Fotos por Soraya Sybele Hossain
O show do guitarrista americano Mark Farner, no último domingo, 11 de março, foi uma verdadeira celebração à boa música e ao rock setentista. O ex-líder do Grand Funk Railroad apresentou-se no Bar Opinião para um público diminuto, mas que agitou junto com o músico durante todos os 90 minutos de apresentação. Ícone do passado, Mark, ao lado do baterista Don Brewer e do baixista Mel Schacher, mudou o rock nos Estados Unidos, adicionando peso e melodia em doses perfeitamente proporcionais, que fizeram inclusive com que o grupo lotasse o Shea Stadium em 1970, batendo o recorde de vendas do Beatles, e outros diversos fatos marcantes da carreira do trio, como levar o público do Led Zeppelin a vaiar os britânicos após o Grand Funk Railroad ter aberto para Jimmy Page e cia.
Depois, como quarteto (tendo o tecladista Craig Frost), o Grand Funk se tornou rapidamente o símbolo do rock americano, graças a álbuns como E Pluribus Funk (1972) e We’re an American Band (1973). Mas o sucesso do grupo não durou muito tempo, e em 1982, o Grand Funk Railroad deixou de existir, reunindo-se esporadicamente, mas sem causar muito estardalhaço.
Passados alguns anos, Mark resgatou sua carreira solo, e com a atual turnê, batizada de “The Loco-Motion Tour”, veio pela primeira vez a América do Sul, acompanhado por uma banda excelente, formada por acompanhado do baixista Lawrence Buckner e do baterista Hubert “The H-Bomb” Crawford , esse último responsável por comandar durante um bom tempo o bumbo de um dos ícones do funk Motowniano, James Brown.
Antes do show principal começar, como de praxe na capital gaúcha, tivemos uma grata surpresa. A banda Cattarse abriu os trabalhos e fez em meia hora o que muita banda grande não consegue fazer nos últimos anos: conquistar um público desconhecido de seu som.
O power-trio formado por Igor Van der Laan, Yuri Van der Laan e Diogo Stolfo, mandou ver com um som empolgante, que misturava elementos setentistas de grupos como Black Sabbath, Led Zeppelin, Taste, Cream e, claro, Grand Funk Railroad. Nada mais apropriado para abrir uma noite que prometia ser pesada, do que ouvir o baixo de Iuri carregado de distorção, como nos bons tempos que Mel fazia isso. Além disso, a performance de palco do baterista era muito similar à de Ginger Baker nos tempos áureos do Cream, e a lamentar apenas a péssima sonorização, que não permitia ouvir com clareza a voz de Igor, apesar de o cidadão em questão mandar ver na guitarra, com muito feeling e inspiração.
Cantando em português, e investindo somente com canções novas, sem ficar repetindo covers como a maioria das bandas de hoje fazem, o Cattarse foi uma sensação, injustamente podada por um senhor careca e barrigudinho, que praticamente invadiu o palco pedindo para o trio parar, e a vaia pegou, afinal, o som do Cattarse realmente agradou, com destaque para as canções “Amanhã a Gente Se Vê”, “Garota, Você Sabe ...” e “Dias Ruins”, e eles poderiam facilmente ficar tocando pelo menos mais meia hora que ninguém ia reclamar. Enfim, parabéns para os caras, e tomara que consigam sucesso na empreitada musical.
Após o ótimo open-act, era a vez dos roadies subirem ao palco para organizar tudo ao pastor Mark Farner (aos que não sabem, ele chegou a ser pastor de uma Igreja Evangélica nos Estados Unidos, convertendo-se ao cristianismo em meados dos anos 80). Eram 21:55 quando Mark subiu ao palco, trajando uma camisa estampada em cores brilhantes com uma imagem de um anjo, cujas asas estavam estampadas nas costas do músico. E ele entrou com o público na mão, pois após um roadie perguntar aos presentes: “Porto Alegre, Are You Ready?”, o trio detonou esse grande petardo que abre o álbum de estreia do Grand Funk Railroad (On Time, lançado em 1969) e que abria os shows do grupo na maioria das vezes em que o trio se apresentou como trio. A partir de então, ninguém mais parou no opinião. Foi um clássico atrás do outro, aonde Mark esbanjou carisma, talento e uma incrível voz, cristalina e perfeita, como que se o tempo não tivesse passado para esse senhor de quase 70 anos.
