Não há sequer um ser, conhecedor de rock, admirador do estilo ou até mesmo fã incondicional de Heavy Metal, que não reconheça a importância do quarteto britânico Black Sabbath para a solidificação das estruturas que culminaram posteriormente no surgimento de nomes como Slayer, Metallica, Iron Maiden, entre outros.
Sem dúvidas, os riffs da guitarra de Tony Iommi, a pegada indefensável de Bill Ward, o ritmo cavalgante do baixo de Geezer Butler e as linhas vocais (bem como o carisma) de Ozzy Osbourne, a partir de 1970, aperfeiçoaram uma receita que havia sido (pouco) explorada por grupos como Cream, Blue Cheer e Steppenwolf.
Mas, analisando profundamente a discografia da banda no seu período áureo, que vai de 1969 até 1979 (na qual o grupo lançou oito discos), temos uma vastidão de estilos que não compreendem somente o Heavy Metal. Apesar da primeira canção do primeiro álbum, que leva o nome da banda, ser um dos ícones assustadores representativos da capacidade "metálica" da banda, o próprio primeiro álbum não é somente metal. Assim como o Led Zeppelin, o Black Sabbath peregrinou por diversos estilos, e aqui, vou tratar de algumas canções que estão longe de ser METAL, variando desde o blues até o mais complexo progressivo.
Bill Ward, Geezer Butler, Ozzy Osbourne e Tony Iommi |
Vamos então fazer um álbum a álbum, mostrando outros estilos escondidos entre a grande capa metálica que cobre as largas costas sabbáthicas, e aguardo os comentários certamente contra (ou a favor) das ideias aqui propostas.
O primeiro álbum apavorou a conservadora mídia britânica e ao mundo, graças aos pesados riffs de faixas como "Black Sabbath" e "N. I. B.", só que essas são as únicas faixas Metal do álbum. Após a pancada de "Black Sabbath", somos levados ao blues de "The Wizard", estilo também apresentado em "Evil Woman (Don't Play Your Games With Me)". A épica "Sleeping Village", trazendo uma recriação para "Warning" (do Aynsley Dunbar Retaliation), mostra o Black Sabbath engatinhando pelo rock progressivo (algo que ele iria fazer constantemente nos álbuns posteriores. Ainda temos o jazz, estilo que acabou sendo marcado a ferro por ser o responsável pela saída prematura de Ozzy Osbourne, dá suas caras disfarçadamente através das passagens instrumentais de "Behind The Wall Of Sleep". E o que é a introdução de "Wicked World" se não uma deliciosa peça de Wes Montgomery com distorção? Ou seja, das oito canções (considerando o lançamento nacional, excluindo "Wicked World"), temos seis faixas não-Metal. Pouco para um disco considerado o primeiro do estilo.
O mais emblemático disco do Black Sabbath. Daqui, nasceram as clássicas "War Pigs", "Paranoid" e "Iron Man". Ainda temos mais peso em "Electric Funeral", e acaba por aí. "Planet Caravan" é um mergulho na psicodelia folk do final dos anos 60, com leves pitadas de progressivo. A instrumental "Rat Salad" traz novamente as inspirações jazzísticas, que levam "Hand of Doom" por toda sua audição. A própria "Electric Funeral" paga tributo ao jazz no trecho central que tem o nome da canção destacado. "Fairies Wear Boots" desliza pelo blues e pelo jazz com naturalidade, e assim, temos um álbum com 50% de canções metálicas (uma delas com pitadas de jazz). Já é uma percentagem maior em relação ao primeiro álbum, mas não totalmente confiável.
Para muitos, o álbum mais pesado do grupo, e com razão. Aqui, são pauladas atrás de pauladas, e as escapadas em outros estilos são curtas e rápidas, através do violão clássico de "Orchid" e "Embryo" e na valsa folk "Solitude", uma das mais belas canções da carreira do grupo. Cinco em oito, sendo duas das três Não-Metal vinhetas com pouco mais de um minuto, consolidam Master of Reality como o disco mais pesado do Black Sabbath até então.
Outro disco bem pesado. Excluindo a melosa "Changes" (uma balada única na discografia do Sabbath), raros são os momentos Não-Metal. Temos inspírações psicodélicas na viajante vinheta "FX", um pouco mais de violão clássico com "Laguna Sunrise", rock com distorção em "St. Vitus Dance" e até passagens de samba (?!) em "Supernaut". No mais, aqueles riffs certeiros de Tony Iommi em cinco de dez faixas. Ou seja, mais um álbum 50% - 50%, mas que na sua duração geral, é bem mais pesado que os dois primeiros.
