quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Maravilhas do Mundo Prog: Som Imaginário - A Matança do Porco [1973]


  


Existem bandas que nasceram para ser progressivas, mas demoraram anos para se darem conta disso. Um dos casos mais conhecidos é o do grupo mineiro Som Imaginário. Formado no início dos anos 70 para ser banda de apoio de Milton Nascimento durante o espetáculo "Milton Nascimento, ah, e o Som Imaginário!", o grupo era uma mescla de excelentes músicos mineiros com cariocas e pernambucanos, tendo na liderança Wagner Tiso (órgão, piano, piano elétrico) e Zé Rodrix (flautas, percussão, teclados, instrumentos de sopro, vocais). O grupo conseguiu um contrato com a gravadora Odeon, e por lá, pôde fazer várias experimentações que ficaram muito visíveis nos dois primeiros LPs da banda, ambos intitulados Som Imaginário, lançados em 1970 e em 1971.

Som Imaginário no Programa Som Live Exportação (1971)

Essa fase do grupo foi de muitas viagens lisérgicas e farras. O grupo morava junto com o ícone guitarrista Marco Antônio Araújo, sendo apelidados de "Família Matadouro", tamanho a quantidade de groupies que o grupo levava para "o abate" no apartamento da trupe em Copabana. Em certos dias, a loucura era tanta que ficavam desenhando visões alucinógenas, chegando ao ponto de inclusive não pagar a luz do local. Em uma dessas ocasiões, a luz foi cortada. O resultado: chaparam-se de ácido, acenderam um lampião e viajaram com os LPs da The Band. Em outra ocasião, durante uma turnê por Belo Horizonte, a luz foi cortada. Como resultado, as carnes da geladeira apodreceram, deixando um fedor insuportável e uma quantidade enorme de vermes por todo o apartamento. 

Voltando para a parte musical, 
os dois primeiros álbuns do Som Imaginário seguem uma linha mais próxima do rock psicodélico, mostrando uma estética sonora típica do Clube da Esquina, e inclusive contando com a participação de Beto Guedes em um dos clássicos do primeiro LP: "Feira Moderna".

No segundo LP, Nana Vasconcelos entrou para o Som Imaginário, substituindo Laudir de Oliveira, e as experimentações começaram a aumentar, assim como a entrada do guitarrista Frederyko "Fredera" adicionava mais psicodelia à coisa.

Formação que gravou o "abate". Da esquerda para a direita: Tiso, Alves, Tavito e Robertinho

Porém, foi no terceiro LP da banda, Matança do Porco (1973), que finalmente o Som Imaginário conseguiu transpor toda a sua inspiração e transpiração em cima de uma obra-prima. Um álbum conceitual, considerado por muitos como um dos melhores LPs progressivos do Brasil, trazendo uma mescla de jazz, música erudita, MPB e Bossa Nova, e principalmente, 100% instrumental.

A formação do Som Imaginário à época do lançamento de Matança do Porcocontava com Tiso,  Tavito (violão, guitarras), Luis Alves (baixo) e Robertinho Silva (bateria), ou seja, Zé Rodrix já não pertencia mais ao grupo, assim como Fredera. 
Mais líder do que nunca, Tiso é o autor da maioria das faixas, desenvolvendo uma sonoridade que marcaria também sua carreira solo. Mas, a participação de Fredera é visível, mesmo que não conste nos créditos do LP, e tudo fica mais óbvio principalmente nos maravilhosos 11 minutos da faixa-título.
Dividida em três movimentos, onde se sobressaem as vocalizações deslumbrantes de Milton Nascimento, os agudos da guitarra de Fredera e os fraseados de Tiso, "A Matança do Porco" foi composta originalmente para o filme "Os Deuses e Os Mortos", de Ruy Guerra, que concorreu às premiações do Festival de Berlin, em 1971.
Tudo começa com tristes acordes de piano e órgão, entre barulhos de guitarra que levam a entrada dos pratos, onde o piano começa a solar sobre um viajante tema da guitarra, lembrando muito as experimentações do Pink Floyd da fase Atom Heart Mother e Ummagumma. A canção vai ganhando corpo lentamente, até a guitarra cheia de distorção executar o tema principal da canção. O baixo surge acompanhando o piano, e ambos fazem os acordes únicos que acompanham o tema distorcido da guitarra.
Robertinho entra com os pratos, fazendo marcações percussivas que acompanham baixo e teclado, levando a um crescendo onde guitarra e piano fazem os mesmos acordes. Fredera passa a solar insanamente, e um jazz-rock-progressivo é feito pelo resto do Som Imaginário, com Tiso entoando acordes aleatórios no piano enquanto Alves e Robertinho fazem a fantástica e viajante cadência.

Acordes de órgão se espalham ao fundo, enquanto o solo de guitarra está cada vez mais viajante, com notas rápidas, engasgadas e escalas que transformam a música numa excitante agonia de "onde eles vão chegar com isso", que é exatamente a parte onde "está se matando o porco (!)". Viradas de bateria tornam Robertinho a atração principal, e é legal como a guitarra vai diminuindo o volume para o órgão e a bateria tomarem conta das caixas, assim como todos os instrumentos vão baixando o volume para a bela sequência final.

Acordes de um órgão de igreja, com um bonito tema feito por cordas e piano, comandam a triste parte onde finalmente "o porco é morto". Esse tema é repetido por diversas vezes, até a guitarra reproduzir o tema com vocalizações de todos os membros da banda. Finalmente, enquanto o tema é reproduzido, Milton surge fazendo vocalizações, que tornam a canção ainda mais bela e angustiante. O arranjo final é de arrepiar, levando a canção a um triste encerramento, apenas com o órgão reproduzindo o tema final, e o piano apresentando o tema inicial da canção sobre o barulho percurssivo de Robertinho e alavancadas de Tavito.

Capa do relançamento de Matança do Porco

Não sei se a ideia era justamente ilustrar a matança de um porco, mas que parece, parece. Depois disso, o Som Imaginário ainda registraria "A Matança do Porco" no excelente ao vivo Milagre dos Peixes ao Vivo(1974), de Milton Nascimento, e o grupo acabaria logo em seguida, reunindo-se vez ou outra para participações em álbuns ou shows de outros artistas. Tiso seguiu com sua carreira solo, mantendo a linha do que foi feito no "abate suíno", mas infelizmente, nada que pudesse superar a Maravilha feita na faixa que abre o lado B desse excelente e fundamental álbum.

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