Se o Esperanto transformou uma pérola dos Beatles em uma maravilha prog, outro grupo obscuro da Europa conseguiu fazer o mesmo, mas agora com uma pérola dos Rolling Stones. A tarefa dessa vez coube aos gregos do Socrates Drank the Conium, que fizeram de "(I Can't Get No) Satisfaction" uma venenosa pedrada na cara, rebatizada com o auto-explicativo nome de "Wild Satisfaction".
O Socrates Drank the Conium foi formado em Atenas no ano de 1969. Faziam parte da formação inicial Αντώνης Τουρκογιώργης (Antonis Tourkogiorgis, baixo, voz) e Γιάννης Σπάθας (Yannis Spathas, guitarras). A dupla contou com diversos bateristas no começo, mas fixou-se posteriormente com Ηλίας Μπουκουβάλας (Elias Boukouvalas). Tendo nascido no auge da ditatura grega, o trio tocava um hard próximo ao Experience de Jimi Hendrix, mas sofria com a repressão do governo grego, que não permitia o lançamento de álbuns britânicos no país (fato que até hoje é satirizado nas lojas de discos da Grécia).
O grupo instalou-se como atração de diversos pubs de Atenas e arredores, fazendo constantes apresentações nos bares da Victoria Square e também nas convencionais casas noturnas do tradicional bairro de Plaka, onde consagraram-se na boate Kyttaro. Os rivais do Socrates eram os grupos Poll, Morka e Exidaktilos. Os dois primeiros apresentavam-se com força no Elaterion, enquanto o último dividia as atenções no Kyttaro.
Mas a rivalidade era sadia, e ambas assistiam uma a outra, com todas pagando geral para o Socrates, que era considerada a melhor banda da Grécia (batendo o famoso Aphrodite's Child, na época ainda instalado na França). As apresentações no Kyttaro tornavam-se cada vez mais atrativas, com o grupo interpretando covers e composições próprias, levando o dono do local a gravar vários shows, que foram compilados no raríssimo LP Η ποπ στην Αθήνα: Ζωντανοί στο Κύτταρο ("O Pop de Atenas: Ao Vivo no Kyttaro"), lançado em 1971.
Álbum de estreia do Socrates Drank the Conium |
Logo após o lançamento de Η ποπ στην Αθήνα, o guitarrista Johnny Lambizzi entrou para ampliar a formação do Socrates, ficando até meados daquele ano. Lambizzi acabou saindo pouco antes da gravação do primeiro LP do grupo.
Lançado ainda em 1972, Socrates Drank the Conium é uma mistura inexata de elementos psicodélicos, hard setentista e incursões progressivas, que tem como destaque as pérolas "It's a Disgusting World", "Starvation" e "Blind Illusion". Com a mesma formação, fizeram uma série de shows, e então resolveram experimentar nos estúdios, adicionando principalmente efeitos na guitarra e no baixo, o que foi impresso nos sulcos do segundo álbum da banda, Taste of Conium.
Esse segundo LP não é tão hard quanto o álbum de estreia, e às vezes nos faz pensar que não estamos ouvindo a mesma banda, o que podemos comprovar na faixa que abre o LP, exatamente a maravilha dessa semana. O grupo transformou o clássico dos Stones, adicionando solos ácidos, virtuosismo exacerbado e improvisações alucinantes que obrigatoriamente transformaram o nome da canção, que dos Stones tem apenas a letra e o riff original.
O grupo injetou o veneno de seu nome em treze minutos de insanidade instrumental, começando com o tradicional riff da guitarra, seguido pelo baixão estourando nas caixas e a bateria punk de Boukovalas. Tourkogiorgis começa a cantar a letra dos Stones, e os primeiros minutos são muito parecidos com a versão original, apenas mais pesada.
É com dois minutos que o bicho começa a pegar. Com Tourkogiorgis cantando "just a little satisfaction, can you give me satisfaction", a velocidade da canção aumenta, até diminuir o ritmo para o riff cavalgante de baixo e guitarra. A bateria passa a ser executada apenas nos tons, e Tourkogiorgis cria uma nova letra para a canção, com muitos gemidos e gritos, que levam para o solo de Spathas, com muitos bends, arpejos e a distorção que caracteriza o som do Socrates nessa época.
Estamos saindo de algum álbum psicodélico dos anos 60, com baixo e bateria sendo os cães de guarda para as viajantes escalas da guitarra, em um longo solo que culmina com o solo de baixo, sem muita criatividade, mas destacando a forte distorção aplicada no instrumento. Tourkogiorgis cria um ritmo próprio, solando sozinho, e depois deixando espaço para o belíssimo solo de Boukovalas.
Depois da loucura feita por Boukovalas, a barulheira toma conta com Tourkogiorgis destruindo as cordas do baixo em uma brutal batalha com a bateria de Boukovalas enquanto um alucinado Spathas arranca as cordas de sua guitarra em alavancadas, bends, longas notas e o wah-wah rasgando notas apavorantes, no êxtase da música, que atinge seu orgasmo com um melodioso solo de guitarra em um ritmo suave de baixo e bateria, que vai ganhando ritmo com o passar do lindo solo de Spathas, encerrando essa maravilha em uma lisérgica retomada do riff principal e o entoamento do nome da canção por Torkogiorgis.
Último LP como Socrates Drank the Conium |
Elias deu lugar para Γιώργος Τρανταλίδης (Giorgos Tradalidis), e Κώστας Δουκάκης (Kostas "Gus" Doukakis) assumiu as seis cordas ao lado de Spathas. o quarteto lançou mais um LP, On the Wings (1973), com uma sonoridade diferente dos anteriores, bastante pesado e influenciado pelo hard britânico da época, perdendo a veia progressiva existente principalmente no segundo álbum do grupo.
Excelente álbum com Vangelis |
Em 1976, mudaram novamente seu estilo e também o nome do grupo, agora batizado apenas como Socrates, no maravilhoso álbum Phos, talvez o melhor trabalho do grupo, que com uma forte incursão pelo progressivo, contava com Spathas, Torkogiorgis, Tradalidis e também o renomeado Vangelis nos teclados. Ali, pérolas como "Every Dream Comes to an End" e a excepcional "Mountains" aguardam suas oportunidades de brilharem aqui na Consultoria do Rock. Mas eu não podia falar dessas maravilhas sem antes comentar a maravilhosa "Wild Satisfaction", principalmente pelo fato de o nome da banda já ser outro na época de Phos.
Socrates em 1980 |
Socrates em 1999 |
O grupo se reuniu em 1999 como quinteto, tendo Spathas, Tourkoyorgis, Makis Gioulis (bateria), Asteris Papastamatakis (teclados) e Markela Panagiotou (vocais), gravando o ótimo ao vivo Live '99, e se mantém nos dias de hoje fazendo shows e excursionanando pelo sul da Grécia e também pela Macedônia, Bulgária e Romênia, aplicando uma sonoridade pesada ao mais denso e inovador progressivo da terra do filósofo Socrates.
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