segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Yes: Tales from Topographic Oceans Tour


Com o Jethro Tull inovando ao apresentar na íntegra e ao vivo um álbum de apenas uma música, Ian Anderson começou a confabular sobre um álbum duplo de apenas uma música, narrando sobre a vida após a morte, e com um espetáculo de show ainda mais desafiador. Por diversos problemas, o projeto acabou sendo abortado, com algumas partes entrando então em A Passion Play (1973) e grande parte da obra sendo lançada no álbum Nightcap, somente em 1993.

Mas ainda em 1973 outro expoente britânico do progressivo atingia números inalcançáveis (até então) para uma banda do gênero. O Yes alcançou o topo de maior banda do mundo naquele ano com o lançamento do ultra-mega-criticado
Tales From Topographic Oceans, uma verdadeira obra "ame ou odeie", e que abalou as estruturas de toda a geração progressiva na época.

O Yes vinha de uma grande turnê de divulgação do álbum
Close to the Edge, que acabou com o lançamento do triplo ao vivo Yessongs e com a saída do baterista Bill Bruford durante a tour, sendo substituído pelo baterista da Plastic Ono Band, Alan White.

Conta a lenda que Jon Anderson (vocalista do Yes) havia se encantado com
Thick as a Brick, e começou a planejar algo nos mesmos moldes. O Yes já vinha se consolidando por produzir longas faixas, como "Heart of Sunrise" (de Fragile) e a própria "Close to the Edge", mas a ideia de narrar uma longa história foi sendo arquitetada na mente de Anderson.

Durante os shows da turnê de
Close to the Edge no Japão, Anderson foi apresentado ao livro Autobiografia de um Iogue, do mestre hindu Paramahansa Yogananda, através do percussionista Jamie Muir (King Crimson), e simplesmente delirou com os ensinamentos ali contidos (outro grande livro oriental, essencial para uma boa leitura, é Bhagavad Gita, que inspirou nosso Raulzito em sua clássica canção). Aficcionado pela leitura, Anderson começou a fazer a cabeça de seus companheiros de banda, e por mais incrível que pareça quem mais curtiu o livro foi seu grande arquiinimigo, o guitarrista Steve Howe. Assim, ambos passaram a estudar os ensinamentos e a criar a história do próximo trabalho da banda, mesmo contra a vontade dos outros integrantes - a saber: Chris Squire no baixo, Rick Wakeman nos teclados e o já citado White na bateria).

O melhor LP do Yes


Em poucas semanas as letras e melodias estavam prontas, e com o término da turnê de Close to the Edge as gravações começaram no estúdio Morgan, em Londres. A ideia básica de Tales From Topographic Oceans era narrar a história da criação do mundo. Para isso, o grupo se concentrou em quatro suítes que tratavam de temas específicos, as quais formam a faixa "Tales From Topographic Oceans", e que por sua vez ocupavam cada um dos lados do vinil duplo, sendo o lado A composto por "The Revealing Science of God" (falando sobre a verdade sobre Deus), o lado B com "The Remembering" (e o conhecimento), o lado C com "The Ancient" (e a cultura) e o lado D com "Ritual" (com a liberdade), formando então uma única peça com mais de 80 minutos de duração.
Steve Howe


Cada lado teve participação especial de um integrante. O lado A deixava claro todo o trabalho de Anderson, enquanto no B quem se sobressaía era Wakeman. Howe demolia o lado C com guitarras e violões, enquanto que em "Ritual" White e Squire eram os responsáveis pelo cataclisma de encerramento da peça. Mas, claro, toda a banda participava ao mesmo tempo em todas as suítes. Além disso, a capa (elaborada por Roger Dean) é considerada uma das mais bonitas que o autor já fez.

Não vou entrar em mais detalhes sobre o álbum para atiçar o ouvido do leitor, mas como últimas informações a respeito do mesmo, o LP até hoje é o que teve o maior número de vendas quando de seu lançamento, sendo o que mais vendeu do Yes em todos os tempos. A revista
Time elegeu Tales From Topographic Oceans o melhor disco de 1973, enquanto a revista brasileira Showbizz colocou o disco entre os 20 piores de todos os tempos. Novamente fica claro que a discussão sobre o álbum é enorme. Antes que me pergunte, Tales From Topographic Oceans é para mim o melhor disco de todos os tempos, em todos os níveis e em todos os gêneros, e, claro, estou ciente que levarei (e levo) muitas pedradas por isso. E como muitos fãs - que elegeram o álbum como o melhor da banda em toda a sua carreira -, reconheço no álbum as melhores passagens instrumentais e os melhores trabalhos individuais de toda a trajetória do Yes - com exceção de Bruford, que fez misérias em Close to the Edge.






