Tudo  bem, você não aguenta um minuto de "The Logical Song", acha o sax de  John Helliwell um Kenny G. melhorado, sai correndo ao ouvir a voz aguda  de Roger Hodgson e pensa que "School" é mais uma música bonitinha de  história de amor, mas o Supertramp um dia foi uma banda de primeira  qualidade, diferente do que veio a fazer depois do lançamento do álbum  "Crime of the Century", de 1974.
O grupo foi formado no ano de 1969 através de um anúncio do pianista e vocalista Rick Davies no famoso semanário inglês Melody Maker.  Responderam ao anúncio diversos músicos, mas os escolhidos foram Roger  Hodgson (baixo - sim, ele entrou como baixista - e vocais), Richard  Palmer (guitarras - que faria sucesso como letrista do King Crimson) e  Robert Millar (bateria).
Naquela  época, a A&M Records era uma pequena gravadora londrina, e o grupo  foi um dos primeiros a assinar com a mesma, lançando o fabuloso álbum Supertramp no início de 1970. O disco traz ótimas canções, mostrando a  banda no estilo flower power do fim dos anos 60, mas também com uma certa tendência progressiva. 
O  álbum começa com uma pequena vinheta chamada "Surely", e em seguida  apresenta "It's a Long Road". Com uma levada bem rock and roll, tendo o  órgão e a guitarra como destaques, a música vai apresentando a banda  devagar para o ouvinte, contando com um solo de órgão de primeira  qualidade e levando à bela balada "Aubade / And I Am Not Like Other  Birds of Prey", com uma fabulosa introdução de Rick no órgão. É  interessante notar que estas três canções são com Roger nos vocais.  Depois de "Crime of the Century" o grupo sempre lançou discos com as  faixas alternando os vocais entre Rick e Roger, até a saída do último em  1983.  
Mas,  voltando ao disco, após "Aubade ... " seguem "Words Unspoken", onde  temos um bom dueto de guitarra e voz, mostrando que o Supertramp sabia  fazer, e bem, a parte instrumental, e "Maybe I'm a Beggar", um lamento  cantado por Palmer e Hodgson com uma letra irônica. O órgão de Davies  está cristalino na faixa, e é interessante ver como a banda tinha  potencial suficiente para se encaixar entre os grandes nomes dos anos  70. O lado A encerra com a curta vinheta "Home Again".
A  coisa esquenta no lado B, que começa com a rápida "Nothing to Show",  onde os vocais são divididos entre Hodgson e Davies. O trabalho de órgão  aqui é muito bom, bem como a pegada precisa da bateria de Millar e os  acompanhamentos de Palmer. Uma boa faixa que poderia servir de primeira  do Lado A. "Shadow Song" acalma a pauleira, dando um clima bem anos 60. 
Em seguida vem a melhor canção do trabalho, "Try Again". O início à la  "It's a Beautiful Day", com uma flauta doce sendo envolvida por camadas  e camadas de órgão, é acompanhado por uma sequência de versos de  Hodgson que, quando você menos percebe, muda para o refrão direto. Após o  estribilho a música volta ao seu início, suave e devagar, sendo que  novamente o refrão intercala de forma inesperada. A partir de então  temos uma longa seção instrumental, com órgão e guitarra fazendo um  duelo empolgante, onde Palmer se inspira bastante nos guitarristas de  jazz. A música vai aumentando o ritmo até virar um rockão com solos de guitarra bem rasgados e com a banda acompanhando em primeira linha. 
Com  certeza você não encontrará nada igual nos demais discos do Supertramp.  Por um instante a faixa parece que não vai acabar, só que, de forma  inesperada, o som pára. Passos e barulhos são ouvidos por alguns  segundos, criando o clima de tensão que a música sugere, afinal ela  conta a história de alguém que comete um erro e se arrepende do que faz.  Com o passar da canção temos novamente o refrão, tocado de forma bem  forte e diferente da maneira que era executado antes do solo, encerrando  a faixa com uma dinâmica e com a bateria estraçalhando tudo o que vem  pela frente. O Supertramp só viria a fazer algo parecido com isso bem  depois, em 1985, quando David Gilmour assumiu as guitarras em "Brother  Were You Bound", uma pérola de 16 minutos perdida no fraco álbum de  mesmo nome. 
