Por Mairon Machado (Publicado originalmente no blog Consultoria do Rock)
Em 1972, o rock progressivo era o principal estilo dentro do rock, principalmente na europa, onde países como Inglaterra, Itália, Bulgária, França e outros geravam grupos com a sonoridade ligada ao progressivo quase que diariamente. A onda tsnuamica do progressivo atigia inclusive grupos que em nada tinham que ver com longas suítes elaboradas, técnicas aguçadas, intrincações instrumentais e letras que contavam histórias sobrenaturais e inovadoras.
Um desses grupos foi o Jethro Tull. Formado em 1967, o grupo sempre teve como presença marcante a figura de seu líder, o vocalista, flautista, violonista, letrista e faz-de-tudo Ian Anderson. Desde o início do grupo, Anderson era quem mandava e desmandava no então quarteto formado além de Anderson por Mick Abrahans (guitarras), Glenn Cornick (baixo) e Clive Bunker (bateria). O primeiro álbum do grupo, This Was (1968), é uma bela representação da sonoridade hardeira que surgia forte no Reino Unido do final dos anos 60, privilegiando influências do blues através da harmônica de Anderson ("A Song for Jeffrey") e dos licks de guitarra de Abrahans em "Dharma for One" e "My Sunday Feeling" A flauta era um instrumento complementar para as canções do grupo.
Páginas 02 e 03 do jornal |
No álbum seguinte, Abrahans deu lugar à Martin Barre (sendo que Tony Iommi, guitarrista do Black Sabbath, chegou a ocupar a posição por alguns dias), e assim, nasceu Stand Up (1969), confirmando ainda mais o peso bluesístico do primeiro álbum, apesar de a flauta surgir com mais destaque, como na versão de "Boureé" (original de Johann Sebastian Bach), onde Anderson faz um show particular, além de Barre esbanjar uma técnica pegada e suja, com destaque para "A New Day Yesterday" e "Nothing is Easy".
Em Benefit (1970), a flauta tomava conta de vez, mas o som ainda era o mais puro e simples rock'n'roll. Canções como "Teacher", "To Cry You a Song" e "Nothing to Say" apresentavam um Jethro Tull um pouco distanciado do blues, com canções um pouco mais longas, e que fez alguns críticos aguçarem os ouvidos para o que viria a partir de então. Esse foi o último disco a contar com Cornick no baixo, sendo então substituído por Jeffrey Hammond.
Páginas 04 e 05 do jornal |
Foi com Aqualung (1971) que finalmente a crítica colocou os britânicos no hall dos principais nomes do rock progressivo. Apesar de Aqualung não ter nada de progressivo, sendo mais um grande disco de rock pesado, onde inclusive está gravada "Cross Eyed Mary", uma das principais canções que o Iron Maiden adorava tocar em seus shows por causa do peso, a flauta viajante de Anderson, mesclada com a introdução de um novo membro no grupo, o pianista John Evan, deram um ar pomposo e clássico ao som do Jethro Tull, que foi rotulado erroneamente de progressivo.
Páginas 05 e 06 do jornal |
Canções como "Aqualung", "Wind Up", "My God" e "Locomotive Breath", só para citar algumas, eram novidades para os críticos, que não percebiam a sutil diferença entre tocar violão, flauta e piano como o Jethro Tull estava fazendo com o que realmente era feito no rock progressivo, com muito mais técnica, trabalho e influências diretas do jazz e da música clássica.
Obviamente, a definição de progressivo e ainda, que Aqualung era um álbum conceitual, não agradou em nada ao líder Anderson. Foi então que Anderson pirou, e resolveu lançar um disco realmente de rock progressivo. Para isso, contratou o arranjador e maestro David Palmer, além de chamar o excelente e virtuoso baterista Barriemore Barlow para o lugar de Bunker. Agora como um quinteto tendo Anderson, Hammond, Barre, Barlow e Evans, o Jethro Tull começou a moldar o disco que mudou de vez o rock progressivo, tornando-o ainda mais gigante do que ele era em 1972, e elevando ainda mais o sucesso obtido por Aqualung, apesar de ser uma crítica direta ao rock progressivo, e que ninguém entendeu assim.
A definição de Anderson é sintomática: "Se os críticos queriam um álbum conceitual, nós demos a mãe de todos os álbuns conceituais, e nós fizemos isso tão bombástico e tão grandioso quanto poderíamos fazer. ... Como todo mundo dizia que éramos uma banda de rock progressivo, decidimos viver essa reputação e escrever um álbum progressivo, mas feito como uma paródia ao gênero".
