sábado, 25 de janeiro de 2014

Sly & The Family Stone - Parte II


Sly Stone, Cynthia Robinson, Freddie Stone, Rose Stone, Jerry Martini e Larry Graham
Encerramos a primeira parte da série sobre a carreira da Sly & The Family Stone com o grupo lançando seu terceiro álbum, Life!, que havia construído a base para o futuro promissor que aguardava os californianos. O álbum, lançado em 1968, não vendeu o esperado, mas mostrou que a mistura de rock, swing e psicodelia, podia dar certo.

O compacto de "Everyday People"
Ainda em 68, o grupo lançou o compacto "Everyday People" / "Sing a People Song", o qual tornou-se o primeiro compacto do grupo a alcançar a primeira posição na Billboard, com a canção principal sendo a primeira do grupo a conter algo que se tornaria uma marca da Família de Pedra, que são as letras de protesto e com conteúdo social.

O sucesso de "Everyday People" serviu para alavancar as vendas do quarto álbum do grupo, lançado em 03 de maio de 1969. Stand" é considerado por nove em cada dez fãs como o melhor álbum do grupo, opinião que não é totalmente exagerada, já que Stand! é perfeito do início ao fim.
É aqui que o grupo decola de vez. Influenciados por James Brown, a Família de Pedra vendeu mais de três milhões de cópias, tornando-se uma das mais reconhecidas no mundo do funk. Stand! possui uma pancada atrás da outra, sendo as canções bem maiores do que os três álbuns anteriores, e o som final muito mais trabalhado e inovador.

Stand!, um discaço do início ao fim
Há espaço para canções mais amenas, como "Everyday People", "Stand!", que possui um grande encerramento, e a simples "Somebody's Watching You", além do embalo de "You Can Make It If You Try".

Porém, é Sly quem está endiabrado, ora sugando a harmônica como se fosse uma vagina ("I Wanna Take Your Higher"), ora criando riffs intrincados na guitarra ("Sing a Simple Song"), ora utilizando o vocoder (espécie de sintetizador da voz humana, transformando-a em qualquer instrumento) como uma extensão de seu corpo, em faixas como a manifesto "Don't Call Me Nigger, Whitey" e a longa "Sex Machine", na qual, seja com o vocoder, seja pisoteando sem piedade o wah-wah, o gênio negro cria uma obra prima do funk americano, com seus quatorze minutos instrumentais de aprendizado musical para qualquer ser vivo que goste de música, seja o estilo que for. Ela também tem um alucinante solo de bateria, único a aparecer nos LPs da Sly & The Family Stone. 

O grupo no auge de sua carreira, em 1969

Sem sombra de dúvidas, um dos melhores discos em todos os tempos e em todos os estilos. O compacto de "Stand!", com "I Want to Take You Higher" no lado B, ficou entre as trinta mais na Billboard. Mais de quinhentas mil cópias foram vendidas em menos de um ano, e em 1986, ele atingiu a marca de um milhão de cópias somente nos Estados Unidos. 

Em 2007, o álbum foi relançado com mais cinco bônus: "Stand" (mono single version), "I Want to Take You Higher" (mono single version), "YoU Can Make It If You Try" (mono single version), "Soul Clappin' II" (previously unreleased) e "My Brain (Zig-Zag)" (previously unreleased material). 

Claro que o magnânimo sucesso de Stand! chamou a atenção de empresários e produtores, dentre eles os organizadores do Woodstock Music and Art Festival, que chamaram a banda para ser uma das atrações principais do evento, sendo a antepenúltima banda para fechar a noite de sábado, no dia 17 de agosto de 1969. Até hoje, esse é considerado um dos maiores shows do Festival, e consequentemente da carreira da Família de Pedra.

Na sequência, o single "Hot Fun in the Summertime" / "Fun" chegou às lojas, alcançando a segunda posição na Billboard em outubro de 1969. 

Os irmãos Stone em ação

1970 já foi um ano mais conturbado para o grupo. Os irmãos Stone começaram a discutir fortemente com o baixista Larry Graham, que não aceitava o novo direcionamento musical nem as imposições de Sly Stone. Para piorar, os Panteras Negras obrigaram Sly a demitir o baterista Gregg Errico e o saxofonista Jerry Martini (lembrando que Freddie Stone estava nas guitarras, Sly Stone nas guitarras, teclados e vocais, Cynthia Robinson no trompete e Rose Stone nos teclados e vocais), exigindo  a presença apenas de negros no grupo. O empresário David Kapralik também foi demitido pela mesma razão.

