quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Arnaldo Baptista



Um gênio. Essa é a melhor definição para Arnaldo Baptista. Mentor, criador e líder dos Mutantes, Arnaldo mostrou que conhecia, e muito, de música durante a curta carreira da banda, mas foi justamente fora dela que conseguiu expressar todo o seu sentimento e musicalidade em discos seminais do rock brasileiro.

Após as gravações do excelente, mas controverso, álbum "O A E O Z", Arnaldo brigou com o seu irmão, Sérgio Dias, e decidiu partir para uma carreira solo. Meses antes Arnaldo havia terminado o seu relacionamento com aquela que seria a maior influência para o seu primeiro álbum solo, chamado "Lóki", e cujo nome era Rita Lee (sim, a mesma dos Mutantes). Esse é um dos principais álbuns dos anos 70 em todos os sentidos. Foi o primeiro álbum gravado de forma totalmente anti-comercial, não fez o mínimo sucesso, mas revela o mais puro sentimento que um ser humano pode sentir perante outro.



O álbum começa com o piano introduzindo a espetacular "Será Que Eu Vou Virar Bolor?", onde Arnaldo mostra a Rita toda sua raiva e mágoa por vê-la partir, em frases como "não gosto do Alice Cooper" (Rita teve um caso com o guitarrista de Alice quando este esteve no Brasil) e "onde é que está meu rock'n'roll". Esse som já mostra como todo o álbum irá soar, um último suspiro de Arnaldo perante sua difícil relação entre sucesso e mulheres.
Segue "Uma Pessoa Só". Chupada do não lançado (na época) "O A E O Z", Arnaldo apoiou-se nos arranjos de Rogério Duprat e regravou essa canção da sua forma, a qual não é tão boa quanto a versão original, mas se encaixa no contexto do álbum e muito bem. "Não Estou Nem Aí" é a primeira a contar com os vocais de Rita. Arnaldo mostra o quanto Rita faz falta à ele, dizendo "num mundo de cristal, num sonho surreal, a vida, a morte, o amor" e que "não estou nem aí pra morte, eu quero mais é decolar toda manhã".

"Vou Me Afundar Na Lingerie" é uma bela balada com o acompanhamento preciso de Liminha e Dinho (os dois Mutantes que acompanharam Arnaldo nessa incursão). Rita novamente participa nos vocais, enquanto Arnaldo solta frases como "ame-me ou deixe-me em paz". "Honky Tonky" encerra o lado A com um belo solo de Arnaldo ao piano, mostrando que ele não era só um grande letrista e cantor, mas também tinha excelente conhecimento do piano.

O lado B abre com uma direta no queixo de seu irmão. "Cê Tá Pensando Que Eu Sou Lóki?" trás a indignação de Arnaldo com os caminhos que Serginho estava seguindo e a falta que os Mutantes faziam para Arnaldo, através de frases como "a gente andou, a gente queimou, muita coisa por aí, ficamos até mesmo todos juntos reunidos numa pessoa só".

"Desculpe" retoma Rita. Angustiadamente, Arnaldo canta "não sou perfeito, nem mesmo você é". Essa canção é uma das mais lindas do álbum, ficando atrás apenas da próxima, "Navegar de Novo". Em cinco geniais minutos de piano e voz, Arnaldo prevê mudanças no mundo, de forma simples, honesta e sincera. Uma linda melodia com muita emoção faz dessa uma "Monalisa" na obra de Arnaldo, em minha opinião. Essa faixa mostra muito bem todo o sentimento de Arnaldo naquele momento tanto com a vida quanto com aqueles que o rodeava. "Te Amo Podes Crer" trás mais citações para Rita, como "você me deu adeus" e "seria o maior barato tocar seu coração". "É Fácil" encerra o álbum com Arnaldo no violão, dizendo apenas "Eu me amo, como eu amo você? É Fácil". GENIAL!!!

