quarta-feira, 1 de julho de 2009

O início do Rush


A Segunda Guerra Mundial trouxe diversos prejuízos para a humanidade. Milhares de pessoas foram mortas e mutiladas pela ignorância nazista e pela represália das forças aliadas, além do fato de os que sobreviram às dores de uma guerra também terem passado pela dificuldade da falta de comida e água. Os japoneses, em destaque, sofrem até hoje com os efeitos da bomba atômica. Porém, se não fosse a Segunda Guerra, provavelmente não teríamos uma das grandes bandas canadenses de todos os tempos, o Rush.

Em 1943, a família polonesa Weinrib fugia do massacre de Hitler para a cidade de Toronto. Ao mesmo tempo, na antiga Iugoslávia, os Zivojinovich sofriam com os ataques russos e as tropas alemãs, até que conseguiram um passaporte de fuga para a América. Por problemas no navio, acabaram aportando na orla marítima do Canadá, indo trabalhar na colônia britânica de Fernie.

No dia 29 de julho de 1953 nascia Gary Lee Weinrib e, quase um mês depois, em 27 de agosto, nascia Alexander Zivojinovich. Ambos garotos, tiveram a infância em cidades diferentes, mas, em 1966, o mundo da música canadense começava a sofrer uma mudança, já que os Zivojinovich mudavam-se para Toronto e o jovem Alexander montava o The Projection ao lado do baterista John Rutsey, adotando o nome artístico de Alex Lifeson. A única intenção era fazer som, já que não havia um baixista, vocalista, tecladista ou qualquer outro instrumento, apenas guitarra e bateria.

Sons do Cream, The Who, Yardbirds e muita coisa da Califórnia rolavam nos ensaios, ao mesmo tempo que Lifeson se apaixonava por história. Essa paixão ficou ainda maior com o colega de ensino médio Gary Lee, apelidado de Geddy pelos amigos, quando ambos foram estudar no Fisherville Junior High School. Claro, o som também uniu ainda mais os guris, com Lifeson emprestando um cubo e uma guitarrra para Lee aprender a tocar. O The Projection andava quase caindo, e foi então que Rutsey e Lifeson decidiram acrescentar mais um membro, o baixista e vocalista Jeff Jones, mudando também de nome, sendo chamado de Rush (idéia do irmão de Rutsey, Bill Rutsey).

Passam a ser a grande atração de Toronto, tocando como um verdadeiro e poderoso power trio. Em 1968 já lotavam bares e participavam de festivais, e as principais atrações eram as versões para "Gloria" (Them) , "Satisfaction"(Stones)" e "Still I'm Sad" (Yardbirds). Porém, Jones não aguentou a pressão, sendo substituído por Lee, que tinha desistido da guitarra e já estava praticando baixo. Com Lee no baixo e com Lifeson na voz, expandiram as covers, agora com John Mayall's Bluesbreakers, Ten Years After, Bob Dylan, Traffic e cada vez mais Cream, o que chamou a atenção do empresário Ray Danniels.

Em novembro de 1968 o Rush já era um expoente no cenário musical canadense, e seus shows estavam cada vez maiores. Faltava então mais amplificadores e também outros equipamentos de shows. O irmão de uma amiga de Lifeson, Lindy Young, possuía uma Gibson Firebird, pela qual Lifeson se apaixonou. De forma insana, o loiro guitarrista encheu o saco da guria até Young emprestar a guitarra para ele, o que ocorreu com a ressalva de Young tocar teclado e guitarra no Rush. Desta forma o Rush virava um quarteto, e essa rara formação foi vista já em janeiro de 1969, com Lee assumindo os vocais.

O quarteto Hadrian

Mesmo com toda a fama, problemas internos (Rutsey tinha ciúmes de Lee, que por ser vocalista chamava mais atenção da mulherada) fizeram com que Joe Perna substituisse Lee, com o Rush mudando novamente de nome, batizado agora como Hadrian. Lee foi parar no Ogilvie, outro grupo comandado por Danniels, enquanto a Hadrian não durou mais que um mês. O Ogilvie foi rebatizado para Judd, que durou até setembro de 1969. Com o término do Judd e o fracasso do Hadrian, Lifeson e Rutsey voltaram atrás e pediram para Lee reassumir os vocais e o baixo, o que foi prontamente aceito.

