quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Maravilhas do Mundo Prog: Cannabis India - Lapis [1973]



Quando falamos dos grandes power-trio do rock progressivo, certamente o primeiro nome que vem à mente do fã é o britânico Emerson Lake & Palmer, união de três gigantes em seus instrumentos (Keith Emerson, teclados, Greg Lake, baixo, vocais, e Carl Palmer, bateria) que mostrou ao mundo como fazer rock sem guitarras. A fama do ELP espalhou-se pelo mundo, e concebeu mais um gigante na Europa, mais precisamente na então Alemanha Ocidental. Ali, o Triumvirat do tecladista Jürgen Fritz atravessou a década de 70 com diversas mudanças na formação, mas sempre como um trio poderosíssimo, capaz de bater de frente com as obras Maravilhosas advindas da Terra da Rainha.

Quase na garagem ao lado, porém muito menos desconhecido, o Triumvirat tinha a companhia de outro belíssimo trio progressivo, relegado a obscuridade eterna por conta principalmente do nome adotado para a banda: Cannabis India.

O grupo surgiu em 1971, na pequena cidade de Wuppertal, mesmo local de um grupo que tornou-se cultuado entre os admiradores de krautrock, o obscuro Höderlin, através dos músicos Oliver Petry (órgão, vocais), Dirk Fleck (baixo) e Rüdiger Braune (bateria). Antes, eles faziam parte de um grupo concentrado em executar covers da British Invasion, o The Futures, cujo principal formador, Burckhard Eick, acabou tornando-se o empresário do Cannabis India. Vale ressaltar que Oliver tinha dezesseis anos quando o grupo nasceu, mas tinha uma longa história musical, estudando música clássica desde os sete anos de idade.

O grupo começou a fazer apresentações em diversas cidades da Europa, assim como virou atração em festivais espalhados pela Alemanha, abrindo para nomes hoje consagrados como Birth Opera, Earth and Fire, Fumble entre outros. Dois shows foram marcantes nesse período, o primeiro deles em Berlin, e outro no Wuppstock Festival, na cidade Natal dos garotos. Ambos os shows ocorreram em 1973, e foi graças a eles que surgiu o convite para as primeiras gravações em estúdio da banda.

As gravações ocorreram em 11 maio de 1973, no Südwestfunk Studios em Baden Baden, mas foram lançadas somente em 2009 pelo selo Long Hair, através da série SWF Session, que resgatou nomes obscuros como Jud's Gallery, Coupla Prog e Kollektiv. O nome da bolachinha: SWF Session 1973, uma peça exemplar para mostrar aos que querem conhecer o rock progressivo por que se fala tanto da união entre a música clássica com o rock, já que os dotes clássicos de Petry são exibidos constantemente nas quatro estonteantes faixas instrumentais da bolacha.

O álbum abre com "Hand of the King", potência sonora que une os melhores momentos e Emerson Lake & Palmer, Triumvirat e Atomic Rooster em uma única canção, com o diferencial sendo exatamente as belas escalas clássicas das teclas de Petry, um belíssimo músico infelizmente relegado à obscuridade eterna, se não fosse o advento da internet. Vale a pena citar o quão belos instrumentistas são Fleck e Braune, com o primeiro praticamente solando o tempo todo ao lado de Petry, e o segundo providenciando ritmos impecáveis e dançantes para as belezas sonoras criada pela dupla, nessa canção que tranquilamente poderia estar sendo resenhada por aqui. Porém, escolhi a canção que vem na sequência.

Contra-capa do álbum

"Lapis" surge com uma imponente sequência de notas de órgão e baixo, com a bateria estraçalhando, seguida por marcações que nos remetem rapidamente para "Tarkus" (Emerson Lake & Palmer), intercaladas por velozes escalas do órgão. As marcações vão diminuindo, e com a entrada do moog, começa o ritmo alucinante da canção, com Petry solando alucinadamente, enquanto Braune rufa endemoniado e Fleck faz as marcações no baixo como se fosse a base de uma orquestra.

A velocidade do solo de Petry é incrível, explorando escalas clássicas com uma habilidade comum apenas entre os gigantes do teclado prog, e chama bastante a atenção as batidas fortes da bateria. A canção ganha ritmo através das marcações de Braune, enquanto baixo e órgão dão seu espetáculo de duelos e momentos individuais, deixando o ouvinte exausto e satisfeito com toda a explosão musical.

Depois de três minutos com uma velocidade absurda, a bateria conduz o baixo para uma suave canção, na qual o órgão é o principal instrumento em um solo de arrancar lágrimas. O que Petry faz com o instrumento, utilizando escalas lentas, longos acordes e uma dose extra de emoção advinda da cozinha, causa uma comoção até em estátuas, fazendo o aparelho de CD banhar-se em lágrimas, e gradualmente, o ritmo vai retornando através das velozes escalas de Petry, enquanto a cozinha Braune / Fleck mantém uma marcação constante e dançante.