Após "Lóki" a crítica especializada elevou Arnaldo a um grande escalão, mas infelizmente a gravadora não fez uma boa divulgação e o álbum foi pras cucuias em termos de vendas. Porém até hoje ele é considerado um marco entre os lançamentos das décadas de 60/70 (assim como "Revólver" de Walter Franco e a trilogia de Ronnie Von). 

 
Arnaldo e a Patrulha do Espaço

Arnaldo seguiu carreira solo, lançando -se em turnê, ora sozinho ora com a banda Patrulha do Espaço (do baterista Rolando Jr.). Também era comum Arnaldo aparecer no meio dos shows dos Mutantes como um "cowboy tocando piano frenéticamente" no intervalo ou na abertura dos mesmos. Porém não fez nenhum registro oficial até 1981, quando lançou o álbum "Singin' Alone", onde toca todos os instrumentos. Mais maduro, Arnaldo tenta provar a si mesmo que ainda tinha conhecimentos e talentos musicais que o fariam a voltar a ativa.


 


O disco começa com a clássica e bela "I Feel In Love One Day", com Arnaldo cantando em inglês e de forma bem diferente do que em "Lóki" (muito mais técnico e não utilizando tanto sua emoção). Segue "O Sol" e "Bomba H Sobre São Paulo", com Arnaldo mandando ver no piano. "Hoje de Manhã Eu Acordei" é a mais rock and roll do álbum, que encerra o lado A com "Jesus Come Back To Earth" e "Cowboy", ambas cantadas em inglês (com algumas estrofes em português).

"Sitting On The Road Side" abre o lado B de forma bem humorada, com Arnaldo lembrando os velhos tempos da música na década de 50. "Ciborg" é um rock and roll com um refrão bem grudento. "Corta Jaca" parece aquelas músicas feitas por duplas sertanejas do interior paulista, mas é interessante o trabalho de Arnaldo tanto nos vocais como no piano. "Coming Through The Waves Of Science" é a mais viajante do álbum, com muito peso e até a citação de "Let's Spend The Night Together", dos Stones. "Young Blood" e "Train" encerram o álbum de forma não menos do que brilhante, trazendo o gosto de quero mais ao ouvinte. Vale a pena ressaltar que algumas canções foram compostas em pequenas viagens de Arnaldo entre São Paulo e a cidade de Catanduva, sendo que uma delas, "Corta Jaca" foi composta quando essa viagem foi feita a pé!!

Antes do álbum ser lançado porém, Arnaldo começou a sofrer sérios problemas mentais e acabou sendo internado no Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo, de onde atirou-se do terceiro andar do setor de psiquiatria. Segundo o próprio, ele atirou-se simplesmente por que não sabia onde encontrava-se, mas alguns "tablóides" sugeriram que ele tentou mesmo o suícidio. De qualquer forma, Arnaldo ficou em coma durante alguns meses, sendo liberado em maio de 1982 para seguir um longo tratamento de recuperação ao lado de alguns médicos e de sua nova esposa, Lucinha Barbosa. Essa foi a fase mais complicada de Arnaldo durante toda sua carreira, já que a queda afetou gravemente os movimentos e também a fala de Arnaldo, mas felizmente não afetando sua genialidade. Por fim, a recém lançada gravadora Baratos Afins (do conhecido Luís Calanca) lançou o álbum de forma quase independente, o que contribuiu e muito para o trabalho ser "garimpado" atualmente nos sebos de todo o país.