O grupo mudou-se para Los Angeles, mudança essa que só piorou o relacionamento dos membros, principalmente por conta do uso de drogas, principalmente cocaína. É nesse período que o famoso case de violino de Sly andava repleto de cocaína por todas as partes dos Estados Unidos. 

A baixa criatividade e os problemas internos refletiram-se na parte musical, com apenas um single sendo lançado, no caso "Thank You (Falettinme Be Mice Elf Agin)" / "Everybody is a Star", lançado em dezembro de 1969, e que ficou entre os 100 mais da Billboard. 

As drogas tornaram-se o alimento de Sly. Sujo, preguiçoso e totalmente inconsequente, ele viu os produtores cancelaram mais de um terço dos shows programados para aquele ano, jogando tudo o que havia conquistado com Stand! fora.

Destaque para o trio vocal Little Sister

Apresentações erráticas no Strawberry Fields Festival (Toronto, Canadá) em agosto de 1970, e nos programas de televisão The Mike Douglas Show e The Dick Cavett show foram os momentos de maior destaque do grupo naquele ano, mas não o suficiente para manter as vendas.  A coletânea Greatest Hits foi lançada para manter a chama acesa, e foi uma boa saída da Epic, já que o álbum alcançou a segunda posição na Billboard, a melhor de um álbum do grupo até então. A Whole New Thing também foi relançado, e isso é o que tivemos de música para o Sly & The Family Stone naquele ano.

Sly envolveu-se com gangsters e traficantes, e começou a criar uma certa paranoia, principalmente achando que alguns colegas de banda (Larry principalmente) estavam armando um plano para matá-lo. A crise existencial de Sly foi tamanha que, em um contrato com a Atlantic Records, ele fundou seu próprio selo, o Stone Flower Productions, que lançou apenas quatro singles: um para o artista Joe Hicks, um para um grupo chamado 6IX e dois singles Top 10 para o trio Little Sister, no caso "You're the One" e "Somebody's Watching You", com o selo sendo fechado em 1971.

Nesse mesmo ano, Errico foi demitido, sendo substituído por diversos bateristas de estúdio, até Gerry Gibson firmar-se como novo baterista. A nova formação é responsável pelo lançamento do quinto disco da banda, There's a Riot Goin' On, que chegou às lojas em 20 de novembro de 1971.


There's a Riot Goin' On, um disco leve e cadenciado

Com canções mais leves e cadenciadas, o álbum difere bastante da explosão sonora de Stand", enaltecendo principalmente a falta de esperança e o medo que os americanos viviam no início da década de 70, como ouvimos nas bluesísticas "Just Like a Baby" e "Time", essa um bluesão de tirar o fôlego do vivente. Os vocais são divididos democraticamente entre Rose e Sly em poucas faixas, no caso, "(You Caught Me) Smilin'", "Luv n' Haight", e "Family Affair", outro grande clássico do grupo. Os metais aparecem com destaque em "Brave & Strong" e na embalada "Runnin' Away", e o wah-wah cadencia ainda mais a leveza de There's a Riot Goin' On nas simples "Poet" e "Spaced Cowboy" (essa, uma verdadeira piada ao fã mais xiita).

Os pontos fortes ficam para as duas canções homenageando a África, que são as longas "Africa Talks to You The Asphalt Jungle" e "Thank You for Talkin' To Me Africa", repletas de ginga e sensualidade, mas um tanto quanto amorosas demais. Foi o mais vendido nos Estados Unidos logo após o seu lançamento, mas não tem o mesmo calibre que Stand!. Vale ressaltar que há uma importante participação especial de Ike Turner nas guitarras, assim como Bobby Womack (guitarras), Billy Preston (teclados) e o trio vocal Little Sister. E quem souber explicar o que são os três segundos de silêncio da faixa-título, sinta-se a vontade.


Versão alternativa (acima) e a incrível capa interna de There's a Riot Goin' On (abaixo)

Esse foi o primeiro e único disco do grupo a atingir a primeira posição na parada geral da Billboard, vendendo mais de quinhentas mil cópias em apenas um mês, apenas nos Estados Unidos. O LP foi levado pelo sucesso do single "Family Affair", que também atingiu a primeira colocação na Billboard. Os outros dois singles do LP são "Runnin' Away" (décimo sétimo no Reino Unido, décimo quinto nos Estados Unidos) e "(You Caught Me) Smilin'", quadragésimo segundo na Billboard.