Fotos do palco da turnê



Nas palavras de Anderson: "Tales é uma viagem espiritual sintetizada assim: surge a luz da aurora em nosso coração, a luz de Deus. Relembramos nossa essência espiritual no oceano do tempo, somos eternos. Aprendemos com os sábios antigos a arte espiritual da união com a terra e a reverência ao sol, a arte da expansão da consciência. Voltamos ao presente cheios de esperança e amor para lutarmos pelos nossos sonhos e seguirmos em frente, pois NÓS SOMOS DA LUZ!"
Tales from Topographic Oceans - palco

Voltando então para a origem do álbum, Anderson e Howe começaram a planejar as letras e melodias, além de discutir como promover o disco. Sendo ele composto por uma única música de oitenta minutos, o que fazer para que a plateia não se cansasse com tanto tempo de apresentação? Bom, a primeira solução foi dividir a canção em quatro suítes (como falei acima), e, claro, colocar outras músicas no show. Mas, desde o início baseado nas apresentações do Jethro Tull, as quatro suítes deveriam ser tocadas na sequência - e mais ainda, na íntegra.

Os ensaios para a turnê foram bastante complicados, e Anderson começou a delirar ainda mais em cima do tema, criando, com a ajuda de Roger Dean, efeitos de luz que atiçavam a visão da plateia para os viajantes temas da bolacha, além de monstros gigantes infláveis ou em fibra de vidro que eram responsáveis por "guiar" a banda até a entrada do palco - a famosa baleia Skull -, a qual era um conjunto de tubulações de órgãos totalmente retorcidas, formando o esqueleto de uma baleia, e diversos cogumelos que eram espalhados na frente do palco. Também haviam outras peças especiais que surgiam durante determinadas partes do show, como os bustos de Bach e Beethoven que circundavam os teclados de Rick Wakeman.

Tales from Topographic Oceans - palco

Então, em 01 de novembro de 1973 a primeira aparição de
Tales From Topographic Oceans surgiu na rádio BBC, e no dia 16 daquele mês começava a Tales From Topographic Oceans Tour, em Bournemouth, Inglaterra. Após uma sequência de shows, que tinham sempre críticas altamente positivas ou extremamente negativas, o álbum foi lançado no dia 14 de dezembro na Inglaterra e no dia 09 de janeiro de 1974 nos Estados Unidos.

O que mais chamava a atenção da turnê era que o Yes realmente estava inovando, não somente por tocar um álbum duplo na íntegra, mas por tocar dois diferentes álbuns na íntegra! O show começava com o encerramento da clássica peça "Firebird", de Igor Stravinsky, com um gigantesco pano branco tapando o palco. Enquanto "Firebird" era executada pelas torres de som o pano se abria, mostrando uma gigantesca cabeça de cobra sobre a bateria de White, com a banda acompanhando os acordes da peça e emendando em "Siberian Khatru", do álbum
Close to the Edge. Na sequência, as outras duas faixas do LP eram tocadas - "And You and I" e "Close to the Edge" -, e assim todo o álbum Close to the Edge era apresentado ao público em pouco mais de 45 minutos.


Cris Squire e Rick Wakeman

Terminada a apresentação de
Close to the Edge, era a vez de Anderson começar a narrar o que estava para acontecer. Primeiramente, ele comentava que iriam apresentar uma faixa do novo álbum, chamada "Tales From Topographic Oceans", e que isso começaria com a suíte "The Revealing Science of God". O que se vê (e ouve) a seguir é a interpretação primorosa e vigorosa dos mais de oitenta minutos do álbum, sendo que ao término de cada uma das suítes Anderson explicava um pouco sobre o que vinha a seguir e qual ensinamento ou assunto estava sendo tratado.

A dificuldade na interpretação de
Tales From Topographic Oceans tornava o show ainda mais interessante de se ver, pois Squire e Howe acabavam se transformando em verdadeiros malabaristas, empunhando por mais de duas vezes dois baixos (no caso de Squire) e duas guitarras ao mesmo tempo. Anderson também era outro multi-instrumentista, com um canto especial para ele, onde estavam à disposição flauta, harpa e diversos instrumentos percussivos. Wakeman, sempre trajando sua tradicional capa de brilhantes, vinha cercado de moogs, mellotron e piano, enquanto White desaparecia sob a cabeça da cobra, que soltava fumaça e labaredas de fogo.

O clímax e tensão eram intensos durante toda a apresentação de
Tales From Topographic Oceans. Como se sabe, o Yes se tornou mundialmente reconhecido por executar nota por nota de suas canções, e isso se deve principalmente a essa turnê, pois imaginem fazer isso com uma única música durante 80 minutos, sem partitura e sem metrônomos, só com a canção na cabeça.

