sexta-feira, 18 de julho de 2014

Cinco Discos Para Conhecer: o Rock Argentino




Por Mairon Machado

Nossos vizinhos argentinos sempre foram uma força dentro do rock. Nomes como Charly Garcia (La Máquina de Hacer Pájaros, Sui Generis), Luis Alberto Spinetta (Almendra, Pescado Rabioso) e Walter Giardino (Rata Blanca) são alguns dos nomes mais conhecidos, e que fizeram do rock argentino conhecido mundialmente.

Em homenagem aos atuais vice-campeões do mundo, o Consultoria do Rock traz aqui Cinco Discos para Conhecer o Rock Argentino, mas não através desses nomes tão consagrados, mas de artistas que fizeram álbuns marcantes, um tanto quanto desconhecidos, mas essenciais para se entender como o rock evoluiu em nosso país vizinho.

Vox Dei - La Biblia [1970]

Fundado em 1967, nos subúrbios de Quilmes, o Vox Dei atravessou a década de 70 como uma das primeiras bandas do hard rock  na Argentina. Seu segundo álbum, La Biblia, é considerado um dos grandes ícones do rock argentino, e talvez a primeira ópera-rock totalmente composta em espanhol. Durante o decorrer dos cincoenta e cinco minutos desse incrível álbum duplo, somos apresentados aos dois testamentos do Livro Sagrado Cristão na visão do genial e esquecido guitarrista Rocardo Soulé. Lançado por um dos selos mais importantes da Argentina, o Sello Mandióca, traçou uma grande parceria com a Igreja Católica local, que adorou o resultado final. E isso não é pouco. O disco possui uma interpretação magistral dos jovens músicos da banda, destacando as quatro longas e intrincadas faixas que constituem o Velho Testamento, destacando o andamento sinistro de "Génesis", com o baixão de Willy Quiroga explodindo as caixas de som e um fantástico duelo de guitarras feito por Soulé e "Yodi" Godoy, a delicada viajem de "Moisés", o peso alucinante e os solos ácidos da suíte "Las Guerras", e o clima pampeano-bluesy de "Profecías", maravilhado por suas vocalizações trabalhadamente emocionantes. O Novo Testamento contém mais quatro canções, não tão longas quanto as do Velho Testamento, mas igualmente tocantes, com destaque para a dupla "Cristo (Nacimiento)" e "Cristo (Muerte y Resurrección)", ambas trazendo um emocionante arranjo de cordas criado por Roberto Lar, com a segunda levando o ouvinte às lágrimas através do grandioso solo de harmônica feito por Soulé. As gravações foram complicadas, com brigas internas que levaram a saída de Godoy, o segundo grande nome do Vox Dei, que permaneceu como um trio fazendo seus discos e mantendo, entre idas e vindas, a história e os fantásticos trabalhos instrumentais e vocais de La Biblia sempre presentes, inclusive com uma regravação ao vivo (La Biblia En Vivo, 1987) e e em estúdio (La Biblia II, 1997). Sem medo, afirmo que esta é A OBRA conceitual do rock argentino, e ao meu ver, o melhor disco daquele país em toda sua história.

Willy Quiroga (vocais, baixo), Ricardo Soulé (vocais, guitarra, harmônica, violino e piano), Rubén Basoalto (bateria), Juan Carlos "Yodi" Godoy (vocais, guitarra),

Participação especial

Roberto Lar (arranjos)

Track list

1. Génesis
2. Moisés
4. Profecías
5. Libros Sapienciales
6. Cristo (Nacimiento)
7. Cristo (Muerte y Resurrección)
8. Apocalipsis

