como Taste, Free e Delaney Bonnie & Friends.
Registro do incidente no MSG
Um fato negativo acabou acontecendo no show do Madison Square Garden. Durante uma determinada canção, Baker perdeu sua baqueta, que ficou parada na beira do palco, próxima a um fã, que rapidamente tentou subir ao palco para pegá-la. Os seguranças do local acabaram agredindo o fã diante dos músicos. Indignado, Baker saltou da bateria e pulou nas costas de um dos seguranças que agrediam o fã. A pancadaria entre banda e seguranças tomou conta do local, interrompendo o show de forma abrupta enquanto o público levantava os dois dedos no tradicional sinal de paz e amor.

Enquanto a turnê rolava pelos EUA, em agosto é lançado pela Polydor o primeiro e único álbum da banda, intitulado Blind Faith, com a arte para a capa tendo sido criada por Bob Seidemann (famoso por fotos de Janis Joplin e Grateful Dead). Seidemann batizou a arte desta forma por que "era a forma de representar o amadurecimento de uma fruta através da transformação, e isso só poderia ser feito com uma menina transformando-se em uma mulher, estimulando a esperança e o desejo de um novo começo, inocentemente chamado de Fé Cega".
A polêmica arte que deu nome ao grupo

Falaremos mais da famosa capa daqui a pouco, mas agora, vamos nos prender no que está contido nos sulcos de Blind Faith. Gravado quase que ao vivo, o LP abre com "Had To Cry Today", com Winwood e Clapton fazendo o riff nas guitarras. Winwood solta seu vozeirão, em um maravilhoso som regado com as típicas notas de Clapton e comandado por uma leve cadência de Rick e Baker, além dos dedilhados de Winwood.

O solo de Clapton é feito sobre o riff que é repetido por Winwood e Rick, enquanto Baker solta o braço, voltando aos vocais e com Winwood soltando-se um pouco mais na guitarra. Winwood rasga a voz entoando o nome da canção, enquanto Winwood e Clapton acumulam notas, solando individualmente sobre o mesmo tema, partindo para a viajante sessão de encerramento, onde Winwood sola no canal esquerdo e Clapton no direito. Dois solos sensacionais ouvidos ao mesmo tempo, sem embolar, com Rick e Baker acompanhando a loucura dos dois de forma alucinada. De tirar o fôlego! A canção encerra-se com a repetição do tema principal, e só ela já vale a pena o vinil, mas ainda tem mais.

A clássica "Can't Find My Way Home" surge com os violões de Winwood e Clapton acompanhados pela percussão de Baker. A voz doce de Winwood trás a bela letra, enquanto os violões fazem os acordes para um belo arranjo.

"Well All Right" surge com um tema e melodia que lembram canções do Traffic, principalmente pela levada ao piano de Winwood. Clapton e Winwood dividem os vocais, em uma canção animada e bem diferente das anteriores, e tendo um belo solo de piano de Winwood.

O lado A encerra com outro clássico, "Presence Of My Lord", uma linda balada comandada pelo piano e pela guitarra de Clapton. A leve cadência de Rick e Baker emociona, e os vocais de Winwood estão em ótima apresentação. A canção muda com a entrada do solo de Clapton, onde com muitos efeitos solta os dedos em um acompanhamento vibrante de Rick, Winwood e Baker, voltando a balada após o solo, com Winwood cantando e Clapton solando ao fundo.
Versão americana de Blind Faith

O lado B abre com "Sea Of Joy", onde o órgão de Winwood apresenta o primeiro riff, e depois puxa o violão, em uma música que lembra clássicos flower-power. Outra bela canção, com um belíssimo arranjo vocal de Winwood, mostrando por que é um dos melhores vocalistas de todos os tempos. A faixa ainda conta com um bonito solo de violino de Rick, e é apenas o aquecimento das turbinas para a viajante "Do What You Like".

A canção já começa com Winwood cantando na cara do ouvinte, com um acompanhamento singelo da bateria, onde teclado, guitarra e baixo fazem apenas dois acordes, e tendo uma parte um pouco mais pesada quando o nome da canção é cantado. Após algumas estrofes, entramos na longa sessão instrumental, com Winwood solando no órgão de forma magnífica, sempre tendo como base o acompanhamento dos demais membros da banda. O som psicodélico do órgão de Winwood lembra canções do prog californiano, e assim como o solo de Winwood, a canção vai ganhando corpo.

Clapton então começa seu solo, com escalas bem diferentes das que ele costuma usar. A canção vai ganhando pique com o belo solo de Clapton, e Winwood faz os acordes do acompanhamento no órgão com muita técnica e precisão, acompanhado por Rick e Baker. Algumas vocalizações aparecem, até Rick começar seu solo, acompanhado apenas pelo cymbal de Baker e as vocalizações ao fundo.