Tales from Topographic Oceans - palco

Durante a apresentação a cabeça da cobra abria-se, revelando por vezes asas de borboletas ou então outras formas, como cogumelos e flores. Nos cantos do palco, vez por outra surgiam bonecos e animais empanados, e o que chamava a atenção era o show de luzes e fumaça, que tinha como o auge "Ritual", onde os quatro integrantes (com exceção de Rick Wakeman) empunham tambores para executar a parte central da peça, enquanto Wakeman delirava nos teclados. Ali, um verdadeiro ritual se fazia no palco, e quem via isto ficava com a sensação de que tudo o que havia aprendido sobre shows era enganação, pois o espetáculo visual provocado pelo Yes era fora do comum.

Após a apresentação de
Tales From Topographic Oceans o Yes deixava o palco por alguns minutos, retornando para o bis com "Roundabout" e, dependendo da energia do público, "Starship Trooper", encerrando então o espetáculo de quase três horas de duração. Vale ressaltar que alguns shows contavam com "Heart of Sunrise" ou "Yours is No Disgrace" ao invés de "Starship Trooper", mas "Starship" acabou sendo apresentada na maioria das vezes.


Camisetas da turnê

No total a turnê teve 25 shows na Inglaterra, 43 na América do Norte (onde camisetas personalizadas para cada cidade foram fabricadas) e mais dez shows pela Europa, passando por Alemanha, Holanda, Suíça e França, encerrando em 23 de abril de 1974 em Roma.

Mesmo com todas as críticas negativas vindas da imprensa, todos as apresentações tiveram seus ingressos esgotados, sendo que em algumas cidades o Yes teve que fazer mais de um show (as vezes no mesmo dia, como ocorreu na Filadélfia).


Capa de Tales


Em termos de raridades, começamos pelo próprio álbum Tales From Topographic Oceans, que teve uma versão lançada unicamente para ser tocada nas rádios inglesas - creditada como "radio vinyl". Como as faixas eram longas, a ideia foi dividí-las em temas de quatro ou cinco segmentos, com intervalos entre 4 e 5 minutos, o que possibilitava a execução das mesmas, e isso era criteriosamente creditado tanto na capa quando no próprio rótulo e sulco do vinil. Essa versão é raríssima, e aqueles que a tem não se desfazem nem por uma noite com Angelina Jolie. Outra rara versão do LP traz o triângulo em alto-relevo na capa.

Bootleg
 
Para quem quer curtir a turnê em si, os melhores bootlegs são Tales From the Edge, gravado em Ludnigshateen (Alemanha) no dia 14 de abril de 1974, e Ocean Tales, gravado em Detroit (EUA) em 28 de fevereiro de 1974. Vários bootlegs desta turnê existem, mas estes são os que apresentam a melhor qualidade de áudio, além de contar com o show na íntegra.

Diferentes partes de
Tales From Topographic Oceans foram lançadas oficialmente pela banda, como "Ritual" em Yesshows (1980) e "The Revealing Science of God" em Keys to Ascension (1996), mas nada original da turnê foi lançado até o presente momento.

Em termos visuais, existe um raríssimo video em 8mm da tour, que mostra grande parte de um show filmado em local desconhecido. Particularmente nunca vi este show, mas pesquisando na internet vi vários comentários a respeito do mesmo.

"Ritual" foi registrada oficialmente na turnê seguinte, do álbum
Relayer, já contando com Patrick Moraz nos teclados, no famoso vídeo Live at Q. P. R.. Ali, pode ser conferido um pouco dos monstros e luzes que apareciam na turnê original. "Ritual" também aparece em Symphonic Live (2002), e "The Revealing Science of God" foi registrada também no DVD de Keys to Ascension (1996).

O Yes consolidava-se como a principal banda do progressivo britânico, passando à frente de baluartes como Pink Floyd, principalmente por
Tales From Topographic Oceans alcançar o posto número 1 de vendas na Inglaterra (Dark Side of the Moon, de 1973, vendeu muito desde seu lançamento, mas a posição mais alta que alcançou foi a segunda nos charts de álbuns britânicos) e sexto nos EUA.

Como a época era de álbuns conceituais e turnês auto-explicativas, mais bandas passaram a trabalhar e desenvolver seus shows. Rick Wakeman, que vinha sendo bastante elogiado pelo seu primeiro álbum solo,
The Six Wives of Henry VIII, largou fora do Yes e foi montar um dos mais ambiciosos projetos da história da música, como veremos na próxima sequência das grandes turnês do rock progressivo.

3 comentários:

  1. Incrível. Parabéns pelo texto, muito bom.

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  2. Muito obrigado Tiago. Abraços e bem vindo ao Baú

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  3. Posso resumir o motivo do qual considero Tales from Topographic Oceans a melhor coisa que o Yes produziu em sua carreira com um versículo bíblico: "A pedra que os obreiros rejeitaram, tornou-se agora a pedra angular".

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