sábado, 28 de abril de 2012

Os 40 anos de Argus




Não é preciso dizer quanto a música é injusta com alguns grupos. Várias são as bandas que possuíam um potencial extremamente elevado, mas que dificilmente receberam um reconhecimento muito grande, e só acabaram sendo levadas ao grande público através de nomes muito famosos dentro do rock, mas que acabaram se apoiando nos ombros de verdadeiros gigantes combalidos por uma mídia sem fundamento e por que não, preconceituosa.

Um dos principais nomes dessa geração de "bandas desconhecidas" é o Wishbone Ash. Ao lado de Thin Lizzy e UFO, o grupo britânico é uma das referências de um dos principais nomes do heavy metal mundial, o Iron Maiden, e muito devido a um álbum que completa hoje 40 anos. Trata-se da obra-prima Argus, lançada no dia 28 de abril de 1972.


Andy Powell e Martin Turner
Este é o terceiro disco do Wishbone Ash, e foi um divisor de águas na carreira do grupo. Se os dois primeiros discos (Wishbone Ash, de 1970, e Pilgrimage, de 1971) enalteciam um lado próximo ao progressivo, onde as habilidades musicais eram uma mescla de jazz, hard rock e pitadas leves de psicodelia, foi com Argus que o quarteto formado por Martin Turner (baixo, vocais), Ted Turner (guitarra, vocais), Andy Powell (guitarra, vocais) e Steve Upton (bateria) consolidou as famosas guitarras gêmeas, sendo o embrião do que hoje é convencionado chamar de metal melódico.

Para muitos, esse é o grande disco da carreira do Wishbone Ash. E não é por pouco. As sete canções de Argus são reflexivas, envolventes, sedutoras e muito belas, com um trabalho de arranjo elaborado por Turner e Powell que surpreende justamente pela beleza e perfeição, sendo difícil (ou quase impossível) encontrar algo similar ao que foi gravado no LP nesta mesma época.



O disco abre com o lindo dedilhado de violão de "Time Was", uma das mais belas canções do grupo. A marcação do baixo de Martin, junto aos violões, traz a voz do trio Ted, Martin e Andy. O arranjo vocal é perfeito, sobrepondo o dedilhado do violão com uma sutileza inigualável dentro da discografia do Wishbone. Efeitos na guitarra aparecem complementando a parte instrumental, imitando cordas, e o dedilhado continua a encantar o ouvinte.

Repentinamente, a canção muda com a entrada da bateria, e assim, o rock toma conta. Três acordes e muita pegada acompanham a letra, cantada por Martin, alternando momentos calmos com momentos mais agitados, chegando ao primeiro grande solo de guitarra do LP, feito por Ted e com a perfeita companhia de Martin, Powell e Upton.

Ted Turner
Os vocais voltam, cantando mais uma pequena estrofe, e então, o tema das guitarras gêmeas surge, levando para uma pequena ponte, que nos envia para o segundo solo da canção, elaborado agora por Powell, em um estilo muito mais hardeiro do que o de Martin, usando a escala pentatônica para marcar os bends rasgados no cérebro do ouvinte. O embalo traz de volta a letra, cantada agora por Ted e Martin, e então, essa pérola encerra-se com mais um solo, com Powell soltando mais uma vez os dedos, concluindo então com uma rápida virada de bateria.

A bonita introdução de "Sometime World" nos apresenta uma balada, levada pelo embalo dos violões, a bateria de Upton e as tímidas notas de guitarra que se revelam durante a letra cantada por Martin. A simplicidade do primeiro solo de Ted é emocionante, e o trecho cantado em dueto por Martin e Ted comove ainda mais. O refrão em diminutas, junto da maluca sessão instrumental, abre espaço para a pauleira pegar, com destaque para a sensacional escala de baixo, deixando as vocalizações tomarem conta da canção.

Os vocais voltam, agora cantando forte sobre as escalas de baixo e guitarra, levando ao segundo solo da canção, feito por Powell, com uma pegada típica de seus solos. As vocalizações aparecem novamente, cantando mais uma parte da letra, e levando a mais um solo de Ted, onde o grande destaque é a cozinha Upton / Martin, dando um pique alucinante para as rasgadas notas de Ted entoar o longo solo que conclui outra belíssima faixa de Argus.

A clássica "Blowin' Free" encerra o lado A, sendo a mais simples das canções do LP. O riff marcante da canção surge imponente, arrastando tudo o que vem pela frente, com a rufada de Upton sendo o divisor de águas. O baixo cavalgante de Martin dá espaço para as vocalizações cantarem a canção mais conhecida do grupo, enquanto ao fundo, as guitarras fazem intervenções e participações discretas. A virada na ponte central é uma aula de melodia, e os vocais entoando "In my dreams everything is alright" é a mais absoluta definição de clássica, seguida pelas notas tristes da guitarra de Martin, que levam para o fantástico e sujo solo central, voltando então ao início da letra, concluindo então com a sequência tradicional das guitarras gêmeas entoando o riff marcado da canção.


Versão inglesa de Argus (Lado B)
O lado B é diferente do lado A, muito mais pesado e sombrio, a começar por "The King Will Come", outro clássico dos clássicos no hard setentista. Na verdade, ouvir todo o lado B é lembrar da épica "Phoenix" (registrada no sensacional álbum de estreia do grupo). Logo na introdução, o ritmo marcial da bateria cresce junto com o volume da canção, enquanto Powell delira no wah-wah, para dessa forma explodir no riff central de "The King Will Come", tendo o baixo novamente como destaque. O trio Martin, Ted e Powell canta junto, acompanhados por um leve dedilhado de guitarra e a marcação de baixo e bateria. 