Anderson juntou ideias durante semanas, e com muito trabalho, passou a desenvolver a canção que acabou virando a única do quinto álbum do Jethro Tull, e que virou a faixa-título do mesmo, o qual completa 40 anos exatamente hoje, 03 de março.
Capa (página 01) e vinis originais |
Lançado nesta data em 1972, Thick as a Brick é um dos mais belos discos da carreira do Jethro Tull, e sua importância para o rock progressivo não está somente na beleza da canção que ocupa os dois lados do vinil simples, mas nas grandes mudanças que o disco proporcionou para o rock progressivo.
Muito do que está dentro do LP demorou tempos para ser concebido, ainda mais vindo da cabeça inventiva de, tanto que quando do lançamento da obra muitos acharam que a história sobre o poema do garoto Gerald Bostock era real.
Sem entrar nos detalhes da canção, o que irá ser contado na próxima quinta-feira, no retorno da sessão Maravilhas do Mundo Prog, farei uma breve descrição dela para aqueles que nunca tiveram contato com essa obra prima. "Thick as a Brick" narra um poema escrito por um garoto de oito anos, o tal Gerald Bostock. Mesmo sendo um menino, Bostock começa a se deparar com diversos fatos que o levam a pensar sobre como é envelhecer, passando das brincadeiras de infância - como pinturas e liga-pontos -, a adolescência - girando em torno da escola, namoro e prática de esportes -, a fase adulta - com casamento, questões de trabalho e viagens - até chegar à velhice e, finalmente, à morte.
Páginas 08 e 09 do jornal |
Tudo isso está escrito dentro do poema, que foi vencedor de um prêmio numa cidadezinha fictícia chamada St Cleeve. Porém, a capa do jornal da cidade, datada do dia 07 de janeiro de 1972, trazia a manchete de que haveria uma fraude na composição do poema, sendo que a princípio quem teria escrito o mesmo seria uma amiga de Gerald. A controvérsia acaba sendo desvendada, com o próprio Gerald assumindo que a tal amiga ajudou ele no poema, mas aí fica uma nuvem no ar se a tal moça não teria sido quem fez Gerald pensar sobre o assunto, tendo assediado o coitado do menino. Basta pensar no próprio título ("espesso como um tijolo") para se fazer essa ligação com o órgão sexual do garoto.
A história é desenvolvida em uma canção muito compĺexa, com grandes mudanças de andamento e que caracteriza essencialmente o melhor que o rock progressivo pode oferecer, através de pequenos e marcantes temas, bem como as várias partes da canção. Além disso, Anderson investiu em novos instrumentos, como o harpdichord, xilofone, timpano, violinos, alaúde, trompete, saxofone e um arranjo de cordas.
Páginas 10 e 11 do jornal |
Enfim, a viagem não para por aí, e se torna ainda mais profunda quando se pega a capa original do LP, a qual vinha em formato de um jornal de verdade (inclusive em papel jornal), contando com 12 páginas onde vemos tudo o que aparece em um jornal tradicional, desde a sessão de esportes e classificados até a sessão de óbitos e nascimentos, passando inclusive pelo próprio poema.
A leitura de todo o jornal (sim, todo o jornal) acaba revelando fatos que passam despercebido no poema. Basicamente, cada página contém exatamente um ponto que está direto na música, tratando exatamente dessa evolução criança-adulto, mostrando praticamente todos os fatos que nos cercam desde o nascimento até a nossa morte, e que assombraram a cabeça do garoto. Um dos fatos mais hilários é uma resenha sobre o próprio LP, apresentando Ian Anderson como o autor do review e com uma crítica um tanto quanto "especial" para a bolacha.
Capa e Contra-capa (Páginas 01 e 12) do jornal |
Além disso, a turnê do álbum, entre 1972 e 1973, foi ainda mais inovadora, onde o Jethro Tull mostrou ao mundo que não era necessário um cenário enorme ou inúmeras luzes e lasers coloridos para atrair a atenção do público, mas sim investir no álbum que estavam lançando, decifrando para a plateia o que estava escondido nos sulcos daquela obra.