O relançamento de 2007 contou com os seguintes bônus: "Runnin' Away" (mono single version), "My Gorilla is My Butler" (instrumental), "Do You Know What?" (instrumental) e "That's Pretty Clean" (instrumental).

Três compactos saíram do álbum: "Family Affair" / "Luv 'N' Haight", primeiro colocado na Billboard, décimo quinto no Reino Unido; "Runnin' Away" / "Brave & Strong", vigésimo terceiro na Billboard, décimo sétimo no Reino Unido, e "(You Caught Me) Smilin'" / "Luv 'N' Haight", quadragésimo segundo na Billboard, sem posição no Reino Unido.

Outro fator de importância relacionado a There's a Riot Goin' On é a sua emblemática capa. Trazendo uma imitação para a bandeira norte-americana, ela apresenta as mesmas listras vermelhas e brancas da bandeira original, mas com o preto substituindo o azul e sóis ao invés de estrelas. Segundo Sly: "Eu queria uma bandeira que representasse as pessoas de todas as cores. O preto significa a ausência de cor, e o branco é a combinação de todas as cores. O vermelho representa a única coisa que todas as pessoas tem em comum, que é o sangue, e o Sol no lugar da estrela implica uma busca. Como buscamos por uma estrela, considerei o Sol por que ele sempre está lá, olhando para você, não precisa procurá-lo. Betsy Ross até que fez um bom trabalho, mas eu acho que ele podia ter ficado melhor".

O álbum chegou a ser relançado com uma outra capa, trazendo Sly em uma apresentação, mas a capa original ficou nos anais da história do rock como talvez a mais famosa da carreira do grupo.

Apesar de a crítica ter malhado bastante o álbum quando de seu lançamento, aguardando algo na linha de Stand!, hoje o mesmo é aclamado como dos melhores da Família de Pedra, lado-a-lado com Stand!. A revista Rolling Stone, em 2003, elegeu o álbum um dos cem melhores de todos os tempos, colocando-o na posição noventa e nove. 

Depois do lançamento de There's a Riot Goin' On, novos problemas apareceram. Martini exigiu o pagamento de dividendos, pedindo demissão logo em seguida. Pat Rizzo foi contratado como novo saxofonista, mas Martini acabou voltando atrás e, ao lado de Rizzo, manteve-se nos metais do grupo.

A tensão aumentou mesmo foi entre Graham e Sly, com os dois confrontando-se por diversas vezes, sendo que Graham inclusive chegou a contratar um assassino profissional para matar Sly. Capangas contratados por Sly (Bubba Banks e Eddie Chin) foram atrás de Graham, que acabou fugindo de um hotel aonde estava hospedado com sua esposa. Sem clima para continuar trabalhando com Sly, o baixista fundou a Graham Central Station, banda de relativo sucesso, que seguia a linha da Sly and the Family Stone, enquanto Womack ficou temporariamente no seu lugar na Família de Pedra, lugar este ocupado posteriormente pelo novato Rusty Allen.

Foi com o clima totalmente incerto que o agora octeto entrou nos estúdios, tendo um novo baterista, Andy Newmark, e registrando seu sexto álbum com Sly afundado na cocaína. 


Fresh, o início do fim

Sem ser tão lento quanto seu antecessor, Fresh não conseguiu manter o êxito dos álbuns lançados pelo grupo até então, mas está longe de ser um disco decepcionante. O trabalho de overdubs feito por Sly Stone foi exaustivo, mas deu um belo resultado. Duas faixas contam com Graham no baixo, "If it Were Left Up To Me" e a balada "Que Sera, Sera (Whatever Will Be, Will Be)", cover para o clássico de Ray Evans. 

Resistir a levada de "Skin I'm In" e a sensacional "I don't Know (Satisfaction)", uma das melhores canções do grupo, é tarefa ingrata, e a performance vocal de Sly é belíssima em "Frisky", a sensual "Keep on Dancin'", na pérola "If You Want Me to Stay", mais um grandioso sucesso do grupo, e também em "In Time", uma inovadora performance musical do ritmo criado pela Família de Pedra.

"Thankful N' Thoughtful" e "Babies Makin' Babies" possuem um belo arranjo vocal e dos metais, e o único resbalão é a sonolenta "Let Me Have It All". O que se sobressai é um disco muito coeso e representante do estilo funk, influenciando desde Miles Davis, que ouviu "In Time" repetidamente por mais de trinta minutos, até Red Hot Chili Peppers, que fez um cover para "If You Want Me to Stay", no álbum Freaky Styley (1985).