Duas estrofes são entoadas, e a guitarra de Martin muda o andamento da canção, chegando então no belo refrão. O arranjo vocal dessa canção é quase celestial. Após uma pequena passagem das guitarras gêmeas, começa o grandioso solo de Powell, pisoteando o wah-wah sem dó nem piedade, arrancando uivos alucinantes de sua Flying V, para então Martin ficar sozinho, dedilhando acordes soltos. Uma bonita sequência de harmônicos e viradas de bateria acompanham o dedilhado, voltando então à letra, passando por mais um tema das guitarras gêmeas e concluindo com a repetição do riff central.

"Leaf and Stream" parece ter saído de algum álbum da dupla Art & Garfunkel, e é outra aula de arranjo instrumental. Os dedilhados de guitarra acompanham os vocais roucos de Martin, facilmente confundidos com os de John Wetton (tanto que Wetton veio a substituí-lo em 1980). A única percussão é a marcação de um pandeiro meia-lua, que assim como o baixo, acompanham o principal destaque, que é o viajante dedilhado dessa maravilhosa canção. O solo de Powell passa quase despercebido perto do lindo arranjo instrumental de uma curta, mas essencial canção.


Steve Upton


O clima sombrio continua com mais um clássico, "Warrior", tendo o marcante riff da guitarra de Ted, sem nenhuma distorção, abrindo espaço para o magistral solo de Powell. As variações de acordes, seguidas por uma marcação nos pratos, acompanham o tema construído por Powell. A dupla de Turners canta a canção, que desenvolve-se hipnotizante nas caixas de som, tendo sempre as mesmas variações de acordes da guitarra de Powell, e os persistentes pratos de Upton.

Mais uma estrofe cantada e "Warrior" muda totalmente. As guitarras gêmeas aparecem com força, entoando um riff pegado. Martin canta uma pequena frase, e então, os vibratos de Ted nos levam ao refrão. A frase central, "I'd have to be a warrior, A slave I couldn't be, A soldier and a conqueror, Fighting to be free ", é intercalada por solos individuais de Powell e Ted durante duas estrofes, com um espetáculo a parte para Upton, e então, o dedilhado das guitarras gêmeas surge, trazendo a última repetição do refrão, fechando com um longo sustain de guitarra.


Finalmente, "Throw Down the Sword" surge como uma sequência de "Warrior", tendo o dedilhado das guitarras gêmeas e um longo rufo de bateria, no mais belo tema do LP. Os acordes soltos dão espaço para a voz de Martin, enaltecendo a ponte central de mais uma bonita e sombria faixa. A segunda parte é cantada pela dupla de Turners, levando então ao maravilhoso solo de encerramento feito pelas guitarra sobrepostas, contando também com a participação especial de John Tout (Renaissance) nos teclados, que encerra de vez esse grande disco.

A turnê de Argus acabou rendendo o excelente ao vivo Live Dates (1973), com a sequência inicial do LP sendo de cara três canções desse clássico ("The King Will Come", "Warrior" e "Throw Down the Sword"), tendo ainda "Blowin' Free" no lado C do vinil duplo. Em 2007, foi lançada uma versão DELUXE, com o CD extra trazendo uma apresentação quase na íntegra de Argus na BBC, excluindo apenas "Leaf and Stream" e "Sometime World", além de outras pérolas como uma magistral versão de mais de dezenove minutos para a épica "Phoenix".

O Wishbone Ash ainda lançaria diversos outros discos depois de 1973, com muitos altos e baixos que acabaram causando um esquecimento do nome do grupo com o passar dos anos, causado também pela constante mudança de formação que tomou conta do grupo na década de 80. Graças a persistência de Andy Powell (único membro original e que nunca saiu da banda), os britânicos mantém-se na ativa nos dias de hoje, tendo lançado seu último álbum ano passado, o interessante Elegant Stealth, e para este ano já está programada uma turnê pela europa.


Wishbone Ash em ação, 1972


Argus foi eleito o melhor disco de 1972 pela revista Sounds, e conquistou gerações de fãs desde então, entre eles Steve Harris, que nunca negou a influência das guitarras de Powell e Turner no que o Iron Maiden viria anos depois. Porém, com o passar dos anos, para grande parte da massa roqueira mundial, Argus acabou sendo apenas um disco referência para a influência de Harris e cia. virando mais um item de colecionador do que o proprietário de um lugar entre os melhores discos da história do rock.

Pouco a pouco, felizmente essa ideia está sendo revertida, e hoje, passados quarenta anos de seu lançamento, Argus já figura nas listas de, se não entre os melhores, entre os mais importantes discos de todos os tempos, permitindo aos jovens atuais descobrir aquele que é o avô do metal melódico.

Uma obra perfeita, sem tirar ou botar, e que deve ser ouvida para todos aqueles que desejam saber da onde surgiram os duelos de guitarras gêmeas apresentados por grupos como Judas Priest, Iron Maiden e outros da geração NWOBHM.





Track list

01. Time Was
02. Sometime World
03. Blowin' Free
04. The King Will Come
05. Leaf and Stream
06. Warrior
07. Throw Down the Sword

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