Vale destacar que nessa época a voz de Lee não era aguda e esganiçada como acabou ficando conhecida, sendo que muitos compavam seus vocais aos de Steve Winwood. Quem viu (e ouviu) deve ter ficado surpreso anos depois, já que uma nova banda inglesa estava tomando conta do mundo, um tal de Led Zeppelin, onde um vocalista loiro rasgava a garganta em um disco fora do normal, virando então a principal influência do novo Rush, banda essa que passou a compor suas próprias canções, sendo a primeira delas a rara "Losing Again", a qual foi seguida por "Run Willie Run", "Number One" e "Child Reborn".


Rush como um quarteto, com Mitch Bossi

O Rush retornou ao ponto onde havia parado com a saída de Lee, fazendo centenas de shows em ginásios e festivais novamente como quarteto, já que com a reentrada de Lee também foi chamado o guitarrista Mitch Bossi. Em maio de 1971 Bossi decidiu seguir os estudos e largou o Rush, que voltou a ser um trio. No fim de 1971 os três integrantes já estavam com mais de 18 anos, o que permitiu a ampliação dos shows, agora em casas noturnas e bares. Com a ascensão no cenário, largaram os estudos e passaram a cômpor cada vez mais. São desta fase as músicas "Working Man", "In the Mood", "Fancy Dancer" e "Garden Road", ao mesmo tempo que Lifeson foi fazer aulas de flamenco e violão clássico. Gravam sua primeira demo, com "Working Man" e "In the Mood". Porém, o som pesado a la Cream estava fora de moda, já que o progressivo entrava no seu auge, o que faz dessa demo uma raridade.

Sem gravadora, Danniels convidou o amigo Vic Wilson para fundar uma agência de produção e também criar um selo, o Moon Records. Ao mesmo tempo, Lee e Lifeson compravam novos instrumentos e desenvolviam suas técnicas. Gravam a segunda demo, com um cover para "Not Fade Away" de Buddy Holly e "You Can't Fight It", que conseguiu alguma vendagem pelo Canadá. Danniels resolve investir de vez na gurizada e chama o produtor David Stock, o qual foi despedido em poucos meses, sendo substituído por Terry Brown, que finalmente conseguiu a sonhada sonoridade que o Rush buscava.


O único disco do grupo com John Rutsey

Desta forma, entram em estúdio em 1973, onde gravam seu primeiro e fabuloso álbum, o homônimo Rush. O disco abre com as guitarras de Lifeson no melhor estilo Jimmy Page, tocando "Finding My Way", um clássico da fase inicial da banda. Lee mostra toda a potência de sua voz e o talento para tocar baixo, ao mesmo tempo que canta como poucos. As batidas de Rutsey são seguras, sem muito virtuosismo, mas com muito feeling. Uma grande faixa de abertura, com um refrão dos mais grudentos e com um grande solo de Lifeson. O disco segue com o rock'n'roll de "Need Some Love", onde novamente o destaque vai para o refrão e para a sessão rítmica do solo de Lifeson.

Em ambas as faixas fica clara a busca por aproveitar a guitarra em primeiro plano com um ótimo trabalho da cozinha Lee/Rutsey, mas a capacidade criativa do trio era de alto nível, e isso pode ser comprovado nas duas canções que encerram o lado A. A primeira, "Take a Friend", traz uma grande introdução de riffs de guitarra e baixo com uma bela participação de Rutsey, virando então outro grande hard, com muito peso. Lee canta muito, inspirado principalmente nos gritos de Plant, e Lifeson está demais nos arpejos e dedilhados.

"Here Again" é a outra. Um bluesão inspirado em "Since I've Been Loving You" do Led onde Lifeson mostra por que é um dos melhores guitarristas do rock. O início em
Bm, com a lenta levada de Rutsey e as trocas de notas de Lee e Lifeson é de chorar, trazendo o vocal dramático de Lee com a primeira parte da letra e retomando a introdução. A segunda parte da letra vem a seguir, partindo então para o refrão, onde Lee com certeza é o destaque maior, principalmente pela emoção que consegue colocar. De arrepiar! Lifeson então começa a mostrar suas habilidades em um longo solo, sempre acompanhado pela ótima levada da cozinha, retomando de novo o refrão e encerrando a faixa lindamente com mais um pequeno solo de Lifeson. Com certeza, essa canção para mim está no top#5 das melhores da banda.