Pedro y Pablo – Conesa [1972]
Por Marco Gaspari

A primeira metade dos anos 70 testemunhou o surgimento de ótimas duplas de rock na Argentina. A mais bem sucedida e famosa delas, com certeza, foi o Sui Generis dos geniais Charly García e Nito Mestre. Mas houve também o belíssimo folk naif do Vivencia e o rock acústico do Pastoral, responsável entre outras pérolas por uma ópera rock acústica gravada em 1972 de nome Vida y Vida de Sebastián.  O pioneirismo, no entanto, coube a Miguel Cantilo e Jorge Durietz, compositores, guitarristas e cantores que formaram a dupla Pedro y Pablo em 1968, mas já atuavam como Los Cronopios desde 67. Seu primeiro LP foi lançado no início dos anos 70 e o segundo, o que estamos tratando aqui, veio à luz em 1972. Batizado de Conesa em homenagem a um velho casarão situado na rua de mesmo nome na cidade de Buenos Aires e que abrigava naquela época artistas que procuravam, de forma comunitária, refúgio do mau tempo político perpetrado pela ditadura militar que assumiu o país em 1966.  Disco que traduz o encontro da dupla com o rock psicodélico da banda La Cofradia de la Flor Solar, Conesa trata do êxodo da cidade em busca de uma maior conexão com a natureza, mas não apenas como um ideal hippie, e sim como uma fuga da violência promovida pela brutalidade militar. Era, sem dúvida, um disco de músicas de protesto e não passou despercebido aos ditadores, que logo trataram de responder. Primeiro ameaçaram censurar a capa, por considerarem que a dupla posou de guerrilheiros cubanos e, após a breve brisa peronista que logo se transformou no vendaval de sangue da ditadura Videla, finalmente o disco foi proibido em 1976 e permaneceu assim até 1983, quando a volta da democracia ao país tratou de reparar esse e outros pecados.  Não vou cansar o leitor com uma análise de cada uma das músicas do disco. Não é do meu feitio e nem acho que tenha capacidade para isso. Mas recomendo fortemente a audição, principalmente para aqueles que se deliciam com harmonias vocais a la CSN&Y e guitarras em profusão. Há uma variedade delas, desde as tocadas pela dupla, como também a dos convidados: o ácido Kubero Diaz e o sublime Roque Narvajo. Em 1976, Miguel Cantilo se exilou na Espanha, mas antes disso formou com Kubero o Grupo Sur, cujo raríssimo disco é outro cotonete macio para ouvidos encharcados de tantas bobagens.

Miguel Cantilo (violão, vocais), Jorge Durietz (violões, vocais)

Músicos convidados

Roque Narvaja (vocal, violão e flauta)
Kubero Díaz (guitarra eléctrica, piano, vocais)
Quique Gornatti (baixo, guitarras e slide guitar)
Nestor Paul (baixo), Alex Zucker (baixo)
Ruben "Tzocneh" Lezcano (bateria)
Mariano Tito (marimba)
Pappo (guitarra em 2)

1. Padre Francisco
4. El Barco Pálido
5. Instrucciones
6. El Bolsón De Los Cerros
7. Apremios Ilegales
9. El Alba Del Estío

Miguel Abuelo - et Nada [1975]
Por Marco Gaspari

Tem gente que precisa de muito para fazer alguma coisa. E têm alguns que a partir do nada conseguem fazer quase tudo. Miguel Abuelo foi um desses. Nascido Miguel Angel Peralta em 1946, passou boa parte da sua infância em um orfanato. Em 1967 praticamente inventou o rock argentino junto com Litto Nebia, Tanguito, Spinetta e mais alguns pioneiros que se reuniam nas pistas do boliche La Cueva. Inspirado pela frase “hijos de los piojos, abuelos de la nada”, de uma obra de Leopoldo Marechal, funda o grupo Los Abuelos De La Nada e grava dois compactos até 1969, quando se retira e deixa a liderança do grupo para o guitarrista Norberto Nappolitano, mais conhecido como Pappo. Gravou também alguns compactos solo para o famoso selo Mandioca. Depois de uma tentativa frustrada de montar uma banda com Luis Alberto Spinetta (El Huevo, que se tornaria depois o Pescado Rabioso), rende-se ao fato de que sua querida Argentina não mais lhe pertence e sim aos ditadores de plantão e se refugia na Europa, onde permanece errante entre cidades da Espanha e da França, vivendo na casa de amigos, fazendo artesanato e tocando sua música. Nesse meio tempo se casa, tem um filho chamado Gato Azul, escreve um livro de poesias, dedica-se à religião Sufi e se entope das drogas mais variadas. Entre 72 e 73 forma um grupo com expatriados chilenos e argentinos, entre eles o guitarrista Daniel Sbarra, e grava o disco Miguel Abuelo & Nada, produzido pelo multimilionário Moshé Naim para seu selo francês. O disco só sairia em 1975 quando a banda já estava desfeita em função de divergências de estilo, mas alguns shows em 74 pela França tiveram ótima acolhida e boas críticas. Esse disco nunca foi editado na Argentina e amargou uma injusta obscuridade por décadas, sendo relançado na Europa uma única vez em uma pequena tiragem de apenas 500 exemplares. Para quem o conhece é considerado um dos melhores discos gravados em castelhano nos anos 70, transitando entre o progressivo sinfônico, baladas folk medievais e um furioso hard rock. Depois de ser preso como imigrante sem documentação no final dos anos 70, Miguel consegue sua liberdade e volta para a Argentina em 1981, onde revive com sucesso Los Abuelos de La Nada, agora produzidos e apadrinhados por Charly Garcia. Morre em março de 1988 de parada cardíaca causada pela Aids e vira nome de uma pracinha na Avenida Santa Fé, em Buenos Aires. Nada mal para quem era Nada.