Sly Stone

O relançamento de 2007 contou com os seguintes bônus: "Let Me Have It All" (alternate mix), "Frisky" (alternate mix), "Skin I'm In" (alternate mix), "Keep On Dancin'" (alternate mix) e "Babies Makin' Babies" (alternate version).

De Fresh saíram os singles "If You Want Me to Stay" / "Thankful N' Thoughtful", décimo segundo na Billboard, e "Frisky" / "If It Were Left Up to Me", apenas septuagésimo novo nas paradas americanas.

O grupo continuou na ativa, com poucos shows e com Sly atravessando uma das fases mais complicadas de sua vida. Na tentativa de manter a chama acesa, gravam desesperadamente diversas composições (algumas, sobras de material até então nunca lançado), e em julho de 1974, sai o último disco da primeira geração da Família de Pedra, Small Talk.

A despedida da Família de Pedra

Trazendo na capa uma bonita imagem de Sly com sua esposa Kathleen Silva e seu filho Sylvester Jr, temos uma despedida não tão satisfatória para os fãs. Atolado em drogas, Sly não consegue construir canções contagiantes, e o álbum passa lentamente pelo toca-discos. 

A formação da banda já está bastante modificada, com Rusty Allen e Andy Newmark permanecendo no baixo e na bateria respectivamente, assim como Pat Rizzo no saxofone, mas agora, temos a entrada de Sid Page no violino, o que mudou bastante o som funk do grupo, tornando-o mais próximo do pop de cantoras como Yvonne Elliman, como atestam as baladas "Mother Beautiful", "Wishful Thinkin", "This is Love" e "Can't Strain My Brain". 

Por outro lado, Small Talk apresenta pontos positivos, como o arranjo instrumental de "Holdin' On", a deliciosa balada "Say Your Will", o rock pegado de "Livin' While I'm Livin'" e a levada vocal de "Time for Livin'". O violino está presente em todo o disco, e soa interessante em alguns pontos, principalmente em "Better Thee Than Me", na qual duela ferozmente com os metais. 

Andy Newmark, Cynthia Robinson, Sly Stone, Freddie Stone, Rose Stone, Jerry Martini e Rusty Allen


Quem bebeu da fonte desse álbum foi o grupo Beastie Boys, o qual regravou "Time for Livin'" no formato punk rock no disco Check Your Head (1992) e sampleou o riff de "Loose Booty" na canção "Shadrach", do disco Paul's Boutique (1989), sendo "Loose Booty", com todo o seu trabalho de vocalizações e os metais, o ponto alto de um disco mediano, sem inspiração, muito romântico e longe do esperado para um lançamento de Sly Stone. 

Do álbum saíram os singles "Time for Livin'" /  "Small Talk" (trigésimo segundo na Billboard) e "Loose Booty" /  "Can't Strain My Brain" (octagésimo quarto). O relançamento de 2007 trouxe as bônus "Crossword Puzzle" (early version), "Time For Livin'" (alternate take), "Loose Booty" (alternate take) e "Positive" (previously unreleased instrumental).

Vale ressaltar que todos esses álbuns apresentados nas partes I e II foram relançados na caixa The Collection (2007), com os bônus citados durante o decorrer do texto.


caixa The Collection, com todos os álbuns da primeira geração,e muitos bônus 
Depois disso, o grupo se diluiu. Em janeiro de 1975, o grupo até tentou reviver sua fama, alugando o Radio City Music Hall para uma temporada de shows. A busca por ingressos foi tão insignificante que no final, os músicos tiveram que tirar dinheiro dos próprios bolsos para pagar as despesas. Em fevereiro daquele ano, o grupo acabava oficialmente.

Rose Stone partiu para uma carreira solo, adotando o nome de Rose Banks e vivendo um bom momemnto com seu estilo Motown-style. Freddie Stone ingressou no Graham Central Statio, aonde permaneceu por pouco tempo. O trio Little Sister também deixou de existir. Já Andy Newmark tornou-se um bem sucedido baterista de estúdio, gravando com Roxy Music, B. B. King, Steve Winwood entre outros.

Sly Stone também entrou em carreira solo, como veremos em breve, aqui no Baú do Mairon, voltando em 1976 com uma surpreendente versão da Família de Pedra.


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