Passagens entre os três instrumentos fazendo as mesmas batidas concluem esse momento, levando a segunda metade da nossa Maravilha, aberta por um belo solo clássico do órgão, transportando o ouvinte para um Igreja Medieval, e ganhando mais emoção com o retorno de baixo e bateria, que fazem um crescendo único para o órgão poder ser explorado sem piedade, ora com notas curtas, ora com acordes longos, ora atacado por notas velozes, ora com apenas a mão sendo sentada sem piedade nas teclas. Prepare o lenço, por que "Lapis" certamente já está fazendo até as paredes chorarem nesse momento.

Finalmente, breves segundos de silêncio estouram no baixo muito veloz, seguido pelo ritmo jazzístico da bateria. O órgão repete a velocidade e as notas do baixo, e então simplesmente Petry destrói as teclas com acordes longos, agudos e arrepiantes, enquanto a bateria pega fogo em um ritmo jazzy. A escala do baixo é repetida por diversas vezes, e a pauleira come solta, cada músico ganhando destaque em separado, e então, os três músicos voltam para o início da canção, com mais marcações que nos remetem facilmente para Emerson Lake & Palmer, mas com momentos bastante intrincados, na qual Braune é o polvo de dezesseis tentáculos (e não oito) tamanha a fúria e velocidade de suas batidas em pratos, tons e bumbo.

Petry faz uma velocíssima escala no órgão, e com muito barulhos em acordes arrepiantes, leva "Lapis" ao encerramento junto das marcações de baixo e bateria, concluindo essa Maravilhosa peça de doze minutos com um longo e assombroso acorde de órgão, e muito barulho por parte de baixo e bateria. De tirar o fôlego!

Encarte de SWF Sessions 1973, com breve história do Cannabis India em alemão

"Revolver" é uma canção mais alegre, na qual o órgão parece cantar, e Petry abusa de escalas clássicas acompanhado pela impressionante velocidade das batidas de Braune e da marcação perfeita de Fleck. Essas mesmas linhas clássicas são ressaltadas na linda versão para a "Nona Sinfonia" de Beethoven, obviamente intitulada "Beethoven's 9th", e concentrada especialmente na magistral, e por que não Maravilhosa, interpretação de Petry, tendo a fiel e fundamental participação da cozinha Braune / Fleck.

Depois das gravações, o Cannabis India ganhou um guitarrista, Martin Köhmstedt, ex-integrante do grupo Solomon Jackdaw, mas não demorou muito tempo no seu posto, já que logo no início de 1974, o Cannabis India separou-se. Petry acabou fundando o grupo Universe, ao lado de ex-membros do Solomon Jackdaw, Detlev Dalitz (baixo), Bernd Frielingsdorf (bateria) e Detlev Krause (guitarras), os quais fizeram um breve registro que entrou como bônus de SWF Sessions 1973, as faixas "Mirror" e "The Hunt", ambas mais acessíveis, porém mantendo a potência progressiva das cinco canções anteriores, com belas passagens clássicas seja no órgão ou na guitarra, e destacando uma maior presença do moog ao lado do órgão na primeira, e os vocais Gillanianos (além do moog) de Petry na segunda.

Os três álbuns do grupo Gate

Martin acabou ingressando no grupo Gate, onde registrou três álbuns: Live (1977), Red Light Sister (1977) e Well Done (1980). Os membros da Cannabis India voltaram a tocar juntos anos depois, em um projeto chamado Fritz Mueller Band, o qual fez diversas apresentações abrindo para Neu! e Kraftwerk no final dos anos 70, e gravou o álbum Kommt, trazendo um som que mistura punk com psicodelia, longe dos tempos áureos do progressivo de SWF Sessions. 

Braune tocou com o grupo The Ramblers, formando o Kowalski na década de 80, grupo pelo qual registrou dois álbuns: Schlagende Wetter (1982) e Over Man Underground, versão inglesa de Schlagende Wetter, lançada em 1983, ambos pelo selo Virgin. Dirk fundou o grupo Mama, enquanto Petry tornou-se vocalista do Empire, registrando apenas um álbum em 1981, e hoje vive como empresário e webdesigner. 

Quanto ao Cannabis India, sobrou a missão para os caçadores de preciosidades buscar essa relíquia chapante, de uma banda que podia ter sido uma das maiores do prog alemão, mas o destino infelizmente não quis dessa forma.

PS: Infelizmente, não encontrei nenhuma imagem do trio, o que corrobora a raridade que é o Cannabis India.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...