Baker então fica sozinho no cymbal e no bumbo, começando a solar de foma simples. Aos poucos, vai adicionando batidas e viradas, sempre com o cymbal ditando o ritmo das mesmas. Alternando batidas na caixa e nos tons, Baker entra em uma uma sequência de rolos e viradas dos bons tempos de Cream, até demolir o kit de forma única, usando os dois bumbos impecavelmente.

As vocalizações reaparecem, e então, Baker trás o ritmo da canção novamente, com Winwood encerrando a letra, com uma viajante sequência de barulhos estando presente no final entre vozes agonizantes, cacarejos de galinhas e guitarras desafinadas.
Pôster de divulagação da mini-turnê americana
A arte Blind Faith causou polêmica, já que trazia uma menina adolescente com os seios nus segurando uma aeronave que para alguns lembrava um pênis ereto. Como sempre, a versão americana do álbum saiu com uma capa diferente, tendo apenas uma foto dos quatro integrantes. A saber, a menina da foto chama-se Mariora Goschen, e na verdade, quem era para ter posado era a irmã de Mariora, mas como ela ja tinha 14 anos, a transformação proposta pelo artista não seria mais válida. Mariora na foto está com 11 anos, e a menina exigiu um cavalo para fazer a foto. Com a autorização dos pais, Mariora não ganhou o cavalo, mas sim 40 libras e o status de ser uma das garotas mais famosas do ano de 1969.
Blind Faith

Blind Faith alcançou o número 1 na parada da Billboard americana dos discos pop, e a posição 40 da mesma Billboard nos álbuns de música negra. Na Inglaterra atingiu o posto número 1 em setembro de 1969, tornando-se um êxito comercial, atingindo a marca de um milhão de cópias vendidas em menos de um mês de lançamento.

Porém, após o lançamento de Blind Faith, o stress começou a bater em Clapton (de novo). Chiliquento, Clapton estava indignado de ter que colocar músicas do Traffic e do Cream para completar os shows do grupo, já que o material composto e mesmo as longas improvisações tinham um total de pouco mais de uma hora.

O grupo voltou para a Inglaterra com os rumores de que tinham terminado suas tarefas. Em outubro, Clapton anunciava o fim de uma das melhores e meteóricas bandas de todos os tempos, alegando problemas internos (de novo!) e tendo feito apenas 28 shows na sua curta carreira.

Caixa de Steve Winwood - The Finer Things


Recente registro de Clapton e Winwood

Em julho de 2007, Clapton e Winwood reuniram-se para tocar durante a segunda edição do Crossroads Guitar Festival, realizado no Toyota Park Center de Bridgeview (Illinois), onde tocaram várias canções da Blind Faith. Este encontro levou a dupla a realizar uma série de três noites no Madison Square Garden, nas datas de 25, 26 e 28 de fevereiro de 2008, tendo Willie Weeks no baixo, Ian Thomas na bateria e Chris Stainton nos teclados. A performance, com várias canções da Blind Faith, foi registrada no emocionante LP/DVD/CD Live from Madison Square Garden.

Clapton e Winwood em show no mês passado
No verão de 2009, Clapton e Winwood fizeram 14 datas na cidade de New Jersey, tendo Abe Jr no lugar de Ian Thomas, além de duas backoing vocals (Michelle John e Sharon White), e recentemente, encerraram uma excursão pela europa, a qual começou em 18 de maio e terminou no dia 13 de junho, tendo Steve Gadd na bateria.

Após a Blind Faith, Clapton partiu para trabalhar com a Plastic Ono Band (1970) e os amigos Delaney & Bonnie and Friends. Posteriormente, formou outra mega-banda, como veremos na terceira sequência de matérias sobre os membros do Cream pós Cream. Já Baker, Rick e Winwood seguiriam juntos, como veremos na próxima edição do Baú do Mairon.


Em 1986, a Polydor lançou Blind Faith em CD, trazendo mais duas canções: "Exchange and Mart" e "Spending All My Days", as quais originalmente foram gravadas para fazer parte de um álbum solo de Rick, o qual nunca foi lançado. Ao que parece, nenhum dos outros membros da Blind Faith participou dessas gravações. Duas faixas gravadas no concerto do Hyde Park surgiram na caixa de 4 Cds de Steve Winwood, chamada The Finer Things, a qual foi lançada em 1995. Em 2001, uma versão deluxe de Blind Faith foi lançada em CD duplo, trazendo muito material inédito, como ensaios e jams espetaculares, sendo o segundo CD somente com ensaios do grupo ainda como trio.


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