 
Em 1987 a Baratos Afins lança o controverso "Disco Voador". Arnaldo ainda recuperava-se da série lesão que afetara seu corpo quando gravou esse disco, de forma totalmente caseira, utilizando apenas um sintetizador e sua voz, a qual estava bastante prejudicada. Como advertência, o álbum trazia um anúncio de que somente os fãs deveriam comprar o disco, o qual foi lançado em uma pequena tiragem de cópias. O álbum traz algumas regravações para "Balada do Louco" (uma inglês e outra em francês), bem como "Jesus Come Back To Earth" (agora chamada "Jesus Volte A Terra"). No mais, temos um esforçado Arnaldo tentando voltar a cantar, mas que, como o disco já anuncia, somente fãs reais devem compreender o que está nesse disco. Para aquele que não é fã, vale pela raridade e também pela bela arte do álbum (feita pelo próprio Arnaldo).

 
Um ano depois, a mesma gravadora lançou algumas gravações de Arnaldo com a Patrulha durante a década de 70, vindo para nós o excelente "O Elo Perdido". O disco contém pérolas do cancioneiro Arnaldiano, começando com a linda "Sunshine", uma das melhores letras feitas por Arnaldo em toda sua carreira.

"Sexy Sua" mostra que a Patrulha fazia bem a Arnaldo. Um hard pesado e forte que viria a ser regravado anos depois por Lobão. O álbum conta com algumas canções que viriam a fazer parte de Singin' Alone, mas com a colaboração aqui da Patrulha, como o caso da terceira faixa do lado A, "Corta Jaca", a qual não difere muito da versão do disco solo. "Trem" encerra o lado A com a versão em português para a música "Train" de "Singin' Alone".

O lado B vem com "Emergindo da Ciência", versão em português para "Coming Through The Waves Of Science", porém aqui de forma bem mais hard rock. Aliás, a Patrulha pode (e deve) ser considerada uma das grandes bandas de hard rock de nosso país. "Raio de Sol" é um rock and roll regado de bom amor, seguida de "Um Pouco Assustador", um bluezão onde a bateria de Rolando parece que vai estourar seus tímpanos Por fim, a balada "Fique Aqui Comigo" encerra esse maravilhoso trabalho da Patrulha com Arnaldo.



Ainda em 88, a Baratos Afins lançou "Faremos Uma Noitada Excelente", o qual traz o registro da gravação de um show de Arnaldo com a Patrulha em maio de 1978. A qualidade e gravação não é das melhores, mas o conteúdo do álbum é excelente. O lado A abre com "Emergindo da Ciência", aqui de forma mais viajante que a versão de "Singin' Alone", predominando bastante o som do piano e a emotividade de Arnaldo nos vocais. "Um Pouco Assustador" vem mais pesada que a versão de "O Elo Perdido", com um belo trabalho do guitarista Eduardo Chermont. "Arnaldo Solizta" encerra o lado A com Arnaldo sozinho ao piano, interpretando um solo diferente de "Honky Tonky", mas tão belo quanto.

"I Feel In Love One Day" abre o lado B, com Arnaldo citando o nome do disco antes da canção começar. A bela letra encaixa-se perfeito na harmonia criado pelos instrumentos da Patrulha. "Cowboy" trás um belo solo de bateria de Rolando Jr. Pena que a gravação não seja boa, mas fica o registro de um dos mais importantes bateristas brasileiros em sua grande fase. Por fim "Hoje de Manhã Eu Acordei" encerra este que foi o primeiro álbum de Arnaldo que ouvi, e que me levou a virar o grande fã deste que é com certeza, o maior gênio da música brasileira.




Em 1989 foi lançado o álbum "Sanguinho Novo - Arnaldo Baptista Revisitado", com vários artistas regravando músicas de Arnaldo, com destaque para o Sepultura em "A Hora E A Vez Do Cabelo Nascer", Paulo Miklos em "Superfície do Planeta" e os Ratos de Porão na "Jardim Elétrico".

Em 2004 Arnaldo lançou "Let It Bed", participando também da volta dos Mutantes em 2006/2007, mas o que ele precisava ter feito ele já tinha feito antes.

E que o Louco seja lembrado para sempre nos confins de um país chamado Bauretz, tocando apenas seu rock and roll durante um belo nascer do sol!

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