A partir daqui o Black Sabbath começa a peregrinar por novos mundos. O progressivo é a bola da vez, com os integrantes (principalmente Iommi e Butler) dividindo-se em vários instrumentos do estilo, como mellotron, flautas e sintetizadores. O principal representante é Who Are You?", carrregadíssimo em sintetizadores e mellotron. As flautas em "Looking for Today" (atributos de Iommi) também nos levam para um caminho progressivo, apesar do pesado riff da canção. Concentrando-se nos riffs de "A National Acrobat", canção mais longa do álbum, podemos também concordar sem exageros que há ali inspirações progressivas. "Fluff" é mais uma canção instrumental levada apenas por violões, enquanto "Sabbra Cadabra" é uma genial pérola do cancioneiro jazzístico de Iommi e cia., transformada em uma sensacional mistura prog com a entrada dos sintetizadores de Mr. Rick Wakeman (que muitos também atribuem erroneamente a ser o músico dos sintetizadores de "Who Are You?"). E o que dizer de "Spiral Architect"? Dividida em três partes, a primeira acústica aos violões, a segunda levada pelo riff e pelos violinos, e a terceira com uma orquestração fabulosa. Da onde isso é Metal? Duas em oito. Pouco para um dos maiores símbolos do Heavy Metal na década de 70.
Sabotage [1975]
Esse disco começa sensacional. Uma paulada atrás da outra, com "Hole in the Sky" e "Sympton of the Universe", apesar do "pseudo-samba" em seu encerramento, e ainda a introdução aos violões de "Don't Start (Too Late)". Mas e "Megalomania"? Uma das principais peças progressivas da carreira do Black Sabbath, digna inclusive de entrar em uma lista de Maravilhas Prog com seus quase dez minutos de experimentalismo e aquele maravilhoso mellotron no final. As passagens vocais e orquestrais de "Supertzar" saíram de alguma catacumba medieval, e "The Writ" somente é a mais progressiva canção do grupo, repleta de variações e levadas muito complicadas e trabalhadas para o estilo Sabbath. "Thrill of it All" perde-se entre um rock singelo e uma pegada mais hardeira, de um ritmo estranho e sem peso, complementado por uma bela sessão com piano e moog, e "Am I Going Insane (Radio)" é vítima de um mini-moog passageiro que idealiza ainda mais o vínculo com o progressivo. Uma canção e meia em oito, isso definitivamente não é heavy metal.
Technical Ecstay [1976]
O disco que gerou todas as brigas que levaram Ozzy a sair da banda. Para muitos, o mais fraco álbum da carreira do grupo, justamente por ser considerado "fora dos padrões" do Metal sabbáthico. Os teclados de Gerald Woodruffe ajudaram ainda mais a aumentar o desprezo pelo álbum, que já abre com uma pedrada, "Back Street Kids". Ainda há outros petardos violentíssimos em "Dirty Women", com leves passagens jazzísticas, e "Gypsy", um bom rock pesado para não se botar defeito, assim como "Rock 'n' Roll Doctor" é um rockão dançante, sem peso, mas muito bom. As citações ao jazz aparecem também em "All Moving Parts (Stand Still)", e "You Won't Change Me", apesar do excesso de teclados, é uma balada pesadíssima, que se gravada nos anos 70, iria estar entre as melhores de todos os tempos. "It's Alright" (coverizada ao vivo pelo Guns N' Roses futuramente) é mais uma balada, porém levada por piano e o vocal de Bill Ward, e que também poderia estar tranquilamente sendo tratada a pão-de-ló em qualquer álbum dos anos 80. Falando em baladas, não se comover com "She's Gone" é para surdos. Uma das canções mais agonizantes que já ouvi, em uma performance fantástica de Ozzy. Três em oito, mantém a média de canções pesadas por álbum do Black Sabbath.