O lado B retoma os hardzões, com a paulada de "What You're Doing", mostrando que a capacidade de criar riffs da dupla Lifeson/Lee não se resumia a uma ou duas canções. Além disso, esta faixa traz também uma grande sessão instrumental com duelos de baixo e guitarra. A seguir, outro clássico do Rush. "In the Mood" é uma "Tom Sawyer" desta formação, sendo que foi tocada durante muitos anos como música de encerramento dos shows. Um rockzão anos 60 com muito swing, e também com um refrão grudento, contando com a participação de Lifeson nos vocais.

"Before and After" diminui um pouco o ritmo do lado B, com uma linda balada introdutória, onde Lifeson dedilha a guitarra suavemente, enquanto Lee e Rutsey mostram o quão entrosados estavam após anos tocando juntos. De repente, a canção muda de ritmo, virando um baita hard, com destaque maior para os vocais de Lee e para as mudanças de tempo na guitarra e no baixo. Ainda temos direito a ouvir o trabalho de Rutsey em uma sessão especialmente preparada para guitarra e bateria serem o centro das atenções.

Finalmente, outro clássico, e talvez a primeira música do Rush a ser reconhecida mundialmente, "Working Man". O riff de Lifeson é uma espécie de "Smoke on the Water", copiada por qualquer guitarrista que esteja aprendendo guitarra. Os vocais de Lee estão os mais agudos possíveis, e o trabalho de guitarra, baixo e bateria acompanhando a letra cria um clima bem nervoso para a canção, que é desfeito totalmente com o longo solo de Lifeson, onde ele destrói sua guitarra com arpejos, palhetadas e muitos, mas muitos bends de arrebentar as cordas.

Os duelos com Lee são de tirar o fôlego, e a participação de Rutsey acompanhando a quebradeira é para não parar de balançar o esqueleto. A canção volta para seu início, com Lee encerrando a letra dos homens trabalhadores de Toronto, mas ainda com um pequeno espaço instrumental onde Lifeson, sozinho na guitarra, detona um riff bluesístico em palhetadas insanas que vão ficando cada vez mais velozes, encerrando com uma passada de palheta sobre as cordas digno de encerramento de um espetáculo. Perfeito!
Rush foi lançado em janeiro de 1974, sendo que antes o grupo já estava tocando nos EUA, abrindo os shows de New York Dolls e ZZ Top, gerando até uma briga com os barbudos, já que em vários locais a platéia pedia para o Rush tocar mais tempo, levando Billy Gibbons e companhia a desligar os instrumentos do trio.

Diversas cópias foram distribuídas pelas rádios canadenses, sendo a WMMS FM, de Cleveland, quem popularizou o som do Rush pela América do Norte. Com isso, a Mercury resolveu lançar o Rush também nos Estados Unidos, além de promover uma turnê como headliners e fazer com que ganhassem ainda mais nome. Porém, em julho de 1974, duas semanas antes da turnê começar, Rutsey pediu as contas devido a sua insatisfação com a música e também por estar desgastado pelo tempo investido no Rush, inclusive tendo um princípio de diabetes.




 
Discografia do Rush
Desta forma, Lee e Lifeson sairam atrás de um baterista, e chegaram ao cerebral Neil Peart, onde, com uma formação sólida e com uma nova sonoridade, mais próxima ao progressivo, conquistaram não só os Estados Unidos, mas o mundo, em discos espetaculares como Caress of Steel (1975), 2112 (1976), Permanent Waves (1980) e Moving Pictures (1981).

Rutsey nunca mais voltou a tocar bateria, virando participante de fisiculturismo, inclusive ganhando alguns prêmios. Com o passar dos anos, o princípio de diabete de Rutsey virou realidade, vitimando o mesmo no dia 11 de maio de 2008 e deixando para nós apenas um único e valioso registro, onde se mostra que não é somente a técnica que vale, mas também o feeling e a transpiração.

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