Como um espetáculo teatral, com a presença de fantasias, encenações e outros fatos adicionais, que você pode conferir nessa postagem do blog Baú do Mairon em detalhes,o Jethro Tull logo no início decidiu tocar o álbum inteiro, na íntegra, sem se preocupar com as demais composições que já faziam parte do cotidiano dos fãs da banda. Essa ideia acabou amadurecendo, e aos poucos ficou claro que algumas partes eram impossíveis de serem reproduzidas ao vivo. Então Anderson resolveu modificar seus planos, e aceitou incluir outras canções (a saber: "Cross-Eyed Mary", "A New Day Yesterday", "Aqualung", "Wind-Up", "Martin's Guitar Solo", "Locomotive Breath", and "Wind-Up (Reprise)"), além de decifrar com precisão cerca de 80% do material contido no jornal-capa de Thick as a Brick, e mesmo assim, ampliando a versão original de Thick as a Brick para mais de uma hora, podendo inclusive beirar 80 minutos de muitos improvisos durante a canção.
Um dos vários hilários momentos do show de Thick as a Brick, quando um gorila invade o palco (John Evan à esquerda) |
O resultado foi uma hilária turnê, que passou por países da Europa, Austrália, Canadá e Estados Unidos, e que agradou tanto aos fãs quanto a mídia especializada, além de influenciar alguns dos grandes nomes do progressivo da época, Yes e Genesis, que inspiraram-se na obra de Thick as a Brick (e na turnê do mesmo) para criar os principais discos de suas carreiras.
Da parte do Yes, nasceu Tales from Topographic Oceans, um álbum duplo com apenas uma canção, a "Tales from Topographic Oceans", dividia em quatro longas suítes que ocupam cada um dos lados do vinil, cuja turnê apresentava além deste álbum na íntegra, seu antecessor, Close to the Edge, também na íntegra, adicionado de mais duas canções, e tendo no palco vários instrumentos inéditos, como uma cobra que soltava fumaça, um portal em formato de esqueleto de baleia, entre outros adereços.
Da parte do Yes, nasceu Tales from Topographic Oceans, um álbum duplo com apenas uma canção, a "Tales from Topographic Oceans", dividia em quatro longas suítes que ocupam cada um dos lados do vinil, cuja turnê apresentava além deste álbum na íntegra, seu antecessor, Close to the Edge, também na íntegra, adicionado de mais duas canções, e tendo no palco vários instrumentos inéditos, como uma cobra que soltava fumaça, um portal em formato de esqueleto de baleia, entre outros adereços.
Já da parte do Genesis, foi lançado em 1974 The Lamb Lies Down on Broadway, obra prima do vocalista/flautista Peter Gabriel inserida em um álbum duplo com diversas canções interligadas, que formam uma canção única, densa e esplêndida, também apresentada na íntegra durante a turnê de divulgação do mesmo, com muitas fantasias utilizadas por Gabriel, além de um gigantesco projetor de imagens.
Anos depois, o Pink Floyd aproveitou-se das ideias do Yes e Genesis para construir The Wall, mais um disco duplo conceitual onde as canções vão unindo-se para formar uma história complexa, que inclusive já contamos sua história aqui.
Voltando para Thick as a Brick, o disco vendeu muito, atingindo a primeira posição nas paradas da Billboard ainda em 1972, e não foi o único disco progressivo do Jethro Tull, já que no ano seguinte, Anderson e cia. lançaram o também excelente A Passion Play, o qual é constituído apenas da canção "A Passion Play", e com Anderson estendendo ainda mais seus dotes musicais para novos instrumentos, com destaque para a utilizadação do saxofone com mais ênfase do que a flauta.
Depois, o grupo estabeleceu-se em uma zona de profunda repetição, afundando-se pesadamente nos eletrônicos dos anos 80. Em 1988, recebeu o prêmio de melhor performance vocal/instrumental de hard rock/heavy metal daquele ano (ganhando do Metallica com ... And Justice for All), graças ao álbum Crest of a Knave. Era apenas a comprovação daquilo que Anderson sempre defendeu, ou seja, o grupo não era progressivo.
Foto divulgação do LP |
Passados 40 anos de Thick as a Brick, o disco (e a canção) permanece incólume entre os mais importantes lançamentos da história da música. Ouvir a suíte "Thick as a Brick" e descobrir detalhes enriquecedores colocados estrategicamente por Anderson, Barre, Hammond, Evans, Barlow e Palmer, é uma aula essencial para conhecer o rock progressivo, apesar do grupo que criou essa obra-prima de progressivo não ter nada.
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