Never Say Die! [1978]
Ozzy saiu e voltou para gravar outro disco conturbado, que começa com a clássica, sensacional e tiradora de fôlego faixa-título, uma peça rara no mundo Metálico. Outra que ficou famosa foi "A Hard Road", que foi divulgada pela televisão através de um video-clipe, e que poderia estar facilmente em álbuns como Sabotage ou Sabbath Bloody Sabbath, assim como "Over To You" e "Shock Wave", a última com mais um riff (e solo) matador de Iommi. Tentar definir "Junior Eyes" é impossível. Apenas uma das melhores canções do grupo, com Iommi mostrando por que ele é um dos maiores guitarristas de sua geração, destruindo o wah-wah, e com o baixão de Butler sacudindo as paredes da casa como manda o figurino metálico. O disco tem um interessante lado experimental, seja com a tecladeira de Don Airey em "Johnny Blade" (fantástica peça misturando progressivo com metal, algo que o Rainbow fez muito bem pouco antes com a maravilhosa "Stargazer"), além de um solo mágico na guitarra e Ward em uma performance soberba, seja com a instrumental "Breakout", misturando um solo frenético com saxofone (carregado de distorção) com uma base extremamente pesada. Ainda temos as deliciosas viagens progressivas de "Air Dance" (com os delírios de piano de Don Airey), e Bill Ward soltando a voz (novamente) na bigorna 5 T de "Swinging the Chain". Sete em nove (isso sem incluir o peso de "Breakout"), é um álbum muito acima da média nos padrões metálicos do Sabbath.
No compto geral, temos que aproximadamente metade das canções desse período são legitimamente Heavy Metal. Porém, tachar a banda de Heavy Metal parece-me um tanto quanto descabido.
É óbvio que dentro da Santíssima Trindade (Black Sabbath, Led Zeppelin e Deep Purple), o grupo de Ozzy e cia. foram os mais pesados, e os mais influenciadores, até por que o Led Zeppelin é uma banda de difícil catalogação, e o Deep Purple, com sua constante mudança de formação, saiu do rock psicodélico ao funk com uma naturalidade impossível de ser igualada por outra banda.
Porém, com essa pequena retrospectiva nos álbuns, quero deixar que o que o Black Sabbath fazia não estava muito aquém do que bandas como o Blue Cheer, Uriah Heep e o início do Queen. O peso estava lá, somente a forma como ele era empregado era diferente.
Assim como tantas outras, o Black Sabbath viveu em uma fase incrível, na qual a inspiração das bandas variava incrivelmente. Assim, nasceram baluartes como Fletwood Mac, UFO, Judas Priest, Trapeze, e tantas outras bandas. A diferença principal foi no poder de fogo dos riffs de Iommi. Sua distorção característica marcou uma geração, e veio a florescer posteriormente junto ao grunge, já na década de 90, com bandas como Soundgarden e Alice In Chains enaltecendo a importância de um grupo que passou a década de 80 relegada a gaveta de dinossauros sem importância, apesar de bons lançamentos esses sim, exclusivamente metálicos.
Reflitam e, depois, joguem as pedras.
Black Sabbath em 1975 |
Sabotage [1975]
Esse disco começa sensacional. Uma paulada atrás da outra, com "Hole in the Sky" e "Sympton of the Universe", apesar do "pseudo-samba" em seu encerramento, e ainda a introdução aos violões de "Don't Start (Too Late)". Mas e "Megalomania"? Uma das principais peças progressivas da carreira do Black Sabbath, digna inclusive de entrar em uma lista de Maravilhas Prog com seus quase dez minutos de experimentalismo e aquele maravilhoso mellotron no final. As passagens vocais e orquestrais de "Supertzar" saíram de alguma catacumba medieval, e "The Writ" somente é a mais progressiva canção do grupo, repleta de variações e levadas muito complicadas e trabalhadas para o estilo Sabbath. "Thrill of it All" perde-se entre um rock singelo e uma pegada mais hardeira, de um ritmo estranho e sem peso, complementado por uma bela sessão com piano e moog, e "Am I Going Insane (Radio)" é vítima de um mini-moog passageiro que idealiza ainda mais o vínculo com o progressivo. Uma canção e meia em oito, isso definitivamente não é heavy metal.
Technical Ecstay [1976]
O disco que gerou todas as brigas que levaram Ozzy a sair da banda. Para muitos, o mais fraco álbum da carreira do grupo, justamente por ser considerado "fora dos padrões" do Metal sabbáthico. Os teclados de Gerald Woodruffe ajudaram ainda mais a aumentar o desprezo pelo álbum, que já abre com uma pedrada, "Back Street Kids". Ainda há outros petardos violentíssimos em "Dirty Women", com leves passagens jazzísticas, e "Gypsy", um bom rock pesado para não se botar defeito, assim como "Rock 'n' Roll Doctor" é um rockão dançante, sem peso, mas muito bom. As citações ao jazz aparecem também em "All Moving Parts (Stand Still)", e "You Won't Change Me", apesar do excesso de teclados, é uma balada pesadíssima, que se gravada nos anos 70, iria estar entre as melhores de todos os tempos. "It's Alright" (coverizada ao vivo pelo Guns N' Roses futuramente) é mais uma balada, porém levada por piano e o vocal de Bill Ward, e que também poderia estar tranquilamente sendo tratada a pão-de-ló em qualquer álbum dos anos 80. Falando em baladas, não se comover com "She's Gone" é para surdos. Uma das canções mais agonizantes que já ouvi, em uma performance fantástica de Ozzy. Três em oito, mantém a média de canções pesadas por álbum do Black Sabbath.