Miguel Abuelo: (vocais, violão), Daniel Sbarra (guitarra, vocais), Daniel Rodriguez (bateria), Carlos Beyris (violoncelo), Pinfo Garrigo (baixo), Juan Dalera (quena)

2. El Largo Día De Vivir
5. Señor Carnicero
6. Recala Sabido Forastero
7. Octavo Sendero

Anacrusa - El Sacrificio [1978]

O Anacrusa surgiu no início da década de 70 em Buenos Aires, lançando três álbuns que marcaram a sonoridade portenha por mesclar com perfeição e soberania a música tradicional do pampa argentino com rock progressivo, blues e até mesmo o tango. Governados por Susana Lago (piano e vocais) e José Luis Castiñeira (violões, arranjos), o grupo sofreu com a pressão da ditadura argentina, e acabou mudando-se para a França em 1977. Lá, registraram seu melhor trabalho, El Sacrificio, o qual condensa todo o poder de fogo de um octeto afiadíssimo, misturando elementos típicos do rock progressivo (flauta, guitarras, teclados) com a música argentina (bandoneon, piano, clarinete, oboé, bumbo leguero). São apenas sete canções de um disco praticamente instrumental,  trazendo música clássica na grandiosa "El Pozo de los Vientos", as viagens floydianas / Piazollenses de "Los Capiangos", o clima milongueiro de "Sol de Fuego", as passagens enigmáticas e enlouquecedoras da suíte "Tema de Anacrusa", recheada de alternações e mudanças de ritmo, e o tocante tango  de "Homenaje a Waldo", uma das Maravilhas Progressivas que a Argentina pariu. Dentre as duas faixas com vocais, "Quien Bien Quiere" é a que se sobressai por conta de seu ritmo medieval levado por instrumentos andinos, mas a faixa-título é uma belíssima joia a ser descoberta. O grupo lançou mais um excelente álbum durante seu exílio francês, Fuerza (1982), e separou-se logo em seguida. Diversas reuniões foram feitas, resultando em mais dois lançamentos de estúdio entre os anos 90 e 2000, mas já sem a criatividade e a força de El Sacrificio, para mim o segundo melhor álbum do rock argentino em toda sua história.

Susana Lago (piano, vocais), Jose Luis Castiñeira (violões, arranjos), Julio César Pardo (flauta), Bruno Pizzamiglio (oboé), Daniel Sbarra (guitarras), Jorge Trasante (bateria e percussão), Juan Mosalini (bandoneon) e Phillipe Pages (piano, órgão).

1. El Pozo de los Vientos
2. El Sacrificio
3. Sol de Fuego
4. Quien Bien Quiere
5. Homenaje a Waldo
6. Los Capiangos

2112 - Intro [1994]

Para não ficar apenas nos clássicos e obscuros discos da década de 70, trazemos aqui um representante do Prog Metal portenho. Para muitos, o nome Rata Blanca é comum nas rodas relacionadas ao Heavy Metal. Porém, contemporâneos a banda de Walter Giardino, e tão talentosos quanto, eram o quarteto 2112, formado em 1986 pelos fãs de Rush Juan Tambussi (guitarras) e Sergio Moscatelli (bateria). O nome já entrega suas inspirações no rock progressivo. Lançaram seu primeiro disco em 1990, mas foi com Intro que conquistaram sucesso na Europa e nos Estados Unidos. Cantando em espanhol, esse é um dos principais destaque do 2112, já que as qualidades técnicas de Tambussi e de Moscatelli (esse fortemente influenciado por Neil Peart) e as perceptíveis passagens advindas de álbuns do trio canadense em canções como "Souvenir", "Dalo Vuelta" também revelam-se positivamente em Intro. Das oito faixas, os fãs da banda canadense irão vibrar com a instrumental "451", trazendo surpreendentemente um solo de gaita de fole em seu encerramento, e os admiradores de nomes como Dream Theater ou Stratovarius certamente apreciarão o peso de " Libre del Bien y el Mal" e "Desde el Trapecio". Porém, o grande mérito da banda é a criação de "Payasos Asesinos del Espacio Exterior", com um riff poderoso para o estilo de metal, mas carregado por densas pinceladas do rock progressivo. Depois, houve diversas mudanças na formação, mais dois lançamentos de estúdio, um com o grupo gravando em inglês (Glory Lies Ahead, 2000) e outro voltando a gravar em espanhol (El Maravilloso Circo de Los Hermanos Lombardi, 2012), e uma atividade diminuída com o passar dos anos, mas ao que consta, o 2112 ainda está na ativa.

Juan Tambussi (guitarras), Lucho Passeri (baixo, vocais), Adrián Katz (teclados), Sergio Moscatelli (bateria)

1. Centrales de Poder
2. Souvenir
3. 451
5. Dalo Vuelta
6. Analogías
7. Payasos Asesinos del Espacio Exterior
8. Libre del Bien y el Mal


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