O  disco encerra com "Surely (Reprise)", onde a mesma vinheta inicial  agora é executada com um belo solo de órgão que lembra muito os bons  tempos de Rick Wright. Um detalhe interessante é que esse primeiro álbum  foi lançado somente na Inglaterra em 1970. O resto do mundo veio a  conhecer o que o Supertramp fez de bom somente em 1977.
Como  a banda não fez sucesso, houve uma reformulação dos músicos, com a  formação ficando com Davies, Hodgson assumindo as guitarras, Kevin  Currie (bateria), Frank Farrell (baixo) e Dave Winthrop (flauta e  saxofone). Com essa formação lançam Indelibly Stamped (1971). A capa  da mulher nua tatuada causou uma certa polêmica, o que fez com que o  nome Supertramp ficasse mais conhecido na Europa. 
O  disco mantém a linha do álbum de estréia, abrindo com "Your Poppa Don't  Mind", já com Davies mostrando o que podia fazer nos vocais. Essa faixa  segue uma linha bem Allman Brothers, o que mostrava que o Supertramp já  começava a ficar indeciso sobre qual rumo seguir. 
"Travelled"  começa com uma bela introdução de flauta e violão, em uma levada lenta,  que lembra um pouco o que o grupo viria a fazer anos depois, como, por  exemplo, em "The Meaning". As vocalizações à la  Mamas & The Papas mostra que a banda evoluía também na parte  vocal. "Rosie Had Everything Planned" é mais uma faixa bem elaborada,  com um ótimo clima de violão e voz. Esse era o essencial da banda, a  categoria de Hodgson em prender o ouvinte, e os trabalhos harmônicos de  cada integrante eram de primeira qualidade. O baixo e o piano preparam a  base para um belo solo de acordeão feito por Farrell. 
A  seguir temos "Remember", onde o destaque agora fica por conta de uma  das primeiras aparições do saxofone no som do Supertramp, sendo que  depois este instrumento viria a ganhar um destaque maior na banda. A  faixa tem uma ótima levada, com todos os instrumentos gravados no volume  máximo, fazendo com que a audição soe meio distorcida no início. Mesmo  assim a música é muito boa e vale a pena ser ouvida. "Forever" retorna  ao clima das baladas, fechando o lado A em alto nível.
O  lado B abre com a rápida "Potter", onde Withrop mostra seus dotes de  vocalista de rock. Essa é outra faixa bem ao estilo sulista americano, e  com certeza é uma das melhores do disco. Em seguida temos uma sequência  de faixas cantadas por Davies: "Coming Home to See You", cuja  introdução praticamente foi copiada na da canção "Crime of the Century",  porém virando depois um country rock  onde temos uma longo duelo de órgão e harmônica; a balada "Times Have  Changed"; e "Friend in Need", que serve de introdução para a última  faixa, "Aries", essa sim o de maior destaque entre todas.
A  sonoridade e levada do violão de Hodgson, junto com intervenções de  flauta e uma leve percussão, levam à uma sequência de improvisos de  quase seis minutos, após algumas frases cantadas por Hodgson. Segundo  Davies, esta canção entrou no álbum por que a banda estava com  dificuldades criativas de elaborar algo, sendo que a mesma havia sido  gravada um ano antes em um único take, ao vivo no estúdio, ficando da forma que ficou no vinil.
Um  detalhe a ser mencionado é que a capa interna do LP trazia comentários  de Davies para cada uma das faixas, tornando a música mais interessante  (ou não), dependendo do comentário.
"Aries" foi o último suspiro de "o que vamos fazer daqui pra frente com o Supertramp",  pois após isso, mesmo "Indelibly Stamped" sendo um ótimo disco, a banda  novamente mudou de formação, agora com a dupla Davies-Hodgson sendo  assistidos por Bob Benberg (bateria), John Helliwell (saxofones) e  Dougie Thomson (baixo), seguindo uma linha mais comercial e que tornaria  o grupo mundialmente conhecido com músicas como "Dreamer", "School",  "Babaji" e "Breakfast in America".
Essa  é a formação clássica da banda, que gravou álbuns como Crime of the  Century (1974), Even in the Quietest Moments ...  (1977) e  ...  Famous Last Words ... (1982), e que registrou obras do quilate de  "Fool's Overture", "Rudy", "Two of Us" e "Don't Leave Me Now".  O  material subsequente desta fase merece respeito, mas ficou a sensação de  que o Supertramp  poderia ter seguido outros rumos como os de "Try  Again", "Nothing to Show", "Potter" e "Aries".
 




 
 
