Never Say Die! [1978]
Ozzy saiu e voltou para gravar outro disco conturbado, que começa com a clássica, sensacional e tiradora de fôlego faixa-título, uma peça rara no mundo Metálico. Outra que ficou famosa foi "A Hard Road", que foi divulgada pela televisão através de um video-clipe, e que poderia estar facilmente em álbuns como Sabotage ou Sabbath Bloody Sabbath, assim como "Over To You" e "Shock Wave", a última com mais um riff (e solo) matador de Iommi. Tentar definir "Junior Eyes" é impossível. Apenas uma das melhores canções do grupo, com Iommi mostrando por que ele é um dos maiores guitarristas de sua geração, destruindo o wah-wah, e com o baixão de Butler sacudindo as paredes da casa como manda o figurino metálico. O disco tem um interessante lado experimental, seja com a tecladeira de Don Airey em "Johnny Blade" (fantástica peça misturando progressivo com metal, algo que o Rainbow fez muito bem pouco antes com a maravilhosa "Stargazer"), além de um solo mágico na guitarra e Ward em uma performance soberba, seja com a instrumental "Breakout", misturando um solo frenético com saxofone (carregado de distorção) com uma base extremamente pesada. Ainda temos as deliciosas viagens progressivas de "Air Dance" (com os delírios de piano de Don Airey), e Bill Ward soltando a voz (novamente) na bigorna 5 T de "Swinging the Chain". Sete em nove (isso sem incluir o peso de "Breakout"), é um álbum muito acima da média nos padrões metálicos do Sabbath.
No compto geral, temos que aproximadamente metade das canções desse período são legitimamente Heavy Metal. Porém, tachar a banda de Heavy Metal parece-me um tanto quanto descabido.
Black Sabbath em 1978 |
É óbvio que dentro da Santíssima Trindade (Black Sabbath, Led Zeppelin e Deep Purple), o grupo de Ozzy e cia. foram os mais pesados, e os mais influenciadores, até por que o Led Zeppelin é uma banda de difícil catalogação, e o Deep Purple, com sua constante mudança de formação, saiu do rock psicodélico ao funk com uma naturalidade impossível de ser igualada por outra banda.
Porém, com essa pequena retrospectiva nos álbuns, quero deixar que o que o Black Sabbath fazia não estava muito aquém do que bandas como o Blue Cheer, Uriah Heep e o início do Queen. O peso estava lá, somente a forma como ele era empregado era diferente.
Assim como tantas outras, o Black Sabbath viveu em uma fase incrível, na qual a inspiração das bandas variava incrivelmente. Assim, nasceram baluartes como Fletwood Mac, UFO, Judas Priest, Trapeze, e tantas outras bandas. A diferença principal foi no poder de fogo dos riffs de Iommi. Sua distorção característica marcou uma geração, e veio a florescer posteriormente junto ao grunge, já na década de 90, com bandas como Soundgarden e Alice In Chains enaltecendo a importância de um grupo que passou a década de 80 relegada a gaveta de dinossauros sem importância, apesar de bons lançamentos esses sim, exclusivamente metálicos.
Reflitam e, depois, joguem as pedras.
Mairon, parabéns pelo seu trabalho neste blog. Conheci ele a poucos dias procurando alguma pista onde achar o Mind Transplant.
ResponderExcluirSobre o Sabbath com Ozzy não ser Heavy Metal, concordo com você. O Black Sabbath original fazia um som hibrido de Jazz com rock pesado, muito pesado e de uma nunca vista antes. Discordo sobre eles serem da mesma categoria do Blue Cheer ou o Heep, porque essa pegada Jazz é exclusiva do Sabbath, sem falar no timbre da SG de Tony Iommi que por causa do acidente no início de sua carreira o transformou nunca num guitarrista único. Sobre o Never Say Die!, este também é um dos meus favoritos. Talvez por ter sido feito aos atropelos, ele tenha essa sonoridade despretenciosa e eclética com muito vindo do Blues e até do Soul. O riff final de Swinging the Chain é antologico...Para citar o Trio de Ferro, acho que Never Say Die! está na mesma categoria de Come Taste This Band do Purple e Presence do Led: obras primas renegadas.
Abraço!
Com certeza Luiz. Valeu pelo comentário e obrigado pelo elogio. Abraços
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