Agitando bastante, com suas dancinhas nada sensuais e os tradicionais pulos para frente e para trás que marcaram sua carreira, o guitarrista desfilou soberanamente por “Rock ‘n’ Roll Soul”, atiçou a galera ao mandar ver no órgão da introdução agitadíssima “Footstompin’ Music” e fez o Opinião decolar ao entoar os versos do refrão de “We’re an American Band”, na qual o tecladista Karl Propst (que acompanhou nomes como Bo Didley e B. B. King) fez a voz que originalmente é cantada por Don.
“Mr. Limousine Driver” acalmou os ânimos da plateia, mas “Paranoid” colocou tudo abaixo com sua pesada introdução, e com Farner pisoteando o wah-wah como poucos. A balada “Mean Mistreater” levou muito marmanjo às lágrimas, com um show a parte de Mark no órgão, seguida pela sensacional “Shinin’ On”, onde o guitarrista parecia possuído por uma aura iluminada, entoando a frase “Let it shinin’ on” e abençoando à todos os presentes. Esse foi um dos momentos mais arrepiantes da noite.
“Sin’s a Good Man’s Brother” e “Bad Time” fizeram com que a poeira baixasse novamente, mas era apenas para podermos pegar fôlego e se preparar para o grande final. Com um clima alegre e emotivo, Mark convidou-nos para abrir os pulmões, e assim fizemos, seguindo o pastor na oração, cantando a plenos pulmões “Locomotion”, “Some Kind of Wonderful” (durante a qual Mark abandonou a guitarra e tornou-se um verdadeiro pastor comandando seus seguidores com o microfone em mãos) e a fantástica “Heartbreaker”, outra que levou os marmanjos às lágrimas, e que mais uma vez, fez a aura iluminada que cercava Mark brilhar no palco.
O grupo deixou o palco, mas o público queria mais, e aos gritos de “Mark, Mark, Mark”, trouxeram Hubert para fazer um longo solo, que inclusive contou com um duelo percussivo ao lado de Mark. Ao final do solo, o palco explodiu com uma estupenda performance para “Inside Looking Out”, que apesar de não ter sido apresentada como nos anos 70 (repleta de improvisos e solos), incendiou novamente o Opinião, principalmente durante o solo de harmônica feito por Mark.
A apresentação encerrou-se com a clássica “Closer to Home”, a mais bela composição que o Grand Funk Railroad gravou em sua carreira, e com o Opinião inteiro cantando o nome da canção, apresentada na íntegra com seus nove minutos de duração. Era o êxtase do batismos sagrado de Mark Farner na capital gaúcha.
Ao final do show, na saída para o hotel, Mark, Lawrence e Hubert ainda arranjaram tempo para atender aos fãs que pediam por uma foto, um autógrafo ou apenas um aperto de mão, mostrando uma elegância, humildade e empatia com o público que muitos músicos de porte bem menor do que Mark, seja do ponto de vista histórico, seja do ponto de vista musical, possui nos dias de hoje, deixando os presentes ainda mais convencidos de que o guitarrista realmente é uma pessoa diferenciada no mundo da música, seja por causa de sua religião, seja por seu passado, mas diferenciado, com uma atenção raramente vista por um músico que agitou durante 90 minutos, e que nessas alturas, apenas sonha com um banho e a cama de hotel.
Foi uma noite de louvor, inesquecível, onde grandes clássicos do Grand Funk Railroad foram entoados como cânticos para Deus, tendo o pastor Mark Farner como o líder de todo o rebanho de fãs que confortavelmente, deixaram o Opinião já com uma saudosa recordação gravada na memória e nos anais das grandes apresentações de rock que a capital gaúcha já presenciou.
02. Rock ‘n’ Roll Soul
03. Footstompin’ Music
04. We’re an American Band
05. Mr. Limousine Driver
06. Paranoid
07. Mean Mistreater
08. Shinin’ On
09. Sin’s a Good Man’s Brother
10. Bad Time
11. Locomotion
12. Some Kind of Wonderful
13. Heartbreaker
Encore
14. Inside Looking Out
15. Closer to Home
Baita Review! Tô aqui em 2020 ouvindo o Red Album e me lembrando dessa noite rememoravel. Abraço
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